Uma Nova Chance escrita por Arikt


Capítulo 12
Intervenção




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O resto da semana passou como um turbilhão para todos da investigação. Tiveram o enterro de Ukita, ao qual L não compareceu. Ele decidiu não sair mais, nem mesmo para ir para a faculdade, pois estava em um perigo duas vezes maior que antes. Também estava visivelmente abalado pela perda de um dos agentes.

O Senhor Yagami recuperou as fitas, que eram quatro, e as deu ao detetive, que mandou tudo para a análise criminalística depois de assistir a elas, procurando por algo que pudesse levar a esse outro Kira. Explicou seus conteúdos a todos, que resumidamente eram: a colaboração da polícia, o noticiamento de mais criminosos e a aparição dos investigadores de Kira na TV, anunciando o acordo. Ou então, se não colaborassem, que também fossem para a mídia dizê-lo, principalmente L, e recebessem a punição devida. A fita com a mensagem escolhida deveria ser passada ao vivo. Obviamente L escolheu a quarta: não colaboração.

Quando a mensagem negativa foi ao ar, as coisas complicaram para o detetive. As autoridades ao redor do mundo, com medo de Kira, começaram a exigir que ele mostrasse o rosto, alegando que sua identidade não poderia ser mais importante que a vida de pessoas inocentes que Kira iria matar se ele não cumprisse a intimação. Querendo ou não, isso colocava um peso muito grande em suas costas.

Também houve uma tentativa falha de interrogação com Lucy. Sentado de frente para ela, o detetive sentia uma irritação que fazia tempo que não lhe atacava.

― É melhor confessar de uma vez, senhorita. Você sabe como Kira mata, para ter dito com tanta certeza que estamos lidando com um Kira falso ― dizia ele, convicto de que estava certo em sua dedução.

Ela, por sua vez, estava irredutível. Encarava-o com raiva, os braços cruzados diante do peito.

― Não, eu não sei! Sei é o mesmo tanto que vocês! Que ele mata conhecendo o rosto e o nome das vítimas! Só pensei em um Kira falso porque aquele circo todo não combina com o estilo do Kira verdadeiro, e Ukita não estaria morto só por tentar entrar na merda da emissora!

― Você ainda tem contato com o Kira verdadeiro?

― Também não. Desde que você me trancou aqui e monitora todas as minhas atividades, não tem como eu me comunicar direito com ninguém!

― Bem, você ainda se comunica com alguém, se contarmos seu amigo Raito Yagami.

Lucy metralhou L com o olhar. Estava totalmente arrependida de ter aberto a boca e agido impulsivamente. Nunca pensou que tentar salvar o restante dos agentes pudesse por ainda mais culpa em cima de Raito. Como sairia dessa, agora?

Você passa mais tempo com ele do que eu, já que estudam na mesma sala. Pelo amor, você teria tido a mesma dedução que eu, mais cedo ou mais tarde, de que existe um novo Kira. A diferença de ação é gritante. Os criminosos continuam morrendo, eles não precisam serem noticiados na TV para isso. Nunca precisaram. Para que o Kira verdadeiro pediria algo assim?

L ficou pensativo um momento, odiando admitir que ela tinha razão. Também teria chegado na mesma conclusão, ela apenas foi mais rápida. Rápida demais, era esse o ponto. Mas, pelo menos uma vez, eles haviam ficado do mesmo lado e acalmado os agentes, conseguindo resolver as coisas sem perder mais ninguém.

― Sei que a senhorita nunca entregaria o verdadeiro Kira para mim, ainda mais se ele for mesmo Raito, mas e sobre esse novo? O que tem a dizer?

A agarota suspirou, descruzando os braços e passando as mãos pelo rosto.

― Não tenho o que dizer. Eu só conheço um Kira. Tem razão, eu não entregaria o Kira verdadeiro nem que ameaçassem me matar, até porque você tem chances contra ele. Mas se eu soubesse quem é esse farsante, eu não hesitaria em entregá-lo. Acredite em mim.

O homem ficou a olhando por alguns segundos. Era a primeira vez que sentia uma extrema sinceridade nela quando falavam de Kira.

― Eu acredito ― respondeu finalmente, colocando o dedão entre os dentes, pensativo. ― Mas, sendo assim, também é perigoso para a senhorita ficar saindo. E se os dois Kiras resolverem se juntar, e eliminar a única testemunha fora do convívio dos dois?

― Não vai adiantar me prender aqui, de qualquer forma. Diferente de você, o Kira verdadeiro já sabe meu nome e meu rosto. Se ele resolver me matar, o fará com ou sem o Kira falso. A única diferença vai ser você me ver morrendo ou não.

― Eu prefiro nenhuma das possibilidades. ― A voz do detetive foi grave e com um toque de medo. ― Já que antipatiza com o segundo Kira (vamos chama-lo assim), por favor, esteja sempre atenta a quem possa estar perto de você. Me reporte qualquer atitude estranha de pessoas próximas. Tente ser cautelosa, até pelo menos sabermos se eles se encontraram realmente.

***

Lucy sentia que algo a chacoalhava gentilmente, tirando-a de seu estado de sono profundo. Resmungou em protesto, mudando de posição, não querendo abrir os olhos. Mas o chacoalhar era insistente, assim como uma suave voz que chamava por seu nome. Sua consciência foi emergindo lentamente, até que finalmente despertou com uma leve irritação.

Estava preparada para soltar algumas palavras malcriadas para quem quer que tivesse a acordado, mas quando finalmente encarou quem era, essas palavras foram varridas de sua mente pela surpresa. Raito estava abaixado ao lado da cama, sorrindo de forma contente.

Hey magricela.

― Raito?! O que... Como conseguiu entrar aqui? ― perguntou enquanto se sentava de forma rápida, ficando zonza e com a vista embaçada. Colocou a mão na cabeça, gemendo. ― Onde está Ryuuku?

― Calma, não precisa ficar tão afobada. Eu não arrombei nenhuma porta. ― Ele segurou de leve nos braços da amiga, acariciando-os. ― Ryuuku está na sala, disse que queria ouvir a conversa dos agentes. E eu estou aqui porque L me chamou.

― Como assim? Ele suspeita de você, por que te chamaria?

― Bom, suponho que você já saiba das novidades...

― Sobre o segundo Kira? Com certeza. Mas ainda não vejo a razão...

― L disse que precisava da minha ajuda nesse momento. Precisei escrever uma carta ao segundo Kira, como se fosse o verdadeiro. Claro que foi tudo um teste. Mas acho que me saí bem.

― Raito, isso é tão perigoso! ― sussurrou Lucy, segurando com as duas mãos no rosto do garoto, preocupada. ― E se ele usar isso como prova contra você? Precisa tomar cuidado!

― Está tudo bem, Lucy. Uma carta atuada não incrimina ninguém. ― Raito se sentou na cama, encarando a garota, mantendo o mesmo tom que o dela. ― E então, o que acha desse Kira impostor?

― Provavelmente o mesmo que você. Um terroristazinho de quinta. Se ele for pego... eu não quero nem pensar em como isso vai te afetar! ― A voz de Lucy continuava muito baixa, mas isso não impedia que ela demonstrasse toda indignação que sentia.

― Não fique preocupada. Eu tenho alguns planos, e estar na investigação agora só vai me beneficiar.

― Vou tentar manter a calma. Eu disse que prefiro não saber o que Kira está tramando, mas não deixo de me importar com você. Então por favor, cuide-se.

Raito deu uma risada baixa, pegando a mão da amiga entre a sua.

― Vou tentar lembrar do seu conselho. Mas e você? Como está? Não te vi por esses dias na faculdade. L está te mantendo presa?

― Não, não é isso... ― Lucy suspirou, passando a mão livre nos cabelos, tirando alguns fios teimosos da frente de seu rosto. ― Meu novo psiquiatra aumentou meus remédios. Estou me acostumando ainda, então... bem, você sabe como é.

― Entendo... acha que vai conseguir voltar logo?

― Talvez. Cada dia sinto um pouco menos de sono e tontura. O problema é saber se L vai me deixar ir, depois dessa coisa toda do segundo Kira. Ele está com medo de que ele e... bem, Kira me matem se acabarem se encontrando. Eu argumentei que de nada adiantava me esconder se eu estivesse mesmo na mira.

Raito franziu o cenho.

― Você sabe que...

― Eu sei ― interrompeu a garota, suspirando. ― Eu sei.

Lucy observou o rosto do garoto por alguns segundos e o beijou suavemente, acariciando sua nuca. Afastou-se alguns centímetros, observando os lábios que se entreabriram, sentindo a própria respiração acelerar. Passara todos esses dias sentindo uma urgência em ser beijada, em ser desejada, que não deixaria a oportunidade escorrer para longe.

― Não acha um pouco perigoso fazer esse tipo de coisa aqui? ― murmurou Raito com um meio sorriso se formando. ― Afinal, alguém pode abrir a porta e nos ver.

― Eles me deixam em paz. Ninguém entra aqui além de mim. Só... só me beije de volta, por favor.

Raito prontamente atendeu ao pedido da garota. Deitou-a de costas na cama, debruçando-se por cima, descendo os lábios para o pescoço magro. Uma de suas mãos colocou-se na parte interna da coxa da amiga, apertando e subindo lentamente, enquanto sentia as dela acariciarem-lhe as costas por baixo da camisa que vestia, arranhando de leve.

Lucy sentia a adrenalina lhe subindo pela espinha dorsal, um pequeno gemido escapando por entre seus dentes. Raito estava sendo cuidadoso, lento. Não era aquilo que tinha em mente. Para mostrar que queria adiantar as coisas, concentrou-se na calça dele, desabotoando-a e abaixando o zíper.

O recado havia sido bem entendido. Raito riu e deixou que ela fizesse o que pretendia, seus lábios descendo mais um pouco e roçando levemente nos seios brancos e pequenos por cima da renda preta e fina que lhes cobria. Nunca havia dito, mas sempre amou aquelas delicadas peças de roupa que a garota costumava usar para dormir, tanto que não foi nem um pouco difícil entrar no clima que Lucy demandava, ainda mais com mãos habilidosas trabalhando com tanta vontade para que isso acontecesse.

Despiu-a de sua peça de baixo, finalmente se posicionando e se movimentando com vontade entre as pernas finas, o que lhe arrancou um suspiro longo e pesado, fazendo coro com o gemido lânguido da amiga.

Embora tenha sido rápido, foi intenso o suficiente para fazer com que os dois se sentissem grudentos de suor. Lucy passava os dedos pelos cabelos úmidos da nuca do amigo, sentindo ambas as respirações se acalmarem.

Depois do calor em seu corpo ter abaixado, sentia-se um pouco culpada. Havia usado Raito para apagar a vontade que sentia de L desde a primeira vez que o tocara. E, pelo que podia perceber, não havia sido suficiente.

Raito levantou a cabeça e sorriu de forma sacana, apertando levemente uma pare dolorida no pescoço da garota.

― É melhor usar o cabelo solto por alguns dias. Acho que acabei me deixando levar um pouco demais ― disse ele em tom de brincadeira, levantando-se e ajeitando suas roupas. ― Será que nos ouviram?

Lucy respirou fundo, também criando coragem para se levantar e se vestir. Colocou um robe longo de seda preta, fechando seu cinto bem apertado, indo olhar o pescoço no espelho. Havia do lado direito um hematoma profundamente roxo, embora não fosse muito grande. Não seria difícil de esconder.

― Duvido. Vamos sair, antes que alguém bata na porta para saber o que está acontecendo. Aliás, você entrou aqui com a permissão de L?

― Sim. Falei que queria te ver, e ele disse que tudo bem, desde que não me demorasse demais.

― Oh... bom, eu não esperava essa calma toda dele ― murmurou a garota, surpresa. Foi até Raito e ajeitou sua franja, dando um pálido sorriso. ― Agora está mais apresentável.

Quando saíram pela porta para a vista de todos que estavam na sala, Lucy sentiu seu rosto esquentar. L a encarava com intensidade, descendo os olhos por toda extensão de seu corpo. Parecia saber exatamente o que tinha acontecido. Ela penteou o cabelo com os dedos, colocando mais mechas do lado direito.

O senhor Yagami se levantou, cortando um pouco daquele clima constrangedor.

― Bom Ryuuzaki, se me permite... Vou levar meu filho para casa e aproveitar para tomar um banho e trocar de roupa. Faz cinco dias que não vejo minha esposa.

― Tudo bem, é bom mesmo que vá e descanse, não queremos que sofra outro infarto ― respondeu o detetive, voltando a atenção para o chefe de polícia. ― Quem mais quiser ir para casa sinta-se à vontade. Mas estejam aqui amanhã de tarde, pois precisarei de vocês.

Todos se levantaram e se despediram, rumando para a porta. Raito virou-se para a garota, dando-lhe um abraço apertado.

― Fique bem, ok? Logo estarei por aqui novamente ― murmurou, segurando o rosto dela entre as mãos.

Lucy balançou positivamente a cabeça, dando um meio sorriso.

― Cuide-se até lá.

Esperou que ele e Soichiro saíssem para voltar ao quarto, sem lançar um olhar a L. Sentia que sua expressão culpada a delataria a qualquer momento.

***

Os dias de espera eram os piores, na concepção de L. Depois da mensagem que Raito gravara ir ao ar, só restava esperar para ver o que aconteceria. Ignorou veementemente a crescente austeridade contra sua imagem entre as autoridades internacionais, sabendo que tudo se acalmaria assim que recebessem a resposta do segundo Kira, que por sorte veio rápido, e com uma mensagem positiva. Ele estaria de acordo com qualquer coisa que Kira quisesse dele, e isso era tudo o que precisavam. Só não esperava a menção à palavra Shinigami.

Não era a primeira vez que a ouvia. Lembrava-se bem sobre seu caso com Naomi Misora em Los Angeles, e sobre quem costumava dizer que tinha olhos de Shinigami. Só restava se perguntar se aquilo algum dia foi verdade, e se algum Shinigami realmente estava envolvido nesse caso de Kira. Se estivesse, que os céus o ajudassem a sair vitorioso. Afinal, estaria lutando contra forças sobrenaturais.

Depois do vídeo resposta, nada de novo veio. As análises das fitas ainda não tinham resultados conclusivos, as mortes de criminosos continuavam... E aquilo fazia com que L ficasse entediado. Até trabalhar em casos paralelos estava se tornando chato. Por causa disso, arrumou um novo hobby para se dedicar: assistir Lucy dormir.

Tinha plena consciência de que esse hobby era algo estranho e creepy, como diziam os jovens. Se a garota descobrisse, poderia acusá-lo de pervertido e nunca mais se aproximar dele, mas ainda assim a visão que tinha valia o risco. Esperava meia hora depois que ela se deitava para se esgueirar pela porta do quarto, sentando-se quieto na poltrona ao lado da janela, quase sem se mexer enquanto estava lá.

Por sorte, a dose dos remédios era o suficiente para fazer com que ela nunca acordasse antes de pelo menos seis horas, a partir de quando eram ingeridos. Isso dava a ele tempo suficiente para admirá-la. O som da respiração lenta da moça e sua expressão límpida e doce acalmavam o detetive, funcionando melhor que qualquer calmante. Ficava feliz também em saber que ela mantivera a foca que ele dera de presente, e até dormia abraçada a ela.

Não deixava de se perguntar como alguém conseguia fazer algo errado parecer tão irrelevante. Lucy escondia a identidade de um assassino, atrapalhava seu trabalho omitindo informações importantíssimas, mas, mesmo assim, L não conseguia achar vontade nem motivos suficientes dentro de si mesmo para prendê-la. Estava ficando cego pelas coisas que a garota o fazia sentir. Nunca conhecera alguém tão transparente com seus sentimentos como ela, e isso o deixava atordoado.

Culpava-se intensamente por essa falha, tentando não misturar as coisas, mas era impossível. “Eu vou conseguir capturar Kira por mim mesmo, para que me preocupar com o que ela esconde?” Pensava, achando que essa era uma boa desculpa para seu comportamento imprudente.

Tentava se convencer, também, de que só a mantinha presa por precaução, para ela não procurar mais por Kira, já que agora sabia demais sobre os planos da polícia e conhecia seu rosto. É claro que de nada adiantou. Tudo bem que eram fatores verdadeiros, mas não eram os únicos. Se fossem, seria muito mais fácil mantê-la em uma cela apropriada, sem nenhum contato externo com o mundo. Mas L gostava de sua companhia. Gostava de ter outro alguém para conversar, além de Watari. Apreciava a calma que sua presença trazia para seu cérebro, anuviando seus pensamentos incessantes. Ela lhe fazia bem.

Ter Raito rondando por ali também não ajudava em nada a colocar seu juízo no lugar. Não conseguia deixar de sentir desconforto e até raiva quando o garoto se esgueirava para o quarto de Lucy, ainda mais quando ele nada podia fazer para impedir. Fingia não saber o que acontecia ali, mas ele sabia. Ele via as marcas na pele dela, os olhares longos que eles trocavam, contava as horas em que passavam com a porta fechada. Começou a se arrepender imensamente de ter deixado que Raito tivesse acesso ao QG, mesmo sabendo que foi uma decisão bem pensada.

E era quando parava para refletir sobre tudo isso, que via que precisava de ajuda para lidar com Lucy. Não era normal aquilo.

Depois de quase uma semana sofrendo calado com todos esses dilemas, L se via sozinho na sala, sentado em frente à TV, zapeando pelos canais. Estava agitado sem um motivo aparente, e até ler estava tirando sua paciência.

Desligou a televisão e colocou o indicador entre os dentes, levantando-se e começando a andar em círculos, no escuro, aborrecido.  Não poderia ir conversar com Watari, pois ele acabara de se recolher ao seu quarto. Os agentes estavam todos fora, e até ver Lucy dormindo por quase dez horas seguidas não estava ajudando. Será que um passeio pelas ruas poderia acalmá-lo?

Em mais uma volta às cegas, sem querer, esbarrou em uma mesa de canto que continha um vaso com um arranjo de flor e derrubou-o, quebrando-o. O barulho ressoou como um tiro na quietude do apartamento. O detetive suspirou, coçando a cabeça. Teria que ir atrás da limpeza para arrumar a bagunça que fizera.

De repente, a porta do quarto de Lucy se abriu e a moça saiu para a sala, os cabelos bagunçados e uma expressão de sono e preocupação misturados no rosto bonito.

— Está tudo bem por aqui? — perguntou ela, olhando em volta. — Ouvi um barulho agora, o que aconteceu?

— Nada demais, só acabei de quebrar um vaso — respondeu L, fazendo um gesto de pouco caso com a mão. — Desculpe te acordar.

— Tudo bem, eu tinha levantado alguns minutos antes mesmo. — Lucy foi se aproximando calmamente, olhando a bagunça que ele fizera. — Hmm... acho que esse vaso é meio caro. O que fazia no escuro?

Ele deu de ombros, sem saber como responder. A garota deu uma risada baixa.

— Não sei por que eu ainda pergunto. Ok, detetive, vamos acender a luz e arrumar essa bagunça. E fique preparado para gastar um bom dinheiro para ressarcir o hotel.

Ela foi desviando de alguns cacos de porcelana para chegar ao interruptor, sendo observada por um olhar apreensivo de Ryuuzaki. Ela realmente não parecia se importar que seus pés pudessem ficar cheios de buracos.

— Lucy, é melhor você calçar um sapato, tem muitos cacos no chão e você pode...

— Ai! — Ele foi interrompido por sua exclamação.

Ao sentir a dor pulsante na sola do pé esquerdo, Lucy se desequilibrou e foi de encontro ao detetive, que deu uns dois passos para trás por causa do impacto. Por sorte ele conseguiu se equilibrar, e segurá-la.

— O que você dizia mesmo? — Ela perguntou sarcasticamente.

L revirou os olhos, tentando disfarçar o constrangimento da cena. Mais uma vez ela estava perto demais. E com roupas pequenas demais. Será que usar pijamas longos era tão ruim assim? Bom, pelo menos para uma coisa aquela situação serviu: sua mente não conseguia focar em nada mais além da temperatura do corpo dela e da sensação dos dedos finos agarrados em seus braços. E seu rosto estava realmente bonito, banhado pelas luzes da cidade que entravam pelas janelas.

Respirou fundo e desviou o olhar, ajeitando-a melhor e a levando até a poltrona mais próxima, atento para andar o mais longe possível dos cacos.

— Você deveria ter mais cuidado consigo mesma às vezes, sabe? Faria um belo favor para mim — comentou, enquanto a ajudava a se sentar.

— E por quê? Por acaso você fica preocupado? — Lucy exibia seu mais puro sorriso irônico.

— Não, porque você seria um problema menor para minha cabeça. — Poderia ter falado que sim, que ele ficava preocupado, mas aquele sorriso o deixava realmente contrariado.

Foi acender a luz, logo depois voltando até ela, para se ajoelhar em sua frente. No tapete, uma pequena poça de sague já começava a se formar.

— Oras, a única coisa que faço ultimamente é dormir! Não sei como isso pode ser um problema! ― exclamou ela, indignada, cruzando os braços. ― A não ser que até isso te irrite em mim!

― E quem disse que você me irrita, senhorita? ― perguntou, tentando não olhar nos olhos dela.

Sem esperar resposta, L pegou o pé machucado com cuidado. Um corte grande, que ia de perto dos dedos até o começo do calcanhar era a razão daquele sangramento. Felizmente não era profundo, não precisaria de pontos.

— Não precisa se preocupar com isso. — Ele ergueu os olhos ao ouvir a voz suave. A moça o observava, os braços relaxados novamente, as mãos repousando nas coxas esguias. — Já estou acostumada com cortes assim.

O detetive a encarou por alguns segundos, vendo que a expressão dela mudara de indignada para incômoda. Levantou-se, colocando as mãos nos bolsos da calça.

— Eu tenho que cuidar desse corte, pode ter atingido alguma veia menor, pelo tanto de sangue que está saindo. Vou pegar a caixa de primeiros socorros no meu quarto. Espere aqui.

E então se afastou, indo até suas malas para procurar a pequena maleta onde guardava os remédios e curativos.

Enquanto remexia em suas roupas, pensava no que ela acabara de dizer. Aquele assunto com certeza não era um dos preferidos dela, o que o deixou levemente surpreso por ter sido mencionado. E era provável que Lucy ainda não soubesse até onde ele descobrira sobre seu passado. Bem, melhor assim, embora ignorar as cicatrizes nos pulsos frágeis fosse um pouco difícil.

Voltou para a sala e encontrou a garota sentada da mesma maneira, os olhos vidrados na janela à sua frente, perdida em pensamentos. Ajoelhou-se novamente e silenciosamente fez a assepsia do corte, logo o cobrindo com gaze e esparadrapo.

Lucy analisou o trabalho, parecendo positivamente impressionada.

— Será que existe algo em que você não seja bom?

L deu de ombros, um pouco sem graça, mas nada falou. Guardou as coisas e fez menção de se levantar, mas a mão da garota em seu ombro o impediu. Ele a olhou, e viu que ela o encarava de volta, com o cenho franzido.

— Eu... me desculpa L, por ser... Bem, por ser um incômodo — A moça sussurrou. — Você é tão gentil comigo e eu pareço só estragar as coisas.

Ele ficou por um momento parado ali, na frente dela, tentando achar uma forma de respondê-la. Mas, como sempre, estar perto dela daquela forma deixava sua mente em branco. O cheiro dela, como na primeira noite, enchia suas narinas e o deixava embriagado, entorpecido.

Como se estivesse envolto por uma força invisível, seu corpo começou a se aproximar do dela. Temia que fosse sempre assim. Sempre que ela estivesse perto o suficiente, seu corpo não responderia aos comandos naturais de seu cérebro – isso se seu cérebro ainda estivesse lá – e agiria como um planeta sendo absorvido por um buraco negro, sem chances de escapar.

Fazendo um tremendo esforço, conseguiu se levantar e se afastar, passando a mão nos cabelos.

— Você não é um incômodo, não se preocupe com isso — resolveu retrucar, sem olhar para Lucy.

— Há algo acontecendo? Você parece tão... distante.

— Eu estou bem. É só... cansaço. Vou ligar para a recepção e pedir para alguém recolher isso. Pode voltar ao seu quarto.

Lucy se aproximou cuidadosamente, quase como se estivesse com medo de espantá-lo de novo. Pegou suavemente na mão dele, no começo apenas roçando seus dedos, depois tomando coragem para entrelaçá-los. Era um toque tão delicado que um sopro poderia quebrá-lo, mas não deixou de acender o corpo inteiro do detetive.

― L... Pensar em me tocar é algo tão repugnante assim para você?

A pergunta foi dita em um sussurro quase inaudível, mas pareceu um grito aos ouvidos dele. Repugnante? Era isso que Lucy achava que era para ele?

L engoliu em seco, sem saber o que fazer. Mais da metade dele queria dizer o quanto aquilo soava absurdo, queria botar para fora o quanto queria tocá-la, o que queria fazer com ela naquele exato momento, o quanto gostaria de mostrar que poderia ser melhor que Raito...

Mas não podia. Era errado e poderia levar a consequências desastrosas para os dois. Fatais até.

― Você nunca nem chegou perto de ser repugnante. Eu só quero que as coisas continuem de um jeito que eu consiga controlar ― sussurrou em resposta, acabando com o toque ele mesmo, olhando para qualquer coisa que não fosse ela. ― Agora por favor, volte a dormir.

Demorou alguns segundos para que obtivesse uma resposta.

— Não, pode deixar a bagunça comigo. Vá descansar, eu... eu faço isso por você. Como agradecimento. ― A voz dela estava forte novamente, embora com um tom amargo e ressentido.

L a encarou novamente.

― Lucy...

― Vai logo! ― Ela quase gritou, parecendo estar à beira das lágrimas.

Olhando para aquele rosto tão lindo e tão triste, perguntava-se se poderia haver armadilha mais engenhosa no mundo. Nada poderia ganhar daquilo, nenhuma invenção humana jamais lhe confundiria tanto quanto aquela moça. Acabou por virar as costas antes que atendesse à urgência que lhe atacara de reverter aquela expressão tão desesperançada.

E mais uma vez ele se portava como um idiota insensível.

Ao se fechar no quarto, deitou na cama e ficou a olhar para o teto, sem um pingo de sono. Sua cabeça ainda zumbia com o fluxo de pensamentos, mas agora eles se voltaram para apenas um assunto: Lucy.

Pegou o celular que estava no bolso da calça e rapidamente discou um número.


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