Uma Nova Chance escrita por Arikt


Capítulo 13
Hostilidade




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O celular de Lucy despertou. Eram dez da manhã, hora de tomar um dos remédios.

Sem muita vontade, levantou-se de sua cama quentinha e macia e dirigiu-se ao banheiro (L sempre a deixava com o quarto suíte). Olhou seu reflexo no espelho do armário e uma garota abatida, com olheiras e olhos desfocados a encarou de volta. Suspirou, perguntando-se se os benefícios de estar dopada valiam essa sua aparência. Logo depois se lembrou, com amargura, que não havia motivo algum para aparentar estar melhor.

Escovou os dentes, lavou o rosto e tomou as pílulas. Tentou dar um jeito na juba que chamava de cabelo, mas não obteve sucesso. Acabou amarrando-o em um rabo alto, decidindo ir comer algo. Sua barriga roncava.

Abriu a porta do quarto e saiu para a sala, mas parou abruptamente antes mesmo de dar o segundo passo, pois encontrou o aposento cheio. Todos os agentes estavam sentados nos sofás, assim como L e Raito. Ryuuku estava ao lado de seu amigo, e acenou animado para ela.

Havia também um homem desconhecido, que não parecia muito amistoso. Olhava-a de um modo crítico, poderia dizer até raivoso. Mas Lucy estava tão entorpecida que nem se incomodou.

 Os agentes pareciam encabulados e evitavam encara-la, como se algo estivesse errado. Então, ela se lembrou que não havia trocado de roupa, pois pretendia voltar a dormir. Ainda estava com uma de suas camisolas, que não era lá muito decente. Raito abriu um meio sorriso, e L mantinha a expressão vazia.

— Hmm... Por acaso aconteceu alguma coisa? Com certeza essa reunião não é para me ver saindo do quarto — falou, dando um sorriso amarelo e abraçando o próprio corpo, tentando escondê-lo nem que fosse um pouco. Sua piada sem graça deixou tudo ainda mais constrangedor.

— Que bom que apareceu, senhorita Chinatsu. Estava quase fazendo Raito chama-la — respondeu L, levantando-se para traze-la mais para perto do grupo, ignorando o ar estranho que se instalou ao redor. — Deixe-me apresenta-la primeiro ao novo integrante da investigação, detetive K. K, esta é Lucy Chinatsu, uma das investigadas.

K era o que se podia chamar de charmoso. Loiro de olhos cor de mel, não aparentava ter mais que 25 anos. Tinha a mesma altura de L, mas parecia ser mais alto por andar ereto, além de ter um senso de moda bem mais apurado. Usava uma calça jeans preta apertada o bastante para mostrar as pernas magras e bonitas, uma camisa branca e por cima dela uma jaqueta de couro também preta. Olhava para Lucy ainda com o ar de reprovação, e não fez menção de se levantar para cumprimentá-la.

— Prazer em conhecê-la, senhorita. — Sua voz indicava tudo, menos prazer.

— Digo o mesmo — A moça limitou-se a responder.

Voltou o olhar para Raito, que a encarava com lascívia o bastante para deixa-la parecendo um pimentão.

— Hã... Se não se importam.... Eu só vim pegar algo para comer. Não estou passando muito bem, então vou deixar os cavalheiros conversarem. — Com um gesto vago feito com a mão, Lucy começou a andar na direção da cozinha, querendo voltar para a paz e o sossego de seu quarto.

— Na verdade, acho melhor que fique aqui, Lucy. Precisamos da sua ajuda. — interveio o senhor Yagami, com voz séria.

A moça se voltou para ele, o cenho franzido.

— Minha ajuda para quê, exatamente?

— Parece que o segundo Kira nos mandou um presente. — explicou Matsuda, que ainda parecia bem constrangido. — Mais um vídeo para a Sakura TV, e um diário.

Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa.

— Um diário?

— Aqui está. — L lhe estendeu uma folha de papel. — Consegue tirar alguma conclusão disso?

Lucy leu-o com atenção, franzindo o cenho. Não sabia bem o que pensar sobre aquilo, somente que o Kira falso era bem irresponsável, imprudente – e talvez um pouco burro. Quando terminou, entregou o papel ao detetive e foi se sentar na poltrona que ele antes ocupava, evitando olhar para Raito.

— Bom, provavelmente isso é uma mensagem expressando o desejo do Kira falso de se encontrar com o verdadeiro. Essas datas e esses lugares foram colocados para nos confundir, mas acho que já sacaram isso. Foi citado novamente a palavra Shinigami... Logo no dia do jogo de basquete. Vão mesmo deixar a Sakura TV divulgar isso? Vai causar pânico entre as pessoas.

— Era o que estávamos discutindo. — L parou ao seu lado, de pé. — Ninguém está a fim de interromper esse encontro com o cancelamento do jogo. Mas será que eles se encontrariam, mesmo correndo o risco de serem descobertos pela polícia? O segundo Kira parece ser imprudente a esse ponto.

— O segundo pode ser, mas o primeiro não — retrucou a garota. — Há diferenças notórias entre os dois. De qualquer forma, não tenho como prever o que ele irá fazer, ou qual desses lugares é o certo.

— Bem, estávamos formando planos de investigar todos eles. Raito e Matsuda vão a Aoyama, e quero que vá com eles.

— Tá, mas eu não quero ir — cortou Lucy, ficando aborrecida. — Por que iria, aliás? Mesmo que eu veja Kira por lá, sabe que não vou falar.

Não demonstrou reação ao fato de que Raito também iria investigar.

— Você está há tempo demais trancada aqui, e sabe mais do que ninguém que isso não é saudável. Estar entretida com algo além da faculdade pode ajudar — explicou L calmamente, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. ― Fora que você disse que gostaria de pegar esse Kira falso. Ou algo te fez mudar de ideia?

Lucy o encarou com olhos estreitados.

— Nada me fez mudar de ideia, L. Bom, como quiser. Eu vou.

K se remexeu no seu canto, parecendo incomodado com algo. A atmosfera constrangedora voltou com esse pequeno diálogo entre o detetive e a moça, o que a fez ficar levemente envergonhada, sem saber exatamente o porquê.

— Bem, então vamos fazer assim: — L mais uma vez não pareceu perceber o que ocorria. — colocaremos câmeras em alguns pontos dos três lugares citados no diário, e vão a Aoyama Raito, Matsuda, Lucy... e K.

O loiro, que estava encarando insistentemente o tapete, levantou a cabeça com violência, olhando assustado para Ryuuzaki.

— O que diabos eu tenho a ver com isso?

— Eu preciso que me ajude a vigiar a senhorita Chinatsu. Você é o único que não conviveu com ela, então vai ser fácil ser imparcial. Além do mais, Matsuda parece ceder a cada pedido dela, e Raito... minhas suspeitas ainda não chegaram a zero.

Matsuda corou, Raito fitou L e Lucy revirou os olhos.

— Como se eu precisasse de alguma babá... — murmurou.

— Maldita a hora em que concordei te ajudar. Ok, eu vou até lá. — K estava muito aborrecido, era visível em seu rosto.

— Acho que resolvemos essa parte, então. Estão dispensados, se quiserem ir. Logo resolveremos os detalhes da viagem.

Todos começaram a se levantar e a sair do apartamento, e Lucy finalmente pôde ir atrás de algo para beliscar, pois estava faminta. Enquanto escolhia o que comer, sentiu duas mãos lhe envolvendo a cintura, e o perfume de Raito lhe encheu as narinas. Virou-se para ele e sorriu, afastando-se um pouco para olhá-lo.

— Bom dia para você também.

— Sinto sua falta na faculdade. Está tudo bem com você? — A voz do amigo era carinhosa.

— Tirando o sono que os remédios me dão, sim, está tudo bem. Espero que com você também esteja. — A última frase foi dita de forma séria pela garota.

— É, está. Acho que melhor agora, já que estou aqui.

Lucy olhou por cima do ombro do amigo, e viu que K e L continuavam sentados, encarando-os pela porta da cozinha.

— Acho melhor você ir embora. Há leões nos espreitando. — voltou os olhos para o amigo, sorrido torto.

— Deveríamos então dar a eles o que eles querem? — Raito retribuiu o sorriso.

Lucy não respondeu. Deu um beijo na bochecha dele, bagunçando seus cabelos.

— Nos vemos em breve.

O garoto soltou uma risada baixa, afastando-se e colocando as mãos nos bolsos.

— Até mais, então. Vê se volta a aparecer na faculdade.

Ela observou o amigo desaparecer e voltou ao que estava fazendo. Acabou pegando um pacote de batatas chips (uma das únicas coisas salgadas no meio dos doces de L) e virou-se para ir para seu quarto, ignorando os dois que ainda a olhavam.

***

— Vejo que ainda não perdeu essa mania de não dormir de noite.

K estava parado na porta do quarto que dividia com L, olhando para o outro que se encontrava sentado no sofá, daquele jeito único. O detetive, que olhava distraidamente para a tela da TV, encarou-o, dando de ombros.

— Você também está acordado.

— Só porque perdi o sono.

Foi até a poltrona ao lado do sofá em que L estava, sentando-se e suspirando. Continuou a olhar para o outro, que parecia ter os pensamentos longe.

— Ela é muito bonita.

— Quem?

— Você sabe quem. Lucy Chinatsu.

— Ah.

K franziu o cenho, cruzando os braços.

— Você me chamou aqui por causa dela, não é? Não consegue lidar com a garota sozinho.

L não sabia se ficava satisfeito ou envergonhado por ele ter percebido tão facilmente, mas não podia reclamar. K era muito mais que um parceiro de trabalho. Era seu melhor amigo, que o conhecia desde que eram pequenos e estavam no orfanato. Não havia ninguém em quem confiasse mais, com exceção de Watari.

— É, na mosca. — e como se tivessem aberto uma torneira, começou a despejar suas preocupações em cima dele. — Eu simplesmente não penso quando ela está por perto. Faz tudo parecer irrelevante, como se fosse normal esconder provas da polícia e compactuar com um assassino. Não posso me deixar levar, mas se continuasse sozinho, era isso que ia acontecer. Ainda não me decidi se essa garota sabe o quão manipuladora ela consegue ser, e se faz de propósito para me confundir.

Embora não tivesse transparecido, K odiou ouvir aquilo. Sua afeição por L ia além de apenas amizade, mas sempre escondera esse fato, pois não queria afasta-lo. Seu consolo sempre foi saber que o amigo só se interessava pelo próprio trabalho, e ver que isso estava mudando o deixava fora dos eixos, totalmente desnorteado – e com raiva, muita raiva.

Para disfarçar seu não contentamento, deu um meio sorriso.

— Então quer dizer que se apaixonou, Ryuuzaki? — Não pôde evitar que seu tom fosse sarcástico.

— Acha que é isso? — L ficou pensativo, franzindo o cenho.

— Espero que não. Não é fácil de lidar com a dor de desejar alguém distante da sua realidade... E, bem, você sabe que aquela garota está realmente distante.

Não queria soar pessimista ou deixar o amigo para baixo, mas era quase impossível se frear. Seu ciúme era gigantesco para seu bom senso poder segurá-lo.

O detetive soltou um suspiro que não poderia dizer com exatidão se era de cansaço ou de tristeza.

— Eu só não estou a fim de ser enganado, como já fui uma vez.

K sabia do que ele falava, mas resolveu não aprofundar esse ponto. Estendeu a mão e pegou na dele, dando um sorriso confortante.

— É para isso que estou aqui. Não se preocupe, não vou deixar isso acontecer. Afinal, continuo sendo seu amigo, não?

L apertou sua mão em um gesto terno.

— Sempre vai ser.

***

Os detalhes para a viagem até Aoyama foram acertados sem muitos problemas. L deu uma ordem para que Matsuda não desgrudasse de Raito, assim como K de Lucy. Não iria deixar que os dois tivessem nenhum momento a sós.

Como não tinham muito o que fazer até o dia da viagem, o detetive dispensou os agentes, dando-lhes um tempinho de folga e insistiu para que Lucy voltasse para a faculdade, agora que os remédios não a afetavam tanto. Mas ele não ia ser tão generoso assim, por nada. A garota nem teve tempo de se animar com a ideia de voltar a estudar e L já deu a intimação: K iria acompanha-la. E ela não sabia o que era pior, ficar enfiada em um quarto de hotel com o loiro, ou tê-lo na sua cola no campus da universidade.

A convivência dos dois não melhorou em nada. Embora estivessem sempre juntos, faziam questão de ignorar um ao outro. A menina tratava-o como uma peça da decoração, ou uma sombra, e K matinha uma certa distância de passos, sempre carrancudo. Eles não necessariamente brigaram, mas Lucy sentia uma repulsa enorme vinda dele, que praticamente a obrigava a devolver na mesma moeda.

Ainda se encontrava com Raito nos intervalos e fins de período, e fazia questão de deixa-lo totalmente desconfortável nos assuntos mais íntimos. O amigo até tentava ser legal, mas era como tentar conversar com uma porta. Kise não dava abertura para nenhuma investida amigável vinda dele. Lucy discutiu várias vezes com L sobre essa situação, mas de nada adiantou. Ele estava irredutível quanto a não deixar nenhuma brecha para que ela pudesse se comunicar com Kira.

O tão esperado dia da viagem chegou. Os quatro se reuniram na estação de metrô, e seguiram para o local. Lucy sentou-se ao lado de Raito e colocou seus fones de ouvido, amuada, ficando a observar Ryuuku sobrevoar distraído o grupo. Gostaria de estar dormindo. O amigo puxou um dos fones para ele, dando-lhe um sorriso quando ela se virou para olhá-lo.

— Você está bonita, mesmo com essa cara carrancuda. — comentou com um tom animado.

Ela olhou para baixo, analisando a roupa que estava. Colocara um vestido preto de veludo um pouco rodado que lhe ia até os joelhos, com alças finíssimas, decote razoável na frente e profundo nas costas e nos lados. Calçava um escarpin também preto com a sola vermelha. Seus cachos estavam presos em uma trança de lado. Colocara um pouco de maquiagem no rosto para esconder as olheiras. Deu um meio sorriso, sem jeito. A expressão do amigo ficou séria.

— O que foi? Por que está assim?

— Nada, eu só não queria estar aqui. — A moça olhou pela janela, seus dedos se entrelaçando em seu colo.

— Bom, não vai durar muito. Não é como se estivéssemos tendo um passeio de amigos. — O sorriso voltou aos lábios do garoto. — Logo você vai estar de volta ao seu quarto.

— E vou comemorar dormindo.

Raito riu e abraçou os ombros da amiga em uma atitude descontraída, apesar da ansiedade em que se encontrava.

Chegado ao destino, um grupo de amigos da faculdade de Raito os esperava lá. Ele apresentou Matsuda, K (sob o falso nome de Brian) e ela, embora Lucy reconhecesse alguns de vista. Começaram a andar e Ryuuku os acompanhava, pairando acima do grupo.

Deram algumas voltas pelo lugar, rindo e conversando. Todos, menos K e Lucy. Pela expressão do homem, ela sabia que ele estava gostando da situação tanto quanto ela. Um pouco mais para a tarde, pararam em uma lanchonete para comer algo.

Sentaram-se ao lado de uma das grandes janelas que davam para a rua, e enquanto o grupo escolhia o que comer, a moça se levantou.

— Vou ao banheiro — comunicou a Raito. — Escolhe por mim, desde que seja algo salgado.

Saiu andando para o fundo do estabelecimento, sem esperar resposta. No meio do caminho, percebeu que era seguida. Virou-se para trás e viu K em seu encalço.

— Ah, obrigada pela preocupação, Brian, mas pode voltar. Não vou me matar nem nada do tipo, embora vontade não me falte — disse sarcástica, parando e esperando ele chegar mais perto.

— Não estou te seguindo por me preocupar com você — retrucou ele, seco. — São ordens de Ryuuzaki.

— Você me ouviu? Eu vou ao banheiro. A não ser que você seja uma mulher, você não pode entrar.

— Vou ficar na porta.

— E se eu tentasse fugir pela janela?

— Não vai. Conheço esse lugar, e a janela do banheiro é tão pequena que nem você passaria por ela.

Lucy continuou andando, ignorando a alfinetada com o fato de ela ser muito magra. Ao chegar na porta do banheiro, virou-se para ele novamente.

— Eu não vou tentar achar Kira.

— Pelo amor de Deus, dá pra simplesmente fazer o que você veio fazer, ao invés de tentar me persuadir a parar de te seguir? Eu odeio essa situação tanto quanto você, mas não vou desobedecer a ordens!

Ela ficou por uns segundos encarando-o, mas desistiu. Entrou no banheiro, bufando de raiva de L. Preferia trancar a faculdade e nunca mais sair do hotel, mas tinha que se livrar desse encosto. Nunca ninguém lhe dirigiu tanta raiva como K lhe dirigia, e sem ela ter feito nada! L com certeza estava querendo que ela ficasse maluca.

***

Lucy acabou pegando no sono. Tentara ler para passar o tempo, mas não foi uma tarefa bem-sucedida. Ela, Raito, Matsuda e K voltaram para o hotel quando a noite já caía. L dispensara os três do trabalho, e a moça se recolhera. Não tinha intenção de dormir, mas não tinha muita escolha. Fazer tanto esforço para manter-se sociável a esgotara.

Levantou-se e tomou um pouco de água da garrafa que deixava no criado mudo ao lado da cama, e trocou de roupa, colocando uma camisola leve. Saiu do quarto e encontrou tudo mergulhado na penumbra e no silêncio. Intrigada, a garota olhou no relógio em cima do aparador. Passava de uma da manhã. Dormira muito mais do que imaginou. O apartamento estava abafado, era uma noite bem quente. Pensando em se refrescar, ela foi até a sacada.

Infelizmente, não foi apenas ela quem teve essa ideia. Parado perto do parapeito, fumando, estava K. Quando percebeu que alguém se aproximava, virou-se, e ao se deparar com Lucy, fechou a cara, voltando à posição de antes.

A menina suspirou, mas não se intimidou. Avançou calmamente, parando ao lado dele, cruzando os braços. O homem a olhou mais uma vez, também suspirando.

— Acho que me enganei ao pensar que aqui teria paz — falou com desagrado.

— Que eu saiba, a sacada não faz parte da sua área privada. — Ela também fechou a cara.

K tragou o cigarro, soltando uma baforada de fumaça minutos depois. O cheiro da nicotina e do tabaco chegaram às narinas de Lucy, despertando uma certa nostalgia em seu peito. Ficou olhando a fumaça se dissipar no ar, os olhos desfocados.

— Quer fumar também? — Ele a despertou dos devaneios.

A garota encolheu os ombros.

— Não fumo mais.

— Ah, então fumava antes? — Era perceptível um leve tom irônico na voz dele.

— Não se faça de tonto. Como se você não tivesse lido todos os relatórios sobre o caso, incluindo tudo o que L tem sobre mim.

O detetive não respondeu. Continuou tragando o cigarro calmamente, enquanto Lucy apreciava a brisa fresca que corria.

— Eu queria saber... qual é o seu truque. — K quebrou de repente o silêncio, agora encarando a moça.

— Truque? Como assim? — Ela também o encarou, sem entender.

— Será que é esse tipo de roupa? Hmm... não, ele não seria tão estúpido. Embora com certeza ajude. — Ele deu uma risada baixa.

— Do que diabos você está falando? — Agora Lucy estava irritada.

— Como se você não soubesse! Estou falando dessa fixação que L tem por você! — K também se irritou. — Que todos têm... Você é uma criminosa, deveria estar em uma cela! Omitindo informações desse jeito, compactuando com um assassino, e ainda manipulando um detetive e a polícia para ficar à solta! Bem, você não deve ser diferente das outras. Pelo menos gosta, quando se deita com ele?

Lucy não aguentou. Sem pensar duas vezes, desferiu um tapa com a maior força que conseguiu no rosto do loiro, ardendo de ódio.

— Tome muito cuidado com o modo como fala comigo, detetivezinho de merda! — vociferou em voz baixa. — Você nem me conhece, não sabe nada sobre mim além de relatórios médicos, então cale a boca e abaixe a crista!

Cego pelo ódio que lhe subiu, K avançou para ela, fazendo-a recuar uns passos, mas conseguiu se refrear antes de fazer alguma besteira. Jogou o cigarro no chão e pisou com violência em cima dele, imaginando que fosse a cabeça da garota.

— Logo Kira será preso e condenado à execução, e eu vou ficar muito satisfeito ao te ver atrás das grades!

A morena encarou-o sem desviar sequer uma vez o olhar, em gesto de desafio. Suas palavras rudes se pareciam muito com as de Raito quando ele estava com raiva. Quando ele estava com ciúmes. Deu mais um meio sorriso, dessa vez atrevido, chegando um pouco mais perto dele.

— Se preocupa tanto assim, que eu possa estar manipulando L? Isso não deveria ser motivo para uma raiva tão grande. — falava baixo, com voz provocativa. — Fale a verdade: por que me odeia? Será que... eu represento uma ameaça para você?

Viu a expressão dele mudar por um segundo. “Bingo!” pensou, sabendo que havia atingido a ferida. Mas, então, ele sorriu. Um sorriso raivoso, mas ainda assim serviu para apagar o dela.

— O que foi, agora? Vai caçoar de mim, se eu admitir que sim? Tudo bem, Lucy, vejo você como uma ameaça, pois estou apaixonado por L. Sempre estive, desde que éramos pequenos. Mas pelo menos eu admito, não é? E você? — Agora seu sorriso era venenoso.

Essas palavras a desarmaram por um momento, deixando-a desconcertada.

— Não sei de onde tirou a ideia de que eu possa estar sentindo algo por L, ou L por mim! Essa sua perseguição é totalmente infundada.

O agente deu uma risada sarcástica.

— É, talvez você tenha razão. Estou me desgastando à toa. L pode estar caído por você o quanto for, mas seu fingimento de que nada está acontecendo irá afasta-lo mais cedo ou mais tarde. E você vai continuar fingindo, não vai? Afinal, ainda ama Kira. — Espreguiçou-se e se afastou, coçando a cabeça. — Nossa conversa foi muito... produtiva, senhorita. Boa noite.

E com mais um sorriso cheio de segundas intenções entrou para o apartamento, deslizando calmamente a porta de vidro da sacada.

Lucy continuou no mesmo lugar, sem reação. O que exatamente ela poderia estar fingindo? Que não se importava com L, que não desejava transar com ele como fazia com Raito? Ela já havia admitido. Não poderia haver mais do que um mero desejo juvenil, poderia?

Pensou por um momento no detetive, e em todos os momentos que passaram juntos nesses quase dois meses de convivência. Uma sensação morna escorreu por seu corpo, e ela só teve certeza de que não tinha certeza se queria continuar com a mentira sobre seu amor por Kira.

***

Passaram-se três dias desde a primeira visita a Aoyama. Depois do primeiro grupo, outros agentes visitaram o local nos dias consecutivos, mas nada encontraram também. Quando se reuniram para discutir o que deveriam fazer sobre o jogo do dia 30, que era a última data constada no diário do segundo Kira, receberam outro aviso dele, dizendo que ele havia encontrado o que procurava. Todos ficaram perplexos. Ele havia se encontrado com Kira e ninguém tinha a mínima ideia em qual horário ou em que local.

Lucy percebeu que era algo inédito até para Raito, pela expressão assustada que ele fez ao ouvir o áudio.

Claro que essa informação fez L desconfiar ainda mais de Raito. Colocou o agente Mogi para segui-lo em segredo, e passou os dias seguintes revisando as fitas das câmeras de segurança situadas em Aoyama. Talvez encontrasse alguma evidência do encontro dos dois assassinos, mas não obteve sucesso na tarefa. Ponderou que o segundo Kira pudesse estar blefando, ou que eles realmente tivessem se encontrado, mas que o contato ainda não tivesse ocorrido.

Raito ficou um tempo sem ir ao QG e Lucy passou a vê-lo apenas na faculdade. Continuava sendo vigiada por K, então ainda não conseguia perguntar sobre o que estava ocorrendo, ainda mais sabendo que Mogi estava por perto também.

O amigo havia começado a sair com uma moça de seu curso, que era considerada a mais bonita da universidade. Isso dificultou ainda mais o contato entre os dois, já que ele passava quase o tempo todo ao lado dela. K, não perdendo tempo em alfinetar Lucy, comentou que talvez ela devesse fazer o mesmo que o amigo, mas Lucy ignorou. Embora tivesse recebido alguns pedidos para encontros, recusou todos. Ao contrário de Raito, esse tipo de coisa não fazia parte do seu horário de lazer.

Em uma rara demonstração de empatia, L finalmente havia deixado para os dois jovens um dia livre para conseguirem ficar a sós. É claro que Lucy sabia que esse altruísmo todo não era nada além de um teste, conseguia sentir que estavam sendo seguidos. Apostava que por K. Talvez isso estivesse acontecendo porque Mogi precisasse de descanso.

De qualquer forma, tentou aproveitar a pequena liberdade ao máximo. Foi um dia mais leve e mais divertido, em que os dois passaram estudando e falando sobre bobagens do dia a dia, evitando ainda tocarem em qualquer assunto que envolvesse Kira, só por precaução.

De noite, Raito convidou Lucy para comer em sua casa e ela aceitou, contente de não precisar terminar o dia ainda. Mas, antes disso, receberam uma ligação de L que pedia a presença dos dois no QG. Passaram por lá e ficaram sabendo que o segundo Kira mandara mais uma fita, de acordo com ele, a última. Dizia que não usaria aquele pseudônimo para se auto intitular e continuaria buscando a aprovação de Kira. Para L, aquela mensagem significava que eles finalmente haviam se conhecido, e haviam juntado forças. Para Lucy, ela só dizia que L estava mais exposto ao perigo que nunca, e qualquer carta jogada errada seria seu fim. Aquilo acabou com a animação que sentia.

Enquanto andava ao lado de Raito pelas ruas escuras, rumando para a casa dele, um cansaço intenso se apoderou de seu corpo. Só conseguia desejar estar em seu quarto, dormindo e longe de todos aqueles sentimentos pesados.

Sabia que continuavam sendo seguidos, então fez um esforço para começar algum assunto aleatório com o amigo.

— E então, como estão indo as coisas com a miss Toudai? — perguntou, referindo-se à garota com quem ele estava saindo.

— Acho que normais. E ela não gosta de ser chamada de Miss. — Raito olhou-a com um meio sorriso.

— Ah, então você conversa com ela! Pensava que estava interessado em outro tipo de interação... — retrucou sarcasticamente, tentando retribuir o sorriso e falhando.

— Não, esse tipo de interação eu só gosto de ter com você. ― Ele riu da expressão contrariada que ela fez. ― Sabe que não precisa ficar com ciúmes, não é? É só você dizer que deseja ser minha namorada, e eu largo qualquer uma que eu esteja saindo no mesmo momento para ficar com você.

Lucy deu uma risada baixa, balançando a cabeça de leve.

— Eu sei. Mas você também sabe que eu acho que combinamos muito melhor como amigos.

Raito deu de ombros.

— Sabe que é um pouco triste levar tantos foras de você, não é?

— Bom, alguém tinha que te ensinar o que é um fora, porque nunca vi nenhuma outra mulher fazer isso — deu uma piscadela para ele, rindo.

— Ela tem um ponto, Raito — comentou Ryuuku, acompanhando a risada dela.

De repente, uma voz feminina gritou o nome de Raito. Quando se viraram para ver quem era, uma moça loira pulou no colo do rapaz, quase o derrubando no chão. Lucy ficou sem reação, dando uns passos para trás, assustada.

— Não aguentei duas semanas para te ver de novo! — exclamou a estranha. — Senti muito a sua falta.

Raito a encarou de modo gélido, o que fez um arrepio de medo descer pela coluna de Lucy. Ele estava muito irritado. Mas, ao invés de se descontrolar, suspirou e passou a mão nos cabelos, recompondo a expressão serena. Olhou para a amiga, dando um sorriso cordial que ela sabia que era falso.

— Misa, essa é Lucy Chinatsu, minha amiga de infância. Lucy, essa é Misa Amane, minha...

— Namorada! — Ela completou, dando um enorme sorriso.

Tentando esconder a perplexidade, Lucy se curvou educadamente, forçando-se a retribuir o sorriso.

— Prazer, senhorita Amane.

— Oh, você não me falou dela, Raito! — disse Misa de modo animado. — Eu a conheço! Você tinha uma banda na Inglaterra, não tinha? Gosto muito das suas músicas! Ah, você parece mais bonita ainda pessoalmente!

Lucy piscou algumas vezes, confusa. Olhou para Raito e voltou-se para ela novamente.

— Ah... Obrigada. Minha banda não chegava nem perto de ser famosa, então fico feliz de ter uma fã por aqui — agradeceu gentilmente.

— É melhor irmos andando — cortou ele.

Recomeçaram a andar, Misa perguntando a Lucy várias coisas sobre a Inglaterra e sobre sua antiga banda. Ela tentava responder a tudo, embora fosse um assunto delicado. Enquanto isso, avaliava a situação. Não conseguia entender quem era aquela pessoa, e muito menos o que diabos Raito fazia com ela. Era um tipo realmente bonito, embora vibrante demais para os gostos dele.

Chegaram na casa. Entraram e cumprimentaram a mãe e a irmã de Raito, assim subindo para o quarto.  Lucy pensou em K, provavelmente irritado de ter que ficar na rua.

— Vou deixá-la enxergar Remu, Misa — avisou o menino.

— É claro! — Misa sorria.

Antes que Lucy pudesse perguntar o que era Remu, o amigo tirou um caderno de dentro da gaveta da escrivaninha e o encostou em sua mão. Outro Shinigami se materializou no quarto, bem diferente de Ryuuku.

— Pera, você é o segundo Kira?! — murmurou Lucy, sem conseguir acreditar. — C-como descobriu Raito?

— Pelo que parece, ela fez um pacto para obter os olhos de Shinigami, mas mesmo com os olhos não consegue ver a expectativa de vida de outros portadores do Death Note. Assim, em Aoyama foi fácil de me identificar — explicou Raito. — Ela é a única, além de você, que sabe sobre mim, Misa.

— E como você provou que é de confiança? — Lucy olhava para a outra, ainda incrédula.

— Digamos que a gratidão não é algo exclusivo seu, Lucy.

A moça encarou o amigo, e ele estava com um sorriso estranho nos lábios. “É como se estivesse zombando de mim”, pensou, franzindo o cenho.

— Bem, agora que estamos apresentados, vamos direto aos negócios. — Ele voltou para a expressão compenetrada, olhando o Shinigami de Misa. — Remu, você está sempre olhando por Misa, protegendo-a?

— Sim. Ficava a observando muitas vezes, do Reino Shinigami. Então, tenho algum sentimento por ela.

Ryuuku deu risada.

— Sentimento é? Essa é nova para mim.

— Se Misa está feliz, você também estará, não é? — tornou o garoto.

— Digamos que sim. Não quero que nada de mal aconteça a ela.

Raito pegou no braço da loira e a trouxe para perto de seu corpo.

— Misa. Você me ama, certo? — Ele usou a voz mais sedutora que tinha.

Lucy percebeu que a garota estava hipnotizada por seu amigo.

— É... claro — sussurrou ela.

— Se eu estou feliz, você também estará.

— Sim!

Lucy sentou-se na cama para observar o espetáculo. Já havia muitas vezes experimentado aquele poder de sedução para saber o que Misa estava sentindo. Era quase impossível resistir ao jeito sensual dele.

— Então... você pode pedir a Remu para matar L? — Sua voz era doce e venenosa. — Remu quer sua felicidade. Mas se for presa por L, nenhum de nós será feliz.

Lucy estacou, sentindo um gelo enorme descer por todo o seu corpo. Então era esse o plano de Kira! Se Remu aceitasse, seria realmente o fim do detetive. Suas mãos começaram a tremer, mas não podia demonstrar sua inquietação. Entrelaçou-as, respirando fundo, continuando a observar.

Ryuuku deu mais uma risada. Ele estava mesmo se divertindo com aquela situação.

— Raito, isso é muito esperto! Um Shinigami pode olhar o nome da pessoa, escrever em seu caderno e matá-la, sem maiores consequências!

— Sim, se Remu matar L eu ficarei feliz, assim como Misa — complementou Raito.

— Remu... — Misa virou-se para o Shinigami. — Por favor, faça isso. Eu preciso que Raito me ame e quero muito ser feliz com ele.

Remu demorou para responder. Lucy apertava os próprios dedos, tentando não gritar para que o amigo parasse com aquilo. Seu corpo estava paralisado, como se estivesse acorrentado à cama. Parecia que estava presa em um pesadelo.

— Certo. Vou fazer, Yagami. — concordou finalmente o Shinigami. — Eu não gosto de você, mas mesmo que você viva mais, eu não morro. Para mim, L é só mais um humano morto.

“Mas para mim não!” Gritou Lucy em pensamento, desamparada, começando a tremer violentamente.

— Obrigada, Remu! — exclamou Misa, abraçando-a.

Raito parecia incrédulo que seu plano para eliminar sua única pedra no caminho estivesse funcionando. Lucy teve vontade de dar-lhe um murro, bater-lhe na cabeça com algo pesado, matá-lo. Nunca teve tanta vontade de matar alguém como naquele momento. Mas apenas ficou ali, sentada, com o desespero crescendo em ondas gigantescas em seu peito.

— E quando vai ser? Posso atravessar paredes, então, se quiser, mato agora mesmo — sugeriu Remu.

Lucy sentiu que ia desmaiar.

— Quero o mais breve possível, mas é muito precipitado agir agora. Vamos esperar até amanhã e decidir como matá-lo. Mas não faça nada antes de minha ordem, ainda tenho que criar uma álibi para mim e para Misa.

— Certo, só matarei quando você mandar.

Lucy tentava não sucumbir às lágrimas. Não podia deixar L morrer, não daquela forma! Ryuuku parecia haver percebido que ela não estava bem. Olhava-a fixamente, mas ficou calado. Ela foi até a janela, encostando a testa no vidro frio, sentindo as paredes do quarto fecharem-se sobre seu corpo, deixando-a sem ar. Sua vista ficou embaçada. Ataque de pânico. Precisava sair dali o mais rápido possível.

Pegou sua bolsa em cima da cama, apertando com força a alça dela, tentando ganhar um pouco de autocontrole.

― Raito, eu... preciso ir embora ― avisou com a voz alta e irregular, olhando para o chão. ― Tenho... Trabalho da faculdade para... terminar. Desculpe-me.

― Tudo bem. Quer que eu te acompanhe até a estação? Você não parece muito bem. ― A voz dele parecia expressar genuína preocupação.

― Não, não precisa... Até amanhã.

Virou-se bruscamente e saiu pela porta, tentando respirar fundo o ar que não sentia para parecer menos desesperada, despedindo-se evasivamente de Sayu e da senhora Yagami.

Quando ganhou a rua as lágrimas vieram com vontade, assim como os soluços. Andava trôpega, pois o tremor em seus membros era tão forte que a fazia tropeçar aqui e ali nos próprios pés. Duas quadras depois suas pernas sucumbiram, fazendo-a cair sentada na calçada, chorando desconsolada, sem conseguir sequer enxergar um palmo na frente do próprio nariz. Parecia que ia morrer ali mesmo.

Duas mãos fortes agarraram seus braços e alguém se ajoelhou em sua frente. A moça tentou se desvencilhar com violência, gritando e chorando ainda mais, se é que isso era possível.

— Lucy! Lucy, está tudo bem! Sou eu! — exclamou uma voz forte e masculina. — Por favor, acalme-se!

No fundo de sua consciência, Lucy reconheceu aquela voz sendo a de K. Parou de lutar, apertando os braços dele, tentando achar uma âncora para não se afogar em tanto desespero.

Uma náusea gigantesca subiu por sua garganta e seu corpo oscilou para frente e para trás. Tentou abrir a boca para dizer algo, mas se viu afundando em um abismo escuro, não sentindo nem vendo mais nada.


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