Anais de Tëmallön; Os Livros Sagrados escrita por P B Souza


Capítulo 25
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Mais um saído do forno.
Espero que gostem!!



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Alek não tornou a ver Lady Skylar naquele dia, mas durante a noite recebeu uma carta de Gÿrvanza, chamando-o para a torre de vigia ao lado dos Jardins de Efreanon.

Quando foi se deitar, Alek adormeceu pensando em tudo que estava fazendo. Sua família cada dia melhor, não faltava dinheiro e ele não precisava se conter, podia ser real para si mesmo e finalmente estava aprendendo o que sempre quis; magia. Sentia-se receoso às vezes, mas nunca sentiu o ímpeto das trevas, nunca sentiu que perdia o controle.

Depois dos treinos quando os músculos descansavam ele conseguia sentir a dor no corpo que durante o dia ignorava, e deitado com os olhos fechados meditava, visualizava o véu ao seu redor e abraçava-o, ninguém o ensinara a fazer aquilo, mas ele estava aprendendo mesmo assim, sozinho. O véu é o que existe, existiu e existirá. Pensava, deixando a energia fluir, era como se renovar de dentro para fora. Quando acordava no dia seguinte, até mesmo as escoriações haviam desaparecido.

Alek se arrumou de forma simples, com botas e um colete de algodão grosso. Lá fora garoava, então pegou o guarda-chuva, feito com tiras de couro triangulares em uma armação de ripas de madeira, a mesma usada em arcos. O aparato pesava quase dois quilos, mas protegia-o bem da água. Saiu de casa enquanto Inara e Tessara batia boca sobre quem comeria os últimos pães de queijo do desjejum. Sua mãe, nestas discussões bestas, se ausentava.

As ruas estavam quase vazias, e poucas eram as pessoas usando guarda-chuvas, a maioria ainda preferia adotar uma capa de couro com capuz. Alek caminhou pela via de paralelepípedos até os jardins, atravessando os corredores floridos deste até a torre de vigia. Havia um guarda do Pilar e um guarda Turmano na entrada da torre.

— Vim para vir Lorde Gÿrvanza. — Disse para o guarda da Ordem dos Turmanos.

O guarda de preto, do Pilar, ignorou Alek. O guarda dos Turmanos abriu passagem para ele.

Subiu a torre pelas escadas, havia apenas um elevador de carga com contrapesos e roldanas, que parecia ser movido por tração ou humana ou animal. Alek percebeu que aquela torre, embora reformada por fora, por dentro revelava ser antiga. Os tijolos estavam descascados e se desfazendo em pó, havia buracos nas paredes, cobertos com massa. Remendos na estrutura com madeiras já podres e outras novas. O cheiro era de mofo e o local úmido, Alek reparou que as paredes deixavam a umidade da chuva passar pelos tijolos velhos.

Quando chegou no topo, viu um chão de madeira ressecado e cheio de marcas. As paredes tinham molduras de quadros, mas sem pinturas, havia duas mesas e algumas prateleiras vazias além de um balcão com vista do Pilar, e consequentemente de toda Tëmallön.

— O rei dos Reis tem essa visão? — Alek perguntou, olhando para o reino, o maior e único reino. Uma mentira. Se Gÿrvanza estivesse certo, eles poderiam ser o maior, mas não eram os últimos, quão menos o único reino.

— A torre mais baixa do palácio é mais alta que esta. — Gÿrvanza respondeu. — Como está?

— Bem, cansado dos treinos. Por sorte hoje vim aqui.

— Tomiam reclamou de você, disse que o viu conversando com Lady Skylar. — Gÿrvanza lançou. — Devo me preocupar?

— Com ele? Talvez. Tomiam às vezes... — Alek pareceu escolher as palavras enquanto retornava do balcão. Gÿrvanza tinha nas mãos o dorrem. — Ele é ciumento, possessivo demais.

— Nunca o ensinei a perder e a mãe dele nunca o ensinou nada! — Gÿrvanza respondeu. — É um bom amigo para ele, Alek. Mas ele é meu filho antes de ser seu amigo. E Lady Skylar, nessa história, é o quê?

— Alguém que precisa de ajuda. Quando for hora lhe direi sobre ela. — Alek garantiu. — Até lá fique fora da minha mente. — Pediu tentando não soar grosseiro, mas sabia que Gÿrvanza não podia sequer se controlar, já tão viciado em suas próprias habilidades, conversava com as pessoas olhando para dentro dos olhos delas, procurando a verdade que os lábios não diziam, lendo suas mentes. Se eu não pensar, ele não pode ler. Alek considerava enquanto ia até o Dorrem. — Acho que vou começar a escrever um. Estou começando a canalizar o véu, para curar as feridas dos treinos. Acha que já tem em algum livro?

— Magia de cura é algo antigo. Nem mesmo precisa estar em um livro. — Gÿrvanza garantiu. — Venha cá, te chamei para que visse algo digno de ser anotado. Inclusive, é exatamente isso que estou procurando.

Gÿrvanza deixou o dorrem, fechado, em cima de uma das mesas, arregaçou as mangas de seu colete e olhou para Alek.

— Faz umas semanas que consegui ler parte do Dorrem do Rei dos Reis. Cedric me mostrou em uma reunião. Eu busquei algum uso para aquilo, no meu e no seu Dorrem também, mas não parecia funcionar, então conversei com alguns magos da Ordem de Hasgyz, o Dorrem que eu procuro foi queimado, estou tendo que aprender sozinho, redescobrir uma magia antiga que só sabemos rumores a respeito, mas os resultados foram excepcionais dado o curto tempo.

— E essa magia...

Alek foi deixando a voz morrer e Gÿrvanza sorriu, apontando para um vaso aonde havia cabos ressecados de flores há muito mortas.

Ele ergueu o braço com a palma estendida, e Alek viu uma bolha transparente surgir ao redor do vaso, passando por dentro da madeira da mesa até a parte debaixo, como um domo translucido, era como olhar por água.

Então Gÿrvanza fechou os dedos lentamente. Alek sentiu um calafrio, recuou um passo e olhou para Gÿrvanza, que tinha os olhos fechados. Ele começou a girar o pulso lentamente e Alek lançou o olhar para o vaso, as flores, antes mortas, estavam rejuvenescendo, ganhando cores, as pétalas desfeitas viravam pétalas mortas caídas na mesa e depois subiam da mesa ao cabo verde da planta, grudavam-se à planta e ganhavam cores vivas, uma abelha surgiu, do nada, e pousou no coração da flor, então uma mão apareceu dentro do domo, retirando o vaso dali. Alek percebeu que conseguia ver tudo dentro do domo translucido, então girou ao redor da mesa, olhando para o cenário por dentro do domo. Do lado de fora via apenas o salão, mas olhando por dentro do domo translucido podia ver quatro homens na mesa ao lado, eles estavam sentados conversando, parecia... Então a imagem sumia conforme Gÿrvanza girava o pulso.

Outra surgiu, era um guarda arrastando uma menina até ali, a violando. E então de novo, um homem se jogando do parapeito do balcão. Cada vez uma história, cada vez que o pulso girava o tempo passava, retornava, ao passado.

E então ele deixou de olhar o domo, ergueu a cabeça para Gÿrvanza, os olhos do homem estavam abertos, completamente brancos e uma gota de sangue escorria pelo nariz até os lábios, passando pelo bigode que ele precisava aparar.

Quando soltou o feitiço, o domo translucido se desfez, o vaso estava ali, a planta estava morta, e todas as histórias eram história. Gÿrvanza caiu de joelhos, as mãos foram ao chão, de quatro, cuspiu sangue, arfava e engasgava-se no próprio sangue.

— Aprendeu a voltar no tempo. — Alek indagou, estupefato.

O homem se recompôs lentamente, sentou-se em uma cadeira e então, após tomar folego, olhou para Alek e disse;

— Não, posso olhar dentro do tempo, mas ainda não posso fazê-lo voltar.

— Ainda?

— Preciso saber aonde os Carza queimaram o Dorrem, então vou poder fazer o tempo voltar ali, ver aonde aquele livro foi, e seguir seus rastros no tempo até conseguir ler seu conteúdo.

— Você consegue voltar até quando? Quanto tempo no passado? — Alek perguntou. — E a que custo? Se for depender de alguém abrir o livro no passado poderá ter que voltar dezenas de ciclos...

— Voltarei até o mago que escreveu o livro se preciso for.

— Qual o uso disso? — Alek ponderou. Pensou então em seu pai, como era um homem distinto, que usava magia, mas nunca sem necessidade. Pensou em Gÿrvanza e na sede por magia que o homem tinha. O objetivo dos dois podia ser o mesmo, mas Gÿrvanza era um perigo para si mesmo. — Digo...

— Qual o uso? — Gÿrvanza rebateu com deboche. — Eu já lhe disse dos perigos que corremos, Alek. Se voltar no tempo não lhe soa como uma ferramenta que pode salvar nossas vidas...

— Salvar vidas, ou tirá-las. — Alek disparou. — O véu nos permite tudo, mas nem tudo devemos fazer. Mudar o tempo, você poderia impedir que pessoas nasçam, pode matar seus inimigos antes deles crescerem, e não há ninguém para controlar...

— Eu sei o que você pensou. — Gÿrvanza interrompeu Alek. — Eu vi nos seus olhos, e você teme com bons motivos, sabe também que essa magia não se perdeu à toa. Os Carza temiam a possibilidade de um mago poder viajar no tempo, você também teme, mas só de pensar que é possível...

— Eu não faria mesmo se pudesse!

— Se o salvasse nunca precisaria fazer, isso aqui nunca ocorreria. Sabe disso, não?

— Gÿrvanza... — Alek virou a cara, os olhos cheios de lágrimas. Visualizou seu pai, como no dia em que fora embora. — Chega!

Encarou o líder da ordem dos Turmanos, viu a ganancia exacerbada, a sede por poder descabida. Então começou a andar rumo às escadas, mas o guarda que lhe havia deixado entrar surgiu.

— Senhor. — Chamou por Gÿrvanza. Alek parou entre os dois. O homem olhou para o guarda e Alek olhou para o chão, os olhos ainda lacrimejando. — Arsal está pedindo uma reunião de emergência com Mandeas. Para declarar guerra contra o reino de Alnia-Saed.

Gÿrvanza olhou para o balcão, espantado.

— O Sábio Arsal? — Alek perguntou, igualmente chocado com aquela possibilidade. Arsal era o líder da Ordem de Hasgyz, e  a última vez que os Hasgyz estavam em guerra declarada... Alek sequer se lembrava. Magos da Ordem não entram em guerra, não usamos magias de ataque.

— Obrigado. — Gÿrvanza disse ao guarda, que anuiu e desceu as escadas. Então olhou para Alek. — Diferenças de lado, Alek. Vamos ao palácio.


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