Crônicas de uma gordinha escrita por Roberta Dias


Capítulo 5
Aposentadoria amorosa


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♡



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— Quero entrar na menopausa. — Ester tirou a camiseta e a jogou em seu armário. — Não acredito que aquela bruxa desengonçada me fez ficar correndo de um lado para o outro mesmo estando com cólica.

As aulas de educação física não eram horríveis só para mim. A senhorita Liliane era um monstro no quesito esportivo, e a não ser que algum aluno estivesse vomitando as tripas pelo nariz ela não acreditava em nenhuma suposta doença — para ela tudo era uma desculpa para não participar da aula. Ela era a única professora que todos os alunos não suportavam; até Sara evitava puxar o saco dela. Nosso palpite é de que ela não consegue um homem e desconta tudo em nós, porque é muito mais fácil assim. Se ela se arumasse um pouco talvez conseguisse fisgar o professor Éder. Os dois eram encalhados mesmo... que mal tem?

— Ester, ninguém morre por causa de cólicas menstruais. — Melissa revirou os olhos. Ela não era exatamente nossa grande amiga; ela prefiria ficar pulando de grupo em grupo de tempos em tempos. Essa ruiva conhecia todo mundo por aquelas bandas. Adoro falar isso. — Mas ficar correndo atrás de uma bola por quase uma hora é sacanagem. Isso é coisa de homem!

Hoje jogamos futebol. Meninos x meninas. E nós perdemos de lavada; ninguém estava contando placar, porque se estivesse seria humilhante demais.

Sabe o que me incomodava mais do que correr de um lado para o outro? As roupas que precisávamos usar. Não tínhamos armários nos corredores para livros e outras coisas, mas tínhamos um no vestiário — embora nenhum deles tivesse um dono específico, em cada aula você podia ficar com o que quisesse — para guardar nossas roupas. Os meninos também tinham no vestiário deles. O uniforme consistia de uma calça de moletom azul claro com o nome da escola bordado em uma das coxas e uma camiseta branca enorme lisa. Tínhamos até um casaco para os dias frios. E não era de graça; aquele uniforme ridículo custava uma boa grana e era obrigatório. Mas acontece que, quando me exercito por algum tempo, sempre acabo suando demais e a roupa acaba ficando marcas de suor. Fico morrendo de vergonha. Não é divertido ficar com "pizzas" debaixo dos braços

E na verdade acho que isso é um poblema genético. Meu irmão é bem magro e não pode ir até a padaria da esquina sem voltar suando muito, como se tivesse corrido quilômetros. Isso nos dias de calor. Minha mãe também... é, com certeza suar demais era de família.

Bem, pelo menos podíamos tomar um banho rápido antes de voltar para sala de aula ou para casa.

— Mas se cólicas matassem eu estaria morta! — Ester se enrolou na toalha. Ela nunca ficava completamente nua na frente das outras garotas, só de mim quando estávamos sozinhas e eu fazia exatamente o mesmo. — Quando eu entrar na menopausa, tudo vai ficar melhor.

— Quando você entrar na menopausa só vai estar em uma escola para saber dos seus filhos, sua doida. — E juntas, nós três, fomos para os chuveiros.

— Ele com certeza está a fim de você, Sa. — Uma das amigas de Sara grunhiu enquanto passávamos.

— Acha mesmo? Bom, eu espero que sim. Nós dois ficaríamos lindos juntos — Sara jogou o cabelo pelos ombros. — Talvez eu devesse chamar ele para sair. Mas...

— Mas o quê? Você viu como ele te olha? Não sei como ele ainda não te chamou para sair!

— Alguém avisa para ela que o Shrek não está disponível. — Ester sussurou e nós duas rimos. — De quem vocês acham que ela está falando?

— Ela está caidinha pelo Nicolas. — Melissa fingiu se abanar e tentou imitar a voz de Sara. — Escutei a conversa dela com as amigas no ônibus. Você acha que ele está na dela? — E me olhou.

— O quê? Por que eu saberia disso? — Entrei em uma cabine e liguei o chuveiro, mas ainda sim dava para continuar a conversar, já que as meninas estavam nas cabines dos lados, uma a minha direita e a outra minha esquerda.

— Você não senta com ele no ônibus?

— E daí? Acha que ficamos conversando sobre pessoas com quem ficaríamos?

— E conversam sobre o quê?

— Sei lá, hoje viemos conversando sobre a qualidade dos bancos do ônibus...

As duas riram.

— Sério isso? Um cara super gato como aquele e você fica falando sobre o ônibus? Dane-se o ônibus! — Melissa continuou rindo.

— E sobre o que você acha que devíamos conversar?

— Não sei, já pensou em dar em cima dele?

— Ele não faz o meu tipo.

— E daí?

— E daí? — Fechei o chuveiro. — A beleza não é tudo. De repente eu caso com ele e descubro que ele é um acumulador compulsivo que leva para casa todas as pedras que encontra na rua, só para completar sua coleção. — Certo, isso saiu sem eu que pensasse.

— É o quê? — Ester saiu da cabine, incrédula. — Já está pensando em casamento?

— Você entendeu!

— Então você não se importa se a Sara ficar com ele? — Melissa deu um sorrisinho estranho.

— Claro que não. Ele é só meu amigo. Não vamos passar disso! — Revirei os olhos. Só porque o Nicolas era bonitinho eu era obrigada a me render a sua beleza e amá-lo como se ele fosse o único homem da terra? Ah, não, obrigado. — Além do mais, ele e a Sara formariam um casal tão bonito!

Nós três nos arrumamos sem pressa. O último sinal do dia tocou e Melissa ficou no vestiário esperando por uma colega do ônibus dela. Ester e eu encontramos Matheus e Daniel na saída da quadra, mas nos separamos no corredor; tive que voltar para sala de aula para ver se encontrava meu livro de física, que havia simplesmente sumido da minha bolsa. Não havia problema se eu perdesse o ônibus, já que Tomás me buscaria para irmos a casa da nossa avó visitá-la. Felizmente encontrei meu livro embaixo da carteira e tratei de sair logo dali, porque uma escola vazia era um tanto assustadora.

Os corredores ainda não estavam totalmente vazios, alguns alunos ainda estavam transitando por ali. Ao passar pela escadaria que levava ao segundo andar notei que Lucas estava sentado ali, sozinho. Cara, um nerd que gostava da solidão, tem como ser mais deprimente? Ele parecia meio abatido enquanto olhava para os próprios pés e a voz da minha mãe surgiu em minha mente, dizendo que sempre que vemos alguém triste devemos falar com ele(a) e perguntar se podemos ajudar em algo — a menos que estejam só os dois em uma rua deserta, daí você saí correndo. Mesmo com desconhecidos. Dona Tereza criou seus filhos como bons — diria até magníficos — samaritanos. Até tentei passar reto, mas a voz da minha mãe continuava em minha cabeça:

"Não foi assim que te criei, menina. Volte e pergunte se pode fazer algo para alegrá-lo!"

— Lucas? Tudo bem? — Voltei e sentei um degrau abaixo do que ele estava sentado. Tomás podia esperar alguns minutos, mas minha consciência pesada me perseguiria pelos próximos três meses.

Ele pareceu surpreso e se endireitou rapidamente. Lucas era muito branco, parecia nunca ter tomado sol na vida, e seu cabelo era de um loiro escuro indo para o mel. Os olhos eram grandes e pretos, ele era alto e magro, e vivia usando roupas folgadas; ele parecia nadar dentro das camisetas de personagens — hoje era do Hulk. Usava óculos muito estilosos também. Ele não era feio, mas não também não era bonito. Era mediano. Era o tipo de cara que eu tentaria investir se não estivesse aposentada, temporariamente, desse lance de amor.

— Tô bem. Obrigado por perguntar. — Ele forçou um sorrisinho sem mostrar os dentes com aparelho. — E você, como está?

Ah, isso me fez gostar mais dele. Quando minha aposentadoria do amor acabasse, eu tentaria conquistá-lo. É muito chato quando você pergunta se uma pessoa está bem e ela só responde. Temos que perguntar, mesmo que só por educação.

— Estou bem. Mas você não parece bem, por isso perguntei.

Lucas balançou a cabeça.

— Só outro dia normal na minha vida.

— Um dia normal sempre te deixa para baixo assim?

— Acontece, de vez em quando. Dia sim, dia não — ele se encolheu outra vez.

— Cara, mude o seu normal. — Dei os ombros. — Sabe, todo mundo cria uma rotina. No caso, o seu normal. Meu dia por exemplo se resume a vir para escola, assistir televisão, ler, desenhar, refletir um pouco, tomar banho e comer. Dormir, que é o principal. Eu adoro dormir. — Lucas deu um sorriso verdadeiro. — Esse é o meu normal. Mas de vez em quando eu decido que quero, sei lá, ir no cinema. E vou, sozinha mesmo. É com pequenas coisas que mudamos o nosso "normal". E se por acaso não fizer sentido para você, para mim faz e muito.

— Faz sentido sim. É só que... eu não acho nada que eu queira fazer de diferente...

— É só quadrinhos, videogames, jogos online e super-heróis todos os dias, não é? — Brinquei, dando uma de sabichona.

— Ei, não se julga pessoas assim. Você com certeza faz coisas diferentes do que aparenta fazer. — Ele disse. — Você parece ser daquelas meninas que passam o dia na frente do computador procurando histórias de pessoas que tem a vida melhor do que a sua ou vendo filmes como "O diário de uma paixão", enquanto se entope de sorvete, refrigerante e salgadinhos... — Fechei a cara. — Não... eu... Não quis dizer que você come demais. Não é isso...

Continuei a olhar para ele, séria, e quando ele pareceu ficar muito constrangido, soltei a risada que estava segurando.

— Tudo bem, eu sei. Só esperava que não tivesse essa aparência tão deprimida.

— Você não tem. Só disse isso para contradizer a imagem de nerd que você tem de mim. — Foi a vez dele dar os ombros. — E eu gosto de quadrinhos, videogames, jogos onlines e super-heróis. O que posso dizer? É o que gosto.

— Eu também gosto. Um pouco. Todo mundo tem uma alma que é um pouco nerd. — Pensei por uns instantes. — Inclusive, eu adoro The BigBang Theory. — Uma pausa e nós dois dissemos juntos, sem planejar: — Bazinga.— E rimos. — Assiste?

— Todo nerd que se prese assiste.

— Sabe, minha prima me deu uma camiseta da série, mas ela é masculina e não serve em mim. Posso te dar, se quiser.

— Seria legal.

— Ótimo. Amanhã eu trago. — Sorrimos um para o outro. A voz da minha mãe voltou a falar em minha mente: "bom trabalho, Lizzy, estou orgulhosa."

Meu celular vibrou no bolso, e quando o peguei vi que uma mensagem do Tomás havia chegado. Ele devia estar furioso do lado de fora da escola.

Tomás: Lizzy? Tive um imprevisto, vai ter que vir de ônibus para casa.

Quê? Ele só podia estar de brincadeira. O ônibus da escola já devia ter saído há alguns minutos!

Que tipo de imprevisto? 

Tomás: Acordei agora. Fui dormir tarde ontem. Vou estar te esperando :-*

Como? Ele com certeza estava brincando comigo.

— Preciso ir. Meu irmão é um... idiota — me levantei e desci os degraus. Pelo corredor vinha um asiático com seu inconfundível andar descolado. O que Nicolas ainda estava fazendo na escola? — Perdido?

— Ah, não. Estava na diretoria resolvendo umas coisas. — Nicolas olhou para Lucas e acenou com a cabeça. Lucas baixou o olhar. — E você, o que faz aqui?

— Aparentemente, esperando meu irmão. Mas vou precisar ir de ônibus para casa — suspirei. — Até amanhã, Lucas.

— Ei, Elizabeth? — Me virei para olhá-lo e Nicolas fez o mesmo. — Você estava errada sobre uma coisa.

— Sobre o quê?

— Nem todo mundo tem uma alma nerd. Duvido que os brutamontes do time tenham qualquer traço nerd. — Revirei os olhos mas concordei. Ele estava certíssimo. Trocamos um sorriso cúmplice e dissemos, juntos: — Bazinga!

E com isso saí andando com Nicolas. Ele estava estranhamente quieto, diferente do garoto tagarela de hoje cedo.

— Vocês se dão bem, ein. São amigos de longa data? — Perguntou ele.

— Não somos amigos. Somos colegas. Não sei se Lucas quer amigos; mas o conheço desde que comecei a estudar nessa escola. Éramos da mesma sala nos primeiros dois anos, daí ele mudou de sala e nunca mais nos falamos direito.

— Acho que ele é a fim de você...

— Não viaja!

— Viu o jeito que ele te olha?

— Não importa. Mesmo que ele me amasse e eu a ele, estou em aposentadoria amorosa. — Eu disse, com toda tranquilidade que não tive nos últimos dois anos.

— Aposentadoria amorosa? — Repetiu ele, sem entender, quando saímos da escola.

— Não quero saber de nada que envolva amor, paixão, sei lá como chamam isso — fiz um som de desdém. — Tirei uma aposentadoria dessa coisa toda. É muito complicado. — Nicolas riu e balançou a cabeça. Paramos no ponto de ônibus e eu o olhei por um tempo, pensativa. — Você não é um acumulador compulsivo que coleciona pedras que encontra pela rua, não é?

— Da última vez que chequei, não. Continuo sendo só eu mesmo. — Ele deu um sorrisinho. — O que foi que te disseram?

— Nada. Típica conversa entre amigas, sabe?

Nicolas deu um sorriso. Ele sorria muito fácil.

— Você é uma figura, Lizzy.


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