Crônicas de uma gordinha escrita por Roberta Dias


Capítulo 17
O destino não colabora


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♡



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Hoje é sexta-feira. A semana foi um tanto... Não aproveitável. Desde sábado, em que aproveitei a pressa do meu irmão para ir embora do sítio, não consigo falar com Nicolas. Não por falta de vontade, ok? No domingo decidi não pensar no assunto, mas não consegui e cheguei a conclusão que conversar com Nicolas era necessário. Não que eu fosse evitá-lo para sempre... durante o dia todo manti o celular desligado e quando finalmente decidi ligá-lo, não o achei em lugar nenhum. Não saí de casa então ele devia estar perdido por ali. 

 

Na segunda-feira não fui a escola, porque ainda não estava pronta para encarar meu companheiro de ônibus. Ainda não tinha achado meu celular e esperei até o horário da saída da escola para ligar para Ester. Talvez ela tivesse o número da casa dele e eu pudesse ligar, para conversarmos ou marcar um encontro. Quando peguei o telefone e liguei para casa dela, uma surpresa: o telefone estava mudo. 

 

— Mãe! — Gritei da sala. — O telefone não está  pegando! 

 

— Querida, a companhia de telefônica está trocando os cabos do bairro. — Mas é o quê? Desde quando? — Vamos ficar sem telefone ou internet por umas duas semanas. Não viu a notificação que mandaram? Está em cima da mesa. — Ela gritou da lavanderia. 

 

Quando peguei a notificação fiquei indignada. Como nunca chega cartas para mim, eu nunca me preocupo em vê-las. Minha mãe não  tinha celular, e o único que poderia me ajudar era o Tomás. Fui até o quarto dele, bati na porta e entrei quando ele mandou. O celular dele tinha que servir. 

 

— Fala, Lizzy — ele estava sentado em sua escrivaninha, preso em um relatório para faculdade. — Em que lhe posso ser útil? 

 

— Me empresta seu celular? Preciso fazer uma ligação. 

 

— Meu celular tá no concerto. — Devo ter ficado com um ponto de interrogação na cara, porque nem precisei perguntar para ele começar a explicar: — No domingo eu não fui andar de patins com Elisa e alguns amigos? — Fiz que sim com a cabeça. — Meu celular estava no bolso da calça, e quando caí, caí em cima dele. A tela quebrou. Ele fica pronto no sábado. 

 

Revirei os olhos e saí do quarto. Eu não sabia onde ele morava e não tinha como falar com ele, o certo seria esperar até o dia seguinte mesmo. Passei a tarde encucada, sem conseguir me concentrar em nada... apenas fiquei relembrando do nosso beijo e da sensação boa que senti. Nem sabia o que deveríamos conversar, mas ainda sim queria saber o que ele queria dizer para mim. Será que ele iria se declarar? Ou será que eu estava viajando? Mas foi ele que me beijou... ah, legal. Nem controlar meus pensamentos eu conseguia. Aquela seria uma noite longa, viu? 

 

— Você não sabe! — Ester entrou com tudo em meu quarto. Estava eufórica demais. — Erick me pediu em namoro. — Ela deu uma risada alta, estava muito feliz e radiante. — Eu aceitei, claro! Agora somos namorados, você acredita? Foi tão fofo; ele me chamou para tomar sorvete, e quando estava me levando para casa começou a falar o quanto gostava de mim. Se enrolou todo pra falar e, então eu meio que falei por ele, enfim... ele é tão perfeito! E é meu namorado. O Batata vai ter que engolir essa! 

 

— Que bom, Ester. — Me levantei da poltrona e dei um abraço nela. — Espero que dê certo. 

 

— Vai ter que dar certo! Ele é um sonho. Por que não respondeu minhas mensagens? — E trocou de assunto tranquilamente, como sempre fazia. — Se eu não tivesse vindo aqui você não saberia. 

 

— Perdi meu celular por aqui e não o acho de jeito nenhum. Já revirei a casa... — Fiz uma pausa. — E o Nicolas? 

 

— O que tem ele? 

 

— Como ele está? 

 

— Meio tristinho. 

 

— O quê? Por quê? 

 

— Sei lá, como eu vou saber? Ele não me falou nada. 

 

— Ah... — Voltei para minha cama. — Você só viu ele hoje? 

 

— Erick me disse que ele sentou nos bancos da frente sozinho, o que não é normal, porque quando você falta ele vai para o fundão. — Ela colocou as mãos na cintura, como fazia sempre que ficava pensativa. — Na entrada ele  perguntou de você, e não falou mais nada quando eu disse que não sabia. Não vi ele no intervalo e depois da aula ele foi direto para o ônibus. Deu para ver que ele estava tristinho. 

 

— Ok, preciso te contar algo. — Ester apenas assentiu. — No sábado ele me beijou. 

 

O quarto ficou quieto por instantes. 

 

— Aí, que bonitinho. Ele finalmente se declarou? 

 

— O quê? Não! Eu saí correndo sem deixar ele falar nada. Você sabe que essas coisas me apavoram. 

 

— Por isso ele fechou a cara no sábado! Por que ele não me disse? — Ela se indignou. 

 

— Por que ele te contaria alguma coisa?

 

— Me promete que não vai ficar brava? — Ester  tirou os sapatos e subiu na minha cama, ficando de frente para mim com as pernas cruzadas. 

 

— Eu nunca fico. E porque ficaria agora?

 

— Porque ter escondido esse lance de você. Eu não queria, mas prometi ao Nicolas... — Ela deu uma risada nervosa. — Você sabe que a tarde fico na loja da minha mãe, e ele mora perto de lá. No começo ele ia lá com a irmã, mas só de vez em quando, umas duas vezes por semana. Mas ele foi aumentando a frequência até começar a ir todo dia, só para ficar conversando comigo; fez amizade com a minha mãe e até ajuda na cozinha, às vezes. — Revirei os olhos, isso era a tão a cara dele. — Não falava tanto de você no começo, só fazia umas perguntas bobas de vez em quando. Mas logo havia dias em que só falávamos de você. Daí um dia eu brinquei com ele, dizendo algo como "caramba, porque não assume que está caidinho na da dela." Nicolas me olhou de volta e disse "se você percebeu, acha que ela também pode perceber?" 

 

"Não pensei que ele estivesse falando sério, mas estava. E acabei me comprometendo ajudar ele a conquistar você. Só não sabia como, já que você tem todas essas reservas... Erick era o único que sabia disso, por isso nós dois acabamos nos aproximando tanto. Ficávamos os três procurando maneiras de fazer você se apaixonar por ele. Combinamos de tentar estragar o seu encontro com Rafael..." 

 

— Ahá, eu sabia! Estavam mesmo armando alguma coisa! — Cruzei os braços sobre o peito, mas não estava brava de verdade. 

 

— Enfim... chegamos lá, mas não sabíamos o que fazer. Quando você quase beijou o Rafael... Nicolas ficou tão chateado, achou que suas chances tinham acabado ali. Comemoramos tanto quando você se afastou. — Ela fez uma careta. — Nicolas... ele gosta mesmo de você, Lizzy. Os olhos dele brilham quando fala de você. Tinha que ver como ficou feliz quando você ficou com ciúmes dele... devia dar uma chance para ele. 

 

— Eu não sei... Eu... 

 

— Você gosta dele! — Ela fez um sinal para que eu nem começasse a falar. — Gosta, Lizzy. Eu te conheço melhor do que qualquer um. Talvez melhor do que você mesmo. Você sorri feito boba quando falamos dele. Fica mexendo no cabelo, coisa que você nunca faz, faz elogios aos montes sobre ele. Não fica um dia sem falar com ele, começou a se arrumar mais de uns tempos para cá... até o Daniel, que nunca presta atenção em nada, notou o clima entre vocês. 

 

— Nunca percebi isso. — Mas parando para analisar os últimos meses, até que isso era verdade. 

 

— É claro que não. Você não queria perceber. 

 

— Olha, eu não sei se nós poderíamos ficar juntos... 

 

— Como assim? — Ester apertou os olhos. 

 

— Não acha que ele é bom demais para mim? 

 

Pelo que eu conhecia da minha melhor amiga sabia que o que havia acabado de falar tinha soado incrivelmente idiota para ela. 

 

— Você é a única pessoa que conheço que quer menos. — Ela deu uma risada de escárnio. — Vamos lá, se arrume, tem um viaduto não muito longe; deve ter um morador de rua que te agrade. — Tentei não rir, mas não deu. — Lizzy, você se aceita do jeito que é. E tem pessoas que também te aceitam. Pare de se diminuir para os outros. Por que Nicolas é bom de mais para você? 

 

— Não sei. Ele é um dos caras mais descolados da escola, e eu sou só... uma gordinha sem graça. 

 

— Sem graça uma ova! Acabei de ver que não conhece o Nicolas mesmo. Ele gosta de você pelo que é, independente do seu peso ou popularidade. Escuta, garotas lindas dão em cima dele todos os dias e ele só quer saber de você. 

 

— Tá me chamando de feia? — Brinquei e cruzei os braços, para aliviar o clima. 

 

— Ah, fica quieta, você entendeu. Lizzy — ela pegou minhas mãos. — Para de achar que você merece pouco. Mesmo que o Nicolas fosse o homem mais fabuloso da terra, você continuaria merecendo ele. 

 

Sorri. Ester sempre sabia o que dizer. Eu sabia que o que ela dizia era verdade; as vezes eu me diminuía sim, mesmo sem ter a intenção. E isso tinha de parar. Se eu queria ser igual a todos, tinha de deixar de achar que qualquer pessoa podia ser melhor. 

 

— Diz para o Nicolas que amanhã vamos conversar, na escola. 

 

— Vou ligar para ele agora. — Ela pegou o celular no bolso e discou o número na velocidade da luz. Para minha sorte deu caixa postal. — Poxa, queria presenciar essa conversa. 

 

— Esquece isso. Depois você fala com ele. Me conta mais de você e o Erick! 

 

Os olhos dela brilharam, com certeza tinha muito a dizer. Ok, isso teria de me distrair para que eu não surtasse de vez. 

 

[...] 

 

Na terça-feira acordei muito atrasada. Sem o celular para me acordar tive que contar com a sorte para acordar cedo. Mas você já viu que não deu certo, né? Aproveitei a manhã para caçar meu celular outra vez, sem sucesso. Até revirar o lixo eu revirei, se quer saber; já aconteceu de eu jogá-lo fora uma vez, mas imediatamente o peguei de volta. Então, vai saber. Infelizmente, ele não estava no lixo. Sem qualquer pista, desisti, e adiei a conversa com Nicolas para o dia seguinte. 

 

[...] 

 

Na quarta-feira acordei na hora. Me arrumei e fui para o ponto esperar o ônibus com o coração na mão. Esperei, mas o ônibus não passava de jeito nenhum. Olhando para o relógio do meu pulso, vi que já tinha se passado cinquenta minutos e nada do ônibus. Será que tinha acontecido algo? 

 

— Elizabeth? Droga! — Abbie Fernandes, filha dos meus vizinhos barulhentos e colega de ônibus, vinha pela calçada vestindo um pijama e quando parou diante de mim deu um tapa na própria testa. — Esqueci de ir na sua casa avisar. Não tem ônibus hoje. Foram para revisão, então hoje os alunos tinham de ir por conta própria para escola. Me lembrei que você não sabia e vim correndo te avisar. 

 

— Agora tudo faz sentido. — Fiquei quase uma hora no ponto de boba, que legal. 

 

— Desculpa, realmente esqueci de avisar. 

 

— Tudo bem. Vou voltar a dormir, então. Até mais, Abbie. 

 

Dormir. Dormir. Dormir era tudo o que eu podia fazer para que aquela ansiedade sumisse logo. Mais uma vez, minha conversa com Nicolas tinha de ser adiada. 

 

[...] 

 

Foi na quinta-feira que percebi que o destino não queria colaborar. Você acredita se eu disser que esqueci meu caderno em casa e quando voltei para buscá-lo o ônibus passou e eu fiquei? Sério, o que estava acontecendo? Tomás já havia ido para faculdade e não podia ir me dar uma carona; minha mãe tinha ido para o salão e eu não tinha dinheiro para o ônibus normal... passei a manhã vendo desenhos e quando foi de tarde, Abbie veio me avisar que hoje, sexta-feira, não haveria aula por conta do conselho de classe. 

 

Quis gritar de frustação. Mas tudo bem, se tem algo que aprendi é que nunca podemos desistir. Eu me recusava desistir. Iria conversar com Nicolas nem que fosse a última coisa que fizesse na vida! O destino não podia botar empecilhos para sempre. 

 


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