Sequestrada escrita por AC Espadeiro


Capítulo 2
Remédios




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Trancada, atrás da porta de metal, com os braços envolvendo minhas pernas, eu me mantinha sentada no chão da cabine do banheiro, sentindo-me parcialmente segura. Estar em lugares vazios me davam a ideia de que ele surgiria a qualquer momento e ninguém poderia me ajudar, mas estar em lugares cheios me faz achar que ele está escondido ali e que a qualquer momento me agarrará pelo braço e fingirá que é a coisa mais comum do mundo.

Eu choro por tudo que aconteceu. Não queria que minha mãe se sentisse culpada, não queria que me olhassem de um jeito diferente, não quero dar entrevistas, não quero fazer nada disso!

Quando retornei, poucos procuraram saber como eu realmente estava, eles apenas diziam: "Que bom que você sobreviveu! Agora você pode tomar sua vida de volta!"

Mas a verdade, é que ela não volta. Por mais que você tente, por mais que faça tudo do exato jeitinho que fazia antes, ela jamais será a mesma. O trauma é pra sempre. Já perdi as contas das vezes que preferi estar morta ao estar aqui tendo que recomeçar tudo. Só consigo sentir frustração por todo o tempo que perdi de minha vida. Não há felicidade em mim, não há boas lembranças, boas recordações de pessoas amadas e queridas, eu esqueci tudo, e a única coisa que eu me lembro é daquele dia infernal.

~Flashback On~

28 de maio de 2012

4 anos atrás
13 horas e 15 minutos

Estar aqui é cansativo!

Não queria vir de jeito nenhum, preferia estar em casa conversando com as minhas melhores amigas, Mary e Melissa, do que estar no supermercado com a minha mãe que fala tão alto que parece fazer propagando do novo absorvente.

Olho para ela de cara feia, mas de nada adianta, ela continua a perguntar qual eu prefiro, se eu quero com abas ou sem, acho que me mato depois dessa!

Resolvo me afastar para não brigar com ela de verdade então vou pra sessão de biscoitos, pelo menos é comida. Dou a volta no corredor e vejo um garoto de franja, cabelos castanhos escuros e olhos cor de mel, ele usa uma jaqueta preta e uma calça da mesma cor junto a uma blusa branca, o olho bem e finalmente percebo que ele é o garoto lá da escola. Lucas Natucci.

Sinto meu coração acelerar e ele olha para os lados como quem não quer nada e acaba me vendo ali, estagnada, parada, sem reação alguma, com um pacote de absorvente roxo na mão. Dentre tantas cores pastéis por que justo o roxo?

Ele da um sorriso, e acena pra mim. Ai meu Deus! Ele me reconheceu! Ele sabe quem eu sou! Sinto minha bochecha corar e fico meio sem reação mas arrumo coragem para levantar a mão e acenar de volta. O problema é que eu levantei a mão com o pacote...

Mãe, você me paga!

Resolvo me aproximar. Não tenho nada a perder mesmo. Chego do lado dele e finjo estar olhando os biscoitos, o que era o meu propósito, mas com aquela beldade ao meu lado eu não conseguia me concentrar em mais absolutamente nada. É então que a voz doce, porém grave, sai de seus lindos lábios:

—Você é lá da escola, não é? Mel... Eu acho! - Ele com dúvida fica tão gracinha.
—Melanie! -Respondo imediatamente. -Mas pode me chamar de Mel, se quiser! -Digo com um sorriso envergonhado.
—Prazer, Mel! Sou o Lucas Natucci! E você?
—Mas eu já disse meu nome!
—Mel...? Existem mais de mil Melanies pelo mundo! Colabore comigo!- Ele diz me fazendo rir.
—Castellamary!
—Espanhol?
—Acertou! Parte de mãe!
—Muito bonito, Mel! - A forma como ele falava Mel me encantava cada vez mais. -Você faz álgebra comigo, não é?
—Sim!
—A gente podia sei lá... -A mão dele coça a nuca de forma encabulada enquanto ele abaixa a cabeça encarando o chão. Eu ja li isso em alguma revista de romance adolescente. - Marcar de sair um dia desses... Se você quiser, é claro! Mas tudo bem se não quiser! Eu entendo! Digo, eu...
—Claro!- Interrompo-o na mesma hora e começo a me perguntar se estou parecendo atirada demais. Então resolvo dar uma diminuída. -Digo, seria legal sair um pouco, minha mãe anda me dando nos nervos!
—Ah, é?!- Ele parece animado, e não consegue conter um sorriso, exatamente como eu também não consigo. -Bom, que bom, então!! Eu... Eu... Eu vou indo, porque eu tenho que... Você sabe! - Dou um risada e completo:
—Tudo bem, eu entendo sim. - Ele vai recuando pra trás com o rosto levemente ruborizado. - Nos vemos na escola amanhã?
—Sem sombra de dúvidas! Guarda um lugar pra mim?
—Se você prometer que me ajuda em álgebra!- Respondo-o e dessa vez é ele quem ri.
—Então ta... Prometo!
—Feito então!- E assim ele da o último passo dando a curva no corredor e dando espaço para que eu possa ter uma crise de felicidade sem que ele veja. Dou pulos de alegria até ouvir minha mãe do outro lado do mercado, já no caixa:

—MEL! VEM ME AJUDAR!

Abaixo a cabeça fingindo que não é comigo e vou disfarçadamente pro caixa. Só sei de uma coisa, nada pode estragar minha felicidade, nem minha mãe com um pacote de absorventes noturnos roxos, ou a enorme fila do caixa. O garoto que eu sou a fim, realmente me deu bola, e mais, ele quer me chamar pra sair! Não vejo a hora de amanhã chegar!

Será o melhor dia de todos!

Vou para a fila do caixa com a minha mãe. Como é fim de ano, minha mãe sempre faz doações para alguma caridade então, será necessário mais de um carrinho para que possamos transportar as coisas ate o carro.

Ajudo-a a ensacar as várias compras sem tirar nem por um minuto a conversa com Lucas de minha cabeça. Vou pondo as sacolas no carrinho até ele finalmente ficar lotado, minha mãe, sem tirar os olhos da tela indicando o preço de todas as compras, ouve-me sem muita atenção:

—Mãe! O carrinho tá cheio!
—Ah tá! Mel, me faz um favor, leva o carrinho lá pro carro e vai pondo as compras na mala que eu ja desço com o resto!
—Ok!

Agarro a barra de plástico do carrinho com força, envolvendo meus pequenos e finos dedos sobre aquele plástico quente com medo de que ele escape da minha mão e saia desgovernado pela rampa. Fazendo pressão com meus pés contra o chão, eu consigo chegar no estacionamento subterrâneo sem causar nenhum estrago.

Olho ao meu redor e admito, aquele lugar me causava calafrios. Ele tinha paredes e pilastras cinzas, com faixas amarelas escuras de tanta poeira, além de estar praticamente vazio por ser um dia de semana. O lugar era frio e cheirava a gás e poluição, fazendo-me tossir algumas vezes para limpar a garganta.

O roçar das rodas enferrujadas e velhas do carrinho sobre o chão totalmente liso era o único som que se fazia ouvir naquele lugar imenso.

Viro o corredor dos carros totalmente distraída quando algo lá na frente me chama atenção. Levanto a cabeça calmamente, tomando um susto enorme fazendo-me dar um pulo pra trás.

Um cara com uma mascara macabra de lobisomem pairava lá na frente, fitando-me com aqueles olhos vermelhos, com a blusa branca de botões e a calça da mesma cor. Suas mãos estavam dentro dos bolsos, e eu não conseguia ver seu rosto nem sequer seu corpo. Mas foi o suficiente para eu me estremecer por inteira de tanto pavor que senti.

Tento desviar discretamente para não mostrar que me assustei. Será que é algum tipo de brincadeira de câmera escondida?

Viro no corredor mais próximo, com o coração na mão, a adrenalina nas veias, e os olhos atentos. Vou andando rápido mas não muito para não chamar atenção. Rezo internamente para que alguém desça de vez, mas ninguém aparece. Estamos apenas nós dois ali.

Começo a ouvir passos atrás de mim. Tento não olhar mas a curiosidade me mata e eu viro o pescoço na mesma hora vendo aquele homem ainda me seguindo. Aperto o passo mais ainda, mas ele percebe que fujo dele e então começa a correr.

Largo o carrinho desesperada, e saio gritando pelo estacionamento.

—SOCORRO! SOCORRO!

Eu gritava com todas as minhas forças implorando para que alguém me ouvisse. Mas nada. Ele era mais rápido. Mais forte. Não demora muito para que suas pernas alcancem as minhas, e então suas mãos grossas e imundas, agarram em meu cabelo cumprido com toda a força e me jogam pra trás por inteira contra o chão.

Caio sobre meu braço esquerdo, e logo em seguida, minha cabeça se choca contra o duro e frio chão. Só consigo sentir a dor latejante invadindo-a e percorrendo todo meu corpo deixando-me zonza e confusa. Não sinto meu braço esquerdo cujo cai por cima, e sinto algo escorrer pelo meu nariz, encosto com minha mão boa e de forma embaçada e indefinida, eu vejo uma mancha vermelha.

Tento gritar mais uma vez, peço socorro num grito sussurrado, mas ele se abaixa na minha altura, e quando eu arranjo forças para um último berro, ele termina com as minhas chances de fugir. Tirando as palavras de minha boca e junto a elas, qualquer chance minha de escapar de suas garras, ele tapa a minha boca com sua mão imunda e suada.

Então, antes de qualquer coisa, de dentro daquela máscara amedrontadora, ele fala:

—Peguei você! - Ele fala com uma voz nojenta, grossa, e áspera.

Seus braços seguram os meus e então ele me pega no colo, e depois, me joga dentro do que deduzo ser um carro mas com minha visão atordoada é difícil dizer. Ele me joga deitada, de cara, no banco de trás e entra junto comigo. Fecha as portas e ficamos ali. Ele pega alguns lenços, aproveitando que estou virada de costas pra ele, e pega minhas duas mãos e as amarra com tanta, mas tanta força, que sinto como se ele fosse arrancar meus pulsos.

Minha pernas, que se agitam de um lado pro outro, tentando golpea-lo, fracassam já que o nervosismo não deixa que eu acerte a mira, ele as agarra com a mesma firmeza e grosseira que agarrou os pulsos, e as amarrado  enquanto eu grito por socorro, me mexendo feito um verme naquele banco tentando fugir de suas garras.

Os olhos vermelhos de sua face de lobo me fitavam com intensidade, eu podia não ver seus olhos de verdade mas podia ver a malícia e a maldade por trás da máscara.

—SOCORROOO!!!

Suas mãos sujas e grandes puxam meu cabelo e por fim, um pano é envolvido na minha boca, abafando meus gritos, forçando-me a calar a boca. Eu não conseguia chorar, apenas espernear, e com veemência mexer os lábios tentando tirar aquela bandana quente da minha cara. Ele me da uma última encarada e me prende no cinto de segurança.

Estou desesperada, ele está entrando no banco da frente pronto pra dar a partida. Eu grito, eu balanço, eu imploro, mas nada. Até que uma mulher de cabelos negros, pele morena clara, e olhos verdes, surge com um carrinho à mão na rampa do outro lado daquela garagem.

Ela olha pra frente a procura de alguém. Eu.

É a minha mãe. Sinto uma pontada de esperança, mas ela não me vê, eu sacudo e soco a janela com a minha cabeça causando uma dor atordoante, tentando fazer com que ela me note. Por baixo do pano, eu grito com todo o meu ar:

—MÃE!!! MÃÃÃÃÃÃÃE!!! MÃÃÃÃE!!!

Posso ver os movimentos de sua boca chamando por mim, pronunciando meu nome calmamente esperando que eu surja de trás de um carro dizendo: Buuuu

Meu coração, ecoava e batia forte por dentro de meu corpo, como se ele fosse explodir ali mesmo. Olho pra frente e vejo que o Homem Lobo ainda não deu a marcha, ele apenas mantém sua mão sobre a marcha, me observando atentamente pelo retrovisor, como se ele se deliciasse com aquela cena desesperadora.

O olho nos "olhos" e digo "por favor", em meio à saliva e ao suor. Ele repara em minha mãe, ele provavelmente percebeu que ela está a minha procura. A ideia de que ele faça mal a ela também me desespera mais ainda. Puxo meus pulsos com tanta força, mas tanta, que com a potência do ódio que sinto ao pensar que ele pode ferir aos que amo, o pano se esgarça e eu consigo soltar minhas mãos, crendo que agora eu escaparia.

Tento abrir a porta do carro, mas ele ja o trancou por dentro. O botão para abrir e na frente. Ele nota que estou solta e tenta se virar, mas eu pulo no banco da frente tentando alcançar o botão que fica do outro lado. Com tanta algazarra, a buzina é apertada inúmeras vezes, chamando finalmente a atenção de minha mãe que já me procura a 3 minutos. Ela se vira para o carro e me olha nos olhos, direto no retrovisor, vendo que estou presa ali, ela tenta correr para mim, mas o Homem Lobo pisa no acelerador e sai voando pelo estacionamento. Olho para trás berrando pela minha mãe que berra meu nome desesperada:

—MEL!!! MEEEEL!

Sinto o desgosto junto ao bile em minha boca. Então, a última coisa que vejo, é o carro se afastando, enquanto minha mãe corre atrás do carro, chorando e gritando por ajuda, tentando me ajudar, tento faze-lo parar de alguma forma, mas então ele agarra no me cabelo e me puxa contra o painel do carro, fazendo com que minha cabeça de uma pancada tão forte, mas tão forte, que eu apago na mesma hora num desmaio profundo.

             ~Flashback off~

Minha mão sobe para minha cabeça procurando a cicatriz que se formara ali pelo péssimo ponto que eu mesma tentei dar após recobrar a consciência. Ainda lembro-me da infecção que peguei com aquela abertura. Ainda recordo-me do calor da febre, das noites acordadas pela latejante dor de cabeça ou o infindável enjoo.

Aquela cena me leva para outro mundo fazendo-me lamentar tudo o que estava passando. Fico tão atordoada e distraída naquele ódio enorme, que levo um susto enorme quando a porta do banheiro é aberta com brutalidade.

Um grito escapa de minha garganta pedindo socorro enquanto tenho a certeza de que ele me achou e está pronto para me levar consigo de novo. Eu grito e grito até não poder mais, comprimindo os olhos com força para não ver aquela máscara de novo, mas então uma voz feminina se faz escutar mais alta que a minha:

—OU! OU! OU! QUE GRITARIA É ESSA?! - Abro os olhos, ofegante, com um arranho na garganta e o coração batendo mais forte. Vejo um homem, já idoso, de muitos fios brancos e grisalhos, com as marcas de expressão ressaltadas. As sobrancelhas arqueadas como se tentasse entender o que se passava ali, junto aos olhos arregalados que me encaravam nervosos. Ele usa uma calça de moletom cinza, junto a uma blusa larga e surrada branca, com um casaco cinza por cima. Ele anda encurvado, com uma espécie de boina na cabeça.

O olho desesperada, ainda chorando e num estado horrível, então sua expressão raivosa se esvai num olhar preocupante.

—Está, está tudo bem com você?- Ele pergunta realmente preocupada comigo.

Eu não respondo, apenas urro dentro de mim com a falta de ar e o medo que aquilo me causou.

—Qual seu nome?! E... E o que faz aqui dentro do banheiro? Venha! Deixe-me lhe ajudar!

Ele não estende a mão para mim, mas se chega e segura em meus ombros como se pedisse gentilmente para que eu me pusesse de pé. O olho sem reação ou expressão, com medo de tudo e todos. Ele me tira de dentro da cabine me leva à pia para que eu lave meu rosto.

Deixo a água morna, relaxar os músculos de minha face, e aliviar toda a tensão ali presente. Prefiro não secar meu rosto, apenas deixo-o pingando passando as costas de minhas mãos para retirar o excesso.

—Shh! Venha, este banheiro é desconfortável demais até para chorar! 

Com uma voz doce e acolhedora, o velhinho grisalho de aparentemente uns 70 anos, tenta me acalmar de um jeito meigo. Gostaria de retribui-lo com um sorriso, mas era como se meu rosto fosse por inteiro feito de botox e não pudesse se mover.

Ele vai me segurando pelos ombros se certificando de que eu não cairei pelo caminho tropeçando em mim mesma. Andamos bem devagar, não só por mim, mas por ele que anda com certa dificuldade. Viramos em uma sala com uma placa escrita secretaria. Não consigo ver o nome posto ao lado da palavra, imagino se ele estaria me levando para ver alguma coordenadora que pediria o nome da minha mãe para ligar para a mesma.

Ele me ajuda a sentar sobre o sofá de couro cor de vinho que tem no canto direito da sua sala, que é repleta por estantes que vão do chão ao teto, cheias dê variados livros. Não só de pedagogia mas de todos os assuntos possíveis. No chão um tapete branco, cheio de flores feitas à mão, já que máquina alguma seria capaz de tamanha perfeição em tantos detalhes. Sob a mesa, com o computador e vários cadernos e uma luminária, um jarro com uma roseira dava vida ao ambiente. No quadro ao lado do sofá, um barco, em direção ao horizonte.

—Está confortável?- Ele pergunta com um tom adocicado. Balanço a cabeça em positivo, encolhida em mim mesma, observando a sala sob os cantos dos olhos já que não quero levantar a cabeça.

Ele sorri pra mim com uma certa dúvida do que deve fazer. Então rapidamente pega um copo d'agua e me entrega, com uma expressão compreensiva. Ele se senta ao meu lado olhando para frente, o que me deixa mais a vontade. Odeio que me encarem.

—Sabe... As vezes nos envergonhamos pelas lágrimas que deixamos cair. Nos achamos fúteis a ponto de chorar por tal motivo, e pior... Temos medo de ferir alguém ao deixar que essas pequenas gotas caiam, quando na verdade, quem mais precisa de ajuda somos nós mesmos! Nos preocupamos com os outros e guardamos tudo dentro de nós até que um dia... Explodimos!

Aquelas palavras saem de sua boca e alcançam meus ouvidos sem acreditar. Era como se ele soubesse tudo que se passava, tudo que eu sentia.

—Melanie... -Digo e ele vira a cabeça rapidamente como se não acreditasse.
—Como?!
—Meu nome... É Mel...
—Muito prazer, Mel! Eu sou o senhor Olaf! Mas pode me chamar como os que eu gosto! Vô!

Consigo de um modo forçado, dar um pequeno sorriso.

—Sabe, Mel, não nos conhecemos muito bem, mas sei que deve ter um grande motivo para tantas lágrimas! A última vez que chorei tanto assim, foi quando recebi um fora de uma garota que gostava na 9ª série! -Ele ri e eu começo a assemelha-lo com o Ebenezer Scrooge, de os fantasmas de Scrooge. A versão boa dele.

Fico quieta tomando mais um gole daquele copo d'água. E ele continua tentando puxar assunto:

—Terminou com seu namorado? - Ele pergunta curioso, não pela resposta, mas para saber se deu um palpite certo.

Nego com a cabeça enxugando os lábios com as mãos.

—Sua mãe te proibiu de ir para alguma festa?

Nego mais uma vez e aquelas perguntas doem em mim. Pois são motivos tão bons, feitos para uma adolescente, coisas as quais nunca passei, e se passei, não me recordo. Deixo mais uma lágrima escorrer ao pensar nisso e ele percebe ficando super mal consigo mesmo.

—Ah! Me desculpe! Foi alguma coisa que eu disse? - Ele se levanta e puxa uma cadeira sentando-se na minha frente. - Ora menina bonita, não chore! Assim eu fico mal! - Ele falando me faz rir, e pela primeira vez eu rio de verdade. Ele parece contente por ter me feito rir, então continua. Observo as rugas em sua face e o vejo como um bom velhinho.
—O senhor...
—Vô! Me chame de Vô!
—Vô... Será que se importa de guardar um segredo?!
—De forma alguma! Conte-me, o que está havendo!

Respiro fundo, e começo a me abrir para ele. As únicas pessoas que sabem disso são a minha família e meus médicos. Todos me tratam com pena, tenho que contar isso pra alguém.

—E agora estou aqui... - Digo sem lágrimas nos olhos. Acho que porque eu não mencionei os detalhes. Fui direta.
—Uow! Admito que esperava que você me contasse que descobriu que está grávida e que o pai da criança não queria assumir. Bem, normalmente são esses os motivos os quais as pessoas estão sentadas chorando no banheiro. Enfim... Por que não olha pelo lado bom? Você não terá que acordar no meio da noite para amamentar!

Ele fala e me faz rir. É o primeiro cara que leva toda essa história como brincadeira. Claro que é tudo muito trágico. Mas eu já sofri demais. Não quero as pessoas rindo do que eu passei, mas também odeio quando me olham com pena e confusão sem saber qual palavra dizer em seguida.

Rio do que ele fala e seco as lágrimas rapidamente. Ele sorri para mim tentando compreender o meu lado.

—Sabe... Eu não pensei que um dia contaria isso para alguém. Normalmente quem faz é minha mãe, ela acha que será doloroso demais para mim contar. Realmente, não é a melhor sensação do mundo lembrar daquele dia, mas ter que ocultar isso de todos, e guardar a dor somente para mim, é pior ainda. Tenho que tomar cuidado com o que dizer e como dizer, pois conforme vou me aproximando de alguém, mais perguntas vão surgindo, até que eles comçeam a perguntar coisas do meu passado, e eu não tenho como responder. E então eles descobrem da pior forma possível! - Dou uma pausa para respirar botando para fora todas aquelas palavras entaladas em mim. - Lhe contando dessa forma, eu estou preparada, pronta para desabafar, mas quando eu sinto que falei o que não devia, ou quando percebo que não sei qual a minha cor favorita ou qual meu desenho favorito de quando eu era criança, eu não consigo me segurar, eu não estou preparada para essa sensação de estar perdida, de não me conhecer, de ter perdido 18 anos da minha vida!
—Mel, sei que já ouviu isso de muitos, mas eu realmente sinto muito. - Ele fala com uma expressão moada, um rosto triste, e tenho vontade de aperta-lo por ser um idoso tão fofo.
—Na verdade eu não ouço muito coisas como essa... As pessoas não costumam se importar comigo... Elas se preocupam mais em satisfazer suas curiosidades sobre como foi, o que aconteceu, quanto tempo, etc.
—Não quero ser hipócrita e dizer que te entendo, pois a verdade é que não faço ideia do quão ruim foi isso, do quão traumático e estressante foram esses últimos 4 anos pra você! Mas imagino o quão está sendo difícil agora... Com sua família, seus amigos...
—Não tenho amigos, mas a minha família compensa todo esse estresse. É horrível! Eu os amo muito, e aprecio tudo o que estão fazendo por mim desde que me encontraram e principalmente por nunca terem desistido de me achar. Mas, ter que tomar cuidado com cada palavra, cada frase, cada sentimento que expressarei, tudo para não machuca-los. Eu não ligo para minha dor, mas ter que ver a expressão de inconformação, saber que eles também perderam parte de suas vidas perfeitas por minha causa, só faz eu me sentir pior ainda.
—Você percebe o que está dizendo, Melanie? Você não liga para sua dor, quando ela é a que mais importa. É a sua ferida que devemos curar, os seus pais irão melhorar com o tempo, mas é com você que têm que ter cuidado, para que esse trauma ao menos diminua. Compreende? - Ele fala e então com uma voz doce e a mão fria sobre a minha, ele diz: - Poderá sempre contar comigo Melanie, seremos bons amigos, e sempre que quiser desabafar com alguém, e por pra fora o que está sentindo, seja sobre tudo isso ou até mesmo sobre estar irritada quando quiser uma vitamina de morango e só tiver de manga! Ou quem sabe, se estiver grávida e o pai da criança não quiser assumir! Ok, Mel?
—Ok, vô

Ele fala e eu começo a rir tanto de sua piada mas também por estar tão feliz por finalmente ter feito um amigo de verdade, algo que eu com certeza não tinha a 4 anos atrás. Como eu sei? Simples, eu não seria capaz de esquecer pessoas tão boas assim.


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Notas finais do capítulo

Oiee povo!!
Então espero que estejam gostando de Sequestrada! Mil perdões pela IMENSA demora, mas espero que gostem



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