Sombra de Lobo escrita por Sarah


Capítulo 5
Capítulo 05




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Eles pararam numa cidade grande e pegaram um caso difícil de possessão demoníaca que os arrastou por quase três semanas; lidando em seguida com um Wraith que assombrava uma fonte em um dos parques da cidade e com um Jumbee em um hospital.

Os dois estavam esgotados no momento em que o Jumbee finalmente fora morto — fervido em água sagrada junto com sálvia e alecrim — e quando Remus disse que ia sair, Sirius pensou que o outro precisava de um tempo para si mesmo. Talvez encontrar alguém com quem se deitar... A ideia fez Sirius sentir como se houvesse algo amargo entalado na sua garganta, mas ele tentou o melhor que pôde ignorar a sensação. Sentiu-se um tolo. Céus, ele já tinha tido o suficiente daquilo com James e não tinha aprendido a lição.

No entanto, quando Remus retornou no dia seguinte, Sirius podia jurar que ele não tinha estado com ninguém, a não ser que isso significasse ter se metido em uma briga de bar. Suas roupas estavam bem arrumadas no corpo, mas era como se ele tivesse feito um esforço para que elas parecessem lisas e sem vincos. Apesar disso, Remus parecia mortalmente cansado e dolorido, e estava mancando da perna direita. Um hematoma começava a florescer em sua bochecha esquerda.

Sirius abriu a boca, mas o outro o cortou imediatamente.

— Eu estou bem. Não pergunte.

Ele já passara por aquela discussão antes e sabia que não ganharia aquela briga, então trincou dos dentes.

— Não vou fazer perguntas, apenas venha aqui.

Sirius o colocou sentado na cama. Em silêncio, preparou uma bacia com um bálsamo de hibisco e pegou uma porção de gelo do frigobar. Entregou o gelo para Remus colocar sobre a face e puxou o pé dele para si. O outro protestou, mas Sirius não deu atenção, erguendo sua calça até o meio das canelas e encontrando um corte na base da panturrilha. Limpou o machucado e mergulhou a perna de Remus no bálsamo, enfaixando a ferida depois.

— Você não precisa cuidar de mim — Remus disse, os olhos fixos no colchão.

Era óbvio que ele não estava acostumado com aquele tipo de atenção.

— Você faria o mesmo por mim. Porra, você já fez várias vezes. 

Além do mais, Sirius percebeu, sentindo-se quente e assustado ao mesmo tempo, ver Remus machucado doía nele também. Ergueu-se e pousou a mão na bochecha machucada de Remus, sob o pretexto de avaliar a ferimento, embora, no fundo, ambos soubessem que o gesto era mais um carinho do que qualquer coisa.

Remus inclinou-se contra o seu toque, e Sirius teve a impressão que seu estômago estava cheio de bolhas de sabão.

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Fazia quatro meses desde que eles tinham passado a dividir quartos de motel quando Remus finalmente se descuidou, e Sirius o flagrou sem camisa no meio do quarto.

Havia músculos delicados sob a pele dele, uma profusão de sardas pontilhando suas costas, e, oh, cicatrizes. Lanhos nas costas, um emaranhado indefinido no ombro direito, marcas finas, mas obviamente profundas, adornavam suas costelas, uma linha se curvava sobre a cintura de Remus em direção ao seu baixo ventre. Sirius deixou escapar uma respiração audível, e Remus notou sua presença.

Calma, mas imediatamente, ele se curvou e pegou a camisa de manga longa que estava sobrea a cama, vestindo-a e deixando à mostra apenas a cicatriz que subia por seu pescoço até a face. Em seguida ele voltou-se para Sirius com desafio no olhar, como se esperasse que ele fosse rir das marcas ou começar a perguntar sobre cada uma delas.

Em vez disso, o que Sirius falou foi:

— Você não tem uma tatuagem de proteção.

Remus piscou duas vezes, obviamente pego de surpresa pela declaração.

— O quê?

— Porra, Remus, trabalhamos por três semanas num caso de possessão, e você não tem um símbolo de proteção! Ela também vai ajudar nos casos menores, criaturas das trevas costumam se incomodar com esse tipo de marca... Posso desenhar o símbolo em você em dez minutos.

James tinha feito o mesmo por ele quando os dois tinham treze anos, usando agulhas de costura, no sótão do internato, logo antes das férias de verão. A tatuagem tinha inflamado e Sirius tivera febre por três dias, mas depois disso se tornara muito mais fácil dormir na casa da sua família.

— Não, Sirius.

Dessa vez, foi Sirius quem foi pego de surpresa.

— Por que não?

— Não quero mais nenhuma marca no meu corpo.

Sirius rolou os olhos.

— Nenhuma dessas oferece proteção — disse e Remus deu um meio sorriso condescendente, como se ele fosse uma criança ingênua demais para conseguir entender o motivo de estar errada.

— Nenhum espírito vai querer dividir espaço comigo, Sirius, pode confiar nisso.

Se aquilo era uma piada, havia tristeza de mais na voz de Remus para que ela funcionasse. Sirius estava prestes a dizer isso ao outro quando seu telefone tocou.

O nome de James apareceu na tela, e Sirius não ignorava as chamadas de James. Sempre que ele ligava uma mistura de felicidade e medo enchia seu estômago — James poderia ter se deparado com algo mais forte do que conseguia enfrentar, poderia estar ferido, precisando de ajuda. Alguma coisa escura podia ter se esgueirado para a vida de paz que ele tinha escolhido viver com Lily... Ver a chamada era como rolar uma roleta russa. Sirius lançou um último olhar para Remus, que ainda tinha uma postura um tanto defensiva, pronto para afastá-lo se ele voltasse a insistir em qualquer tema que o incomodasse, e tomou fôlego antes de atender o telefone.

A voz de James soou repleta de felicidade do outro lado da linha. Sirius suspirou de alívio. O clique tinha sido em falso.

Fosse para dar privacidade a ele ou porque desejava mesmo fugir, Remus tinha se refugiado no banheiro assim que ele atendera a chamada. Sirius teve que chamar o outro quando James pediu para falar com ele.

Passou o telefone para ele e observou, vendo as expressões de Remus irem de surpresa a felicidade enquanto ele conversava com James. Quando Remus desligou, voltando-se para Sirius, seu sorriso era quente.

Qualquer traço da indisposição anterior tinha sumido de sua expressão, e ele parecia apenas feliz. Remus vagou até Sirius sentando-se ao seu lado na cama, tão perto que seus ombros e joelhos se tocavam. Por um instante Sirius achou que poderia derreter com sua própria alegria e a alegria de Remus combinadas.

— Alguma vez você imaginou James como um pai?

Sirius balançou a cabeça. Uma centena de provocações mordazes passou por sua mente, mas afinal ele decidiu apenas ser honesto.

— Nem pensar. Mas James sempre cuidou de mim, ele vai se sair bem.

Remus assentiu como se pudesse compreender muito bem aquilo. Em seguida empurrou o corpo de Sirius com os ombros, seu sorriso se tornando malicioso.

— James falou com você sobre a escolha do padrinho?

Sirius fez uma careta.

— Se for uma menina, será você, se for um menino, vai ser eu. Pode comprar as roupinhas azuis, Lupin.

— Nem pensar! Minha avó conhece ótimas simpatias para escolher o sexo da criança. Você não vai ganhar essa!

— Se acredita nessas merdas eu nem deveria estar caçando com você! — Sirius falou, revirando os olhos, mas Remus deu de ombros.

— Vale tudo na guerra, Black. — Ele fez uma pausa, e Sirius pôde jurar que ele havia se inclinado contra seu tronco. O peso extra não foi desconfortável. Sirius teve a sensação de que eles se encaixavam. Por fim, Remus suspirou. — Devíamos beber em comemoração a isso.

Normalmente Sirius tinha que arrastar o outro para os bares, ou ele simplesmente ignorava seus convites e permanecia no quarto de hotel. A sugestão tornou seu sorriso ainda maior.

— Essa é sempre uma boa ideia.

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Os dois saíram e, céus, Sirius ficou bêbado, mas Remus também. Por algum tempo esse fato soou meio mágico. Remus apenas estacionara no primeiro estabelecimento que vendia bebidas alcoólicas  que eles encontraram, e dois acabaram num pub que aparentava ter centenas de anos e que misturava uma temática medieval com peças da segunda guerra em sua decoração.

Era uma quinta-feira e o lugar devia estar com apenas metade da sua lotação, porém ainda era apertado. Ambos sentaram no bar, lado a lado. Sirius perdeu as contas de quantas rodadas de cerveja tinha pedido, e então eles passaram a dividir uma dose de vodca com suco de cranberry, tomando os dois do mesmo copo apenas por capricho.

Em certa altura eles decidiram que era uma boa ideia ligar para James novamente e dar outras felicitações. Quem atendeu foi Lily, porém ela acompanhou suas piadas bêbadas parecendo terrivelmente divertida, e agradeceu com sinceridade.

— James escolheu bem — Sirius murmurou ao desligarem, mais para si mesmo do que esperando que Remus ouvisse. De qualquer forma, o outro concordou, passando o braço por trás da sua cadeira.

Sirius podia sentir o toque dele muito de leve quando se mexia, mas um calor agradável irradiou por seu corpo diante do gesto. Ele não procurou se afastar, e Remus manteve a posição mesmo depois de pedir mais uma dose.

Oh, Sirius cambaleou quando os dois decidiram que já tinham tido o suficiente. Por alguns passos Remus apenas o guiou, uma mão pousada na base das suas costas, porém logo ele precisou realmente ampará-lo, envolvendo o braço em sua cintura para ajudar a suportar peso do seu corpo.

No estacionamento, Remus o conduziu para que eles se desviassem de um casal que se beijava logo além da entrada do bar. Sirius pensou em James, e em como ele estaria dormindo ao lado de Lily naquele instante, a mão descansando sobre a barriga dela, ambos em paz. Ele olhou de esguelha para Remus.

— Você inveja o James?

Os passos de Remus tornaram-se mais lentos, e ele pareceu considerar a pergunta.

— Não — respondeu por fim. — Mesmo que um dia eu pare de caçar, acho que não vou ter uma vida como a do James. Não com uma esposa e filhos.

Sirius tentou aquiescer, mas isso fez o chão se inclinar, então ele parou.

Ao chegarem no carro Remus o depositou no banco do carona, puxando o cinto para prendê-lo.

— Eu posso fazer isso — Sirius contestou, mas era tarde demais. Remus riu, sua respiração contra a bochecha de Sirius. No instante seguinte ele estava batendo a porta.

O bastardo tinha trapaceado, Sirius se deu conta. Em algum momento ele tinha passado a beber muito menos e o álcool não o alcançara com tanta força.

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Apesar da bebida, Sirius não se sentia muito propenso a dormir ao chegarem no quarto de hotel. Era um estabelecimento medíocre e tudo rangia. A suíte também era minúscula. A cama de Remus ficava a uns quarenta centímetros da sua. Sirius sentou-se na beirada do colchão enquanto Remus pegava a bolsa onde guardava seus produtos de higiene — de plástico transparente com costuras vermelhas, que tinha sido brinde de um posto Shell —, pensando que poderia alcançar o outro durante a noite se estendesse os braços.

— Você pode usar o banheiro — Remus anunciou ao sair do aposento. Em vez de se mexer, Sirius sacudiu a cabeça. Remus sentou na cama ao seu lado e cutucou sua canela com os pés. — Vamos lá, Sirius.

— James vai ter um filho. — Aquilo ainda parecia irreal. Remus concordou com um aceno, como se tivesse percebido que ele precisava de uma confirmação. — Eu vou ser o padrinho.

Remus sorriu de canto.

— Vai ser uma menina, eu quem vou ser.

— Não. — Sirius não pretendia ser tão sério, mas foi assim que soou. — Eu mereço mais.

A declaração fez o sorriso de Remus morrer. Ele respirou fundo e desviou os olhos.

— Você gostava do James, não é?

Oh, ele poderia acusar Remus de se aproveitar da sua bebedeira, mas, afinal, Remus também estava meio bêbado. De qualquer forma, aquele não era o tipo de questionamento que alguém fazia sem conhecer a resposta.

Sirius baixou a cabeça, sentindo-se mais perto de vomitar por causa de bebida do que estivera desde os dezessete anos. Ao fim, foi a verdade que escapou.

— Eu estive apaixonado por ele desde o colégio. Isso sempre foi uma merda, mas, porra, não dava para evitar. Você conhece o James, você sabe que é difícil não se encantar por ele. — Ao erguer o olhar para Remus, percebeu que ele tinha um olhar estranho, como se estivesse prestes a chorar, e isso não fazia muito sentido. — Obviamente, ele nunca esteve muito interessado... Por um tempo pensei que ele podia gostar de você, e que você gostava dele.

Remus riu perante a afirmação, mas o som foi meio dolorido.

— Acho que eu estava mais interessado em você. Céus, James falava de você como se você fosse a melhor pessoa no mundo — ele disse e corou, desviando os olhos. — Merda, James sempre está certo.

Sirius não sentiu seus músculos se moverem, mas no instante seguinte ele estava inclinado sobre Remus, sua boca contra a dele, beijando-o.

O outro não fez nenhum gesto para repeli-lo. Remus foi gentil — Remus era sempre gentil. Sua mão escorregou até a parte de trás da cabeça de Sirius, os dedos se emaranhando nos cabelos da sua nuca, como se ele não quisesse deixá-lo ir. Ambos se beijaram com desespero por um longo momento, línguas, dentes raspando e um lento deslizar de lábios. Ao mesmo tempo, foi delicado, e Sirius não poderia imaginar nada diferente, considerando a personalidade de Remus. Quando o beijo esmoreceu eles ainda permaneceram um tempo unidos, compartilhando o alento um do outro, suas bocas tocando-se levemente até Remus se apartar apenas o suficiente para apoiar a testa contra a sua.

— Remus... — Sirius sussurrou após, porém Remus o interrompeu, afastando-se definitivamente.

Suas pupilas estavam dilatadas e a respiração falha. Sirius nunca tinha visto suas bochechas tão vermelhas. Em contrapartida, Remus também nunca parecera tão assustado, nem nas piores caçadas.

— Você deveria tomar um banho antes de deitar — ele sugeriu num óbvio esforço de parecer natural. A voz dele soou embargada mesmo assim.

Sirius assentiu, porém antes de seguir até o banheiro curvou-se e beijou a fronte de Remus num toque muito leve.

Ao retornar, Remus estava aninhado na própria cama, dormindo ou fingindo dormir.


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