A Obra-Prima escrita por Viúva Negra


Capítulo 6
Capítulo 6




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/743513/chapter/6

O olhar repuxado da moça arregalou tanto quase rasgando-se nas laterais, uma parte de seu cérebro agradeceu por alguém estar segurando-a, pois seus ossos haviam sumido, era só um pedaço de pele mole e fria nas mãos do escultor.

— O quê? — ela tinha de perguntar, mesmo que tivesse entendido cada palavra gélida e sussurrante, tinha de indagar para receber a confirmação da qual a mente humana tanto necessita.

— Sim, Jenny, você mereceu, sua linda vadia. Você me encanta com seus sorrisos e depois me decepciona, me fere com suas palavras... Ah isso não se faz, querida.

— Me desculpe, Carlos, por favor, me desculpe — apelava a professora agora em prantos. O desespero transbordava, lavava todo e qualquer pensamento pacífico que poderia ter.

Carlos admirava a figura tremulante e chorosa presa pelo cabelo à sua mão, como era interessante o modo no qual a dor banhava aquele lindo rosto; era um mecanismo magnífico que nunca havia pensado em fazer antes. Os dedos ensanguentados mancharam a face de Jennifer, explorando com curiosidade.

— Sou eu quem sente muito, meu amor. Sou um artista medíocre, vítima das armadilhas tão bem articuladas de um ser tão divino... Tão distante de minhas habilidades.

A mão agarrada aos cabelos da professora a puxou novamente para perto de si, deitando a cabeça dela em seu peito. Carlos precisava sentir o tremor daquele tronco frágil, banhar-se com o calor daquelas lágrimas escorrendo por seu avental surrado, tatear a superfície lisa dos fios que emolduravam aquela figura. Precisava tê-la por perto, junto ao seu corpo para que, de algum modo, a perfeição lhe concedesse algum meio cujo qual permitisse chegar até ela.

Esperaria o quanto fosse necessário, sucumbiria à fome e à sede de olhos fechados, inerte no silêncio que se fazia em seu âmago plácido.

Os soluços dela eram ignorados por seus ouvidos agora surdos, só se permitiam ouvir o eco das críticas que um dia recebera. Dardos envenenados, atirados a fim de atingir o coração. E conseguiram.

Medíocre... Medíocre... Medíocre!!!

O veneno estava em suas veias, correndo incessante, apodrecendo as raízes vigorosas da imaginação, permitindo que o fruto azedo da ira florescesse. A ira ao deparar-se com a própria decadência pintada com as cores da mágoa. Sanha e lástima navegando sem rumo pelo mar ressequido onde boiavam seus sonhos.

Qual seria seu destino? O que um artista fracassado feito Carlos deveria fazer quando a perfeição divina não reconhecia o suor em sua testa muito menos os calos em suas mãos? O quê?

Uma coisa que todo e qualquer sujeito sem esperança e sedento por fama faz... Copiar.

Não... Isto não era correto! Como poderia tal ideia absurda vagar por sua mente tão limpa, tão clara, tão... Vazia. Sim! Sua desafortunada mente estava vazia, solitária, colhendo os cacos das memórias quebradas, estas remetentes a um tempo de glória. Regozijo que chovia infindo, lhe afogava em sorrisos, lhe dava sonhos em troca de sonhos. Ah como eram doces as lembranças!

Nada restou a não ser o veneno amargo que adormecia sua criatividade e endurecia seus dedos. O néctar pútrido que ressoava a mediocridade ao ritmo das batidas dolorosas de seu coração.

O que mais poderia fazer?

Carlos Nunes não era um homem capaz de vestir a máscara da indecência e executar tal ato repulsivo. Nunca em sua carreira foi preciso consultar os pensamentos e técnicas de outro artista e usá-los para guiar suas próprias obras!

Nunca. Até agora...

Que mal havia nisto? Não seria a primeira vez que alguém roubava a ideia de outro e saía impune. O que poderia lhe acontecer se roubasse de alguém que não possuía carne ou ossos para enfrentá-lo?

Seus olhos se acenderam feito faróis de um carro em uma estrada escura, era a luz do desespero. A mão que estava livre levantou o rosto de Jenny para que aqueles traços finos o convencessem de que seria uma boa ideia.

Ela olhava para o rapaz clamando piedade, era sua injusta e chorosa prisioneira. Os lábios contraídos, as bochechas molhadas, o retrato da mais deleitosa dor que seria capaz de presenciar em sua vida.

— Me acharia capaz de plagiar alguém?

A pergunta fora atirada ao vento, o rapaz estava tão absorto na tentação, no pecado e no castigo, que nada seria capaz de captar sua atenção.

Jennifer não compreendera. Retrucara com um confuso Do que é que você está falando?, cujo qual morreu no silêncio obcecado que os lábios do homem lhe permitiam exercer.

Aquela pergunta fora para si mesmo. Se acharia capaz de plagiar alguém? A resposta estava em seu âmago, perdida entre derrotas e vitórias. O olhar vazio, fixado em sua estante de bonecos, implorava para que um sinal vocálico fosse emitido do fundo daquelas gargantas de resina.

Você é um gênio, Carlos.

Espere, quem disse isso?

Um eco retumbante feito a voz esperançosa de uma criança a lhe visitar em um sonho vívido. Será que era uma criança? Esganiçada, risonha, confiante...

Você consegue Carlos!

Oh doce ruído recheado de finura, graça e melodia! Flutuava por sua mente, cruzava as paredes, mas não tinha boca. De onde vinha?

Nós confiamos em você, Carlos.

Mãe? Sua mãe? Não podia ser... Contudo, era calmo o som que lhe afagava os tímpanos, sensual de modo não erótico, provocante a ponto de fazê-lo acreditar, de fazê-lo ver...

A deusa alienígena sobre a estante, com dois pares de braços que acenavam para ele. O luar dava um brilho metálico àquela tez avermelhada, era cravejada de rubis! Rubis dos quais gotejavam as letras de seu nome, que molhavam o chão no intuito de fazê-lo sorver da fonte da confiança.

Beba, Carlos, beba!

Num salto, as mãos do escultor desvencilharam-se de Jenny, a moça rastejou feito um inseto asqueroso para perto da escrivaninha do rapaz, e lá ficou, vislumbrando com um embrulho em seu estômago aquela cena sinistra.

Nunes se arrastou pelo chão até uma poça carmim e fulgurante, encarava seu rosto petrificado, ambos ali presentes abandonaram a falsa certeza humana. Ele não sabia o que buscava, ela não sabia o que fazer.

A língua de Carlos saltou para fora de sua boca tal qual a cena da aparição do basilisco em Harry Potter e a Câmara Secreta. Sua cabeça chegava mais perto do líquido escarlate, até esfregar seu músculo róseo contra o piso de madeira.

Boquiaberta e enregelada, Jenny observou.

Lágrimas chuviscaram por sua face pasma. Aquilo não era seu namorado, não era um escultor, não era Carlos Nunes. Aquilo não era humano.

Um grito cruzou o quarto estremecendo as paredes. Os olhos que um dia refletiram a paz excêntrica agora arrepiavam a espinha, mostrando chamas avermelhadas brilhando naquelas írises vítreas.

De quatro, como uma criança aprendendo a engatinhar, a criatura trazendo uma tonalidade carmesim nos lábios se aproximava da figura nipônica escondida atrás da pequena cadeira de escritório.

— Venha cá, Jenny — sussurrou o ser com uma voz rascante e amedrontadora —, vamos brincar um pouquinho!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Oi, gostaram do capítulo? Espero que sim!
Pra você que nunca viu os filmes de Harry Potter, aqui está um vídeo da cena que mencionei ;)

https://www.youtube.com/watch?v=W6XA4Kbl4_M



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Obra-Prima" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.