Meetings At Midnight escrita por Yokichan


Capítulo 6
VI - Ciúmes


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo bem real. '-'



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“Nos amamos tanto, e nos perdemos.”

 

 

 

         Eu havia tentado, tentado muito durante todo o dia. Sentada em minha grande cadeira giratória, eu fechava os olhos e me concentrava em alguma coisa desconhecida, tentando me transportar para qualquer lugar, mas nada funcionava. Patético. Eu sabia perfeitamente que aquilo não adiantaria, que eu apenas conseguiria desaparecer milagrosamente ao toque da meia noite, e que aquilo não era algo que eu pudesse controlar. De alguma forma, nada tinha explicação, mas eu continuava gostando de como as coisas aconteciam.

 

 

Porque tudo estava relacionado à você.

 

 

         Chá, mais chá. Um minuto para a meia noite. Dor de cabeça, esmigalhando meu cérebro lentamente. O presente que eu lhe daria de aniversário – se você tivesse me dito a data – adormecera no fundo da gaveta acolchoada por papéis rabiscados e canetas velhas. Eu o fitava pela fenda aberta da gaveta, e sorria melancolicamente percebendo o quão covardes éramos nós dois. Por que hesitávamos tanto diante de nossas amarras? Quatro zeros, e eu novamente deslizei pela linha que separava a realidade e o utópico.

 

 

Minha linha preferida.

 

 

         O fogo crepitava na lareira no fundo da sala, agradavelmente. Todo o resto do cômodo mergulhava na penumbra, e eu puxei para baixo as mangas de minha blusa de inverno por conta do frio. Silenciosamente, contornei o sofá e a mesa, deslizando na direção da lareira com os ombros encolhidos. E como em mais um de meus sonhos, você estava ali à minha espera. Sentado sobre o tapete felpudo diante do fogo tímido, abraçando frouxamente os joelhos, e de costas para mim, eu sabia que você havia percebido minha presença. Seus cabelos negros eram iluminados pelo clarão das chamas, assim como a lateral pálida de seu rosto que eu podia ver. Novamente, eu resfolegava de emoção.

         Cortei a distância que ainda nos separava, era Dia dos Namorados. Ajoelhei-me às suas costas e envolvi meus braços ao redor de seu pescoço, pousando delicadamente meu rosto na curva suave de sua nuca exposta. Nossos pulmões respiraram juntos, longa e demoradamente. Uma onda branda – e intensa – de amor nos tocou no mesmo instante, aliviando as feridas que acalentávamos há algum tempo. As feridas que logo voltariam a doer, profundamente.

 

- Posso me aquecer em você? – perguntei, abraçando-lhe com ternura.

 

- Eu ia fazer a mesma pergunta. – você sorriu, acariciando meus braços.

 

- Você já está quente o suficiente. Eu vim do frio. – lembrei, sorridente.

 

- E por isso não posso roubar seu calor? – você sondou, irônico.

 

- Se eu tiver algum... – dei de ombros, ainda abraçada ao seu pescoço.

 

- Tenho certeza que encontrarei alguma coisa. – é óbvio que encontraria.

 

         Você girou rapidamente o corpo para o lado e capturou-me em seus braços, trazendo-me para frente. Eu era apenas uma demolidora de corações nas mãos daquele que havia partido o meu, e o colado e o partido novamente milhares de vezes. Encolhi-me entre suas pernas, agarrando-me ao seu peito e contemplando derrotadamente seu sorriso satisfeito dançando na claridade dourada e quente do fogo. Seus olhos noturnos caíam sobre os meus, reluzentes como duas ônix bem polidas guiadas pela luz. E antes de qualquer coisa, nossos lábios se beijaram com a saudade de dois amantes separados por séculos e com a candura de duas crianças ao descobrirem o conto de fadas.

 

 

Eu desejei tantas coisas naquele momento...

 

 

         Seus braços fecharam-se em torno de meus ombros e apertaram-me delicadamente contra seu corpo, fazendo-me estremecer. Meus dedos deslizavam lentamente pelo contorno de sua mandíbula, desciam pelo pescoço quente, retornavam ao lóbulo de sua orelha e terminavam perdidos em seus cabelos. O calor da lareira nos tocava confortavelmente, e não precisávamos de mais nada além do silêncio de um pedido que talvez não se realizasse.

 

- Obrigada por estar aqui hoje. Eu não... – você murmurou, mas eu o cortei.

 

- Você não queria ficar sozinho, você me disse. – concluí. – Não sei por que você não entende que eu estou sempre com você. – sorri, timidamente.

 

- Não, você não está sempre aqui. – e seu suspiro pesado me alcançou.

 

- Você é tão materialista. – rolei os olhos, erguendo o rosto para lhe fitar.

 

- Sou realista, amor. – você sorriu, arqueando as sobrancelhas.

 

- Eu penso em você o tempo todo, isso não ajuda? – pisquei, sorridente.

 

- Não quando eu lembro com quem você está. – e seus sorriso se apagou.

 

- Não, não comece a falar disso. – bufei, afundando o rosto em seu peito.

 

- É difícil pra mim, ok? – seus braços apertaram-me. – Saber que você está lá com outro cara, e que por enquanto eu sou tão inútil que não posso fazer nada pra mudar isso. – e apertaram-me um pouco mais, agora involuntariamente.

 

- Eu prometi esperar você. – lembrei, num murmúrio abafado.

 

- Não prometeu que não vai cansar de me esperar. – você sorriu, triste.

 

- Você sabe que não. – apertei sua mão morna entre as minhas.

 

- Eu não sei de muita coisa. – você maneou a cabeça, melancólico.

 

- Não seja idiota. – suspirei, esmagando minha ponta de irritação.

 

- Eu sou um idiota mesmo, é sério. Tão idiota que vou ficar aqui me lamentando por estar te perdendo enquanto você e seu namorado... – enfim, aquela era a sua mágoa.

 

- Chega! – gritei, lhe encarando furiosamente. Meus olhos cintilavam dor.

 

- É a verdade. – você insistiu, forçando seu olhar severo contra o meu.

 

         E impulsivamente, minha mão espalmou-se sobre a lateral de seu rosto num rompante de ódio e arrependimento. Ódio, porque você estava arruinando uma das raras e impagáveis noites em que podíamos estar juntos. Arrependimento, porque eu estava sendo egoísta o bastante para não querer ouvir a sua parte naquele desastre que era o nosso amor. Por que você precisava tocar sempre naquele assunto? Você sabia que eu nunca seria perdoada por isso.

 

 

Porque não há perdão para quem escolhe amar.

 

 

         As lágrimas brotavam em meu rosto assim como os soluços em minha garganta, e seu rosto continuava virado de lado, como minha mão o havia forçado. Por que eu não podia simplesmente antecipar minha partida e desaparecer naquele momento? Por que nada saía como planejávamos? Oh, nosso amor era mesmo uma doce catástrofe, uma linda assimetria.

         Furtivamente, fiz menção de me levantar e correr para qualquer lugar onde você não pudesse me encontrar – embora você sempre soubesse como me achar –, quando sua mão capturou meu braço e me forçou a sentar novamente, desta vez com violência. Minhas costas encontraram o tapete num baque surdo no mesmo instante em que minha boca deixou escapar um gemido praticamente inaudível. Suas mãos ainda apertavam firmemente meus braços, e agora seu corpo estava sobre o meu, intimidante. Aquele era você com raiva?

 

- É tão difícil entender que eu quero você só pra mim? – sua voz saiu pesada.

 

         Seus olhos devoravam os meus, com ódio e com amor – aquela mistura que apenas nós dois entendíamos. O fogo crepitava ao nosso lado, gentilmente, e naquele silêncio desesperador, eu entendi tudo. Sim, eu entendia.

 

 

Eu apenas não queria lembrar que podia entender.

 

 

         Mesmo que você prendesse meus braços ao chão como se suas mãos fossem duas algemas, eu afastei os ombros do chão e inclinei meu rosto até o seu, tocando sua boca com a minha. Mordisquei suavemente seu lábio inferior, prendendo-o delicadamente entre meus dentes enquanto seu suspiro absorto confundia-se com o meu. Eu podia sentir seu corpo inteiro tremer sobre o meu.

 

- Eu sou apenas sua, agora. – sussurrei, sustentando seu olhar surpreso.

 

         E você sabia que era verdade, que naquele momento, eu poderia ser unicamente sua. Suas mãos afrouxaram o aperto em meus braços e deslizaram para minha cintura, erguendo lentamente a barra de minha blusa enquanto nossos lábios se uniam e se abraçavam ardorosamente. Meus dedos afundavam em seus cabelos, eu ofegava, eu precisava de ar, eu precisava de você. Sua boca passeava demoradamente por meu rosto, meu pescoço, minha barriga branca descoberta até um pouco acima. Eu desejei estar daquele modo com você para sempre, sem precisar ir embora, mas algo me dizia que nosso tempo estava acabando. Não, não podia acabar naquele momento.

 

- Eu estou indo... – murmurei, sentindo o último toque de suas mãos.

 

- Não! – você ofegou, apertando-me desesperadamente.

 

- Desculpe. Eu te amo. – e ao derradeiro suspiro, minha voz se perdeu.

 

 

 

 

“Mas ainda estaremos aqui amanhã, eu sei.”


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