Histórias Cruzadas escrita por calivillas


Capítulo 54
Chorei igual a um bebezinho




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Dentro da ambulância, os paramédicos cuidavam de Louis, com urgência, abriram sua camisa, colocaram um tubo de oxigênio no nariz dele, pegaram uma veia, injetaram uns medicamentos, falavam um monte de coisas que eu não entendia e me faziam um monte de perguntas que não sabia responder, estava cada vez mais preocupado com o velho, que estava pálido e parado.

— Deixe para lá, ele é apenas um garoto, não sabe de nada. Veja os documentos dele se tem alguma recomendação – um dos paramédicos falou para o outro, que pegou a carteira do velho e abriu.

— Aqui diz que ele é morador de outra cidade, cardiopata e sofre de uma leve demência senil.

— Ele não devia estar andando por aí, sozinho, com um garoto.

Eles entraram empurrando a maca, correndo pela porta do hospital, gritando um monte coisa para os outros que vieram apressados, parecia que o negócio era grave. Levaram Louis para uma sala, onde não podia entrar, fiquei esquecido por algum tempo, sentei em uma das cadeiras, morrendo de medo que ele morresse e se isso acontecesse, eu estaria encrencando?

Os policiais apareceram através da porta de entrada, eu torci para que não me vissem, mas não deu, eles vieram na minha direção, tive receio que checassem a minha ficha e descobrissem o que já fiz, agora, não tinha mais minha mãe para livrar minha cara.

— Como é que você está, garoto? – o policial negro perguntou, sentando-se ao meu lado.

— Bem.

— Tem alguém que possa vir te pegar aqui?

— Meu pai mora em Saint-Antoine.

— Então, é melhor você ligar para ele, porque deve estar preocupado.

— Eu não tenho telefone, esqueci o meu em casa.

— Tome use o meu - Ele tinha razão, mas eu não tinha coragem, mas ele ficou me encarando, até que eu pegar o telefone e ligasse, não sabia como Jean-Pierre iria reagir.

— Jean-Pierre, sou eu David – disse de cara, pois sabia que ele estranharia o número desconhecido.

— David, onde você está? – ele perguntou, nervoso.

— Em um hospital.

— Meu Deus! Em um hospital? Você está ferido? – Estava cada vez mais aflito.

— Não, estou bem. Estou com o senhor Fraser.

— Louis?

— Sim, ele passou mal e eu chamei ajuda.

— Fez bem e qual hospital vocês estão?

Quando disse o nome do hospital e onde ficava, Jean-Pierre se descontrolou, começou a brigar comigo, me chamando de irresponsável, se não fosse pelos policiais ali, eu desligaria na cara dele, por isso, fiquei ouvindo.

— Vai demorar para eu chegar aí, vou falar com Celine e iremos juntos, enquanto isso, vou ligar para a sua avó, para que fique aí com você.

— Não, por favor, minha avó não – Sabia que a mãe da minha mãe iria me encher a paciência.

— Ela que mora mais perto. Não saía daí.

Desligamos, mesmo chateado, eu avisei aos policiais que minha avó viria para ficar comigo, mesmo assim, eles só foram embora, quando ela chegou voando no hospital, com a cara emburrada, perguntando o que estava acontecendo.

 Não ouvi o que eles conversaram, não me interessava, eu só queria saber como Louis estava, perguntei a um monte de gente, mas ninguém sabia me responder, só mandavam eu esperar, estava cada vez mais preocupado e irritado. Sem escolha, sentei em uma cadeira, minha avó sentou-se ao meu lado.

— É justo, David, depois de tudo que passamos você continuar fazendo isso?

— Eu não fiz nada – respondi, olhando para as pontas dos meus tênis.

— Nós acabamos de enterrar a sua mãe, a minha filha, não devíamos estar passando por algo parecido.

— Eu já disse que não fiz nada – falei, no limite da minha paciência.

 - Às vezes, você parece com o seu pai, egoísta e irresponsável – ela disse, cheia de rancor. Eu dei um pulo da cadeira, ficando de pé, bem na frente dela.

— Nunca mais fale isso! Eu não sou igual a ele! – berrei, meu rosto queimava, fechei minhas mãos com tanta força até meus dedos doerem. Ela me olhou horrorizada, todos olharam para mim, espantados, só queria sair dali, esfriar a cabeça, então virei de costa e comecei a andar.

— David, aonde está indo? Seu pai deve estar chegando – ela falou para as minhas costas, mas eu não voltei, não ligava para mais nada.

 Sai do hospital, já estava escuro lá fora, quanto mais eu me afastava mais vazia ficavam as ruas, mesmo assim, continuei andando e andando, sem olhar para trás, não queria voltar e ouvir que eu me parecia com o meu pai, um cara que nem conheço, mesmo assim odeio, porque ele deixou minha mãe e a fez sofrer e não me quis. Não sabia por onde ia, comecei a sentir frio, podia tomar um café, coloquei a mão no bolso e tirei a carteira, 20 euros, não dava para muita coisa, não sabia o que fazer, estava cansando de andar, quando passei por um jardim, sentei em um banco e me encolhi para me aquecer, não havia ninguém ali, em volta. Se tivesse em Saint-Antoine, poderia ir para a casa de um dos meus amigos, mas aqui não conheço ninguém nessa cidade. O cansaço me venceu, fechei os olhos e dormi.

— Ei, garoto! – Acordei, assustado, com alguém ao meu lado, um homem malvestido, que cheirava a bebida barata. Dei um pulo e me sentei no banco, pronto para fugir. - Você tem um cigarro? – ele perguntou, mal podia ver sua cara de bobo.

— Não, eu não fumo.

— Tem algum dinheiro que possa me arrumar?

— Não, não tenho nada.

— Você está mentindo. O que fez para fugiu de casa? Roubo alguém?

— Não, eu não fiz nada. Vá embora, me deixa em paz!

— Eu não vou a lugar nenhum, esse lugar é público – o homem me enfrentou.

— Então, eu vou – levantei e comecei a andar rápido.

— Volta aqui, garoto! Não tenha medo, não vou fazer nada com você! – ele gritou atrás de mim, dei uma rápida olhada para ver se ele estava me seguindo, então corri para mais longe, até meu peito não aguentar, parecia que ia explodir. Só queria um lugar para descansar um pouco.

Olhei ao redor, estava bem escuro, há poucas pessoas na rua, já era muito tarde. Logo ali adiante, vi uma grande estátua, homenagem algum fulano importante, sentei-me junto a sua base, mais protegido do frio e da visão de estranhos. Comecei a pensar no que será a minha vida de agora em diante, sem mãe, sem pai, minha avó não gosta de mim, meu padrasto me acha um peso e ele tem Cecília, minha irmãzinha, e não tenho mais ninguém, estou absolutamente sozinho, então, chorei igual a um bebezinho, ainda bem, que não tinha nenhuma pessoa por perto para ver isso. Chorei tanto que acabei dormindo.


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