O Preço da Verdade escrita por George L L Gomes


Capítulo 2
Capítulo 02




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As mãos que surgiram das pedras puxaram as duas garotas com uma força sobrenatural, prendendo-as ali, fazendo com que ambas sentissem seus músculos serem esmagados contra a superfície dura que feria-lhe a pele. Dois dos garotos, embora muito assustados e trêmulos, tentavam a todo custo puxá-las na direção contrária, infelizmente, sem muito sucesso. O terceiro, mesmo vendo o que se passava às suas costas e desesperado para ajudar os demais, tinha outros desafios naquele momento.

Frente ao grupo, em passos lentos como se desejassem apreciar cada minuto daquele show de angústia e medo, os lobos, que agora eles sabiam que definitivamente eram da única espécie de lobos existentes no país, faziam a escolta da velha mulher que ainda trajava toda a roupa ritualística de antes. Os olhos, de um vermelho brilhante, deixava claro que ela não desistiria deles.

—Eu disse a vocês, minhas pequenas crianças… Não há como fugir de mim. Até o nascer do sol, cada um de vocês morrerá. - o riso macabro ecoou, quase estourando os tímpanos dos até então sobreviventes, causando-lhes dor e aflição.

♦ 10 horas Antes ♦ 

Primeiro Josi sentiu como se estivesse dormindo e por alguns segundos, enquanto o corpo pesado tentava despertar, imaginou os motivos que a levaram a ter aquele terrível pesadelo. Estes, embora não muito frequentes, sempre mexiam com o seu emocional, e exatamente por isso ela evitava a todo custo ver ou ouvir qualquer elemento que lhe remetesse ao horror. Os amigos próximos sabiam bem disso e até riam vez ou outra do seu medo que para muitos poderia ser considerado infantil. O fato é que assim como algumas crianças, a garota tinha um medo injustificável do que pode se esconder na escuridão e em breve ninguém mais poderia julgá-la por isso.

À medida que foi abrindo os olhos, seu coração foi aumentando o ritmo. Não estava na sua cama, não estava no seu quarto, não conhecia aquele lugar, não havia sido apenas um pesadelo.

Levantando subitamente, sentiu tudo rodar e quase perdeu o equilíbrio, não voltando ao chão por pouco. Suas mãos, trêmulas e geladas, seguraram-se nas grades de ferro que estavam à sua frente, o que a fez olhar a sua volta, constatando sem qualquer dificuldade que estava presa dentro de uma jaula. Não havia muito espaço e mesmo com a pouca luz, que provinha unicamente de uma lamparina, conseguiu ver que não estava mais no mesmo cômodo da casa de antes. Sentiu, involuntariamente, lágrimas vindo-lhe aos olhos, causando uma ardência desconfortável, mas forçou-se a manter-se calma. Chorar não iria ajudar e se desesperar não era um traço da sua personalidade.

Respirou fundo e observou as coisas ao seu redor. Para além da jaula viu que não havia muita coisa. O local onde estava parecia ser um pequeno cômodo e de onde estava podia ver claramente a porta que ficava bem a sua frente, não mais do que cinco ou seis passos de distância. Com ambas as mãos em volta das barras de ferro, testou a resistência do material que embora tivesse a coloração típica de ferro envelhecido, ainda mostrava-se forte o suficiente para manter um prisioneiro ali dentro. Tateou as grades até achar a fechadura, sentindo que era composta por um ferrolho, trancada com um grande cadeado. Forçou, mas o resultado foi apenas uma dor desnecessária nas palmas das mãos. Embora seu lado lógico lhe alertasse que seria impossível fugir daquela prisão usando a força, o desespero que embora contido até aquele momento estava sem dúvida ali, impulsionava a garota tentar.

Levou as mãos ao corpo, procurando algo ali que pudesse ajudá-la de alguma forma, mas percebeu, com espanto, que estava somente vestida com suas peças íntimas e até mesmo a liga que prendia o seu cabelo em um rabo-de-cavalo havia sido levada. Inúmeros pensamentos ruins lhe ocorreram naquele momento e seu medo e preocupação cresceram exponencialmente, principalmente porque não sabia onde estavam os seus amigos e o que estava acontecendo com eles.

Nada daquilo fazia sentido. Eles tinham subido a trilha por quase uma hora e de repente estavam de frente à casa da velha mulher logo na entrada do percurso! Como aquilo era possível? E quanto tempo havia se passado desde que perderam a consciência?

Tirando-a dos pensamentos, um grito ecoou por todo o local. Era um pedido de socorro e ela conhecia muito bem aquela voz. Sabia claro, que gritar em resposta não era a melhor opção, mas a emoção subjugou a razão logo ela estava sentindo a garganta arder devido à intensidade dos gritos.

♦-♦-♦

Ela sabia que as personagens dos filmes que gritavam por socorro eram sempre as primeiras a morrer, assim como os gordos, as loiras e aqueles metidos a corajosos. Contudo, o grito foi inevitável naquele momento!

Letícia tinha acordado há poucos minutos, com frio e tonta. Não conseguiu identificar muitas coisas ao seu redor, parte porque estava escuro e parte porque seus óculos haviam desaparecido, assim como suas roupas e calçados. Sentiu-se exposta e desconfortável por estar somente de roupa íntima, mas essas sensações logo foram tragadas pelo pavor e desespero quando ouviu passos se aproximando de onde estava. Viu uma forma turva, movimentando-se em sua direção lentamente. O corpo tremia, frio e medo unidos naquele momento!

—Quem tá ai, porra? - perguntou, com uma pequena esperança de ouvir uma voz familiar. -Quem é? - a voz subia de tom a cada passo que a pessoa ficava mais perto de onde ela estava. -Não chega… - a ordem foi interrompida antes que ela pudesse completar. Mãos firmes agarraram-lhe as pernas, puxando-a como se ela fosse apenas uma boneca de pano, fazendo que com o movimento todo o seu corpo fosse de encontro ao chão. O choque da parte posterior da cabeça com o concreto causou um som oco e abafado que logo foi substituído pelo som dos gritos de dor. Dor por causa da queda, dor por causa das unhas que se cravaram nas suas panturrilhas, dor por causa dos arranhões que se formavam na pele à medida que ela era arrastada.

Naturalmente ela tentou espernear, chutar quem quer que estivesse torturando-a, mas nenhum esforço parecia ter resultado. Chegou a ouvir, depois de alguns segundos, vários gritos em resposta o seu pedido de ajuda, respostas em vozes conhecidas e assim como a sua, repletas de pavor.

♦-♦-♦

Marcos já havia tentado de todas as formas livrar-se das correntes que o prendiam ao teto daquele lugar que posteriormente ele descreveria como uma espécie de caverna. Do grupo ele era incontestavelmente o mais forte fisicamente, contudo, os seus atributos físicos não o ajudaram naquele momento, infelizmente. Cada tentativa efetuada parecia fazer com que as correntes ficassem mais apertadas em volta dos pulsos e mesmo sentindo o suor causar ardor nos cortes e misturar-se com o sangue que já escorria daquela região, ele não parava de tentar por mais de um minuto. “Quem sabe todo aquele sangue pudesse ajudar a deslizar os pulsos pelas correntes! Quem sabe, a força aplicada fizesse com que alguma argola se abrisse o suficiente para uma parte da corrente ceder com o seu peso! Quem sabe…”.

Muitos pensamentos preenchem a mente do rapaz, que criava várias possibilidades de coisas que não iriam acontecer no fim. Ele ainda não sabia, mas a pessoa que o havia prendido ali era um exímio predador e predadores, isso Marcos sabia, não deixavam suas presas fugirem facilmente.

Por alguns minutos ele permaneceu sozinho naquele espaço, mas logo isso mudou quando ele viu a velha mulher surgir, arrastando dois corpos desacordados pelo chão. A pouca luz não permitiu que ele identificasse quem eram de primeira, mas não o impediu de se balançar nas correntes, sentindo as fibras musculares romperem com o esforço de atingir com chutes a nova figura no cenário. À distância, no entanto fez com que a mulher se mantivesse segura e a tentativa do rapaz foi motivo de risada para ela.

—Não adianta tentar, criança. -a voz da mulher era doce, igual fora desde que ele a viu pela primeira vez. Todavia, a doçura agora era apavorante, pois somado a ela havia os olhos vermelhos brilhantes, os dentes grandes e finos, que nada pareciam humanos e os movimentos impossíveis para alguém que aparentava uma idade senil.

Com um movimento de mãos e dedos e palavras que Marcos não conseguiu compreender, a mulher fez com que chamas surgissem no centro do lugar, permitindo que o rapaz, depois que seus olhos se acostumaram com a claridade repentina, pudesse ver quem eram as duas pessoas que ela prendia em correntes em uma posição igual a que ele estava.

—Sabe, as crianças dessa geração são muito interessantes. - a velha começou a falar, sem interromper o que estava fazendo em momento algum. -Sentem-se tão dependentes, donas de si, inteligentes e corajosas, mas se esquecem de coisas primordiais.

—Cala a boca! - o grito do rapaz era carregado de desprezo e raiva. Ver os outros dois rapazes do grupo serem presos daquela forma impulsionava Marcos esquecer o medo que sentiu momentos antes. -Solta eles!

—Como a educação, por exemplo. É assim que você fala com uma velha senhora? - continuou a mulher, como se não tivesse sido interrompida, não escondendo o divertimento que estava sentindo. Logo depois que prendeu o primeiro garoto, passou para o segundo, voltando a falar. -As crianças não têm mais medo, não acreditam nas coisas que realmente importam. E por isso, morrem! Como vocês vão morrer.

—Eu vou… - a ameaça perdeu-se no meio da garganta. Com um movimento que durou somente um segundo a velha virou na direção de Marcos e fixou seu olhar brilhante nos olhos do rapaz. O que ele viu dentro daquelas íris flamejantes tirou sua voz, tirou suas esperanças e tirou todas as suas forças.

—Você vai? - o sorriso deixou à mostra todas as presas. Terminando de amarrar o segundo rapaz, virou-se para Marcos mais uma vez. -Vou te contar uma coisa, que talvez você não saiba e aí, quando os seus dois amigos acordarem você pode compartilhar com eles. - ela se aproximou e por mais que o rapaz desejasse, não conseguia mover nenhum de seus músculos para atacá-la. -Não vai demorar muito e logo o peso das suas pernas vai sobrecarregar a musculatura abdominal… - ele sentiu as unhas deslizarem e cortarem sua pele exposta, primeiro nas pernas, depois na barriga. -E então, o cansaço vai ser tanto que vai se tornar impossível manter a respiração… - enquanto ela se afastava e sumia mais uma vez, Marcos começou a tentar chamar pelas duas pessoas a sua frente. -George, Sérgio… - por mais que tentasse, sua voz era apenas um sussurro que até mesmo ele quase não escutava. Logo, sentiu as pernas pesarem e pouco a pouco o ar passou a entrar com mais dificuldade. Sentiu a cabeça pesar e não conseguiu mais erguê-la para olhar para os amigos. O rosto voltado para chão viu pela primeira vez o que as chamas que foram acesas aqueciam. Ali, no centro da sala havia um enorme caldeirão e um líquido negro borbulhava intensamente. Antes que ele pudesse chegar a alguma conclusão sobre aquilo, escutou o grito que clamava por socorro e em seguida os gritos de resposta. Identificou todos eles, mas um em especial fez o seu coração apertar, fazendo-o sentir-se fraco, impotente e cada vez mais sem ar.

♦-♦-♦

Joyce acordou por causa do grito. Não tinha chegado nem a se levantar quando ouviu o grito de Josi em resposta e ainda estava chegando às grandes de sua cela quando viu a velha bruxa passar arrastando Letícia pelas pernas. Abaixou-se e esticou os braços pelos espaços entre os ferros e tentou segurar a mão de sua amiga e prima, mas somente as pontas de seus dedos tocaram a outra. -Solta ela! – chegou a gritar e viu a velha soltar as pernas da outra. Não teve tempo de se surpreender, pois em apenas um piscar de olhos, as unhas que antes estavam cravadas nas pernas de Letícia, agora estavam no seu próprio pescoço, apertando-o como nunca antes ela havia sentido.

—Logo chegará a sua vez. A vez de todos vocês! - a voz doce fez Joyce tremer, mas ainda assim a garota agarrou o rosto da velha, usando as próprias unhas para tentar ferir-lhe a face, mas logo sua vista ficou turva e não houve mais forças para atacar. Sentiu o corpo ir ao chão e quase perdeu a consciência mais uma vez. Com os olhos quase fechados por completo, viu a velha caminhar até o outro lado do corredor e abrir uma porta. Ouviu com mais clareza a voz de Josi e embora não tenha entendido tudo o que as duas conversavam, percebeu que a amiga tentou persuadir a mulher a soltar todos eles.

Enquanto isso, Joyce viu que Letícia olhava para ela do ponto onde havia sido deixada no chão. Lágrimas escorriam pelo rosto da garota, mas o que lhe chamou a atenção foi o dedo no meio dos lábios, num claro sinal de quem pede silêncio. Quando a velha voltou a se movimentar, a garota percebeu que a prima rapidamente voltou a ficar imóvel e a fechar os olhos e logo compreendeu a intenção da outra. Tentou parecer inconsciente também, mas falhou ao se assustar com corpo que repentinamente foi jogado contra as grades da cela.

Joyce recuou até a parede e só conseguiu entender que Josi havia sido arremessada naquela direção quando a velha ergueu o corpo da garota, colocando sobre os ombros e sumiu, levando também consigo Leticia, novamente arrastada pela perna. Algo dentro da garota lhe dizia que a mulher voltaria para buscá-la também e quando isso acontecesse, ela estaria preparada.

♦-♦-♦

Sérgio acordou por conta da falta de ar. Seus olhos vagaram por todos os lados sem conseguir se concentrar de fato em alguma coisa. Desesperado, mexia o corpo convulsivamente, ouvindo o tintilar das correntes que o prendiam. A boca aberta tentava puxar o ar com força, causando um ruído de asfixia perturbador! As pernas movendo-se no ar procuravam algo para se apoiar e foi o membro direito que encontrou apoio em algo ao seu lado.

Mesmo sentindo a dor que o movimento de girar o corpo naquela direção lhe causou, o rapaz o fez, sentindo a sola do pé tocar algo macio e escorregadio. De olhos fechados ele sequer pensou o que aquilo significava; sua mente só trabalhava em uma única coisa naquele momento: respirar. Ele não entendia o porquê não conseguia preencher os pulmões já que não sentia nada em volta do seu pescoço, mas sabia que não aguentaria por muito mais tempo. Conseguiu, despois de algumas tentativas, firmar os pés na superfície desconhecida e com o corpo quase deitado, pôde novamente inflar o peito.

Com a respiração normalizando os pensamentos aos poucos foram se organizando. Lembrou-se da velha mulher de olhos brilhantes e dentes de piranha, lembrou-se dos animais selvagens e de ter acordado em um quarto escuro ao lado do seu namorado. A lembrança o fez olhar ao redor e procurar pelo outro! Viu a princípio Marcos, que parecia lutar para respirar também, depois olhou para onde estava com os pés apoiado e o espanto o fez recolher as pernas. Estivera até aquele momento pisando no corpo de George que estava preso bem ao seu lado. Sangue escorria pelos braços do outro rapaz que aos poucos retomava a consciência. Não houve tempo para pedir desculpas, no entanto!

A visão de Sérgio foi atraída quando uma nova figura entrou no espaço onde eles estavam, correndo de encontro às duas garotas que somente naquele momento ele viu deitadas no chão próximo de algo que parecia uma grande panela. –Joyce! Aqui. Me solta! – gritou, pedindo ajuda garota que acabara de chegar. Viu que a menina tremia enquanto tentava soltar as amarras de Letícia. Foi ele quem viu também que no mesmo momento que a garota teve sucesso e ajudou a outra a ficar de pé, a velha mulher surgiu bem ás costas das duas! Ele poderia ter gritado para avisa-las e na verdade ele até tentou, mas a voz não saiu e ele viu-se paralisado de medo.


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