Uma Nova Chance escrita por Arikt


Capítulo 10
Mudanças


Notas iniciais do capítulo

Olá gente, como vocês estão? Tenho que avisar que esse capítulo ainda não foi betado. Minha Beta está um pouco ocupada, então na minha ansiedade vou acabar postando como está mesmo. Perdoem erros de ortografia e coesão textual. Arrumarei mais tarde, não vou ligar se quiserem ler duas vezes hihi/. Leiam as Notas Finais também. Boa leitura! Ah! mais uma coisa: Na segunda parte do capítulo, escutem a música Whole, da banda Girlyboi. Foi ela que me inspirou :D



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Na mesma noite, os Chinatsu receberam a notícia de que Soichiro Yagami teve um ataque cardíaco devido ao stress do trabalho. Lucy já estava dormindo, então só ficou sabendo no outro dia de manhã.

Sentindo-se extremamente culpada, ligou várias vezes para o amigo, que não atendeu a nenhuma das chamadas. Ele devia estar realmente bravo com ela, e com certeza não era por causa do pai. Acabou se comunicando com a Senhora Yagami, para saber quando o garoto estaria em casa, e rumou para lá depois do almoço.

Entrou no quarto de Raito e o encontrou trocando de roupa, pois tinha acabado de chegar da faculdade. Mordendo o lábio inferior de nervosismo, largou a bolsa em cima da cama, ficando parada, esperando alguma reação dele. Queria tanto falar com ele, se explicar. Mas, quando o momento chegou, não sabia o que dizer.

O garoto a ignorou totalmente. Sentou-se à escrivaninha, abrindo um livro. A única coisa que mostrava seu descontentamento era seu pé que batia nervosamente contra a roda da cadeira giratória.

― Raito, me desculpa ― Lucy acabou soltando depois de longos minutos. ― Eu... Eu não queria...

― Não queria o quê? ― interrompeu ele, finalmente virando-se para a garota. Estava possesso pela expressão que portava. ― Me esconder que se encontrava com um homem além de mim? Que sabia quem era L bem antes de eu saber? Que praticamente me incriminou na lanchonete? Se não queria, por que o fez?

Sua voz estava mais alta e alterada que o normal. Lucy suspirou, abaixando o olhar. Já sabia que seria assim. Foi até o lado dele, encostando-se à escrivaninha, encarando-o suplicante.

― Eu não te contei sobre L porque fiquei com medo de ele suspeitar ainda mais de você. E ele me proibiu, também. Você tinha razão, minha casa ainda tem câmeras, eu estou sendo monitorada a todo momento... Eu só queria te proteger.

― Queria me proteger do seu casinho com ele antes de ele te contar quem era, também? ― Raito se levantou, ficando de frente para a amiga, quase encostando seu corpo ao dela. O tom que usou era cínico. ― Me diz, você esteve nos comparando? Ele trepa melhor que eu? Pelo menos te fez gozar?

― Não seja nojento! ― Ela o empurrou, agora mostrando uma expressão aborrecida. ― Não tenho que me explicar sobre eu ter saído com ele antes para você! Que eu saiba, eu tenho o direito de fazer o que quiser com a minha vida!

― E está aqui tentando explicar o quê, exatamente? Você sabe muito bem que eu teria sabido lidar com a informação sobre ele ser L! Não soube lidar com tudo até agora? Não venha com esse papinho ridículo de proibição pra cima de mim! Não tivemos cuidado ao falar sobre as coisas na sua casa até agora? ― Ele começou a andar pelo quarto, parecendo uma fera enjaulada. ― Eu estou realmente tentando entender seu raciocínio, mas não dá! Se você quisesse, você teria me contado! Se você quisesse. Aqui está a questão, não é? Você não quis!

A garota abriu a boca para retrucar, mas nada lhe veio. Só nesse momento parou para pensar desse ponto. Esteve tão estressada e deprimida aqueles meses, sentindo-se tão pressionada, que não havia se perguntado de verdade por que havia guardado tudo para si. Seria por proteção mesmo? Raito era dissimulado, seria fácil fingir não saber de nada quando L fosse até ele.

Acabou percebendo que não sabia a resposta. Era para se proteger? Proteger o próprio detetive, talvez? Escondeu o rosto nas mãos, um sentimento confuso a atacando quando gerou essa possibilidade. O que realmente estava acontecendo ali?

― Vê como eu tenho razão? Você nem se importa em negar! Meu deus, como eu não percebi antes? Você está apaixonada por ele!

Raito havia parado na frente dela novamente, uma expressão totalmente alucinada no rosto. Já estava além da raiva. Lucy, por sua vez, voltou a encará-lo corajosamente, altiva. Poderia estar confusa sobre as próprias ações dentro daquele período, mas tinha certeza sobre o que queria e o que não queria naquele momento.

Queria se desculpar, agora percebia, por não ter estado com ele quando recebeu a notícia sobre o pai, pois deve ter sido um momento difícil. Então por que estava pedindo perdão por algo que não se arrependia?

― Quer saber de uma coisa? Eu nunca disse que ia te ajudar nessa merda em que você se meteu, e me meteu! Eu quero me desculpar sim, mas é por ter estado ausente em um momento complicado para você e sua família. Mas sobre Kira, quem tem de pedir desculpas é você! Não sei qual é a fantasia que você criou na sua cabeça, mas eu nunca quis fazer parte desse seu suposto novo mundo!

― O que quer dizer com isso? ― ele abaixou a voz em um sussurro assustador.

― Quero dizer que eu não tenho por que ter lhe contado a informação sobre L, porque eu não vou ajudar nenhum de vocês! Eu estou neutra, e vou continuar assim, porque eu simplesmente fui metida nisso sem o meu consentimento!

Raito segurou no rosto da garota com força, respirando muito rápido. Parecia querer parti-la ao meio. Ela apenas deu um sorriso petulante, soltando uma curta risada, segurando na escrivaninha que agora estava às suas costas.

― O quê? Vai me bater? Ou me matar? Não se reprima, faça o que quiser. Mas saiba que, se eu desaparecer, ou aparecer machucada, você se torna o suspeito primário de L. Lembra-se? Você descobriu tudo agora. E foi o único que soube, além dele e de mim. ― A voz dela era macia como veludo. Estava provocando o amigo até o último nível. Já que não adiantava tentar ficar fora dos joguinhos, que pelo menos ela fosse a jogadora principal.

Ele a segurou por mais alguns segundos, mas depois soltou, apontando o dedo indicador para o rosto dela.

― Eu não vou deixar ninguém te tirar de mim ― sussurrou, ameaçador. ― Muito menos se for ele!

― Pena que eu não sou sua para alguém fazer isso, não é? ― Lucy sussurrou também, afastando-se e indo pegar sua bolsa na cama. Olhou-o novamente, já sem sorrir, mas ainda irredutível. ― Enfim, provavelmente vamos ficar um bom tempo sem nos falarmos, já que estou me mudando para o hotel onde L está hospedado. É assim que ele quer me manter perto. Espero que pense bem no que aconteceu hoje, porque você sabe: eu posso mudar de ideia sobre você a qualquer momento.

Terminando de falar saiu, batendo a porta como efeito final. Esperava poder voltar às boas com seu amigo quando chegara, mas os rumos que a conversa tomou a deixaram mais satisfeita. Parecia que havia tirado um nó de sua garganta, embora o gosto amargo de ter brigado com a única pessoa que sempre esteve com ela invadisse sua boca.

***

Era fácil convencer o pai de Lucy a deixá-la sair de casa. Foi apenas dizer que iria passar um tempo com Raito, pois ele precisava de apoio com o pai hospitalizado. Não houve nenhuma pergunta se estava tudo bem com ela, sobre seu bem-estar. A garota estava acostumada, mas mesmo assim lhe doía essa indiferença.

Sempre foi muito distante do pai. Por ter presenciado várias vezes as discussões dele com a mãe, as acusações de infidelidade, nunca conseguiu confiar em sua figura paterna, até porque nunca teve uma. Ele sempre estava muito ocupado com trabalho para ligar para sua única filha. Na concepção do homem, era bem melhor que tivesse sido um filho, já que uma mulher nunca se interessaria em negócios empresariais.

A garota sempre invejou Raito por anos, pelo mesmo ter um pai presente. Por ter carinho vindo dele. Do seu, só ganhava desprezo e patadas quando resolviam trocar palavras.

Encaixotou suas coisas ainda na noite da discussão com Raito, e no outro dia de manhã já estava seguindo para o hotel de L. O detetive havia separado um quarto apenas para ela, e alegou que ali ela podia fazer o que quisesse. Jurou que a privacidade dela seria respeitada.

Passou a tarde toda arrumando o lugar que chamaria de seu por um tempo. Era um quarto agradável, com janelas largas dando para uma rua movimentada até mesmo de noite. A cama macia estava cheia de travesseiros e cobertores, como esperado de um hotel cinco estrelas. Não podia deixar de pensar que se sentia no conto “A Bela e a Fera”, presa e condenada a ficar longe da humanidade. Só ficava de fora a Fera, porque L estava mais para um gênio maluco, e o fato de que, mesmo lá fora, já estava afastada dos outros por vontade própria.

Deitou-se cedo, antes da janta. Lembra-se apenas de ter adormecido chorando.

Os dias foram passando arrastados depois disso. L e Lucy, na maioria do tempo, evitavam ficar a sós, pois sempre que isso acontecia uma atmosfera muito constrangedora se formava em volta dos dois. Começaram a se tratar de modo mais polido e frio que o normal, falando apenas o necessário, quando necessário.

Na faculdade a garota vinha tentando constantemente não ter contato com Raito e o detetive, preferindo ficar na dela, ainda mais depois da briga que teve com o amigo. Isso a deixou totalmente por fora do que Kira estava planejando. Ela estava até aliviada com esse fato, pois não queria ter tantas informações em mãos. O que tinha já poderia levar seu amigo para a pena de morte, e sentir o peso das evidências consumia muito de si.

Os agentes se deram muito bem com Lucy, principalmente Matsuda, que parecia encantado com a moça. Os dois passavam horas conversando, quando o agente não tinha nenhum trabalho. Ela gostava de ouvir as histórias de família dele. Fora isso, tratava a todos muito bem e sempre preparava café, ajudando Watari com a sujeira que L fazia, no tempo em que não estava estudando. O fato de que o homem deixava coisas tão pesadas encarregadas a um senhor irritava Lucy.

― O senhor não fica chateado com essa indiferença dele? ― perguntou um dia, enquanto o ajudava a pedir almoço para todos no QG, como aprendeu a chamar o lugar. ― Quero dizer, o senhor merece mais consideração.

Watari riu baixo e balançou a cabeça negativamente.

― A senhorita ainda não teve a chance de conhecê-lo. Faço isso por vê-lo como um filho, e ele precisa de alguém que cuide dele. Ele já sofreu muito, sabe? ― disse com a voz calma. ― E me chame de você, por favor. Não sou tão velho assim.

Quando queria paz, Lucy isolava-se em seu quarto, onde foi mantida a promessa de ninguém invadir seu espaço. Levara livros consigo, e os devorava para matar o tédio ou algum ataque de ansiedade. Com seu notebook navegava na internet e fazia seus trabalhos de faculdade. Se acostumou rápido com isso. Não era diferente de estar em sua casa, apenas pelo fato de que ali era um quartel investigativo. Se ignorasse essa parte, era até fácil se adaptar.

Mesmo contra sua própria vontade, começou a reparar mais em L, principalmente depois das palavras de Watari. Já imaginava que ele pudesse se sentir sozinho, mas agora conseguia ver isso escancarado. Sempre foi alguém muito observadora, e conseguia notar alguns gestos muito peculiares dele. Estava lendo-o, mesmo sem querer, e o que captava a deixava muito curiosa.

Ele era misterioso, cheirava a segredos, e tragédia. Pelo pouco que L havia revelado, juntamente com os resultados das observações dela, ele parecia ser muito inconstante por dentro, como se seus cacos estivessem tentando se juntar, mas não encontrassem mais lugar. E Lucy sempre foi atraída por almas quebradas. Esses fatores, mesmo que involuntariamente, fez sua afeição pelo homem aumentar.

L, por sua vez, ainda não decidira se estava mais animado ou desconfortável com a situação. Nunca havia morado com ninguém além de Watari, e ter Lucy rondando pela casa era diferente, para não falar estranho.

Analisava-a abertamente, e o que via o tirava totalmente do foco de trazê-la para perto. Surpreendia-se cada vez mais com a personalidade dela. Embora fosse por vezes malcriada e muito sarcástica, conseguia ser bondosa e doce como ninguém. Achou muito fácil se afeiçoar a ela, como os agentes haviam feito. Estava sendo muito complicado não ceder à estranha sensação de confiança que ela emanava.

O pior de tudo, para o detetive, era saber que nada daquilo era ensaiado, mesmo com todos os anseios que ela guardava dentro daquela casca que havia criado para se proteger. Ela conseguia ser gentil com a vida, mesmo depois de ir tantas vezes ao fundo do poço. Era uma fortaleza, coisa que ele nunca conseguiria ser.

Na sexta noite de convivência, caiu uma chuva torrencial sobre Tóquio. L sentava-se na sala, sozinho, com todos os aparelhos eletrônicos desligados, assim como as luzes. Preparava-se para mais uma noite insone, imerso em pensamentos, quando a porta do quarto de Lucy se abriu.

Perdeu momentaneamente o fôlego com o que viu. O corpo dela era escondido apenas por um fino babydoll em forma de macacão de seda preta, parecendo pertencer àquelas caríssimas marcas de lingerie. Ficava tão bem no corpo magro que era quase feito para ele. Nunca imaginou que ela gostasse daquele tipo de roupa, nem que se sentisse à vontade ao ser vista em uma. Afinal, pelo que tentava não ver nas câmeras, ela não gostava de usar nada na cama.

― Não consegue dormir? ― perguntou, desviando a atenção para qualquer outro objeto no local.

Lucy suspirou, cruzando os braços.

― Está chovendo ― sussurrou.

L sabia o que aquilo significava. Estava ciente de que dias chuvosos eram particularmente difíceis para ela.

― Sente-se aqui ― apontou a poltrona perto, à sua esquerda. ― Podemos jogar alguma coisa, se quiser.

― Não estou com muito ânimo para jogos ― retrucou a garota, acatando o pedido do detetive para se sentar.

Sem querer, L acompanhava todos os movimentos dela. Lucy encolheu as pernas na poltrona, sentando quase igual a ele, envolvendo os joelhos com os braços, apoiando a cabeça neles. Ela não parecia ter percebido que a camisola havia subido, deixando um pouco mais que suas coxas à mostra.

Ficaram em silêncio por um tempo, tempo esse em que L tentava achar algo que lhe prendesse a atenção para não ficar encarando a figura pálida e mais interessante do que devia ser ao seu lado. Resolveu começar uma conversa.

― Eu também não gosto muito de tempo chuvoso ― declarou em voz baixa. ― Fico nervoso. Lembro... De coisas que não queria lembrar.

Lucy o fitou com o cenho franzido.

― E como faz para se acalmar?

― Hum... Resolvo crimes ― ele respondeu simplesmente.

Ela riu.

― Quer dizer que trabalha em outros casos à parte? É tão eficiente assim?

― Eu tento. ― Encolheu os ombros modestamente. ― E você, o que costuma fazer?

― Me entupo de remédios. ― Ela sorria, mas seu tom era frustrado. ― Mas, se fizer isso hoje, não terei medicação até o fim do mês. Sempre tive dificuldades em dormir quando tinha tempestades, e a Inglaterra é cheia delas, você deve saber. Desde pequena eu tinha medo. Os raios me assustavam. Minha mãe costumava cantar para me acalmar, sempre a mesma música. E sempre funcionava.

Como que para ilustrar o que Lucy dizia, um clarão iluminou os céus e ela estremeceu, apertando mais as pernas contra o tronco.

― E por que não tenta cantar agora? ― ele sugeriu em tom casual, sem querer transparecer que percebia o medo dela.

― Eu já te disse que não canto mais. Nem sei se consigo ainda.

― Bom, não vai saber se não tentar. ― L estava louco para ouvi-la. ― E só tem duas pessoas nessa sala. Não vou te julgar se desafinar.

Ela franziu a boca, parecendo relutante, mas acabou soltando um sonoro suspiro.

― Ok, mas não vale dar risada ― disse séria, as bochechas coradas. Suspirou mais uma vez, e começou, suavemente:

“Smile, ‘though your heart is aching,

Smile, even ‘though it’s breaking,

When there are clouds in the sky, you’ll get by

If you smile through your fear and sorrow

Smile, and maybe tomorrow

You’ll see the sun come shining through, for you…”

 

“Sorria, embora seu coração esteja doendo

Sorria, mesmo que ele esteja partido

Quando há nuvens no céu, você sobreviverá

Se você sorrir através de seu medo e sofrimento

Sorria e talvez amanhã

Você verá o sol vir brilhando para você...”

“Light up your face with gladness

Hide every trace of sadness

Although a tear may be ever so near

That's the time you must keep on trying

Smile, what's the use of crying?

You'll find that life is still worthwhile

If you just smile…”

“Ilumine sua face com alegria

Esconda todo rastro de tristeza

Embora uma lágrima possa estar tão próxima

Este é o momento que você tem que continuar tentando

Sorria, para que serve o choro?

Você descobrirá que a vida ainda vale a pena

Se você apenas sorrir...”

O detetive arregalou os olhos de surpresa. Estava totalmente embasbacado pela voz de Lucy. Era suave e tocava seus ouvidos como uma carícia, arrepiando-o por inteiro, em conjunto com a visão magnífica que ela era em totalidade. A pele que parecia tão macia, os cabelos negros e brilhosos como se fossem feitos da mais fino cetim, o perfil do rosto bem desenhado... Claro que já havia visto vídeos de apresentações dela, mas ouvi-la ali, naquela sala escura, tinha algo diferente, como se ela fosse capaz de criar magia. Era assim que Kira se sentia quando a olhava?

Talvez percebendo os olhos pregados em si, ela se virou para ele e se calou, parecendo ainda mais encabulada que antes.

― Bem, você quem pediu. Não pode reclamar agora ― falou um pouco rude, desviando o olhar para a TV desligada.

― Eu poderia te ouvir pelo resto da minha vida e não reclamaria ― retrucou L, esquecendo-se totalmente de que estava evitando encará-la.

Lucy piscou algumas vezes, surpresa, mas acabou sorrindo.

― Uau, isso foi... intenso da sua parte ― brincou. ― Mas obrigada. Faz tempo que não me sinto confortável com um elogio sobre minha voz.

― É porque você lembra dela, não é? ― perguntou ele sem rodeios. Naquele momento não estava jogando com ela, estava falando como um igual. ― Sinos de igreja lembram meus pais. Sempre que chove, parece que consigo ouvi-los. Eu odeio o barulho deles.

A garota o fitou com um semblante triste, o que o fez ficar levemente irritado.

― Não precisa sentir dó. Só queria dizer que entendo o que sente, mesmo... Que não pareça.

Ela se levantou da poltrona e foi até a janela de parede inteira atrás dele, olhando fixamente a tempestade que caía.

― Tinha um cara que era obcecado pela minha mãe. ― começou ela a dizer, coçando distraidamente o pescoço. ― Tão obcecado que a seguia nas ruas e tirava fotos não autorizadas, mandava cartas dizendo que ela seria dele um dia. Aquilo nos assustava muito, e até pedimos uma medida de restrição de aproximação, porque era um pesadelo conviver com aquilo.

‘Pensávamos que tinha adiantado. Não vimos o cara por meses, nem ouvimos falar dele. Acabamos seguindo a vida e quase esquecemos o caso. Se tornou algo distante e desagradável de ser falado sobre.

Um dia, meu pai viajou a negócios, e ficamos apenas minha mãe e eu em casa. Combinamos de ter uma noite especial, apenas nós duas. Eu fiquei bem animada, pois era meio difícil termos um momento desses. Ela dispensou os empregados da casa de manhã, e eu saí para a escola. Depois fui para o ensaio com meus amigos de banda.

Como estava ansiosa para a noite especial, me despedi do pessoal uma hora mais cedo, e rumei para casa. Usava um vestido branco que ela havia me dado e um casaco impermeável, porque estava chovendo, mesmo que pouco. Já imaginava, quando chegasse, que ela estaria com o rádio ligado, dançando alegre pela cozinha. Conseguia até sentir o cheiro das almôndegas que eu tanto gostava que ela fizesse.

Não precisei destrancar a porta da frente da casa. Achei estranho a princípio, mas não pensei muito sobre isso. Como eu esperava, uma música tocava, vinda na direção da cozinha, mas algo não estava certo. Eu não ouvia a voz dela, não ouvia nada além da música. Saí do hall para a sala e olhei em volta, muito confusa. Alguns objetos estavam quebrados e alguns móveis fora do lugar. Senti uma sensação muito ruim no peito, e corri para a cozinha. Deus, como eu queria não ter feito isso.’

A voz de Lucy embargou, e ela parou de falar. L ouvia tudo muito atento, e percebeu o que ela estava prestes a contar. Levantou-se da poltrona e foi até ela, parando atrás da moça, pronto para tocar o ombro pálido. Mas ela se virou para ele bruscamente. Seus olhos estavam sim cheios de lágrimas, mas a expressão no bonito rosto era de puro ódio.

― Não precisa contar se não quiser ― murmurou o detetive, desconfortável. ― Não quero te deixar mal.

Ela o encarou intensamente, ignorando-o.

― O mesmo filho da puta stalker estava ali, na minha cozinha. E ele fodia o corpo da minha mãe, que já estava morta. Ele tinha conseguido invadir o condomínio em que morávamos, arrombou nossa casa e esfaqueou minha mãe mais de 30 vezes, para depois estuprá-la. Tinha tanto sangue naquele lugar que parecia uma cena de filme de terror exagerado. ― O tom dela era eloquente. Estava cuspindo a história, como se esta fosse uma comida estragada, de gosto ruim.

‘Minha primeira reação foi gritar. Ele se virou para mim e se levantou, correndo para me agarrar. Corri também, na direção oposta, mas ele foi mais rápido. Me segurou pelo braço e com a outra mão tentou me enforcar. Mas ele já estava um pouco machucado, provavelmente porque minha mãe também lutou, e não era tão forte. Derrubei nós dois no chão ensanguentado e consegui alcançar a faca que ele tinha deixado de lado. Fiz um corte fundo no braço do desgraçado, que me soltou por causa da dor.

Depois disso, tudo é um borrão. Só me lembro de ir para o jardim de trás e gritar por socorro, ser acudida por meus vizinhos e das sirenes das viaturas policiais. Ninguém conseguiu achá-lo. E desse jeito, em poucos minutos, uma pessoa conseguiu me arruinar pro resto da minha vida. Eu nunca vou esquecer de como minha mãe parecia patética, morta ao chão, e do meu vestido encharcado com o sangue dela’.

A sala ficou em silêncio. As lágrimas desciam sem parar pelo rosto de Lucy, que desviou o olhar dele e depositou em algum lugar atrás do detetive.

L estava estático, sem saber como proceder. Em nenhum laudo médico constava a história que a garota acabara de contar. Era tão hedionda que chegava a ser surreal e ela parecia tão desolada, que ele sentiu que precisava fazer algo.

Em um gesto repentino, levantou o braço e tocou no rosto dela, fazendo-a olha para ele novamente. Enxugou o choro da moça com a manga da camiseta que usava, logo depois puxando-a para um abraço. Foi uma sensação estranha e nova. Nunca tinha abraçado ninguém por livre vontade, então não sabia muito como proceder. Acabou levando uma das mãos aos cabelos sedosos, fazendo uma carícia relutante, mas cúmplice.

Lucy pareceu estranhar no começo, pois seu corpo ficou rígido, mas acabou cedendo e enlaçou a cintura do homem com os braços magros, enterrando o rosto no peito dele, soluçando.

Ficaram abraçados por um tempo que pareceu muito longo. L assistia as gotas de chuva escorrerem na vidraça enquanto aspirava calmamente o aroma de Lucy, que foi se acalmando gradativamente, os soluços transformando-se em uma respiração leve. Só então ele teve coragem de dizer algo.

― Não acho que ele tenha te arruinado ― murmurou. ― Você passou por isso, mas está aqui agora. Assim como eu. Está viva e caminhando, seguindo. Pode estar assustada, com ódio, mas está aqui. Você já é uma grande pessoa, só de conseguir isso.

Ela levantou a cabeça para fita-lo, uma mistura de desconfiança com amargor em sua expressão.

― Mesmo escondendo quem Kira é, ainda acha que sou uma grande pessoa? ― perguntou com sarcasmo.

Ele suspirou.

― Acho. O que conheci de você me faz acreditar nisso. Falta você acreditar também, não é?

Lucy não respondeu. Abaixou um pouco o olhar por uns segundos, e quando voltou a encará-lo tinha em seus olhos um pouco vermelhos e inchados algo que L não distinguiu o que era. Ela afastou-se um pouco dele, suas mãos caminhando calmamente pelo tórax magro do homem, depois acariciando o rosto e por fim chegando nos cabelos.

Aquele toque fez uma sensação morna escorrer pela coluna do detetive. Sem que percebesse, estreitou o abraço, sentindo a seda da roupa de dormir dela deslizando por sua pele. Acabou apertando a cintura fina e aproximando o rosto do dela, sentindo a ponta dos narizes se encostarem.

As respirações se mesclaram e de alguma forma as costas da garota foram escoradas no vidro frio lavado pela chuva. Sentiu ela se arrepiar. Sentiu os dedos dela puxarem seu cabelo de leve, e de repente sentia uma das pernas dela no meio das suas, e uma das suas no meio das dela.

Oh não, isso não, conseguiu raciocinar, em meio àqueles sentimentos confusos e eletrizantes que corriam por todo o seu corpo, tornando seu fôlego pesado. Aquilo não devia estar acontecendo, seja lá o que fosse. Nunca sua mente esteve tão fora de controle, e isso o assustou. Afastou-se e coçou a cabeça, totalmente envergonhado.

― Me desculpe por isso ― falou em voz grave e imparcial. ― Eu... Acabei indo longe demais.

Lucy fez uma cara totalmente confusa.

― O quê? Por que está dizendo isso?

Ele voltou a sentar na poltrona, sem olha-la mais. Não queria tê-la em sua visão e ceder ao que sentia. Não podia.

― Vá para a cama. Tome seus remédios e durma. Amanhã tem aula, não é? Tem que estar descansada. Não se preocupe com a duração de sua medicação, pode marcar com seu psiquiatra quando quiser, e eu pago. Afinal, estou arcando com suas despesas agora.

― L, eu... ― começou Lucy a dizer, e sua voz continha súplica, o que fez formar um nó na garganta do homem. Mas ela parou e ficou uns segundos quieta. Quando voltou a falar, seu tom era duro. ― Tudo bem. Boa noite, então. Me desculpe por tê-lo feito passar dos seus limites.

Ouviu os passos macios e depois uma porta se fechando, talvez com um pouco de agressividade.

Odiava ter que agir feito um idiota com Lucy mais uma vez, mas era um mal necessário. Já tinha experimentado esse magnetismo dela diversas vezes, mas nunca havia sido tão forte. Nunca chegou a embaralhar totalmente sua cabeça, como se estivesse perdendo a sanidade.

Resolveu ligar o notebook e trabalhar em algo para conseguir passar a noite sem pensar na garota, embora lá no fundo soubesse que ela sempre estaria presente em seus pensamentos.


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Notas finais do capítulo

Primeiramente: gostaria de falar sobre o nome do capítulo. Como podem perceber, ele se refere à mudança da Lucy para o QG, mas não é só isso. Não sei se notaram, mas as coisas começaram a ter um ponto de virada aqui. Nossa Lucy deu um basta em tudo o que o Raito a fazia aguentar, e agora está agindo pelas próprias leis. Isso vai ser beeeem importante lá para frente.
Segundamente: A música que ela canta chama-se Smile, do Nat King Cole, mas para ser a voz da nossa amada protagonista peguei emprestado o cover de uma incrível cantora chamada Jemma Johnson: https://www.youtube.com/watch?v=Bln1e4loggY aqui está o link pra quem se interessar. Até o sotaque dela é britânico ♥
Terceiramente e acho que última nota: Não sei quando o próximo capítulo irá sair, pois estou estudando que nem uma camela para um concurso. Sim, nove horas de estudos diário para eu conseguir ser rica. Então peço a compreensão e a paciência de vocês, mais uma vez. Não abandonarei a fic, de modo algum! É só terem paciência :D



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