Nossos Pequenos Segredos escrita por deadlikeme
Na manhã seguinte, Jane não foi trabalhar e antes do horário da escola acordei com sons de descarga no banheiro ao lado do meu quarto. Me levantei um pouco tonta da cama e abri a porta do banheiro vendo Charlie sentado ao lado da privada, ele estava branco e com a boca seca. Nunca o tinha visto daquele jeito. Ele suava pelo rosto todo e seu corpo estava quente quando coloquei a mão sobre sua testa. A luz clara do Sol nascendo entrava pela janela iluminando o banheiro e o rosto de Charlie com o cabelo castanho grudado sobre a testa. Seus olhos estavam vermelhos como se não tivesse dormido a noite e ele respirava lentamente com a boca entreaberta, mas mostrando um pouco de dificuldade. Eu não sabia muito bem o que fazer, mas molhei sua nuca e seus pulsos, mas seu corpo estava tão mole que não mostrava reação.
— Charlie. Charlie.
Eu o chamei como ele fechava os olhos.
— Oi.
Ele respondeu lentamente e com a voz falha.
— Você consegue levantar?
Charlie negou com a cabeça lentamente.
— Eu vou chamar a mamãe.
Ele segurou em minha mão.
— Não. Fica aqui. Ela não dormiu de noite para cuidar de mim. Deixa ela dormir.
— M-mas você não está bem.
Eu gaguejei sem saber se poderia fazer alguma coisa.
— Estou sim. Eu sei que vai passar.
Então me sentei no chão do banheiro em frente ao garotinho pálido e tão calmo em um momento que eu me desesperaria. Charlie ainda segurava em minha mão. Eu fiquei ali até que sua cor foi voltando lentamente e sua mão criou um pouco mais de força apertando a minha.
— Agora eu consigo levantar.
Ele sorriu. Eu o ajudei a levantar e ele se apoiava em mim enquanto eu o levava para seu quarto.
— Eu vou morrer, Suzi?
Eu congelei. Nada saiu da minha boca e as lembranças da briga que tive com minha mãe no dia que descobrimos sobre o cancêr de Charlie, surgiu em minha mente. Eu neguei juntando o pouco que me restava.
— Não, Charlie.
Minha mãe acordou algum tempo depois. Contei à ela o que havia acontecido e sem querer como sempre, ela descontou nos outros. Ou seja, em mim.
— Por que não me chamou, Suzana?
Ela esbravejava levando as mãos a cabeça e andando de um lado para o outro na cozinha.
— Charlie pediu que te deixasse dormir. Ele não queria que eu te acordasse.
— Pelo amor de Deus, Suzana! Ele tem dez anos. Você acha que ele saberia o que fazer nessa hora? Você acha que ele sabe o que é melhor para ele?
Minha avó olhava do outro lado da cozinha encostada no balcão sem dizer nada. Abaixei a cabeça e concentrei minha vista em meus polegares, não lhe respondi até que ela se acalmasse e voltasse a falar em um tom de voz calmo e ainda preocupado.
— Tudo bem, Suzi. Está tudo bem, ok?!
Apenas balancei a cabeça afirmando que sim, a ouvi suspirar e então deixei a cozinha pela porta dos fundos sem olhá-la. Jane e minha avó começaram a discutir sobre como ela havia sido dura comigo. Jane voltou ao meu quarto de repente.
— Você está atrasada pra escola!
Eu a olhei sem entender, ainda sentada em minha cama com um livro nas mãos.
— Eu vou pra escola hoje?
— Claro que vai!
Minha mãe falou quase histérica. Ela pegou uma roupa qualquer e me entregando.
— Vamos! Eu peço para o Tyler te levar. – Ela saiu do quarto gritando. – TYLER!
Desci as escadas rapidamente com a mochila nas costas.
— E por que o Tyler não vai?
Perguntei enquanto meu irmão jogava a chave do carro para cima e para baixo.
— Porque eu sou especial.
Ele deu uma piscadela.
— Ah mas ele vai!
Ela afirmou.
— Mas mãe, eu posso te ajudar ficando aqui em casa.
Tyler tentou contestar.
— Você é mais útil na escola. Não posso deixar vocês perderem aula.
Jane nos empurrou para a porta jogando a mochila para ele. Minha barriga roncava de fome no silêncio do carro.
— Que merda é essa?
Tyler perguntou olhando para mim.
— Estou com fome.
Justifiquei. Tyler passou da escola e parou na lanchonete um pouco mais à frente.
— Eu preciso ir pra escola.
Falei olhando para trás.
— Você vai morrer se não comer, e você é mais útil viva.
Ele resmungou trancando o carro assim que descemos, e usando a fala de minha mãe para justificar sua estada em casa naquele dia.
— O que você quer?
Tyler perguntou antes de ir ao balcão fazer o pedido.
— Chocolate quente.
— E pra comer?
Dei de ombros.
— Qualquer coisa.
Sentei-me em uma mesa rente à janela que dava para a rua, e observei as pessoas passarem e os carros espirrarem água conforme atropelavam as poças de água.
— Ela brigou com você, não foi?
Tyler perguntou ao sentar à minha frente, após entregar-me o chocolate e um pão de queijo.
— Brigou.
— Ela foi injusta.
Dei de ombros sem olhá-lo. Não faria diferença se ela estava sendo justa ou injusta comigo. Comemos em silêncio, sem se atrever a olhar para um ou outro. Mas pelo menos por meu lado, eu sentia-me estranhamente confortável ao lado de meu irmão, o que não era muito comum de acontecer. E foi nessa hora que eu entendi que algo havia mudado entre nós.
Eu desci do carro rapidamente e corri para a escola na frente de Tyler, que despreocupado ainda pegava a mochila do banco de trás e desligava o motor do carro. Eu estava mais que atrasada. A primeira aula havia acabado completamente e eu já havia ido para a sala da segunda aula direto. Entrei na sala vazia e me sentei sozinha, consegui abaixar a cabeça e fechar os olhos por alguns segundos, era tudo tão estranho que eu não conseguia pensar sobre tudo ao mesmo tempo e sentia que poderia ficar louca a qualquer momento caso não parasse de me forçar a tentar entender. Mary entrou na sala, ela se aproximou me olhando interrogativamente enquanto eu passava a mão no rosto respirando fundo.
— Ta tudo bem?
Ela perguntou com uma certa calma.
— Ta.
Respondi quando as pessoas começaram a entrar na sala e me recostei na cadeira.
— E ai, Suzana?
Luke, o pior da minha sala passou batendo em minha mesa e sorrindo com aquele sorriso despresível nos lábios. O encarei enquanto ele passava por mim e se sentava nas cadeiras de trás. Revirei os olhos enquanto Mary o olhava torto. Já era o costume, eu era motivo de chacota para ele desde sempre, por apenas não ser como as galinhas que o cercam. As garotas mascadoras de chiclete com a boca aberta, entraram na sala e contornaram minha cadeira para se sentarem perto de Luke e seus amigos. Eu e a praga estudamos juntos desde a infância, assim como Jeff. Alguma vez na vida já fomos amigos de contar mentiras sobre termos conhecido o Naruto ou o Mickey em nossa infância. Éramos nós três falando na aula e no laboratório de ciências, tudo isso antes de Mary chegar dois anos depois. Mas crescemos e o ego de Luke também, o fez se tornar um jovem garoto agressivo e adorado pelas garotas, com aquele sorriso cafajeste dele e por seus músculos terem se desenvolvido, de certa forma. A puberdade havia feito bem para os garotos que não precisavam enfrentar uma hemorragia todos os meses. Não sei como, mas às vezes alguns garotos começam a chamar mais atenção das garotas do que outros, como Jeff, que não tinha a necessidade de chamar a atenção de ninguém, e procurava passar despercebido sempre que possível, continuando da mesma forma, com a mesma personalidade, apesar de estar bem mais, digamos, “desenvolvido” do que quando era apenas um pirralho de oito anos. A aula começou e mesmo eu sendo uma boa aluna, dessa vez estava tão cansada que não conseguia prestar atenção em nada.
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