Crônicas de uma gordinha escrita por Roberta Dias


Capítulo 16
Quando o improvável acontece


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♡



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— E daí? Você sabia tudo dela, mas nunca falou com ela. — Ester prendeu os cabelos molhados e sentou na borda da piscina comigo. 

 

Estávamos no sítio do tio Rubens. Ele não era tio de ninguém ali, era apenas um amigo antigo de nossas famílias, e ele sempre reunia todos em seu sítio enorme. Ele era como um avô para nós e a família dele era adorada por todos. O sítio tinha duas piscinas perfeitas para os dias quentes, como hoje, um parquinho para crianças, um riacho que era pouco longe das casas, espaço para churrasco, balanços com pneus, um jardim e tudo era muito bem conservado. Digo isso porque frequento aquele lugar desde que nasci, praticamente. Não era longe da cidade, e podíamos ir ali quando quiséssemos. 

 

Eu não entrei na piscina. Primeiro porque não ia entrar de roupa e não usaria, por nada no mundo, o biquíni que Elisa me deu. Não tenho vergonha do meu corpo, mas também não vou ficar expondo-o. Desde os 6 anos não uso um biquíni, e provavelmente nunca mais usaria um. Segundo porque eu também não sabia nadar. Nunca me interessei, então... preferi colocar uma roupa leve, uma regata e uma calça de pano leve, ficar sentada na borda da piscina com as pernas na água e observar meus amigos e outras pessoas se divertirem na piscina. 

 

Até que estava divertido ficar relembrando do passado. Estávamos lembrando das nossas estripulias no começo da adolescência, em que fazíamos um verdadeiro dossiê das pessoas que gostávamos. Descobriamos tudo: nome, endereço, cor favorita e até o numero do rg da pessoa, só não falávamos com ela. Mas acho que todo mundo já passou por isso. Céus, como podíamos ser tão ridículos? 

 

— Fica na tua! — Matheus tinha acabado de dar um mergulho demorado. — Essa carne vai demorar para ficar pronta? — Gritou. — Tô com fome! 

 

— Se está com tanta pressa vem fazer você! — Gritou meu irmão. 

 

Os adultos estavam na área de churrasco, conversando e rindo. Nossas famílias, e muitas outras pessoas estavam ali para festa, e mais chegavam para animar as coisas. O clima estava alegre e o dia estava só no começo, que maravilha! 

 

— Aqui. — Daniel trouxe os refrigerantes que pedimos e sentou conosco. Ele, por ainda estar com vergonha da sua barriga que não era de tanquinho, estava nadando de camiseta. Matheus tirou a camiseta e só estava nadando bermuda porque não ligava para nada. Ester teve mesmo de vestir o maiô que sua mãe comprou, mas não tirou o short. — Tô nem aí: vou engordar mesmo. — Ele tomou um gole de seu refrigerante enquanto abriamos nossas latas. — Nicolas acabou de chegar com Erick. 

 

Ester soltou um "Erick chegou!" ao mesmo tempo em que eu soltei um "Nicolas está aqui?" 

 

— Pois é. — Daniel deu os ombros. 

 

Juntas olhamos para área e vimos que a família dele estava ali. Céus, Ester não exagerou quando disse que eles pareciam uma família dos anos oitenta! Nicolas estava de bermuda e chinelo, mas ainda sim muito descolado. Estava de mãos dadas com mini asiático muito fofo, que devia ser seu irmãozinho. Era incrível ver como ele continuava lindo mesmo estando tão simples... 

 

— Caramba, ele é muito gato! — Exclamou Ester.

 

— Verdade... — Concordei baixinho. 

 

— É o quê? As duas estão a fim do Erick? — Daniel queria rir, mas eu imediatamente neguei, balançando a cabeça freneticamente. — Sei que a Ester estava falando dele, mas você... 

 

— Mas o que ele tá fazendo aqui? — Perguntei para desconversar. 

 

— O Erick ou o Nicolas? 

 

— O Nicolas. 

 

— Os pais dele são da mesma igreja que nós, lembra? É claro que eles seriam convidados. — Daniel deixou sua lata de refrigerante comigo e pulou de volta para piscina. — Vou dar mais alguns mergulhos antes de comer, com licença. 

 

Observei os dois nadarem um pouco e nem notei quando novas companhias chegaram. Só percebi porque Erick pulou com tudo na piscina e a água se espalhou para todo lado, me molhando inteira. Quis gritar, mas quem disse que ele me daria ouvidos? Nicolas parou na borda da piscina e sorriu para mim, tirando a camiseta para entrar na piscina. Acredite se quiser, sou uma pessoa que se envergonha muito fácil. Se eu tropeçar na sua frente, ficarei com vergonha de passar perto de você pelos próximos três anos. Qualquer coisa me deixa envergonhada. Ver o físico muito bem trabalhado dele me deixou envergonhada, tanto que desviei o olhar. Ah, ele tinha a barriga tanquinho que Daniel sonhava tanto. Caramba, eu estava sentindo minhas bochechas corarem... 

 

— Uau. Parece uma daquelas propagandas de perfume estrangeiro! — Ester sussurou para mim. — Olha, olha, olha! — Olhei e o vi já dentro da piscina, tirando o cabelo molhado do rosto. — Parece uma propaganda de shampoo agora! Ele é muito fofo. 

 

O que você faz quando não sabe o que fazer? Eu geralmente dou risada, mesmo em situações onde rir não é aconselhável. Naquele momento cobri o rosto com as mãos e ri sozinha, deixando Ester iludida por achar que estava rindo da piada horrível dela. 

 

— Vamos entrar! — Ester pulou para água. — Você não pode ficar aí o dia todo. 

 

— Na verdade, eu posso — me levantei e fui até uma das mesas que ficavam ao redor da piscina, com guarda-sol e meu refrigerante. Só  faltava o livro para o dia ficar perfeito. — Cansei do sol. Vou ficar aqui. 

 

Ester revirou os olhos e foi até onde todos estavam. Fiquei um tempo ali, até ver minha tia me chamar na área e fui até lá. Normalmente eu gostava de conversar com pessoas mais velhas, elas tinham assuntos mais maduros e as conversas fluiam mais suavemente. Mas conversar com minha tia Angelica era como conversar com uma amiga da minha idade. Anna estava ali também, perdida em algum lugar com namorado, mas Marina não veio por estar em um encontro com Jonas. Por isso minha tia pulava de grupinho em grupinho, mas achei muito estranho ela ainda não tenha vindo até mim para uma conversa. 

 

— Brigou com namoradinho, querida? — Perguntou ela quando cheguei. Ela estava fazendo um prato para mim e me obrigou a sentar à mesa, junto com Tomás, Elisa, minha mãe e a mãe de Ester. — Ela e o Nicolas não formam um lindo casal? 

 

— Você está namorando com Nicolas, Lizzy? —  Maria, mãe da Ester, se animou. Parecia a filha uns vinte anos mais velha. — Que bom! 

 

— Tá namorando? Por que eu sou o último a saber? — Tomás me olhou, sério. 

 

— Eu não tô namorando... 

 

— Vocês brigaram? Não vi vocês se falando. — Angelica colocou o prato em minha frente. — Acho que nem tem motivos para brigar. 

 

— Ele não é meu namorado. — Insisti, exasperada. Era incrível ver que quando não queriam, ninguém prestava atenção no que eu dizia. 

 

Aquele pareceu um longo almoço. Tia Angelica continuou insistindo no assunto, e Tomás também insistiu em continuar a me dar sermões sobre ser muito nova e blá blá blá. Quando terminei voltei para o lugar de antes, a fim de ficar um pouco sozinha. Talvez depois desse uma volta pelo sítio, sentasse debaixo da minha árvore favorita para pensar... Nicolas tinha acabado de sair da piscina e estava vindo em minha direção. Lembra que sempre rio quando estou nervosa? Pois é. Fiquei muito aliviada quando o vi vestir sua camiseta, ficava mais apresentável assim e eu podia parar de rir. 

 

— Não vai entrar? — Ele sacudiu os cabelos molhados. — A água está ótima. 

 

— De jeito nenhum. Prefiro evitar o sol. Além disso, não sei nadar, iria ficar parada em um lugar só; isso não parece divertido. 

 

— Posso te ensinar se quiser. Sou um bom professor, você sabe. 

 

— Sem querer ofender, mas não é. Não consegui entender nada do que você me explicou. Acabei com ainda mais dúvidas. — Balancei a cabeça diante da lembrança do nosso dia na biblioteca; ele até podia ser esperto, mas não era um bom professor.  

 

— Compenso com entusiasmo e paciência. — Ele piscou. — Já comeu? 

 

— Acabei de comer. Nunca vi tanta lasanha e carne na vida! E você? 

 

— Acredita se eu disser que vim comendo salgadinhos o caminho todo? Sempre fico enjoado quando ando de carro, então sinto que posso vomitar a qualquer momento. Talvez mais tarde eu coma. Quero relaxar agora. 

 

— Quer ver um lugar legal? — Nicolas deu os ombros. — Vem comigo. Aqui tem um lugar lindo. 

 

Ele levantou e me seguiu. Céus, mesmo molhado e de chinelo ele era descolado. Nunca vi isso! Passamos pela área de churrasco e por um monte de gente, até pararmos nos pais dele que estavam no caminho. Ele me apresentou, e eu pude ver o quão alegres eles eram de perto. Realmente, Nicolas puxou apenas a cor dos cabelos da mãe, porque ela era muito mais brasileira do que eu pensava; ele parecia muito com seu pai. Em cinco minutos de conversa eles fizeram tantos elogios, para tantas coisas, que a euforia deles me deixou um tanto intimidada. O irmãozinho dele era uma gracinha, e gostou muito de mim já que não queria sair do meu colo e a irmã dele era muito quieta, mas não parou de sorrir nem por um momento. 

 

— Nicolas fala muito de você. — Foi a primeira coisa que disse. 

 

— Espero que bem. — Dei um cotovelada de brincadeira nele. 

 

— É sério. Ele fala muito, muito, mas muito em você... 

 

— Ela entendeu, Alice. Por que não vai brincar com meu PSP? Está na bolsa da mamãe. — Nicolas disse, e sua irmã deu um sorrisinho antes de sair. — Não liga para ela. Ela exagera. 

 

Ignorei o que tinha acabado de acontecer e peguei a mão dele. Passamos pela área, por dentro da garagem da casa e descemos a escada do parquinho, indo parar no jardim que o tio Rubens sempre cuidou com tanto amor. Havia banquinhos ali, e muitas flores. Algumas árvores com frutas e o chão era coberto por grama verdinha; minha árvore favorita ficava ali. Sempre que vinha ao sítio ia ao jardim para refletir um pouco, a vista tão linda sempre me inspirava pensamentos bons. Foi ali que compus minhas melhores músicas. Pena que não trouxe meu caderninho... 

 

— Uau. — Nicolas olhou em volta e o guiei até minha árvore favorita, que estava carregada de flores. Sentamos debaixo dela. — Aqui é lindo! 

 

Sabe por que aquela era minha árvore favorita? Certa vez Ester, Matheus, Daniel e eu estávamos brincando ali e uma coisa linda aconteceu; havia muitos casulos de borboletas nos galhos, e naquele dia nós conseguimos ver várias saírem de suas casinhas pela primeira vez. Ficamos encantados... mas esse encanto morreu quando descobrimos que elas só durariam um dia. Mas ainda sim aquele lugar se tornou o meu favorito. 

 

— Tá vendo aquela plaquinha do lado da roseira? — Apontei e ele confirmou com a cabeça. E tio Rubens continuava a cuidar daquele cantinho. — Quando tínhamos doze anos os meninos, Ester e eu enterramos uma cápsula do tempo ali. Foi meio que uma promessa entre nós. Um dia, vamos trazer nossos filhos aqui e eles vão enterrar algo deles. E eles vão trazer os filhos deles e assim por diante. Vimos isso num filme achamos legal de fazer.

 

— O que enterraram? — Ele parecia realmente interessado. 

 

— Estão dentro de uma caixa; Enterrei minha tiara favorita; Ester, um colar de passarinho; Matheus, seu boné predileto; Daniel, sua primeira máquina fotográfica. Também tem uma cartinha nossa para nossos filhos e uma foto do dia em questão. Foi muito divertido. — Nicolas olhou para mim, pensativo e sorridente, como se estivesse planejando algo. — Espero que dê certo e que nossos filhos gostem da ideia. 

 

— Vão gostar, é algo bem criativo. 

 

— Posso te fazer uma pergunta? 

 

— Fica à vontade. — Ele se virou um pouco para ficar de frente para mim, que estava sentada com as costas rentes a árvore. 

 

— Às vezes, enquanto olha pra mim, fica fora do ar de repente. Sei lá, isso sempre acontece. Queria saber o que se passa na sua cabeça. 

 

Aparentemente isso o pegou de surpresa. 

 

— Ah, eu sei lá. Eu penso muitas coisas. 

 

— Por exemplo? 

 

— Por exemplo. — Ele pensou um pouco. — Em muitas coisas. Tipo, gosto ficar observando você e suas manias. Você não para, tem de estar sempre mexendo alguma parte do corpo ou mexendo em alguma coisa. Também faz ceretas hilárias quando está pensativa. — Concordei; eu não falei que fazia isso? — E também tem um jeito único de pensar. Tem umas opiniões que parecem ter levado anos para serem boladas, e na verdade eu sei que você só tinha parado para pensar no assunto naquele mesmo momento. Você tem algumas características que chamam muito atenção, Lizzy. E as vezes paro só para olhar para elas. 

 

Sorri. 

 

— Não sei se isso é fofo ou esquisito. — Dei os ombros. — Vou ficar com fofo. 

 

O silêncio dominou nossa conversa. Fiquei apenas olhando em volta, curtindo o vento fresco e o clima de calor agradável. Eu estava pensando em que assunto iria falar em seguida, talvez fizesse algum comentário qualquer, porque para Nicolas era muito fácil continuar uma conversa. No entanto, algo me pegou desprevenida. Sabe quando uma coisa te surpreende e você não sabe o que fazer, então simplesmente segue o embalo? Sabe quando uma coisa que você não esperava acontece? O que você faz quando o improvável acontece? Naquele momento eu não pude rir, mas também não sei explicar a minha reação em seguida. 

 

Não sei porque correspondi ao beijo que Nicolas me roubou. 

 

Foi rápido. Eu olhei para ele, já ia fazer um comentário qualquer, e quando dei por mim seus lábios já estavam sobre os meus. Sinceramente falando, meu primeiro instinto teria sido me afastar. Eu me conheço, sei o que faria. Só sei dizer que a sensação foi tão inexplicavelmente boa que não consegui não retribuir. Nunca me imaginei com Nicolas, nunca imaginei que pudéssemos ser mais que amigos... mas naquele momento não vi isso como algo impossível. Na verdade, eu queria isso. Talvez nunca tivesse percebido o quanto queria isso, e estava feliz por ele ter tomado a iniciativa e me beijado sem qualquer aviso. 

 

Acariciei sua bochecha e o senti sorrir durante o beijo. Sem dúvidas, um dos melhores da minha vida. Estava tão perdida nos novos sentimentos que haviam nascido em mim, que  minha ficha só caiu quando nos separamos. Sabe qual foi meu primeiro pensamento? Droga, no que foi se meter, Elizabeth? 

 

— Eu... — Senti minhas bochechas queimarem. — Eu... Não sei o que dizer. 

 

— Mas eu sei. — Ele pegou minha mão e meu pânico repentino aumentou. — Lizzy, eu... 

 

— Não fala nada. É sério... eu... — Olhei em volta; Caramba, que cena brega de filme romântico dos anos oitenta! Até o lugar colabora... entretanto, não foi isso que mais me apavorou. — Eu... vou voltar para lá...

 

— Lizzy, espera. — Ele segurou meu braço quando me levantei. — Tenho de falar com você. Agora.

 

— Depois conversamos. Agora eu preciso pensar. — Suspirei e saí andando apressadamente. 

 

Escutei Nicolas me chamar mas não me virei e ele felizmente não veio atrás de mim. Eu sabia que ele estava me olhando sair, e também sabia que eu não estava sendo graciosa como as garotas de filmes e para completar a linda cena consegui tropeçar no primeiro degrau da escada. Ah, lindo, Elizabeth, lindo. Estava constrangida o bastante para me virar e ver a reação dele; não que ele já não tivesse me visto tropeçar (já viu, muitas vezes, e até brincou com isso, dizendo que deveria me apelidar de "tropeço") mas as circunstâncias eram embaraçosas. 

 

Eu estava apavorada. Eu não podia gostar da ideia de que ele gostasse de mim. Estava fugindo disso. E o que mais me apavorou foi o fato de eu ter gostado do beijo. De eu ter gostado de pensar em nós dois como um casal. Isso sim me apavorou: a ideia de que talvez eu pudesse ter me apaixonado outra vez. 


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