Atena tinha nove anos, cachos loiros presos em uma trança, e olhos cinzentos que brilhavam em desafio. Estava sempre com roupas claras; leggings brancas e uma malha rosa muito grande para ela eram suas favoritas, e já começava a criar o hábito de guardar o lápis atrás da orelha entre as aulas.

Poseidon tinha onze anos e às vezes fugia da escola para ir a praia. Alguns professores o rotulavam de problema; talvez pelos olhos verdes muito selvagens, talvez pela impulsividade, talvez pelo completo desinteresse pelas questões acadêmicas.

Elevator buttons and morning air

Strangers' silence makes me wanna take the stairs

If you were here we'd laugh about their vacant stares

But right now my time is theirs

Aos treze anos, Atena gostava de lápis bem apontados, matemática, e aquarela. Fugia de casa perto do fim do dia para pintar o pôr-do-sol na praia, e talvez seus desenhos não fossem assim tão bons, mas não havia nada que ela amasse mais. Começava a perceber que não se misturava bem com as pessoas de sua escola, e aos poucos passava a preferir um livro a uma conversa (exceto com os professores; ninguém era tão interessante quando um professor, ela julgava).

Poseidon começava a ser pressionado com perguntas sobre futuro e faculdade, e, com quinze anos, não achava realmente que já precisasse se preocupar com tudo isso. Nenhum curso realmente o atraía, suas notas certamente não chamariam a atenção de universidade alguma, e ele preferia passar seu tempo livre no mar. Descobrira que amava surfar mais do que amava nadar, que era muito bom nisso, e que talvez quisesse uma tatuagem.

Seems like there's always someone who disapproves

They'll judge it like they know about me and you

And the verdict comes from those with nothing else to do

The jury's out, but my choice is you

No penúltimo ano do ensino médio, Atena começava a achar que era um problema real não conseguir se decidir entre arquitetura e artes. Sentia que tudo o que fazia era uma bagunça; seu quarto tinha tantos livros e cadernos abertos sobre a escrivaninha que ela tinha dificuldade em achar o que precisava, roupas jogadas ao chão, cavaletes com quadros que eram cada vez mais bonitos, mas nunca tranquilizantes. Suas únicas constantes eram a edição especial de Orgulho e Preconceito que mantinha na mesa de cabeceira e os passeios semanais na praia.

Poseidon tivera a felicidade de ser aceito em diversas universidades, nem que apenas por seu desempenho como capitão da equipe de natação da escola, e a infelicidade de ter optado por um ano de descanso em casa. Ou era o que lhe diziam; ele tinha cada vez mais certeza que não seriam assim tão ruim passar a vida trabalhando no balcão da lanchonete no limiar da praia, surfando nas horas vagas — ou talvez, mais para frente, ele fizesse um curso de primeiros socorros para garantir para si a cadeira de salva-vidas e se tornar o estereótipo que sua família já acreditava que era. Por hora, no entanto, estava satisfeito em aproveitar os pequenos detalhes da lanchonete: o garoto loiro que sempre tinha pelo menos um fone de ouvido tocando e as mãos dadas com uma ruiva de nariz empinado; a menina loira que todo fim de semana se escondia atrás de uma montanha de livros e cadernos e pedia chocolate quente no frio, chá gelado no calor; e sua namorada, é claro, que gostava de aparecer fingindo ser apenas mais uma cliente só para deixar seu dia mais divertido.

So don't you worry your pretty little mind

People throw rocks at things that shine

And life makes love look hard

The stakes are high, the water's rough

But this love is ours

Cursar duas faculdades ao mesmo tempo era sem dúvidas um desafio e, depois de seu segundo ano, as férias de verão foram um alívio maior do que Atena esperava. Ao voltar para sua cidade natal, ela se pegou pensando com carinho sobre como sua vida havia sido oito anos antes, quando ela podia se sentar na areia ainda quentinha ao pôr-do-sol e tentar reproduzir as ondas do mar em uma folha de papel. Mas olhava em volta e não reconhecia ninguém; o mundo onde ela passara a infância não existia mais. Entrou na lanchonete, mergulhada em nostalgia, e sorriu um pouco ao perceber que reconhecia aqueles cabelos escuros tão rebeldes e o brilho daqueles olhos verdes.

O dia fora tão parado — a calmaria antes da tempestade que seria o verão — que Poseidon estivera seriamente contemplando fechar a lanchonete mais cedo quando o sino tocou para anunciar um cliente entrando. Ele se voltou para a porta com um sorriso já sincero apenas pelo conforto do contato com outra pessoa, quem quer que fosse. Se surpreendeu não pelo rosto conhecido, e sim por ser um rosto que não via há muito tempo. Ela claramente não era mais uma adolescente imersa em estudos, mas uma mulher adulta. Os cabelos dourados continuavam cacheados e gloriosamente bagunçados pelo vento, no entanto, e a blusa de alcinhas ainda era daquele tom de rosa muito claro.

Poseidon olhou de relance para o sol quente que brilhava lá fora.  "Chá gelado?"

You never know what people have up their sleeves

Ghosts from your past gonna jump out at me

Lurking in the shadows with their lip gloss smiles

But I don't care 'cause right now you're mine

Atena foi descobrindo, aos poucos, sobre como se encantava por coisas que nunca imaginara — ou admitira — que pudesse gostar. Passar tardes inteiras sentada em uma lanchonete com um livro em uma mão e um chá gelado a sua frente dificilmente era novidade, mas ela nunca tivera o costume de se sentar nos bancos altos junto ao balcão, nem de rir dos comentários espertos que o homem atrás dele fazia para ela sempre que tinha uma oportunidade. E o que mais a surpreendia era como não conseguia evitar desviar os olhos de seu livro para observá-lo atender outros clientes, como se sentia tão fascinada pelo comecinho de uma tatuagem em seus braços musculosos que aparecia por baixo da manga curta de sua camisa, como seu olhar sempre descia um pouco quando ele lhe dava as costas.

Poseidon nunca imaginara que alguém pudesse lhe fazer sentir vontade de dar mais uma chance aos clássicos que tanto odiara na escola sem nem mesmo falar sobre eles. Ele sabia que os brilho nos olhos cinzentos e as bochechas rosadas pouco tinham relação com o livro que ela carregava nas mãos, mas às vezes Atena se prendia às palavras também, e obviamente se fascinava. Ele tinha vontade de se aproximar com um comentário baixo apenas para vê-la morder o lábio inferior para conter um sorriso e erguer o rosto corado, porém nem sempre conseguia se desvencilhar da visão que era ela imersa em uma história.

And you'll say

Don't you worry your pretty little mind

People throw rocks at things that shine

And life makes love look hard

The stakes are high, the water's rough

But this love is ours

As pessoas deixavam a praia ao pôr-do-sol, mas o calor não fugia do escuro, então Atena andava descalça para sentir as ondas quebrarem sobre seus tornozelos. Poseidon a acompanhava sem sapatos e sem camisa, e Atena olhava para ele pelo canto dos olhos enquanto falava sobre a vida na universidade, sobre seus planos para o futuro, sobre os quadros que pintava, e até mesmo sobre aquele caos dentro de si que ainda não conseguira afastar.

Poseidon ouvia tudo pacientemente, e se sentia privilegiado por entender que Atena não se abria assim para qualquer um. Quando ela admitiu sua maior insegurança, ele ergueu uma mão para afastar uma mecha dourada de seu rosto e prendê-la atrás de sua orelha, e prometeu a Atena que não havia nada de errado com ela, e que ele entendia. Foi ela quem lhe ofereceu um sorriso fraco e ergueu o rosto para o beijar, no entanto.

And it's not theirs to speculate

If it's wrong and

Your hands are tough

But they are where mine belong and

I'll fight their doubt and give you faith

With this song for you

Atena nunca se sentira tão nervosa quanto quando apresentou Poseidon a seus pais pela primeira vez. Não porque tivesse qualquer dúvida sobre o que sentia por ele — era possível ter dúvidas quanto a isso? Atena considerava aquela sua única certeza, e sua única constante, — mas porque sabia que ele não era nada como o homem que seus pais iriam querer para ela, nada como o parceiro que ela imaginara que teria.

O maior motivo para o desconforto de Poseidon com o olhar que o pai de Atena lhe dera ao ver suas tatuagens e ouvir sobre sua vida veio do fato de ser um olhar tão semelhante ao que recebera tantas vezes de sua própria família. Mas ele não perdeu tempo se preocupando com aquilo, não quanto tinha Atena ao seu lado, com o cabelo preso em um coque que era mantido no lugar por um lápis grafite e os olhos cinzentos tempestuosos declarando que estaria disposta a entrar em guerra contra seus pais por nada mais que ele.

'Cause I love the gap between your teeth

And I love the riddles that you speak

And any snide remarks from my father about your tattoos will be ignored

'Cause my heart is yours

A pele de Poseidon era quente sob os dedos de Atena quando ela correu as mãos por seu torso despido. Enganchou um dedo na cintura de seus jeans, e ergueu o rosto para encarar aqueles olhos verdes que a olhavam como se ela fosse a única pessoa no universo.

Poseidon correu o polegar sobre o lábio inferior de Atena, mal podendo se controlar. Quando ela a beijou, no entanto, talvez fosse com mais intensidade ainda.

So don't you worry your pretty little mind

People throw rocks at things that shine

And life makes love look hard

Don't you worry your pretty little mind

People throw rocks at things that shine

But they can't take what's ours

They can't take what's ours

Atena tinha vinte e cinco anos, cachos loiros muito bagunçados, e um pincel preso atrás da orelha. Ela mordeu o lábio inferior para conter seu sorriso quando ele se ajoelhou diante a ela, sentindo as bochechas corando quentes.

Poseidon tinha vinte e sete anos e olhos verdes selvagens, e escolhera a aliança de ouro vermelho sem hesitação. Não por impulsividade, mas por saber o que queria, e por conhecer bem quem mais amava.

The stakes are high, the water's rough

But this love is ours