Uma Nova Chance escrita por Arikt


Capítulo 9
Escolhas


Notas iniciais do capítulo

Feliz ano novo, leitores! Geralmente eu não dou ano novo pra ninguém,então sintam-se privilegiados!
Queria agradecer o apoio de vocês nos comentários e os desejos de melhoras. Eu estou melhor, e espero cada dia ficar mais! Talvez o próximo capítulo atrase muito, porque tive intoxicação alimentar na ceia de natal e fiquei uma semana vomitando e tomando soro, nem consegui escrever nada :( Mas paciência que sai!
Esse capítulo, no começo do meu planejamento, ia ficar gigante, então decidi cortar e desapegar de alguns acontecimentos. Eis o resultado abaixo:



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O restante do ano letivo passou voando, na opinião da garota, e logo estavam no final de março. Ela e Raito tiveram finalmente a cerimônia de encerramento do ginásio e se preparavam para o ingresso na universidade. Quando o dia da cerimônia finalmente chegou, Lucy se sentia nervosa. Embora ainda estivesse com dezessete anos, parecia que já havia vivido tanto, visto tantas coisas. Sentia-se uma velha na pele de uma jovem.

Embora não lhe agradasse, sabia como se arrumar para um evento tão formal. Escolheu um vestido de tule com renda creme de corpete na altura da cintura, com pequenas e delicadas flores da mesma cor bordadas no começo da saia esvoaçante. As finas alças eram de veludo azul marinho, que seguiam fazendo um “x” abaixo do busto, terminando com um laço na frente, na cintura.

Completou o visual com um sapato pérola de salto médio, uma maquiagem leve e iluminada e os cabelos meio presos com uma fita de cetim também azul marinho. Foi-se olhar no espelho. Estranhou. Fazia muito tempo que não usava algo daquele tipo.

Dessa vez seu pai cedeu o motorista para leva-la até a universidade. Como esperado, todos usavam vestimentas formais. Ficou sentada em um banco perto do portão de entrada. Tinha combinado com Raito de se encontrarem por ali. Enquanto esperava, vários dos novos estudantes a olhavam, e pareciam gostar do que viam, embora ela não tenha percebido.

Quando viu o amigo entrando junto com Ryuuk, acenou para eles. Raito abriu um sorriso e foi até ela, dando a mão para que ela se levantasse.

― Uau!  Você é realmente Lucy Chinatsu? Porque acho que me enganei de pessoa... ― zombou ele. Na verdade, estava impressionado em como ela estava linda.

― Vou te falar, Lucy, até um Shinigami ficaria a fim de você ― comentou o deus da morte, dando uma risada.

A garota aceitou a ajuda para se levantar, fazendo uma careta.

― Calem a boca! Só estou assim porque é necessário! ― retrucou, ajeitando a saia do vestido. ― Bom, boa sorte no seu discurso, gênio. Vou estar sentada no meu lugar, fingindo que o estou ouvindo pela primeira vez.

Era uma tradição da Universidade de Tokyo que todo aluno que gabaritasse fizesse um discurso na cerimônia. Esse ano obviamente seria Raito. Ele recitou seu texto para a amiga umas centenas de vezes, tanto que ela havia decorado cada palavra.

― Obrigado. Depois apareça lá em casa. Minha mãe vai fazer um jantar especial. ― Ele se aproximou do ouvido de Lucy, pousando levemente a mão na cintura dela. ― E eu adoraria te ajudar a tirar esse vestido.

Lucy corou com o comentário e afastou a mão dele com um safanão.

― Pervertido.

O garoto riu alto, passando a mão pelos cabelos, colocando a franja para trás.

― Não fui eu quem decidiu dormir quase todas as noites comigo. Ou melhor, não dormir. ― Um comentário malicioso, seguido de uma piscadela.

― Ok, já deu. Vou procurar o que fazer, antes que resolva te dar um tapa na cara.

Enquanto procurava seu assento dentro do auditório (que havia ficado um pouco longe do palco), não parava de pensar em L. Ficou esses dois meses sem nenhum contato com ele, e estava até animada demais com a possibilidade de vê-lo. E é claro que ele estaria ali, pois não havia dúvidas de que ele passara na prova. Mas, por mais que olhasse, não viu sinal da figura encurvada. Apoiou o queixo no punho, carrancuda. Nem sabia porque estava tão aborrecida de não o achar. Raito também não estava à vista.

A cerimônia começou. Todas as vozes silenciaram quando o cerimonialista começou a falar. Lucy quase não ouvia o que era dito. Ainda pensava no detetive e o que poderia ter acontecido para ele não aparecer.

Mas, então, foi chamado ao palco o calouro representante do ano:

― Raito Yagami e Hideki Ryuuga!

Ela ficou pasma. Lá estava ele, em pé ao lado de Raito, andando para o palanque. Ouviu burburinhos de curiosidade por todos os lados. Já era incomum uma pessoa acertar cem por cento. Duas então, era quase impossível. Mas não se podia esperar menos do melhor detetive do mundo.

Raito começou o discurso, mas ainda assim se ouvia alguns sussurros na plateia. A garota não se deu o trabalho de prestar atenção. Preocupava-se em comparar os dois dilemas de sua vida. Era gritante a diferença dos dois. Raito tinha uma postura confiante, orgulhosa, um corpo atlético e falava quase como um robô. Perfeito. L era a irreverência encarnada. Magro, pálido, curvado e com as mesmas roupas de sempre, segurando o papel com seu discurso como se tivesse nojo dele. Apenas sua voz mostrava o quanto ele dominava o assunto que falava.

Quando terminaram, os aplausos foram entusiasmados e logo se sentaram em seus lugares novamente, um ao lado do outro para desespero de Lucy. O cerimonialista recomeçou a falar e todos fizeram silêncio. A mente da garota desligou-se. Começou a sentir falta de ar, sua perna balançando nervosamente. Tentou se acalmar, respirando fundo. Não podia entrar em pânico naquele momento. Aquilo não significava nada, não era como se só de estar ao lado de Raito que L saberia que o garoto era Kira.

Quando a cerimônia terminou, saiu rapidamente da universidade para não ser seguida pelo amigo. Nem chamou o motorista, preferiu andar até em casa para clarear a mente da tensão em que seu corpo se encontrava.

Estava tão nervosa e distraída que não percebeu uma Mercedes de modelo antigo parando ao seu lado.

― Senhorita Chinatsu!

Lucy se assustou e virou a cabeça rapidamente na direção da voz. Era L, encarando-a pelo vidro abaixado no banco traseiro do carro. Encarou de volta. Parecia que isso estava virando costume, os dois se encararem quando se encontravam, como um tipo de cumprimento. Mas, dessa vez, o olhar dele era diferente. Admiração, talvez? Lucy não sabia dizer.

― Parabéns por finalmente ter se tornado uma universitária. E sua pontuação foi muito boa, mesmo que não tenha sido cem por cento.

― É, nem todo mundo tem sua mente, ou a de Raito ― retrucou, revirando os olhos. ― Sem tirar que certo alguém me desconcentrou durante toda a prova, o que definitivamente fez meu desempenho abaixar.

― Não era a minha intenção, desculpe.

― Tudo bem, agora já passou, de qualquer forma. ― ficaram mais um tempo se encarando, o que deixou Lucy levemente irritada. ― Olha, se você tem algo para falar, por favor seja rápido, porque eu quero ir para casa.

― Mais uma vez peço desculpas, se a estou aborrecendo. Mas quero pedir que almoce comigo. Afinal, um vestido desses não foi feito para ficar escondido.

Ela até havia esquecido a roupa que usava. Olhou para baixo e acabou rindo, coçando a cabeça.

― Você... É realmente inacreditável. Ok, eu aceito. Surpreenda-me.

***

O restaurante em que foram era realmente digno da aparência de Lucy, riquíssimo em detalhes. Cores claras e desenhos de gesso nas paredes, juntos com grandes espelhos. Mesas redondas cobertas com toalhas do mais fino linho, pratos da cerâmica mais cara. Os talheres de prata pura reluziam, dispostos conforme mandava a etiqueta. Havia ainda, em cada mesa, um bonito arranjo com lírios brancos e cor-de-rosa. A flor preferida dela. Ficou boquiaberta.

― Olha, L, meu pai pode ser rico, mas eu não sou. Não vou poder pagar um almoço aqui ― avisou, balançando negativamente a cabeça.

― Não me chame assim em público, me chame de Ryuuzaki, ou Hideki. ― Ele avisou mais uma vez.

― Seja lá qual for seu nome, vou continuar sem poder pagar.

― Não se preocupe com dinheiro. Você é minha convidada, eu pago.

Lucy olhou para o detetive, desconfiada. Ele realmente conseguiria bancar uma refeição para duas pessoas ali? Se bem que ele tinha um carro daqueles, e ainda com um motorista.

Voltou a analisar o ambiente. Apenas pessoas bem vestidas como executivos e socialites estavam ali. Respirou fundo. Estava nervosa. Novamente teve a sensação de que estava em um encontro, e não em um mero almoço. Tinha que tirar essas asneiras da cabeça.

Um Maître veio até eles e falou para que escolhessem onde iriam comer. Como esperado, L pediu algo mais reservado. Foram levados até uma sala particular, tão elegante quanto o outro ambiente, com lugar para duas pessoas. Sentaram-se um de frente para o outro.

O detetive voltou a encarar a garota. Lucy tentava olhar para qualquer coisa que não fosse ele. Novamente sentiu os arrepios na espinha. A sala parecia quente e abafada demais. Suas mãos seguravam o tecido da saia fortemente, mas isso não a estava ajudando a se acalmar.

― Não precisava exagerar dessa forma. Eu nem estou tão bem vestida assim, para um lugar como esse ― falou finalmente, tomando coragem para olha-lo.

Ele se sentava do jeito habitual, com os pés em cima da cadeira. Pegou o cardápio da mesma forma como segurou o papel do discurso, folheando-o.

― Você tem espelhos na sua casa, senhorita? ― retrucou o homem, conferindo atentamente as opções oferecidas.

A garota não respondeu, mordendo o lábio inferior, encabulada. Aquilo tinha sido um elogio? Resolveu também dar uma olhada no cardápio. Como esperava, preços altíssimos. Bem, ele disse que pagaria. Poderia usar isso como sua vingança pessoal, por L deixa-la tão confusa.

Ficaram em silêncio até o garçom ir até eles para receber os pedidos. O homem ordenou um bolo de chocolate com recheio de calda de frutas vermelhas e um suco de manga. Lucy, por sua vez, preferiu um prato caríssimo salgado, com carne de carneiro e molho mostarda, e uma taça de vinho rose. O funcionário não contestou sua idade para pedir algo alcoólico.

Quando ele saiu, L franziu o cenho.

­― Você pode beber? Pensava que era proibida por causa dos remédios.

Lucy deu de ombros.

― Só um pouco não vai fazer diferença. E como você mesmo disse, hoje me tornei uma universitária, tenho que comemorar ― justificou com um meio sorriso. Brincou com o garfo distraidamente, querendo ir direto ao ponto. ― E então, L? O que quer? Duvido que me trouxe nesse lugar só para almoçar comigo e gastar uma fortuna.

― Eu só quero conversar. Afinal, ficamos meses separados. ― Ele mantinha a voz inexpressiva, mas parecia estar se divertindo com a situação.

A garota fez uma expressão azeda.

― Você sabe meu telefone. Não manteve contato porque não quis. Ou melhor, porque não era relevante para você.

― A senhorita ainda tem uma visão tão ruim assim de mim?

Ela não respondeu. Na verdade, não tinha. Mas estava chateada por ele não ter dado sinal de vida por tanto tempo, depois de dizer que ainda queria sua amizade.

― Não custava nada ter ligado ― murmurou então, abaixando os olhos para a mesa. ― Geralmente, amigos mantém contato uns com os outros.

― Desculpe. Sou novo com esse negócio de amigos. Só converso com o Watari.

― Seu motorista?

― Ele não é meu motorista. Ele apenas... Cuida de mim. Desde que me entendo por gente.

E, mais uma vez, Lucy se pegava sentindo pena de L. Esquecia-se que ele era recluso e provavelmente nunca tivera uma amizade com alguém. Isso era realmente triste.

Caíram no silêncio de novo. A garota observava atentamente os detalhes da sala, para futuras referências para a faculdade. Embora não gostasse de todo aquele glamour, o ambiente era harmonioso e lhe agradava os olhos. Ficou feliz que o detetive tenha escolhido uma sala privada. Sem perceber, sentia-se mais à vontade.

Os pedidos chegaram. Ela não havia percebido que estava com fome até sentir o cheiro do carneiro. Atacou o prato sem cerimônias, enquanto L comia calmamente seu doce.

Lucy ficou tonta e com calor por causa do vinho. O álcool fazia efeito mais rápido por conta das medicações. Isso fez com que ficasse falante, e acabasse relatando suas (poucas) aventuras na escola durante esses dois meses. Os filmes que assistiu com Raito, os livros que leu e até engatou um diálogo controverso com o detetive sobre eutanásia. Não sabia dizer como haviam chegado nesse assunto.

― Sei que é indelicado lhe perguntar ― cortou o homem de repente, depois de um monólogo da garota sobre o assunto anterior. ― Mas gostaria de saber como foi a morte de sua mãe. Em detalhes.

Lucy parou de comer e o encarou, chocada.

― Como é que é? ― conseguiu falar apenas, sem acreditar no que ele pedia.

― Bom, eu sempre sei como uma pessoa é só de observá-la por alguns minutos, mas isso não funciona com você. ― começou ele a explicar, aparentando cautela. ― É como se você fosse um poço de mistérios, como se tivesse várias camadas. Não consigo te decifrar. Talvez, se eu souber do seu pior trauma, eu consiga te entender. Me frustra não saber quem você é realmente.

A garota ainda o encarava com uma expressão totalmente incrédula. Não compreendia como a mente daquele homem funcionava. Pensava que ele só podia estar maluco.

Sem querer, sua mente vagou para o momento de sua vida que mais queria esquecer, fazendo-a sentir um desespero enorme. Sem conseguir se conter, talvez também por não estar sóbria, começou a chorar, arquejando. Tampou a boca com as costas da mão, tentando se acalmar e falhando miseravelmente. Deixou escapar um soluço desolado.

L, por sua vez, parecia confuso com a reação dela. Esticou a mão para alcançar a dela que ainda estava em cima da mesa, em um gesto de suporte, mas parou no último segundo. Abriu a boca para falar algumas vezes, mas também desistiu. Ver Lucy chorar o desestabilizou totalmente dessa vez.

― Eu... Eu peço perdão pela minha indiscrição. Não deveria ter perguntado sobre isso. ― aparentava estar um pouco desesperado também. ― Eu devia ter em mente que é um assunto complicado...

― Devia é ter um pouco mais de empatia! ― exclamou ela quase gritando, interrompendo-o. ― Por que contar uma coisa dessas revelaria quem eu sou? Você com certeza leu os laudos do psiquiatra e do psicólogo da época em que fiquei internada, sabe mais de mim do que eu mesma! Você por acaso pensa em como as pessoas se sentem com as coisas que faz? Você só pode ter algum problema! ― levantou-se bruscamente, fazendo tudo que estava na mesa vibrar perigosamente. ― Vou embora! Cansei desse seu jogo doentio!

Deus as costas para ele, indo até a porta, girando a maçaneta. Mas, antes que pudesse a abrir e andar para fora da sala, ouviu um estardalhaço, e seu pulso foi segurado pela mão gelada de L.

― Por favor, não vá. Peço mil perdões por isso, de verdade. ― A voz dele era grave e séria. Não tinha espaço ali para a garota pensar que era fingimento. ― Tem razão, eu geralmente não penso nos sentimentos das pessoas antes de minhas ações, pois faço o que acho que é certo. Mas não quis te magoar. Não era para te magoar.

Lucy encarou-o, algumas lágrimas ainda caindo. O rosto dele estava mais perto do seu do que o normal, o que lhe proporcionava uma visão dos poros dilatados, das veias azuladas por debaixo da pele branca que parecia tão frágil quanto papel, e das severas olheiras abaixo dos olhos intensos e grandes. Ele era sim um mentiroso descarado, mas ela via que não naquele momento.

Com a mão livre enxugou com raiva os olhos, arrancando junto a maquiagem, recompondo uma pose mais descontraída, embora aborrecida. Soltou o pulso que ainda era segurado, suspirando. Resolveu mudar o rumo da conversa, tornando o clima um pouco mais leve.

― Então quer dizer que você não consegue me decifrar, senhor detetive? ― tentou falar em um tom de voz sedutor, mesmo rouca. ― Isso me agrada. Não é qualquer um que consegue algo assim, não é mesmo? Se eu me despir para você agora, acha que as coisas ficam mais fáceis?

Como esperado, o homem corou. Observou-a de cima abaixo, colocando o dedão entre os dentes, parecendo não saber bem o que dizer.

― Se quisermos ser expulsos desse restaurante agora, você pode fazer isso.

Agora foi a vez dela ficar vermelha. O que aquilo queria dizer, exatamente? A voz dele era inexpressiva, mas tinha um quê a mais. Desafio? Abaixou a cabeça, franzindo o cenho.

― Sabe, quando você disse que “faz o que acha certo”, se assemelhou muito ao que Kira diz. Vocês são mais parecidos do que imagina, brincando comigo como se eu fosse uma boneca. Você pelo menos me vê como um ser humano, L?

O homem demorou alguns segundos para responder.

― Eu gostaria de te ver menos como um. Se fosse uma boneca para mim, eu não estaria confuso quanto a você, estaria?

Sem querer, ela abriu um meio sorriso. Tinha os olhos úmidos ainda, mas já não pensava em coisas tão ruins. Encararam-se durante longos minutos, até que L resolveu quebrar o silêncio:

― O que ele tem para apoiá-lo, senhorita? Mesmo ele começando a matar inocentes, você ainda o protege. Por quê?

A pergunta pegou de surpresa a garota. Não sabia bem o que responder. Talvez porque não soubesse mesmo a resposta.

― Você acreditando ou não, Kira tem seu lado gentil. Ele não é mal, só faz a justiça de um modo diferente do seu. ― respondeu finalmente, ainda o encarando.

― Raito também é gentil, não?

Lucy levantou uma sobrancelha. Um teste, para ver se a pegava desprevenida. Ele não dava um ponto sem nó.

― Raito é meu amigo há anos. É normal que ele seja bom comigo. Sei o que está tentando fazer, mas não vai adiantar. Os dois me tratarem bem não significa nem prova nada.

― Mas é engraçado. Você não aprova o que ele faz, e ainda assim corre riscos para protege-lo. Por acaso, você o ama?

― Não, L. Eu não o amo. Eu também escondo a sua identidade, no intuito de protege-lo. Isso deveria insinuar que eu também amo você?

Agora foi a vez dele ficar quieto por um tempo, como se ponderasse a resposta de Lucy.

― Eu acabei resolvendo o impasse de como te vigiar mais de perto.

― Ah, então esse é o verdadeiro motivo para me trazer aqui ― retrucou ela em tom irônico. ― E como pretende fazer isso?

― Trazendo-a para morar comigo.

***

E lá estava o primeiro dia de aula na faculdade. Lucy rumou cedo para o campus, para encontrar com tempo sua sala. Raito havia proposto que os dois fossem juntos, mas ela dispensou a oferta, com a desculpa de que preferia ter a experiência sozinha. Na verdade, só não queria ter que encará-lo, depois do almoço que teve com L.

Enquanto se sentava em uma carteira no fundo da sala, ponderava o quão absurda era a ideia dele. Ficou o domingo inteiro tentando achar desculpas para recusar, mas nada parecia bom o bastante. Só de pensar em morar com o detetive já começava a ter comichões de ansiedade. Isso nunca ia funcionar.

Fora que como iria contar a Raito que não estaria mais em casa? Se era para manter segredo, por que propor algo desse tipo? A garota tentava entender a cabeça daquele homem mas, quanto mais tentava, mais confusa ela ficava. Iria acabar fazendo o que fazia de melhor: evitar esse problema o máximo possível e ignorar que precisava tomar uma posição.

As primeiras aulas estavam tranquilas e sem muita matéria. Como em toda sua trajetória acadêmica, ouvia cada palavra que o professor dizia, fazendo rápidas anotações para estudos futuros. Não precisava anotar tudo o que ele passava no quadro, pois tinha uma ótima memória, e prestar atenção na explicação sempre lhe surtira mais efeito.

O intervalo chegou, e Lucy se sentia faminta. Não comera muito no café da manhã. Com seu material devidamente arrumado dentro da mochila, rumou para a lanchonete mais próxima. Ficava pensando sobre L querer encontra-la no campus, como ele sugeriu no dia do vestibular. Bem, não era impossível que convivessem, já que os departamentos de Engenharia e Direito não eram tão longes um do outro.

Enquanto chegava em seu destino, viu uma massa de estudantes rumando apressados na direção da quadra de tênis. Não teve muito interesse em saber o porquê, até ouvir o nome Hideki. Sua curiosidade falou mais alto que a fome. Quase correu para o espaço desportivo, e quando viu o que estava acontecendo arregalou os olhos de surpresa.

Raito e L disputavam uma partida de tênis, e o jogo parecia profissional. Não, melhor que isso: parecia de outro mundo. Lucy sabia que Raito era bom naquele esporte e que já havia ganhado vários campeonatos, mas L? Nunca imaginaria que ele conseguisse fazer qualquer coisa que envolvesse o corpo. Bem, ela também não poderia ser considerada uma enciclopédia dele.

Então ele estava mesmo tentando se aproximar de seu amigo? Isso era péssimo. Raito conseguiria passar ileso, sem nenhuma ponta solta? Não conseguiria ficar para assistir o final. Passando rápido pelas pessoas aglomeradas ali, voltou para seu destino inicial. Mas agora sentia um incômodo no estômago. Duvidava que conseguiria comer muito.

Ficou sentada em uma mesa perto da janela com um copo de chá em sua frente, assim como um misto quente que já estava frio. Não deixava de pensar que aqueles dois pareciam crianças querendo atenção. Tão diferentes por fora, mas tão iguais em atitude. Vê-los juntos a deixava apreensiva, como se uma bomba estivesse prestes a explodir. E ela estava bem no meio da explosão.

Respirava fundo, fechando os olhos, suas pernas como sempre mexendo nervosamente. Não queria voltar para a aula. Será que se fosse para casa levantaria mais suspeitas em cima do amigo? Era bem capaz que L pensasse assim. Tinha que ficar no campus, mesmo que matasse as aulas da tarde.

De repente, ouviu vozes conhecidas atrás de si. Virou-se e seu estômago embrulhou. Raito e o detetive vinham conversando, parecendo muito íntimos. Ryuuku flutuava acima dos dois, atento à conversa deles. Havia ficado tanto tempo naquele lugar? Ela não percebeu o tempo passar, talvez devido aos seus pensamentos acelerados.

Desesperada, começou a tentar achar rotas de fuga para que não a vissem, mas era tarde demais. O garoto deu-lhe um carinhoso sorriso, acenando e indo até ela.

― Lucy! Não esperava te encontrar aqui ― começou, sentando-se na cadeira em frente a ela. Mantinha um espírito animado. ― Viu meu jogo de agora há pouco? Ah, a propósito... Esse que está comigo é Hideki Ryuuga. Está na mesma sala que eu e foi meu oponente. Ele é muito bom no tênis, também. Pode se sentar conosco, Ryuuga.

A garota abriu a boca para responder, mas foi interrompida por L:

― Na verdade, Raito, Chinatsu e eu não precisamos de apresentações. ― Ele aceitou o convite de se sentar na terceira cadeira da mesa, entre os amigos. ― Eu já revelei minha identidade a ela. Não é, senhorita?

Lucy congelou na cadeira, chocada com o jeito como L revelou a informação. Olhou para o amigo, que estava genuinamente surpreso, ou melhor, tão chocado quanto ela. Encararam-se, e ela percebeu que a raiva começou a queimar nos olhos dele.

― Oh, é sério? ― Ele disfarçou como um ótimo ator, dando um leve sorriso e encolhendo os ombros. ― Bom, eu devia ter imaginado, já que sou um dos suspeitos e ela está ligada diretamente a mim.

― Eu queria te contar, Raito, mas ele me proibiu. E como são ordens policiais... ― tentou Lucy se explicar, não sendo tão boa em disfarçar o desespero que sentia.

Ele pegou na mão dela de forma carinhosa, querendo com isso parecer que compreendia a situação dela. Mas ela sabia que, na verdade, ele queria lhe quebrar os dedos por ter escondido isso.

― Tudo bem, não precisa falar mais nada. Eu entendi. Peço desculpas por metê-la nisso.

L olhou a interação dos dois como que interessado.

― Ora, mas ela estaria envolvida nisso independente de você, Raito, já que eu descobri que ela sabe quem Kira é, quando instalei câmeras em sua casa.

Mais uma vez o garoto fingiu surpresa.

― Você... E mesmo assim ainda suspeita que eu seja Kira?

― O teatro dos dois não foi convincente para mim. Pode ser que ela realmente mantenha contato com outro, mas você é a única pessoa amiga dela aqui em Tóquio, e o único com quem a vi conversando até hoje. Não acha isso estranho?

― Tem razão. Eu também suspeitaria de mim se fosse você. Mas se Kira se comunica com ela, com certeza usa meios bem seguros e não convencionais, não acha? Já que a forma dele de matar é quase sobrenatural, não seria estranho uma comunicação tão surreal quanto.

― Realmente, Raito. Isso me escapou da mente e você foi mais rápido no raciocínio. É realmente tão inteligente quanto Lucy falou para mim.

― Ah, então vocês conversaram sobre mim? ― Ele ergueu uma sobrancelha enquanto observava a amiga. ― Parece que estão mantendo contato há algum tempo, então.

― Como Hideki sim, desde o começo do ano. Saíamos para alguns passeios, e então eu lhe contei quem eu sou. Fiquei um pouco desapontado, pois ela não soltou nenhuma informação sobre Kira sem querer durante esse tempo. Também muito cuidadosa e inteligente. Natural que sejam tão amigos.

A garota começou a hiperventilar. Não estava aguentando ouvi-los falando de si como se ela não estivesse presente. Sem contar que a cada revelação do detetive sobre o relacionamento dos dois, Raito parecia ficar ainda mais aborrecido.

― Mas você negou que sou Kira, não é, Lucy? Como ainda pode suspeitar de mim, Ryuuzaki? ― deu uma risada curta, simpática.

Ela não aguentou mais. Levantou-se e pegou sua mochila, respirando muito rápido e totalmente alterada.

― Eu nunca disse a ele que você não é Kira, Raito ― retrucou, olhando-o com mais raiva do que ele aparentava estar. Não ia participar daquele teatro. ― Se me derem licença, tenho mais algumas aulas para assistir. Vejo vocês outra hora.

Foi apressada em direção a saída da faculdade. Começou a chorar desoladamente. Não ia assistir aulas, e muito menos ir para casa. Precisava andar, andar, sentir as pernas doerem e o cansaço impregnar em seus ossos para não entrar em uma verdadeira crise novamente. Se antes estava em entrelinhas, agora era oficial: era ela quem carregava a arma, e a única que poderia puxar o gatilho. Mas quem iria querer acertar no final?


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