Meetings At Midnight escrita por Yokichan


Capítulo 7
VII - Junho


Notas iniciais do capítulo

Minhas botas country são lindas, ok? G_G



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“As coisas estavam começando a se mover.”

 

 

 

         Naquela noite, uma espécie de neve invisível parecia cair do céu escuro. Estava absurdamente frio. Eu apertei o cachecol ao redor do pescoço e calcei minhas novas botas country por cima do jeans – aquelas botas. Durante o dia, quando eu lhe contei sobre elas, você riu zombeteiro e implorou para que eu as usasse em nosso encontro. Você devia estar se preparando para gargalhar às minhas custas, enquanto eu me preparava quase que infantilmente para receber seu sorriso. Aquilo não havia deixado de ser uma surpresa para mim.

 

 

Nunca deixaria.

 

 

         Meia noite, e docemente eu deslizei pelo espaço para lhe alcançar, num piscar de olhos. Oh, como eu havia esperado por aquele momento, odiando a repetitiva demora que os ponteiros do relógio faziam crescer. Eu odiava tudo o que nos separava, daquele sutil e paciente modo que você conhecia bem – e certamente me detestava por isso. Éramos uma combinação estranha para se entender, um vírus desconhecido debaixo da lente que analisa, o ponto cego numa estrutura cheia de falhas. Ainda assim, nosso amor podia ser bonito.

         Magicamente, eu me encontrei no degrau mais alto de sua varanda. Tudo ali fora estaria mergulhado na escuridão, se não fosse por uma graciosa fogueira à alguns metros da casa que teimava em resistir ao frio de junho. Ali, sentado sobre um gigantesco toco de lenha deitado diante do fogo, você degustava seu silêncio, encolhido debaixo do pesado casaco de golas altas. Ali estava você, lealmente à minha espera.

 

 

Eu acreditei naquilo, como se pudesse ser para sempre.

 

 

         Saltei os poucos degraus até o gramado e, movida pelo mesmo rompante de comoção que me tocava à sua presença, deslizei até você numa corrida sem obstáculos. Eu não precisava anunciar minha chegada, pois você sabia exatamente quando eu estava ali e quando eu desaparecia de suas mãos. Você apenas moveu o rosto na minha direção, e eu afundei em seus braços como um pingo de chuva que se junta ao mar. Tombamos sobre o gramado úmido e frio, recebendo confortavelmente o tênue calor da fogueira ao lado. Meu sorriso era uma lua silenciosa perdida no escuro de seu peito encasacado, enquanto sua sutil – e surpresa – risada era abafada por nossa respiração afoita. O que poderia ser melhor que aquilo, que aquele momento? Nada.

 

 

Eu era um ponto de luz em seu céu trovejante.

 

 

         Apertando-me em seus braços, você rolou comigo pelo sereno da meia noite até que seus lábios pudessem encontrar os meus e selarem nosso inexplicável encontro. Meus cabelos esparramaram-se pelo gramado gelado. Apoiado sobre um dos cotovelos, você permaneceu deitado ao meu lado, graciosamente abraçado ao meu pequeno corpo trêmulo debaixo da imensidão de diamantes a brilhar naquele teto de veludo. Nossas bocas se despediram do terno beijo, e seu olhar caiu melancolicamente sobre o meu. Um pedido de desculpas? Oh, não! Você não era o único culpado naquela história.

 

 

Nosso crime perfeito dançava nas sombras da noite.

 

 

         Toquei seu rosto com as pontas dos dedos, delicadamente deslizando-os pelo contorno pálido de sua mandíbula cerrada, de seus olhos sombreados. E então, você sorriu minimamente como se não o quisesse fazer – um enorme e lindo sorriso preso. Em resposta, eu abri especialmente para você meu inédito sorriso triste. Você sabia o que aquilo significava. “Eu te amo, e isso dói.”

         Sua testa tocou a minha, e seus olhos se fecharam por um momento. Você suspirou, deixando a ponta fria de seu nariz tocar o meu, vermelho. “Também está doendo em mim.” A deleitosa melancolia era linda. Não era, amor?

 

- Por que há uma fogueira aqui? – perguntei, arqueando as sobrancelhas.

 

- Estamos em junho. – você lembrou, sarcástico.

 

- Uaw, onde está a quadrilha? – sorri com escárnio, espiando para os lados.

 

- Não sei sobre a quadrilha, mas... – você prendeu o riso, lançando um demorado e irônico olhar às minhas botas de couro. – Que tal um casamento caipira? – e sua cabeça tombou sobre meu ombro enquanto você gargalhava.

 

- Ok, isso é country. Não caipira, entendeu? – rolei os olhos, divertindo-me.

 

- Não vejo muita diferença. – você maneou a cabeça, sorrindo zombeteiro.

 

- Mas gostei da idéia do casamento. – ressaltei, com ar profissional.

 

- Espera. Vou buscar o carrinho de mão. – e caímos em gargalhadas.

 

         Você realmente havia me feito lembrar dos casamentos caipira nas festas juninas da escola, e aquilo foi motivo suficiente para me fazer perder o controle. O velho e barbudo pai da noiva com sua espingarda de precaução, as amantes e suas pencas de filhos que sempre apareciam no crucial momento do “sim, eu aceito”, e principalmente, a noiva de batom borrado e sua entrada triunfal, com direito à um carrinho de mão coberto de fitas de tecido TNT barato. Misteriosamente, as noivas sempre se chamavam Joséfa’s, carinhosamente apelidadas de Zéfa’s. Minha irmã mais nova havia ocupado esse cargo na escola por três anos seguidos, e aquilo fazia com que minha barriga doesse. As gargalhadas precisavam ter um fim, embora eu me sentisse uma criança.

 

 

O que não era possível com você, hum?

 

 

         Respiramos fundo e deixamos que apenas os sorrisos silenciosos ocupassem seus lugares em nossos rostos. Você depositou um delicado beijo em meus lábios e permaneceu a me fitar, demoradamente. Seus olhos de ônix passeando por meu rosto corado, acariciando minha pele fria de porcelana.

 

- Feche os olhos. – você pediu, e eu prontamente obedeci.

 

- O que vai fazer? – sorri, contemplando meu escuro particular.

 

- Por que você sempre quer saber de tudo? – sua reclamação me fez rir.

 

- Não quero saber de tudo. Quero saber de você. – corrigi, audaciosa.

 

- E o que você quer saber? – eu podia ouvir o som da grama sendo torcida.

 

- Quero saber por que você me ama. – decidi, ainda de olhos fechados.

 

- Eu não sei, você não é normal, meu amor. – você riu, e eu o acompanhei.

 

- Provas. – pedi, arqueando as sobrancelhas.

 

- Você usa botas country. – seu nível de sarcasmo foi espantoso.

 

- Isso não serve. – rebati. – Me convença melhor, por favor.

 

- Você é apaixonada pelo cara que te disse coisas horríveis. – sua voz era tensa.

 

- Tudo bem. Você me diz coisas boas agora. – sorri, docemente.

 

         Aquele passado em que você foi feliz em poder pisar sobre mim havia terminado, eu não me importava mais. Você havia dito que me odiava, eu me recusei a acreditar, e ali estávamos nós. Nossa ligação superava aquilo.

         Delicadamente, você afrouxou meu cachecol e o desprendeu de meu pescoço, possibilitando que eu sentisse o toque de seus dedos sobre minha pele. Eu esperei em palpitante silêncio por seu beijo quente, por seu hálito morno, mas tudo o que recebi foi o gélido e úmido toque da grama ao redor de minha garganta. Eu me encolhi receosa, mas você apenas riu.

 

- Pode abrir os olhos agora. – e seu sorriso foi tudo o que eu vislumbrei.

 

- O que é isso? – gemi, tocando meu pescoço.

 

         Um colar feito com uma das raízes verdes do gramado. As pequenas folhas úmidas eram desconfortáveis, e eu imaginei que você houvesse me presenteado com uma gargantilha de esmeraldas. Oh sim, muito apropriado.

 

- Uaw, um colar de pérolas, querido? – sorri irônica, tateando meu presente.

 

- Agora vem o melhor. – você anunciou, pegando minha mão.

 

- Tentarei ficar calma. – assenti, fitando-o com doce sarcasmo.

 

- Meu amor, você aceita se casar comigo? – e inocentemente, eu gelei.

 

 

Você não devia brincar com meus sonhos assim.

 

 

         Se você soubesse que tudo o que eu mais queria era poder controlar nossas vidas, para que um dia estivéssemos juntos em nosso sofá novo no meio da sala coberta por caixas, contemplando nosso recém adquirido imóvel com um grande quintal e uma amoreira, você ainda trataria aquilo como uma adorável brincadeira? Não, você apenas podia perceber meus olhos ficarem molhados e minha mão começar a tremer sobre a sua. Você apenas conseguia notar os efeitos que fazia surtir em mim, mas não compreendia o processo interno das coisas. Realmente, você sabia ser assustador quando queria.

         Eu sorri docemente vencida, observando seu corpo inclinado sobre o meu, e o pequeno aro verde em seus dedos. A aliança – de grama.

 

- Sim, eu aceito. – suspirei, como a noiva caipira que você tanto queria.

 

- Sendo assim... – você sorriu, deslizando a aliança pelo meu dedo. – Eu nos considero casados.

 

- Simples assim? – arqueei as sobrancelhas, abraçando-o gentilmente.

 

- Claro. – seus braços me envolveram com elegância. – Agora, a noite de núpcias. Você está pronta? – você sussurrou, mordiscando meu pescoço.

 

- Mas já? Tão rápido? – sorri, jogando a cabeça para trás e encarando o mar de estrelas.

 

- O tempo não está do nosso lado, amor. – e de fato, nunca estava.

 

 

Mas aquela noite era especial.

 

 

         Enquanto você distribuía seus beijos por meu rosto frio e abraçava-me diante de uma fogueira que quase não mais existia, eu incrivelmente não senti como se estivesse sendo puxada de volta, como acontecera em todas as outras vezes. Não havia a força do tempo naquele momento, não havia nada que me forçasse a partir, e eu não queria parar para pensar naquilo.

         Elegantemente, você me prendeu com ternura em seus braços e nós nos erguemos do gramado úmido. Como em um sonho, eu me abracei em seu pescoço e fui carregada para dentro de sua casa, para dentro de seu quarto. Nosso quarto, agora que você era meu e eu era sua. A prova daquilo estava em meu dedo, e eu sabia que tudo estava realmente acontecendo. Eu não entendia como ainda não havia sido levada para longe de você, mas sentia que enquanto estivesse em seus braços, nada se perderia. E nada se perdeu.

 

 

 

“Porque nós continuávamos resistindo ao tempo.”


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