O Preço da Verdade escrita por George L L Gomes


Capítulo 1
Capítulo 1




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As respirações ainda estavam ofegantes, os corações acelerados, o corpo coberto de suor, terra e sangue. Não sabiam o quanto haviam corrido, onde estavam e muito menos como conseguiriam sair dali. Era difícil para a maioria sequer entender como tudo aquilo tinha acontecido em tão pouco tempo e mais do que isso, como aquilo era possível.

−Não podíamos ter deixado ela para trás. – a voz sussurrante, notadamente cheia de medo, continha também arrependimento e dor. −Temos que voltar. – a súplica era acompanhada de lágrimas e um choro contido. –Isso só pode ser um pesadelo...

−Nós vamos voltar. Eu juro que vamos! Mas temos que encontrar ajuda primeiro. Antes... – a resposta foi interrompida subitamente. Um novo som, além do uivo do vento frio que arrepiava a pele, foi ouvido pelas cinco pessoas escondidas entre a formação de pedras. Os olhos do grupo, arregalados, tentavam enxergar em meio à escuridão, procurando a dona daquela gargalhada que era a mistura de um sibilo agudo e chocalho.

−Ela está aqui. Ela nos achou! – a declaração foi espontânea e revelou o que se passava na cabeça de todos os outros. Naquele momento eles souberam que não importava o quanto fugissem, para onde corressem ou quantos deles ficassem para trás, no fim, todos eles teriam o mesmo destino. Contudo, dentre os cinco, um deles pareceu encontrar força e coragem quando as coisas não tinham saída.

—Não vou me entregar fácil assim. Se ela quer nos pegar vai ter que me enfrentar primeiro. –abaixando-se, o rapaz muniu-se de um pedaço de tronco e sentiu a forte dor na perna direita incomodar mais uma vez, mas fez o possível para ignorá-la. –Fiquem atrás de mim.

O vento que até aquele momento se fazia presente, cessou sem explicação. Tudo ficou novamente no mais completo silêncio, a apreensão tornou-se palpável. Todos esperavam o primeiro movimento, a atenção focada à frente. O que eles não esperavam era que o ataque viesse de suas costas onde havia somente pedras. As duas meninas foram as primeiras a sentir as mãos que surgiram de dentro das rochas, segurando os seus cabelos.

Gritos e risadas ecoaram de todas as direções. Enquanto lutavam por suas vidas mais uma vez em menos de 12 horas, um dos membros do grupo pensou no começo daquele dia em que tudo deveria ser somente uma caminhada com os amigos, fazendo trilha em meio a serra.

 ♦ 13 horas atrás ♦

Há muito tempo aquele pequeno passeio era organizado, mas devido à vida corrida e os acasos o programa era sempre adiado para a próxima oportunidade. Enfim, a chance havia chegado! Aquele era o primeiro dia de um longo feriado e mais do que isso, havia um grande motivo para se reunir e comemorar.

−Bicha, tu não sabe o quanto nós estávamos com saudades de ti. –a declaração era sincera e veio da motorista, que por alguns segundos permitiu-se tirar os olhos da estrada para encarar a amiga no banco de trás. Todos os outros cinco passageiros, de forma unânime, concordavam com que havia sido dito.

−E eu? Queria ter voltado um pouco mais rica, mas fazer o quê né mores?! Também estava morrendo de saudades de vocês. E só isso mesmo para me fazer aceitar o convite de subir a serra. - o tom era divertido e debochado.  −A gente não poderia ter marcado um rodízio, um churrasco ou alguma coisa mais saudável nesse estilo?  

−Opa! Alguém falou churrasco?  - a voz grossa e a pergunta perdida do rapaz que ocupava o lugar ao lado da motorista fez todos rirem. Se não fossem amigos há tanto tempo, os outros poderiam até estranhar a falta de atenção do rapaz, mas aquilo já havia até se tornado um tipo de característica marcante da personalidade do moço.

−Mô, sério que eu vou ter que explicar? - a motorista olhou para o rapaz, sorrindo com o cenho franzido.

−A Letícia que queria estar em um churrasco em vez de fazer a trilha subindo a serra. Entendeu, Marcos?! - a voz veio de um dos último assentos do carro que tinha capacidade para sete pessoas, mas devido a grande quantidade de bolsas e equipamentos para acampar, somente estava com seis dos seus lugares ocupados.

−Ah, agora entendi. Obrigado, George! - o rapaz concordou, fazendo mais uma vez todos rirem. −Eu e o Sérgio podemos ascender uma fogueira quando chegarmos lá no balneário. Topa Serginho?

—Eu mesmo não. Já vou chegar morto lá em cima! - a resposta atraiu os olhares para o rapaz que ocupava o espaço bem ao meio, atrás dos bancos da frente. -Mas se vocês fizerem churrasco eu como.

−E eu acompanho! - as outras duas garotas que ladeavam o rapaz, falaram ao mesmo tempo, mesmo sem ter combinado.

—Muito bonitas, vocês. Joyce e Letícia só querem comer. Pois vou botar as duas para montar as barracas quando chegarmos lá em cima. Não é Josi? - o rapaz que estava no último banco de trás, que a pouco tinha respondido o maior do grupo, incitou a discussão apaziguada. E nesse clima de descontração, seguiram o GPS do carro até onde podiam ir.

Depois de descarregarem tudo que iriam precisar do carro, deixaram o veículo no estacionamento de um clube que ficava próximo a entrada da trilha que fariam. Cada um dos integrantes do grupo carregavam mochilas e trajavam roupas leves.

−Já me sinto cansada só de pensar o tanto que vamos andar. - a garota que vestia uma legging com estampa de unicórnio olhou para cima, tentando avaliar o tamanho da serra que eles encaravam.

−Relaxa maninha. Não é mais do que três horas subindo. Talvez quatro! - o rapaz que estava ao lado dela falou rindo.

−Oi? Isso tudo, Gê? É sério? - a motorista, que naquele momento estava verificando se havia esquecido alguma coisa no carro perguntou assustada, virando-se rapidamente.

−Calma, Josi. É brincadeira. - falou, tentando tranquilizá-la. −Ou não! Fica a dúvida. - voltou a brincar. Depois de pegarem tudo que precisavam, iniciaram a subida, seguindo em direção a entrada da trilha.

−George vai na frente, porque ele que é o guia! - a voz um tanto rouca indicou, em um timbre sério, o que facilmente poderia fazer outras pessoas, que não conheciam aquela forma de falar, achar que a garota, que naquele momento prendia o cabelo em um rabo de cavalo alto, estava brigando ou com raiva. No entanto, aquele era apenas a forma altiva da moça. −E Joyce, coloca os funk ai do teu celular. - pediu, rindo.

−Aff! Tem nada melhor não, Josi? -o rapaz, um dos mais baixos do grupo, o mesmo que se recusara previamente a ascender a fogueira, reclamou de imediato. Bem, essa uma característica marcante do rapaz. −George, tu trouxe o meu fone? - perguntou para o outro que seguia à frente do grupo.

−Trouxe amor, ta aqui no bolso pequeno da minha mochila. Pega aqui! - indicou, parando de caminhar, o que todos os outros também fizeram. Estavam parados de frente a única casa naquele pedaço de estrada. Era uma casinha simples, mas simpática, segundo a visão da garota da legging de unicórnios. Sua frente era repleta de flores e jarros decorados com símbolos que naquele momento passaram despercebidos pela maioria.

−Vão fazer trilha? - a voz doce e melodiosa fez quase todos se assustarem, simplesmente porque surgiu do nada. Olhando para trás, o grupo deparou-se com uma senhora de cabelos grisalhos, que os olhava com atenção, exibindo um fino sorriso de dentes amarelados. −Onde está o guia de vocês? - imendou uma segunda pergunta, antes que a primeira fosse respondida.

−Estamos sem guia. Um amigo nosso sabe o caminho. -o rapaz mais alto do grupo respondeu, olhando para os demais.

−Por quê? A senhora acha perigoso? - a motorista, que sempre era a mais preocupada do grupo, perguntou, inconscientemente dando a mão para o namorado que tinha respondido às indagações da desconhecida.

−Bem, eu moro aqui a minha vida toda e já vi muitas pessoas se perderem nessa mata. - falou, caminhando lentamente em direção ao portão da casa, sem parar de falar. −Geralmente, quando posso, sempre aconselho os turistas a subirem com um guia. Os nativos daqui conhecem os perigos dessa trilha! - Por alguns segundos todos ficaram em silêncio, apenas se encarando, em uma conversa muda decidindo o que fariam.

−Certo. Obrigado pela preocupação! Mas meu amigo já fez a trilha antes e disse que o caminho é bem sinalizado. - a garota de voz altiva voltou a falar, olhando para o rapaz que liderava o grupo e que naquele momento entregava o fone de ouvido para o companheiro.

−É. Não tem como se perder. - declarou o garoto, balançando a cabeça e já se distanciando, esperando que os demais o acompanhassem. Embora ele não tenha dito, sentiu-se desconfortável com a forma que a velha mulher os encarava.

−Que os deuses guiem vocês. - o grupo não percebeu o uso do plural na palavra, nem chegaram a ver o movimento de dedos que a mulher fez as costas deles, muito menos o olhar que ela lhes lançou.

Depois de vinte minutos de subida o grupo quase todo ainda conversa sobre a aparição repentina da mulher desconhecida e debatiam sobre a possibilidade de voltar e pagar um guia, mais por causa da insegurança que se instalara na garota de rabo-de-cavalo. 

−Josi, fica tranquila. Eu e o Sérgio já subimos e não teve problema nenhum! Vai ver aquela mulher só queria se meter mesmo e fazer propaganda para algum guia local. Sabe-se lá quanto eles cobram. - o garoto que seguia ainda a frente do grupo tentou argumentar.

−Mas não conta comigo para lembrar do caminho não, viu George. Subi da última vez, mas sabe como é a minha memória. - o companheiro, que ainda decidia que música colocar para escutar nos fones, declarou se isentando da responsabilidade.

−Amor, se não vai ajudar, melhor ficar calado! - o outro rebateu, lançando um olhar severo.

Por fim, decidiram continuar a subir. E o fizeram com empolgação durante os primeiros cinquenta minutos. Ou melhor, quase todos fizeram! Foi preciso um incentivo extra para a garota de legging, que volta e meia recebia um pequeno empurrão ou era apoiada pelos outros nos trechos mais difíceis, mesmo que os seus quase tombos divertisse os demais.

O que o grupo não percebeu foi que o sol, que no início da caminhada estava forte e bem vistoso no céu, aos poucos foi sendo ocultado por nuvens carregadas. Quando se deram conta, o céu já estava negro e o vento frio trazia uma névoa densa serra abaixo. Não demorou muito e logo ficou difícil ver o que tinha vinha a frente.

−Acho melhor a gente parar um pouco! - o garoto que seguia à frente do grupo declarou o que a maioria dos outros concordava.

−Eu acho melhor a gente voltar. Não é melhor?

−Sem desistir Letícia. - o cara alto falou, em tom de incentivo. −Daqui a pouco a névoa passa. Curte a brisa! Tu ta acostumada com o frio da Europa. - brincou. E ela realmente estava acostumada, mas aquele frio tinha algo de diferente…Alguns minutos depois que a previsão que foi feita, mostrou-se verdadeira e aos poucos a névoa foi passando. Contudo, o grupo não demorou a constatar que algo estava errado e que talvez o melhor tivesse sido acatar as sugestões da garota de legging.

—Mas que merda é essa? - o guia, agora confuso, encarou o cenário a frente, estreitando os olhos.

—Espera aí… Essa casa parece tanto com aquela que passamos lá em baixo!

—É a mesma casa, Marcos. - a namorada respondeu, apertando novamente a mão do rapaz.

—Como? - a menina que até aquele momento havia deixado o funk fluir do seu aparelho celular pausou a música, permitindo que todos escutassem algo que até então estava oculto por causa da música. O rapaz mais baixo do grupo foi o primeiro a entender o que era aquele som e também foi o primeiro a ver o que estava produzindo-o. De olhos arregalados ele segurou a mão do companheiro e o puxou em direção a casa, que diferente de minutos antes não apresentava a mesma simpatia de antes. −Corre, George! - a voz de Sérgio se sobressaiu, alarmada.

Quase ao mesmo tempo todos viram os grandes animais que os cercavam, rosnando baixo, com as presas à mostra. No momento da apreensão o grupo chegou a concluir que eram cachorros, mas depois de um tempo, quando já estavam na soleira da porta, Joyce, a DJ da ocasião, chegou a conclusão de que cachorros não poderiam ser tão grandes.

Os dois rapazes, Sérgio e George, que iniciaram a fuga em direção a casa, a única direção que não estava obstruída por um fera de olhar assassino, diga-se de passagem, logo bateram no objeto de madeira, pedindo por ajuda. Todavia, a garota de legging, Letícia, que estava logo atrás deles correndo mais rápido do que estivera em qualquer momento durante a subida da trilha até aquele instante, foi quem tomou a atitude de girar a maçaneta e forçar. Sem resistência a porta abriu e foi fechada quando Josi e Marcos, os namorados, passaram, sendo os últimos da fila, fazendo com o que o local fosse engolido por um completa escuridão. Embora nenhum deles consegue ver qualquer coisa ao redor, todos escutavam os rosnados e arranhões do lado de fora.

−Quem tem lanterna no celular? -  Letícia perguntou, sussurrando.

−Ah, meus queridos! Não vão precisar de lanternas! - a voz doce e melodiosa preencheu o ambiente, fazendo com que todos se arrepiarem. Antes que qualquer um do grupo pudesse fazer algo, as luzes da casa se acenderam e bem a frente deles puderam ver a velha senhora de antes. Contudo, o sorriso amarelado de antes agora exibia uma fileira de dentes que facilmente poderia ser de uma pinha e o olhar simpático transformara-se em orbes de um brilho roxo intenso e sobrenatural. Com um movimento rápido demais para alguém daquela idade, o grupo viu a mulher se aproximar deles e soprar em seus rostos algo que sentiram como areia.

—Puta que pariu! - alguém gritou, mas logo tudo voltou a ficar escuro. As luzes continuavam acesas, mas todos os seis membros do grupo agora estavam desacordados. Mais uma vez eles não puderam ver o movimento de dedos que a mulher fez as costas deles, muito menos o olhar que ela lhes lançou enquanto gargalhava em um som que misturava sibilos e chocalhos.


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Notas finais do capítulo

Essa é uma história original, com personagens originais, que usará elementos do folclore brasileiro.



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