Histórias Cruzadas escrita por calivillas


Capítulo 52
O tempo está acabando




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 O trem parou, o velho entrou e eu o segui, encontramos lugares juntos, ele ficou calado e pensativo, me ignorando por algum tempo. Olhávamos para fora, vendo a paisagem mudar rapidamente.

— Eu conheci Celine em um trem, na verdade, em uma estação – o velho começou a falar, de repente, mas não estava com nenhuma vontade de escutar aquela conversa, continuei olhando pela janela, mas, ele não se importou. – Faz quase quarente anos, eu estava na estação, quando eu a vi na plataforma do outro lado, ela era a uma belezinha, pode se dizer que foi amor à primeira vista, então, não podia perdê-la, sai correndo para alcançá-la antes que o trem dela chegasse.

— E alcançou?

— Não, o trem chegou e eu a perdi. Então, fiquei indo aquela mesma estação, no mesmo horário, durante semanas, já estava desistindo, quando, em uma tarde, eu a encontrei de novo, mas não tive coragem de me aproximar, a segui até a porta da sua casa. Quando, finalmente, me aproximei, ela pensou que fosse um ladrão, começou a gritar, então tive que me explicar, contar tudo que aconteceu, mas ela não acreditou em mim, só acreditou, no momento, que descrevi sua roupa do outro dia – Ele sorriu com a lembrança. Que coisa estranha.

Enquanto, ele falava, eu pensava que fazia um dia que enterrei a minha mãe, na cidade para onde estávamos indo agora. O fiscal pediu os nossos bilhetes, um velho e um garoto viajando juntos, não chamavam a atenção.

— Quando André saiu naquele dia, para viajar, eu estava trabalhando na minha mesa, ele se despediu da porta, eu disse boa viagem, mas não ergui a cabeça, não o olhei, não lhe dei beijo, um abraço, nem disse que o ama. Ele se foi, nunca mais voltou. O tempo passa, primeiro vem a dor, que devagarinho virá saudade. A saudade se torna lembranças. As lembranças vão ficando mais vagas e tênues, quase como um sonho, uma ilusão, mas você nunca esquece, estão sempre lá, guardadas em um canto escuro da sua alma. 

Ele continuava a falar quase para si mesmo, olhando para o vazio.

Merda! Esse velho não cala a boca nunca, não quero ouvir isso.

— Dá para voltar para qualquer época por esse tal de buraco de minhoca? – quis saber, imaginando que poderia salvar a minha mãe, avisá-la da doença antes que a matasse.

— Bem, não há estudo específico para isso, ainda não há nada provado.

— Então, quer dizer que a gente pode atravessar por ele e pode cair em qualquer lugar e em qualquer época. Já pensou você poderia aparecer no meio de uma guerra ou num vulcão ou até no sol.

— Bem, isso, teoricamente, seria possível, mas...

— Mas, você não sabe de nada – rebato aborrecido, cruzo os braços na frente do peito e bufo, ele se cala, fica abatido, mas, logo, depois, levanta os ombros.

— Sei que o meu filho está lá e precisa de ajudar para sair.

Dou de ombros, esse velho é maluco mesmo, só espero que não ponha a gente em nenhuma encrenca.

 Chegamos a estação final, que é enorme e muito movimentada, há trens partindo para um monte de lugares, há gente correndo para todo lado arrastando malas. Os quadros de avisos luminosos piscam e mudam o tempo todo, avisando das próximas chegadas e partidas. O velho parece tonto com toda aquela confusão, fica olhando em volta, como se não soubesse o que fazer ou para onde ir. Então, tirou os papéis do bolso e começou a ler, coçou a cabeça, olhou para um lado e para o outro, e eu apenas esperava, estava perdendo a paciência.

— É por aqui! – ele gritou, aponta uma direção e saí andando, eu bufo, reviro os olhos e o sigo.

Ele tenta andar rápido com seus passos curtos e seu corpo duro, respirando forte, ofegante, por causa do esforço. Saímos da estação, ele escolhe um dos lados e vai em frente. Andamos, andamos e andamos, as ruas vão ficando mais estranhas, estamos na periferia, uma área desconhecida para mim, há muitos imigrantes, gente esquisita, que nos olham de modo desconfiados, para eles, os estranhos somos nós. Os prédios são malcuidados, as ruas não têm a belezas das áreas mais centrais, fico com medo, não estou acostumado com isso, cresci em uma cidade pequena.

Percebo que o velho está mais ofegante, respirando com dificuldade, tem suor na sua testa.

— Você não quer parar um pouco? – Ele vacilou, sei que quer, mas tem medo de chegar atrasado no sei lá o quê. – Eu estou com fome, podemos comer alguma coisa – digo a verdade e ele concorda com a cabeça.

Entramos em um café de aspecto bem simples, pedimos sanduíches de queijo e presunto, eu, refrigerante, e ele, um café. Ele parece mais tranquilo agora, enquanto comemos.

— Para onde estamos indo?

— Para um lugar aqui perto, sei que o portal está próximo – Novamente, ele pega os papéis e um mapa e abre sobre a mesa, faz algumas contas, olha de novo para o mapa e coloca um x. – É aqui! – Aponta para a marca, dou de ombros, não acredito nele.

— Aqui onde? – quero saber, mas ele olha para o relógio de pulso, consulta os papéis, mais uma vez.

— Está ficando tarde, perderemos a hora exata, se não nos apressarmos. Chamou a garçonete e pediu a conta antes mesmo de acabarmos de comer.

A moça trouxe a conta, ele não conferiu, joga uma nota de 20 euros que é muito mais do que gastamos e se levantou, sem me esperar, pego o meu refrigerante e o meu sanduiche e saio, apressado, atrás dele, ainda comendo.

— Ei! Por que tanta pressa?

— O tempo está acabando. Preciso chegar ao local na hora perfeita, quando o portal, estiver na sua maior potência para que possa entrar e retirar o meu filho de lá.

 Já estava ficando cansado de seguir o velho, podia dar meia volta e ir para a estação e pegar um trem para casa, não entendia porque não fazia isso, ao invés de continuar em frente, por aquelas ruas cada vez mais estranhas e desertas.

— É ali! – ele gritou, quando viramos uma esquina e, no fim da rua, havia uma construção grande e cinzenta, parecia uma fábrica abandonada, que tive certeza que era, quando nós nos aproximando e vi todas as janelas com os vidros quebrados, as paredes pichadas, as portas trancadas, muito lixo em volta.

— Você vai entrar aí, vai? – Não podia esconder o meu medo.

— Sim, é aí que está o portal – disse, com firmeza, passado pelo terreno cheio de entulhos.

— Mas, esse lugar parece estar abandonado, há muito tempo.

— É assim mesmo, o portal aparece nesses lugares que canalizam a energia da cidade, pois estão vazios.

Não entendi, nada. Ele puxou o portão com força até ficar vermelho, mas esse não se moveu, então, eu o ajudei, abrindo uma pequena brecha para a gente passar. O lugar estava escuro, a pouca luz que entrava vinha das janelas quebradas, mas logo iria anoitecer e tudo ficaria um breu. Além disso, cheirava muito mal, lixo, podridão, urina e fezes, era nojento, precisava ter cuidado para ver onde estava pisando, enquanto entravamos mais e mais, estava assustado.

— Você tem certeza que é aqui mesmo?

— Sim, eu tenho.

A essa altura, a pouca luz que vinha lá de fora começou a diminuir, com o entardecer.

— Acho melhor a gente ir embora e voltar amanhã.

— Não tem que ser hoje! – ele falou duro comigo.

— Ok! Tudo bem!

Continuamos a andar com muito cuidado, aquele lugar era horrível, como em um filme de terror e, volta e meia, escutávamos sons estranhos, talvez, o vento ou algo caindo, barulhos de ratos, outras vezes, alguma coisa estalava nos nossos pés. Passamos, por uma grande porta que levava a um lugar enorme, cheio de móveis quebrados e lixo, Louis tropeçou quase caiu, se não fosse eu segurá-lo.

— Senhor Fraser, isso aqui está perigoso, a gente pode voltar depois com uma lanterna, de dia, não dá para ver nada – disse, então a gente viu uma luz bem longe.

— Ali! – Ele apontou aflito e saiu apressado em direção a luz, entrando em outra sala, cheia de fumaça, identifiquei logo o cheiro.

— Louis, vamos sair daqui – pedi mais uma vez, segurando o braço dele.

— Não – ele se soltou com um puxão e continuou tateando na direção da luz.


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