Crônicas de uma gordinha escrita por Roberta Dias


Capítulo 4
Amor próprio


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♡



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— Quero um tênis dourado como o seu. — Ester colocou as mãos na cintura e suspirou, observando a vitrine da sexta loja de calçados que íamos no dia. — Ele é super estiloso. 

 

— Mas já fomos na loja que o comprei. E você não quis um igual o meu — também estava olhando a vitrine, mas puro reflexo mesmo; eu não tinha um tostão furado no bolso. 

 

— Como o seu. Não igual. Vamos parecer gêmeas bobonas se usarmos tênis iguais. 

 

— Claro. Porque somos super parecidas! 

 

— Você me entendeu. — Ela revirou os olhos. — Você está legal? Quero dizer, tudo ok? 

 

—Tudo na mais divina tranquilidade. 

 

— Ótimo. Ei, aquele ali é fantástico! 

 

Ir as compras com Ester era muito divertido. O único problema era ir as compras. Sabe porque ela perguntou se eu estava bem? Se estava tudo ok? Simples; porque, apesar de eu não ter problemas com meu corpo, as outras pessoas tinham. Não era muito anormal que eu recebesse piadinhas sem graça quando saía de casa; Não era anormal que vendedores me dissessem que não tinham o que eu procurava antes mesmo de entrar em uma loja — foi o que aconteceu hoje. Eu não ligava, mas Ester ficava furiosa e retrucava em situações assim no meu lugar. Mas desta vez consegui com que saíssemos da loja sem mais incidentes. 

 

Acontece que no passado situações assim me chateavam muito. Pessoas próximas de mim, colegas de escola ou até mesmo familiares, me faziam ficar péssima por causa do meu peso. Uma vez, em uma festa de família, dois primos meus apostaram quantos pedaços de bolo eu comeria e só me lembro de me trancar no banheiro da minha tia para chorar escondida. Eu via em comerciais, novelas, revistas, em todo lugar, garotas com corpos esculturais ou simplesmente magras e passei a confudir magreza com beleza. Havia dias eu nem olhava no espelho por me sentir horrenda, graças a alguns quilinhos a mais.

 

Me perguntava qual era o problema comigo, o porque de ser tão gorda se nem comia tanto, o porque da vida ser tão injusta, achava que se comesse uma azeitona engordaria vários quilos... cheguei a ficar paranóica. Se estivesse andando e passasse por um grupo de amigos que estivessem rindo, achava que estavam rindo de mim e sentia vontade de chorar. Aliás, eu chorava muito. Principalmente sozinha. Eu não queria ser gorda. Queria ser como a Sara ou como aquelas atrizes da televisão; porque para mim aquilo era ser bonita. Enquanto eu não tivesse uma cintura fina, coxas que não encostassem uma na outra a cada passo que dava, estivesse livre das estrias e das celulites... enquanto não fosse magra não seria bonita. 

 

Tentei fazer várias dietas. Academia — sim, já fiz academia —, caminhadas, até tentar ficar sem comer. Graças a Deus não desenvolvi algum tipo de doença, como bulimia ou algo do gênero. Nada adiantava. Depois de três meses na academia fiquei decepcionada por não ver grandes resultados, cansei de acordar cedo para caminhar e as dietas... aguentava por alguns meses, mas nunca seguia até o fim. Era chato ver meus amigos comerem um monte besteiras enquanto eu tinha que comer a coisa mais saudável — e consequentemente mais ruim — do cardápio. Ou ficar só no suquinho. Ah, chega uma hora que você chuta o balde. 

 

Era decepcionante para mim ver o quanto eu era fraca com isso. E daí eu chorava mais. Pensava que meu peso seria o empecilho para tudo pelo resto da minha vida. "Ninguém contrataria uma pessoa gorda se pode contratar a barbie em pessoa ali"; "Ninguém vai querer ficar, casar, construir uma família com uma gorda como eu"... Puff, só hoje percebo o quanto cada um dos meus  pensamentos era idiota e ridículo. 

 

Certo dia, resolvi me lamentar com amigos. Ainda me lembro da cena: eu, no meu quarto, chorando como uma criança debaixo das cobertas, Matheus fazendo carinho em meus cabelos, Daniel sentado ao meu lado e Ester em pé de frente para cama, com os braços cruzados. Em vez de me consolar, ela ficou quieta o tempo todo e quando falou, não foi nada parecido com algum apoio: 

 

— Elizabeth, você está triste por que é como é ou pelo fato de que você nunca será os outros querem que você seja? 

 

No começo não entendi e não respondi nada. Só depois fui compreender: eu estava triste pelo fato de ser gorda ou pelo fato de que eu não conseguia ser aquilo que a sociedade queria que eu fosse? Era a opinião dos outros que me incomodava, ou que eu achava que eles pensavam de mim, e não o meu peso. Eu queria mudar para agradar a quem? Eu mesma ou outros, pessoas que eu sequer conhecia? Ester estava certa. 

 

Quando foram embora, fui lavar o rosto no banheiro e fiquei um bom tempo me olhando no espelho. E, poxa vida, eu não era feia como estava pensando que era. O quanto eu achava que os outros me viam. Meu cabelo era lindo, assim como minha pele lisinha, meus olhos, minha boca pequena e meu nariz. Caramba, naquele momento percebi que era linda do jeito que era. E daí que algumas pessoas não me achavam bonita por só verem o lado superficial dos outros? Naquele momento, percebi que eu era linda, exatamente do jeito que era. 

 

A partir daquele dia comecei a não me importar com os olhares ou comentários das pessoas que me cercavam. Eu estava tranquila com meu corpo e contanto que minha saúde estivesse em dia, não me preocuparia com meu peso a não ser por mim mesma. Se eu quisesse emagrecer seria uma atitude que iria tomar quando me desse na telha e não porque minha vizinha achava que eu devesse experimentar a dieta que prometia perder 20 quilos em duas semanas — embora uma dieta como essa fosse chamar minha atenção. Enquanto estivesse em paz comigo mesma, a opinião dos outros não me importava. 

 

Passei a me amar de verdade. Quando acordava, olhava no espelho e sorria para imagem da linda garota que me sorria de volta. Se não gostasse muito da imagem refletida, dava um sorriso solidário para o espelho por ele não estar muito bem no dia. Parei de andar de cabeça baixa e de usar roupas discretas, passei a ser eu mesma e fiquei muitíssimo feliz com essa transformação. Foi como se uma lagarta tímida tivesse virado uma borboleta deslumbrante. 

 

Sim, deslumbrante. É isso que sou. Assim como todas as mulheres; independentemente do peso, cor, estilo, da raça, do planeta de origem...

 

Minha autoestima aumentou muito. Claro, não  ao ponto de me fazer usar saltos, vestidos apertados e maquiagem de diva — não sei andar de saltos, não curto vestidos no geral e não sei me produzir como uma diva — como essas lindas modelos plus size que vejo na internet. Mas pelo menos não ficava me torturando durante horas para achar uma roupa que disfaçasse — ou melhor, fizesse milagre e me emagrecesse num passe de mágica — minhas gordurinhas. Qual o problema de se amar exatamente do jeitinho que é? Sendo um pouco mais cheinha ou magrinha demais? Exato, não tem problema nenhum. 

 

Não importa como você seja, sempre vai haver alguém para te criticar. Acredite. O segredo é aprender a não se importar.

 

Tem noção de quantas vezes ouvi pessoas comentarem pelos corredores da escola que Sara precisava de uma cirurgia para diminuir o nariz? "Uma redução nasal", era o termo que usavam. Sim, o nariz dela era uma pouco grande, mas ela não deixava de ser bonita. Todo mundo recebe críticas. E sabendo disso, passei a não ligar para o que ouvia sobre mim.

 

— Além de gorda, ainda é metida. — Ouvi Sara dizer a suas amigas certa vez enquanto eu passava. 

 

— O nome disso é amor próprio, querida. — Respondi alto o suficiente para que ela ouvisse. 

 

Preconceito não me abalava mais. Podiam falar o que quisessem, porque independentemente do que falassem, minha vida não ia mudar em nada. Eu não ia emagrecer porque alguém me chamou de gorda. Minha vida continuaria exatamente do mesmo jeito... então por que chorar? Por que me deprimir? Me dê um motivo. Só um. 

 

Não achou, não é? Há. Eu tô certa. 

 

As pessoas, todas elas, já idealizaram uma imagem própria do que é "bonito". Alguns acham que as pessoas loiras são mais bonitas, outros preferem pessoas morenas, outros gostam dos bem branquinhos e outros acham que os negros são muito mais bonitos. Todos são assim, tem mentes limitadas e não enxergam que todos são bonitos exatamente da maneira que são. Não há nada mais incrível do que ver alguém com a autoestima inabalável, que não se importa com o que os outros pensam dela, mas com o que pensa de si mesmo. Que não liga se atrair olhares estranhos por estar vestindo algo diferente, mas que se sente satisfeito por ter um estilo próprio. 

 

A sociedade vive ditando regras de como ser. Quer ditar como nos vestimos, como devemos nos maquiar e como devemos agir. A namorada do meu irmão, Elisa, dá belos exemplos de como se ignorar a sociedade. Li uma vez em um artigo da internet, "os segredos da maquiagem perfeita", e quando eu os disse para ela, Elisa riu e continuou se maquiando no espelho do banheiro. 

 

— Batom vermelho só para noite? Não, não. Batom vermelho é para quando eu quiser. Sombra escura não é só para balada; e sim para quando eu estiver inspirada. E brilho não é para adolescentes, é para quem quiser usar. 

 

Outra vez, estávamos assistindo uma reportagem sobre cirurgia plástica, e ela parecia simplesmente inconformada com o número de cirurgias que só aumentava. 

 

— Não consigo entender porque essas pessoas não podem se aceitar como são. Ficar tirando pedaços do nariz, da costela, ficar colando bolas de gel para aumentar partes do corpo... tudo bem, cada um faz o que quer, mas acho que cada um devia se aceitar do jeito que veio ao mundo, sei lá. 

 

Foi com ela que aprendi essa coisa de "seja o que você é, de todo modo alguém vai acabar te criticando". Cada um tem o livre e arbítrio para fazer o que quiser, é um problema exclusivo da pessoa. Sempre que alguém pinta o cabelo é provável que vá ouvir de outra pessoa que "vai acabar se arrependendo" e, tá bem, se a pessoa se arrepender, o problema não será dela? O que na vida de quem disse isso vai mudar se a outra pessoa realmente se arrepender? Às vezes fico perdida com o confuso raciocínio humano. 

 

O meu conselho para todos é que se amem da maneira que são. Mudar se visual é normal, e mudanças são sempre boas; mas que isso seja feito por vontade própria, e não por pressão alguma. Amor próprio é tudo. Fico extremamente feliz por ser como sou; Não há ninguém como eu no mundo, ou seja, sou unicamente linda. Como você. Seu vizinho. Aquela pessoa que você odeia. Todos são bonitos, se não para você, para outros com certeza. Lide com isso. 

 

— É esse! — Ester falou, decidida, quando colocou o tênis no pé. Era praticamente igual ao meu, com exceção de um ou outro detalhe. — Quer apostar quanto que minha mãe vai me bater com ele quando ver a fatura do cartão? 

 

— Mas ele é tão incrível! 

 

— Eu sei! — Ela se virou para vendedora. — Vou levar esse mesmo. — E se voltou para mim outra vez. — Partiu comida chinesa? 

 

— Você paga? 

 

— Obviamente. Quero tentar paquerar o garçom — Estar riu maliciosamente. — Vou usar minhas táticas de sedução. 

 

Revirei os olhos. As táticas de sedução de Ester se resumiam a abaixar a cabeça e me deixar fazer os pedidos, depois observar o garçom que de chinês não tinha nada voltar para cozinha. E como eu me divertia quando ela realmente tentava! Enquanto eu me concentrava em me amar, Ester se concentrava em tentar conquistar o garçom chinês-alemão e as duas se saíam incrivelmente bem — embora ela conseguisse ser infinitamente mais engraçada que eu. 

 


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