Dust and Gold escrita por Finholdt


Capítulo 5
IV. Just tell me what to change, just tell me what to say




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Mesmo depois de um momento íntimo e emocionante, era demais de se esperar que Damian sossegasse. Assim que suas lágrimas secaram e ele ficou completamente imóvel nos meus braços, pensei que ele finalmente tinha dormido. Me afastei um pouco para me ajeitar e pegá-los nos braços: tinha a intenção de levar ele para Alfred. Não esperava ser brutalmente empurrado.

Damian tinha os olhos injetados e novamente não conseguia me encarar. Não pela primeira vez, me perguntei qual era o seu problema.

— Cadê o seu pai? — Ele perguntou, a voz rouca.

Pisquei, perplexo.

— Eu- não sei. Acho que em casa.

— Preciso ir.

— Damian- — Dizer que eu estava frustrado era um eufemismo. — espera aí! O que você quer com ele? Nós-

— Não existe nós, Kent. — Me interrompeu, em tom de aviso.

Eu não tinha entendido direito o que ele quis dizer com aquilo, mas isso não impediu das palavras terem me ferido profundamente.

— Mas-

Ele abriu a porta do batmóvel e pulou lá dentro, ajustando o banco para sua altura. Quase ri. Damian sempre implorava para poder dirigir e agora…

Balancei a cabeça, angustiado.

— Damian, espera! Pelo menos me leva junto, está indo pra minha casa mesmo.

Damian pausou, a chave na ignição. Olhou para mim e franziu a testa, digerindo o que eu disse. Não fazia ideia do que ele estava pensando e fiquei sem graça contra sua encarada intensa.

— Tudo bem. Entra logo.

Fiquei surpreso, jurei que ele me mandaria pastar como estava fazendo mais cedo. Ainda assim, não perdi tempo, sem pensar duas vezes pulei para o banco da carona, tomando o cuidado de colocar o cinto de segurança.

Damian me olhava com descrença.

— Você acabou de entrar no batmóvel pela primeira vez e seu primeiro impulso é de colocar o cinto de segurança?

Senti minhas orelhas ficarem quentes e olhei para fora da janela, sem graça, mas não exatamente envergonhado.

— Você quem está dirigindo, nunca se sabe. — Retruquei.

— Você é invulnerável. — E continuou resmungando enquanto saíamos da caverna. — Eu juro, às vezes esses seus poderes são completamente desperdiçados em você.

Revirei os olhos.

— Como se você soubesse alguma coisa sobre poderes.

— Você ficaria surpreso.

Estreitei os olhos em sua direção, esperando ele explicar, mas ele nada disse. Continuou olhando para frente, e aos poucos o senso de normalidade que tivemos segundos atrás foi ficando para trás.

Suspirei, triste. É claro que era pedir demais que tudo voltasse ao normal. Damian perdeu toda a família em uma tacada só, ele precisava de tempo para se curar, eu não podia exigir algo assim dele, seria egoísmo demais.

No entanto, saber disso não me impedia de querer ser egoísta.

Eu queria que ele olhasse para mim e continuasse com as alfinetadas. Queria que ele me abraçasse de novo e mostrasse que confiava em mim o bastante para se mostrar vulnerável, para chorar e rir. Não queria admitir, mas eu sentia muita saudade de Damian.

Junto desses sentimentos, vinha a culpa. Como eu podia desejar essas coisas? Com tudo que estava acontecendo, eu precisava ter a cabeça no lugar! Que tipo de pessoa eu era, por querer mais atenção do meu amigo nesse momento difícil? Claro, eu não esperava que tudo voltasse ao normal em um piscar de olhos, claro que não. Eu só… Só queria que ele me deixasse entrar mais em sua vida. Amigos não são apenas para momentos de alegria ou para lutar contra o crime, queria que ele entendesse isso.

Olhei para Damian, ainda dirigindo e concentrado e suspirei de novo. Queria saber o que se passava em sua cabeça. Principalmente, queria saber o que pensava sobre o nosso “momento” apenas minutos antes. Talvez eu esteja pensando demais e vendo coisas que não existem. Talvez tudo não tenha passado de um momento de fraqueza e eu só estava no lugar certo na hora certa.

— Chegamos. — Ele disse quietamente.

Pisquei, me endireitando no banco. Nem tinha notado que já saímos de Gotham, muito menos que estávamos em um dos bunkers de Batman em Metrópolis.

— Posso nos levar pelo resto do caminho. — Sugeri, incerto.

Damian já estava andando até sua motocicleta mas parou. Pensou melhor e veio até mim, ainda sem me olhar diretamente.

— Muito bem, vamos lá.

[x][x][x]

Damian nem ao menos esperou eu aterrissar na sacada do apartamento antes de pular dos meus braços e saltar para dentro. Eu sabia que minha mãe não estava em casa, provavelmente no Planeta Diário, e que meu pai estava em casa em um raro momento de folga. Hesitei antes de entrar atrás de Robin. Eu sabia que estaríamos incomodando uma das raras horas em que meu pai pode simplesmente relaxar, mas seja lá do que isso se trata, era importante para Damian, e eu não podia negar isso a ele.

Meu pai estava na cozinha, comendo sorvete direto do pote – como a mamãe explicitamente já falou mil vezes para não fazer. Ele parecia quase assustado ao nos ver, pego no flagra.

— AH! — Gritei, apontando. — Espera só a mamãe descobrir que o senhor comeu o sorvete todo!

— Se deu mau, espertinho, eu já comprei outro pote. — Ele retrucou, retomando a compostura. — Eu posso dividir com vocês, se não falarem nada pra Lois.

— É impressão minha, ou o Superman está tentando nos subornar com sorvete? — Perguntou Damian, incerto se achava graça ou não.

— Eu nego tudo. — Disse papai.

Ri, me sentindo leve como há dias não sentia. Me sentei no balcão, ao lado de papai, na cozinha, e peguei uma colher para comer com ele.

— Então — Disse meu pai, seu sorriso se tornando forçado por algum motivo —, algum motivo em particular para eu ter um Robin sem máscara imundo na minha cozinha?

Damian me olhou de esguelha, logo voltando para sua atenção original.

— Isso é só entre nós dois, Kent.

— Tenho certeza de que o Jon pode ouvir.

— Que seja, então. Sabe muito bem porque estou aqui. Você está evitando minhas ligações.

Meu pai suspirou.

— Damian…

— Você não tinha esse direito, eles são minha família.

— Espera aí, do que vocês estão falando? — Perguntei, alarmado. Não gostava do ritmo que as coisas estavam tomando.

Damian nem mesmo me olhou, continuando a me ignorar.

— Devolva-os.

Meu pai apertou os lábios em uma linha dura, claramente insatisfeito.

— Não.

Vi Damian apertar os punhos e comecei a ficar nervoso, estava gostando nada disso.

— Você não me quer como inimigo, Superman. Devolva os corpos deles!

— Não. Eu sei o que você pretende fazer, sei desde que vi aquela mulher chegando em Gotham. Não vou permitir. Bruce sempre contou sobre o que o aquilo faz com uma pessoa, o que fez com Jason.

— Nada disso cabe a você, seu idiota egocêntrico. — Rosnou Damian. — Nunca soube o porque, mas meu pai te considerava um amigo, o mínimo que pode fazer é devolvê-los para mim. Sabe que ele faria o mesmo por você! Vou repetir: Você não me quer como inimigo.

O sorvete que meu pai antes tomava estava mais que derretido na bancada. Desci de onde estava sentado e fiquei entre os dois, ainda confuso e temendo uma ação idiota de Robin.

Clark Kent suspirou, ajeitando os óculos de volta para o lugar.

— Sinto muito, Damian, de verdade. Bruce era como um irmão para mim e nada jamais vai substituir o vazio que ele deixou. Eu não quero brigar com você, mas minha resposta é final. Respeite o descanso de seu pai e seus irmãos.

Foi como se o ar da cozinha tivesse esfriado de uma vez. Se Damian tivesse poderes, eu não duvidava que estaria vendo meu pai tostado.

— Muito bem. — Ele se ajeitou, indo em direção a janela em que chegamos.

Corri atrás dele, olhando uma última vez para meu pai, confuso. Ele parecia perturbado e fiz uma nota mental em questioná-lo sobre o que acabou de acontecer mais tarde.

— Damian, esper-

Não me siga, alien. — Ele grunhiu, me olhando como tanto ódio que dei um passo para trás automaticamente. — É tudo culpa sua. Quem malditamente te convidou para ir na mansão aquele dia? “Me salvar”, você disse? Você me condenou. Era pra eu estar com eles!

Meu queixo caiu, era a segunda vez no mesmo dia em que Damian me ataca gratuitamente com suas palavras afiadas e venenosas.

— Eu- V-você não pode seriamente me culpar-

— Culpo sim. Você estraga tudo sempre! Até naquela hora na sorveteria, você quase arrancou meu pulso fora. Tem noção do que fez? Eu podia ter aparecido mais cedo, podia ter salvado eles!

— Você podia ter morrido com eles, isso sim. — Vociferei, subitamente irritado.

— E? — Ele retorquiu, sem vida nos olhos.

Abri a boca para responder, sem saber exatamente o que ia dizer, mas fui poupado com meu pai entrando na sala.

— Está tudo bem aqui?

— Não. — Chiou Damian. — E a culpa é de vocês, fiquem longe de mim.

— Espera um minuto- — Protestei, revoltado, ao mesmo tempo em que meu pai dizia:

— Damian, espera-

Mas ele não nos deu ouvidos, pulando a janela e desaparecendo pela noite.

Engoli em seco, olhando desemparado para meu pai, que parecia tão perdido quanto eu.

— O que acabou de acontecer?

~*~*~

dez dias antes

Morte era algo que sempre fez parte da vida de Damian, ele não temia a morte, a respeitava.

Sempre soube que um dia ia chegar em casa com a notícia que alguém de sua família estava morta – com o estilo de vida que eles tinham, era normal. Um risco ocupacional. Estava mentalmente preparado para isso.

Só não esperava perder todos de uma vez.

Respirou fundo, se abraçando. O baque foi muito mais forte do que esperava.

Mas ele não devia se remoer tanto, certo? Afinal, morte não era mais algo definitivo. Ele próprio já morreu e voltou, certo? Ele só precisa esperar. Certamente pelo menos um daqueles teimosos vai voltar. É claro.

Damian só precisava deixar claro nas ruas que ninguém morreu, não de verdade.

Eles vão voltar.

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seis dias antes

Tim estava morto.

Tim estava morto e as pessoas estavam começando a ficar desconfiadas. Damian não tinha altura ou corpo o suficiente para usar o manto de qualquer um deles e ele não podia viver nas sombras eternamente, apenas tentando mostrar “sua” existência.

Inferno, ele tinha tanta certeza… Basta. Nada vai conseguir ao se remoer assim, ele precisava seguir em frente. Mais importante que isso…

…Ele precisava de um álibi e maldito seja ele por ter que chegar tão baixo.

— Damian. — Cumprimentou Talia, aparecendo por trás da gárgula em que o garoto estava sentado, vestido com uma roupa de Asa Noturna grande demais para o seu corpo ainda em desenvolvimento.

— Talia. — Imitou o tom profissional da mãe, evitando olhar diretamente para ela. — Preciso de um favor.

Talia teve a ousadia de parecer presunçosa, olhando seu filho de cima.

— Me perguntei mesmo quanto tempo você duraria até pedir para voltar para casa.

Damian se virou tão rápido que temeu brevemente ter distendido um músculo.

— Eu não a contatei com isso em mente, não se atreva a pôr palavras em minha boca!

Sua mãe cruzou os braços, não parecia impressionada com a resposta dura e fria de seu filho. Damian fechou os olhos e respirou fundo, ele realmente não queria ter chegado a esse ponto… Mas o que está feito, está feito.

— Preciso de rumores que Batman e… E os outros foram vistos na Liga, que estão resolvendo problemas com vocês.

— …Só isso? — Era loucura de Damian ou Talia realmente parecia decepcionada?

— Eu- Isso é um sim?

Ela revirou os olhos, exasperada.

— Não vou negar um pedido de meu filho querido, ainda mais agora que está meio órfão.

O garoto se encolheu levemente, de forma quase imperceptível que apenas olhos treinados poderiam ter detectado. Infelizmente, sua mãe possuía esses olhos.

— Damian… Sabe que as portas de casa estão abertas para você, certo? Sempre posso lidar com o seu avô de um jeito ou de outro.

Ele se enrijeceu, automaticamente ficando alerta.

— Está louca se pensa por um minuto que vou voltar.

— Eles não se importavam de verdade com você, filho. Apenas família cuida, você sabe disso. E agora seu pai e seus ajudantes estão todos mortos… com quem mais você pode contar além de sua mãe?

Damian queria que ela se calasse, por anos ele não queria nada mais com a mãe e por causa dessa situação miserável ele mesmo cavou a própria cova… No entanto, suas palavras cruas o fizeram hesitar.

— Você não é minha mãe faz muito tempo, Talia. Ainda tenho os Titãs-

— Você sabe que aqueles tolos coloridos nem ao menos gostam de você de verdade. Quantas vezes já te desrespeitaram? Quantas vezes já o ofenderam?

— Andou me espionando de novo?

Talia sorriu, fria e triunfante.

— Uma mãe nunca deixa de ficar de olho… E você não negou.

Damian arregalou os olhos com sua escorregada e correu para consertar.

— Eles apenas não me reconheceram como líder ainda, não se meta em meus assuntos.

— Não entendo porque você prefere lidar com esse desrespeito do que voltar para sua família, com quem você sabe que te ama e só quer o seu melhor. Metade da sua família está morta, Damian, venha comigo.

Ele abriu a boca para retrucar quando uma ideia iluminou sua cabeça.

— Não por muito tempo. Eu quero o Poço.

Afinal, se quer algo bem-feito, faça você mesmo.

— Poço de Lázaro? Filho, você sabe muito bem que ele é restrito para a família.

— Infelizmente, eu sou família e vou usar aquele maldito poço para a minha família de verdade.

Talia alargou o sorriso. Ele sabia que estava andando em águas perigosas ao lidar com a mãe, devia ter se afastado há tempos e parar de ouvir suas mentiras, mas…

— Então reconhece seu sangue, finalmente. Muito bem, vamos fazer um acordo. Você tem seis dias para trazer os corpos e voltará comigo para Nanda Parbat. Se tudo der certo, você pode escolher novamente com quem ficar, mas deverá ficar comigo durante todo o tempo de recuperação.

O garoto ficou em silêncio, refletindo o acordo e tentando achar furos. Sabia mais do que confiar cegamente em Talia, mas tempos desesperados…

— Por que seis dias? — Perguntou por fim.

— Se passar de dez dias nem mesmo o poço conseguirá revivê-los, serão apenas cascas insanas do que um dia foram. Temos um acordo, meu filho?

— … Até logo, mãe.

Tecnicamente, Damian deveria estar indo para Blüdhaven e pular em alguns telhados como Asa Noturna, mas se sua mãe estivesse falando sério, logo ele não teria mais que lidar com nada disso.

Respirou fundo e apertou os punhos, tentando parar a tremedeira em seu corpo.

Estava na hora de cavar…

… Só não esperava encontrar os túmulos vazios.

Damian franziu a testa, olhando para os quatro túmulos vazios no cemitério Wayne. Subiu o olhar para o céu, a carranca aumentando.

Superman.


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