Meetings At Midnight escrita por Yokichan


Capítulo 9
IX - Cristal Partido


Notas iniciais do capítulo

Ok, agora a tragéia começa. q
Penúltimo capítulo, bgs. ;*



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“E eu quebrei todas as promessas que te fiz.”

 

 

 

         Magicamente, eu havia me tornado uma pessoa com coragem. É difícil explicar a dimensão da litúrgica mudança que você havia promovido dentro de mim após aquela noite, é quase impossível. Absorta em meus pitorescos sonhos de cristal, eu realmente senti que seria capaz de mudar tudo a partir daquele momento. Oh lágrimas, agora não. Entusiásticas e destemidas ondas quebravam nas paredes de meu coração naquela manhã, aquecendo-me, agitando-me de uma maneira que, eu tinha certeza, não era apenas um impulso fútil. Eu estava cheia daquele sentimento quente que nós aprendemos a chamar de amor.

 

 

Nosso errático e doce amor.

 

 

         Eu iria jogar alguns livros dentro da mochila – meus inseparáveis romances –, afundar a boina colorida na cabeça, amarrar meus tênis, e correr para perto de você. Eu estava pronta para abandonar o que não era compatível comigo, o que nunca fora. Corajosamente, eu havia me desprendido de minhas próprias e voluntárias amarras. Sim, eu estava sendo movida por aquele amor, e alimentar-me dele eu ia, contrariando todos os envergados e senis preceitos. Por que eu não poderia escolher uma vida ao seu lado? Por que eu sempre acreditei que sua estranha estabilidade não poderia se encaixar a mim? Agora, tudo parecia claro e simples. Eu deitaria na sombra da tarde com você, e assim que pudéssemos, iríamos para algum lugar bem longe. Um lugar só nosso. Nosso filho se chamaria Devon, irremediavelmente. Finalmente, eu estava pronta pra você, amor.

 

 

Adeus, medos. Eu estou indo agora.

 

 

         E quando a meia noite chegou, eu voei para lhe encontrar. Apertado entre meus braços cruzados e meu cálido peito, estava o terno presente que eu há alguns meses gostaria de lhe dar – mas você era diligente demais para aceitá-lo.

         A sala adormecia na penumbra, mas seus olhos noturnos estavam ali, cintilando na minha direção. Era incrível como você se mesclava graciosamente ao escuro, e eu adorava aquela sua lugubridade. Depositado assimetricamente ao sofá, parcialmente iluminado pela luz da televisão, você fitou minha mão esquerda e sorriu, do mesmo modo como sorrira na noite de nosso risível casamento. Oh, minha aliança verde estava intacta ali.

 

 

Somos reais agora, você não acha?

 

 

         Energeticamente, deslizei na sua direção. Deixei seu presente sobre a televisão e saltei até você, aninhando-me confortavelmente no aconchego de seus braços. Você apertou-me com saudade, eu lhe beijei ofegante.

 

- Eu tenho novidades. – anunciei sorridente, pendurada ao seu pescoço.

 

- Seu pai não aprovou nosso casamento e está vindo me matar? – você riu.

 

- Não! – gargalhei, para então lhe fitar. – Eu vou ficar aqui.

 

- Como assim? – você arqueou as sobrancelhas e me analisou, curioso.

 

- Eu estou largando aquela vida pra ficar com você. – revelei, decidida.

 

- Você quer dizer que..? – eu podia perceber a incredulidade em seu olhar.

 

- É. – assenti, orgulhosa. – Eu quero morar aqui, em algum lugar com você. Não que eu esteja me convidando pra passar férias na sua casa, não. – sorri. – Estou dizendo que vou procurar um lugar pra ficar aqui por perto, até que você resolva sua vida. – esclareci, brincando sutilmente com seu cabelo.

 

- E ele? – você engoliu a seco. – E sua família?

 

- Isso é mais importante que tudo. Por favor, não me desencoraje. – bufei.

 

         Seus olhos ainda permaneciam presos em meu rosto, enregelados. Aquele assombro era o seu modo de absorver nossa nova realidade, eu sabia disso. Eu podia entender que você estava tentando juntar as peças, compreender que eu realmente havia dito que escolhi você, unicamente. Aquilo parecia um sonho, mais uma de nossas fantasias, mas nossos olhos estavam bem abertos.

 

 

Não estávamos vacilando, tudo era verdade.

 

 

         E então, você apenas me abraçou e me apertou contra seu corpo, demoradamente. Nada mais seria como antes, e em seu particular estado de silêncio, eu entendi que aquele era o seu momento de acreditar. Éramos vítimas da mesma esperança, da mesma emoção, e aquilo nos tornava iguais.

 

- Eu não imaginei que você faria isso. – você suspirou, aliviado.

 

- Eu também não. – sorri, repousando minha cabeça na curva de seu ombro.

 

- Você ainda sente medo? – sua voz falha resumiu-se à um sussurro.

 

- Não. – foi meu coração quem respondeu. – Agora eu tenho você.

 

- Eu cuidarei de você. Eu prometo, ok? – eu podia sentir seus olhos molhados.

 

         Eu não precisava concordar, eu não precisava dizer que acreditava naquela promessa. Você sabia, claramente, que eu estava completamente agarrada àquela certeza. Todas as minhas inseguranças, as minhas amarguras, haviam terminado com o aperto sincero de seu abraço. Estávamos dispostos a começar uma vida sem dor, sem ressentimentos, e aquilo era tudo o que importava. Sua boca tocou a minha, e as lembranças aziagas foram embora.

         No entanto, eu havia me esquecido do quão perversa eu era, mesmo que involuntariamente. Oscilando covardemente, eu machucara o seu coração diversas vezes, e estava prestes a machucar o da única pessoa inocente naquele triângulo. Ele, que mantinha seus olhos fechados para tudo. Eu havia desafiado as leis do amor, extirpado todas as verdades daquele jardim amaldiçoado e as fantasiado como mentiras. Meu crime havia sido amar além do limite entre possível e impossível, e por isso eu teria de ser punida.

 

 

Inconscientemente, eu ainda suplicava por uma absolvição.

 

 

         A porta da sala foi aberta com truculência, e um estrondo se fez quando a maçaneta chocou-se violentamente contra a parede. O breu da noite penetrou no amável calor de nosso abrigo, e com o escuro surgiu aquele que fora destinado a me castigar por meu imperdoável e doce pecado. Oculto dentro de sua roupa descompostamente preta, o desconhecido protegia seu rosto com uma meia elástica enquanto ostentava perigosamente o revólver em nossa direção. Oh! Então seria daquela maneira que eu ira pagar por meus titubeios?

         Você ergueu-se imediatamente, com austera perturbação, e eu mecanicamente repeti seu movimento. Sua mão logo alcançou a minha, mantendo-me forçadamente às suas costas. Mesmo quando a sentença seria minha, você docemente tentava me proteger.

 

- O que você quer? – você perguntou, rígido.

 

- Deitem no chão e calem a boca! – o homem ordenou, chacoalhando a arma diante de seu rosto pálido.

 

- Não! – desesperada em perceber que você era o alvo, eu lancei-me à sua frente. – Pare com isso! – gritei, nervosa.

 

- Fique quieta! – você grunhiu, pegando-me pelo braço e empurrando-me na direção do sofá. – Cara, pegue o que você quiser, mas deixe que ela vá embora, ok? – você tentou, forçando uma calma inverossímil.

 

- Eu mandei deitarem e calarem a boca! Mais uma graçinha e eu mato vocês dois! – agora o desconhecido estava berrando, transtornado.

 

- Ei, espera. Por que você... – você insistiu, mas a negociação não foi possível.

 

- Cala a boca, droga! – e ensandecido, o homem disparou seu revólver.

 

         Caída sobre o sofá ao seu lado, eu desesperadamente percebi que tudo estava errado. Quem deveria estar com a vida por um fio era eu, e não você. Ainda assim, você havia se colocado na minha frente como um escudo impenetrável, como um invólucro protetor. No entanto, eu não deixaria que você sofresse no meu lugar, eu não permitiria que nada lhe tocasse. E quando meu carrasco puxou o gatilho, eu não hesitei em trocar de lugar com você. Num impulso cheio de coragem, em saltei do sofá e lhe empurrei para longe com todas as minhas forças. Você tombou brutalmente sobre a televisão, encontrando o chão com um gemido abafado no exato momento em que a impiedosa bala tocou meu peito, rasgando-o e abrindo caminho até o interior de meu coração. Oh, amor! Meu coração, seu coração, havia sido dilacerado.

 

 

Nenhum outro castigo seria mais apropriado para mim.

 

 

         Eu caía para encontrar o chão, o tempo parecia lento demais agora. Lucidamente, eu percebi seu olhar profundamente assombrado, cheio de um doloroso estupor. O carrasco de preto, após fazer seu trabalho, ofegou trêmulo, embasbacado com o que tinha acabado de fazer, e correu para fora, perdendo-se na noite. Enfim, minhas costas encontraram o chão atapetado e meu peito doeu como se estivesse sendo fatiado. Meu peito vermelho. O sangue manchava minha camiseta branca, gradativamente. Meu coração soluçava, chorava, mas tudo estava bem, porque você estava bem.

         Você correu desesperado até meu leito de morte, abraçou-me sobre seus joelhos fincados no chão e tremeu quando meu sangue escorreu por suas mãos. Eu queria dizer tantas coisas pra você naquele momento, eu sabia que não voltaria outra vez, mas meu tempo dispersava-se monstruosamente e meu corpo desmoronava aos poucos.

 

- Não... Não... Não... – você choramingava com o rosto desfigurado pela dor.

 

- Desculpe, amor. – sussurrei frágil, abrindo meu último sorriso triste.

 

- Por quê?! – você urrou furioso, apertando-me em seus braços. – Por que você foi fazer isso? Por que você nunca faz as coisas certas? – e os soluços vieram.

 

- Eu... – arfei lentamente. – Eu não tenho perdão, você sabe. – franzi o cenho.

 

- Isso não importa, droga! – você vociferou, fitando-me em suplício. – Eu só quero você aqui, comigo. Eu preciso que você fique. – seus olhos imploraram.

 

- Eu fui muito... Muito feliz com você. – meus olhos marejados distorciam a imagem assombrada de seu rosto. – Eu quero que você entenda que você me fez tão feliz como eu jamais havia sido. – e meu coração afogava-se.

 

- Você ainda vai ser muito feliz comigo! – sua mão ensangüentada deslizou por meu rosto. – Eu prometi que ia cuidar de você, esqueceu?

 

- Eu estou indo amor... – ofeguei profundamente. – Sinta como eu estou morrendo, e meu coração ainda é seu. – toquei sua mão e a conduzi até meu peito ferido, depositando-a sobre o rio vermelho que nascia daquele rombo.

 

- Eu não quero que você me deixe sozinho. Por favor... – você suplicou enquanto sua mão tremia em minha poça de sangue quente.

 

- Eu te amo tanto... – estremeci, enquanto tudo escurecia ao meu redor.

 

- Eu também, eu também te amo muito! – você ofegou, em convulsões.

 

- Sorria. – eu movi meus lábios, mas a voz não saiu.

 

         E forçando-se como nunca fez antes, você esticou seus lábios trêmulos num sorriso torto para mim. Seu sorriso melancólico, seu sorriso sincero. Eu apertei sua mão vermelha sobre meu peito – agora lento demais – e você retribuiu com a mesma força, prendendo meus dedos entre os seus naquele último fiapo de vida. Eu jamais poderia ter esquecido seu olhar repleto de amor quando tudo se apagou e meus olhos se fecharam, pois foi você que me guiou no escuro da morte.

 

 

Você era o escuro, e eu aprendi a amar a ausência de luz.

 

 

         Eu havia partido, para sempre. Você me apertou contra seu peito, sua menina vestida de vermelho, e gritou para que a morte viesse lhe buscar também. Foi naquele momento que você passou a odiar o mundo, meu amor.

 

 

Por que o mundo havia sido cruel conosco, e você não o perdoaria.

 

 

         Quando a polícia estacionou seus carros diante de sua casa – tarde demais, como sempre –, você encarou minha reluzente marca de sangue sobre seu tapete, encontrando o presente que eu lhe daria, se houvesse tempo. O diário respingado de vermelho onde eu escrevera sobre você durante alguns meses. Na capa, delicadamente customizada especialmente para você, havia “Midnight Love”.

 

 

 

 

“E eu espero que você consiga seguir sem mim.”


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Notas finais do capítulo

____________________
AI CHOREI. ;-;



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