Histórias Cruzadas escrita por calivillas


Capítulo 51
Outros mundos




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Não conseguia dormir, fiquei deitado no escuro, ouvindo o silêncio, pensando no homem da praça, mesmo querendo negar, não podia parar de imaginar se ele poderia ser o meu pai. Quando era criança, eu queria muito saber quem ele era, como seria, o que fazia, mas agora, não me importava, não dava a mínima, pois ele nunca me quis, nunca fez parte da minha vida. Escutei o som de uma porta se abrindo e se fechando, Jean-Pierre foi dormir, mas, acho que não no quarto que dividia com minha mãe, talvez, no quarto vazio de Cecília.  Ele também não suportaria entrar ali, no lugar que mais guardava as lembranças dela, onde ainda podia sentir o seu cheiro, quase ouvir sua risada, aquele quarto estava impregnado por ela. A casa ficou silenciosa outra vez e, finalmente, sem perceber, consigo dormir.

Acordei tarde, não vou a escola hoje, fui dispensado esses dias, mesmo porque não teria cabeça para aquelas aulas chatas. Fiquei deitado, quase sem me mexer, não quero sair da cama, não quero ver ninguém. Lá embaixo, ouço Francine cuidando da casa, não tenho vontade de fazer nada, nem mesmo troquei de roupa para dormir, estava com as mesmas que usei durante todo o dia anterior. Finalmente, sou vencido pela vontade de urinar, levanto, de relance, vejo da minha janela, Celine sair de casa com uma sacola na mão, provavelmente, foi fazer compras. Apesar de tudo, a vida continua, vou até o banheiro e me alivio, Francine grita lá de baixo:

— David, venha comer alguma coisa, já está tarde!

 Não respondo, volto para o meu quarto, quero ficar sozinho, meu estômago está embrulhado por causa o conhaque de ontem à noite, mas não me importo. Quando passo pela janela, vejo o velho saindo pelo portão, olhando para os lados, como se estive fugindo, estava usando o mesmo casaco comprido e pesado da noite anterior, onde do bolso podia ver a ponta de vários papéis, mas dessa vez estava de calças e sapatos, e uma boina. Quem é que usa boina hoje em dia? Ele foi na direção da estação, talvez, para pegar o tal trem para algum lugar, mas eu não tinha nada com isso, não era problema meu.

O velho começou a se afastar, andava depressa de maneira engraçada, parecia bem determinado, minha mãe gostava deles. Minha mãe...  Não sei o que me deu, sai correndo atrás dele.

— Ei, David, aonde você vai com tanta pressa? – Francine perguntou as minhas costas.

— Não vou demorar – respondi, sem parar de andar.

Mesmo o velho andando rápido, eu o alcancei, com facilidade.

— Aonde vai com tanta pressa, senhor Fraser? - perguntei, quando cheguei perto.

— Vou pegar o trem – Ele não parou, nem olhou para mim.

— Um trem para onde?

— Paris, onde encontrei um desses buraco de minhoca, uma passagem para encontrar o meu filho e trazê-lo de volta para casa. Eu já esperei por muito tempo por isso – respondeu, quase sem ar, por andar tão rápido.

— Paris? Como sabe que a tal passagem está lá? – Eu não acreditei, o velho era doido.

— Fiz os cálculos, está tudo aqui! – Então, ele parou, tirou um monte de papéis amassados do bolso e sacudiu na minha cara.

Peguei os papéis, que de alto a baixo estavam escritos, cheios de cálculos matemáticos complicados.

— Eu não sei nada disso – disse, sem me esforçar para entender.

— Já imaginava. É por isso, preciso chegar até lá – Ele tirou os papéis das minhas mãos, guardou no bolso outra vez e voltou a andar, eu o segui.

— Celine sabe disso?

— Não, ela não acredita em mim. Perdeu a fé na ciência, se apegou a religião, só sabe rezar, diz que precisamos de um pouco de paz e fé.

 - Você não pode fazer isso sem falar com ela? – Ele parou, outra vez, e me encarou, zangado.

— Por quê? Tenho 68 anos e posso fazer o que eu quiser.

— Então, eu vou com você.

— Faça como achar melhor – Deu de ombros e voltou a andar, estávamos chegando a estação.

Na estação, ele foi direto para a bilheteria, apalpei meus bolsos, menti que não tinha dinheiro, ele deu de ombros e comprou uma passagem para cada um de nós dois, mas estava mesmo procurando o meu celular, que com a pressa de sair, esqueci em casa. Jean-Pierre ficaria furioso, mas não dava para deixar o velho sozinho, nessa viagem maluca.

Sentamos em um banco na plataforma, a espera do trem, ele pegou os papéis e começou a estudá-los, resmungando baixinho, como estivesse fazendo contas, enquanto eu observava as diferentes pessoas a minha volta, cada uma ocupada com a sua vida, sem saber quanto tempo duraria, já que no fim, toda aquela pressa e preocupações não adiantaria em nada, pois, em 30, 20, 5 anos ou mesmo amanhã, estariam todos mortos.

— O que são mesmo esses tais de buraco de minhocas? – quis saber, mais para puxar conversar e afastar aquelas ideias da minha cabeça do que por interesse.

— Um buraco de minhoca é uma característica topológica do contínuo espaço-tempo, a qual é, em essência, um atalho através do espaço e do tempo.

— Tipo um túnel que você pode ir de um lugar para o outro e para tempos diferentes?

— Sim, tipo um túnel, ou melhor, um portal.

— Muito bizarro! Mas, eu pensei que só existiriam no espaço e que seriam muito pequenos.

— É um erro comum. No entanto, eu estudei muito sobre esse assunto desde que André desapareceu. Não havia outra explicação para o sumiço dele, tão abrupto e sem sentido, só que ele deveria ter sido engolido por um desse buraco, assim como muitas pessoas, até mesmo aviões e mesmo navios. Já ouviu falar no triângulo das Bermudas?

— Sim, mas pensei que fosse só uma lenda.

— Não, é bem real, eu pesquisei muito sobre isso. Então, eu descobrir uma dessas passagens.

— Em Paris? Se houvesse uma lá já não saberiam?

— Não, é muito difícil imaginar algo assim, só sabem das histórias das pessoas que desaparecem misteriosamente, sem explicação ou aviso, a polícia acaba dando uma desculpa qualquer. Para falar a verdade, suponho que haja uma passagem dessas perto de cada grande aglomeração de humanos, possivelmente, pelo desequilíbrio de energia que produz causando um lapso nas divisões entre o tempo-espaço das dimensões paralelas, criando essas comunicações para outros mundos.

— Então, você quer dizer que essas pessoas passaram por desses buracos e desapareceram?

— Algumas, mas não desapareceram, simplesmente, só estão vivendo em outro lugar ou em outro tempo.

— Como você sabe que seu filho passou e está em outra dimensão? – Eu o provoquei, queria ver a sua reação.

— Porque não há outra explicação para ele ter desaparecido daquele jeito. O trem. – Ele respondeu seguro, se levantou, afastando-se de mim, sabia que queria evitar a resposta.

 O velho era louco, mas se fosse verdade, se houvesse mesmo uma chance de voltar para o passado, eu poderia me encontrar com minha mãe outra vez, não deixaria ela morrer.


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