Histórias do cara do balcão. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 18
Como vai você?




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Olá!

Então? Como vai a vida? Tudo tranquilo?

Eu sei que parece enrolação fazer todas essas perguntas "clichês", mas é que eu acabei de me tocar que nunca pergunto nada sobre você. Eu sempre começo a tagarelar e tagarelar e tagarelar e acabo falando muito de mim e nadinha de você. Vai ver é por isso que eu não tenho muitos amigos, sou um interlocutor irritante.

Bem, pode ser por isso ou porque quase todo mundo que eu conheço tem uma grande birra comigo.

Enfim, sinceramente, perguntei mais por educação. Não queria que você ficasse me achando um egocêntrico ou algo assim, meu ego até que é considerável, mas não chega a tanto!

E, bem, eu não acho que você se importe muito com isso. Afinal, você tem muito mais interesse nas histórias do que na minha ou na sua vida, certo? E eu super compreendo esse ponto de vista, ouvir histórias é muito mais legal que falar sobre a vida.

Sei lá, vai ver é pelo quesito "fuga da realidade" ou algo assim.

Não posso me aprofundar muito nesse assunto porque eu desisti de fazer psicologia quando eu tinha uns 15 anos. Pois é, veio antes da minha ideia de fazer odontologia e depois da minha ideia de medicina veterinária. Como a gente tem ideia de curso quando é mais novo, não? E parece que é inútil porque, em geral, as pessoas pensam, pensam, pensam e fazem o vestibular sem fazer a menor ideia do que fazer da vida.

Aliás, se eu pudesse voltar no tempo e dizer algo para o eu que ainda pensava horrores sobre qual faculdade cursar, eu diria algo como "relaxa, não importa o que a gente escolher, vamos estragar tudo, ser demitidos e acabar num emprego que nunca imaginamos".

Que bom que eu não posso voltar no tempo! Sou tão desmotivacional!

Acho que só aparecer e dizer "eu sou você no futuro" já é uma desmotivação porque, honestamente, se eu aos 14/15 anos tivesse visto o eu de agora, não sei até que ponto ainda teria vontade de crescer!

Mas minha vida é muito legal, tá? Eu fico atrás de um balcão... E eu falo com você... E eu roubo comida da Chef Olga... E eu cuido do tamagotchi.

Ele já está a doze dias sem morrer! Tá bom que ele passou oito desses dias na cafeteria com o Valdir/Vulpino/Vinni, mas ainda conta!

Em resumo: minha vida é muito emocionante.

E eu tenho muitas histórias a contar! O que é uma das minhas partes favoritas porque, bem, do que adianta viver se você não tem nada para contar? No fim, uma história de colar na prova é tão boa quanto uma de estar num campo de guerra! Histórias são histórias.

Aliás, você já colou em prova? Eu já, admito...

E não, não estou falando da entrevista de emprego (se bem que eu colei nessa também), estou falando de prova mesmo.

Eu admito, só um pouquinho envergonhado, que a primeira vez que eu colei na prova foi com 6 ou 7 anos de idade. Eu sei, eu sei, sete anos? Por que diabos eu precisava colar com sete anos? Eu não sabia que um mais um é dois ou que azul com amarelo dá verde? Porque esse é o tipo de conteúdo das provas infantis!

E eu explico do modo mais parcial que eu puder (porque se for imparcial eu perco feio, e eu preciso me defender!) que eu colei porque a prova era injusta! Era uma prova de geografia (a primeira cola a gente nunca esquece...) e a pergunta era qual foi a trigésima cidade fundada num lugar aí. Agora me diga, sinceramente, qual o valor educativo de obrigar uma criança a decorar a trigésima cidade fundada num lugar? Isso mesmo, nadinha, até hoje nunca usei essa informação!

Enfim, eu não fazia a menor ideia de qual foi a trigésima cidade fundada (e eu ainda tinha decorado bem as cinco primeiras! Não que eu me lembre disso ainda... Informação inútil, elas nem são mais habitadas por causa da guerra, não sei nem se ainda existem...) e a garota sentada a minha frente, além de saber a resposta (a guria decorou mesmo isso? Uau!) ainda "revisou" a prova (para ver se tinha respondido tudo certinho, sabe?) segurando-a na frente do rosto, com o papel formando um ângulo de 90° com a mesa. Então, sim, a resposta estava literalmente sendo jogada na minha cara e eu não ia deixar de responder por ser "cola".

Pode ser uma explicação meia boca para um ato amoral condenável? Pode ser, mas eu fiz e faria de novo. E foi assim que eu colei pela primeira vez na escola quando era uma criancinha de seis ou sete anos.

Emocionante, não?

Bem, na verdade não, mas é uma história. E qualquer história pode ser emocionante com um bom contador!

Mas isso é só meu ego falando, então ignore.

Falando em ego, eu dei o pudim pra Cachinhos Dourados. Era pequeno, mas o que vale é a intenção, certo? E, por curiosidade, me custou uma massagem nos pés da Chef Olga e uma espécie de "sequestro". Mas não se preocupe, não foi um "sequestro daqueles bem punk que envolvem clorofórmio e amarrar a pessoa numa cadeira com uma luz forte na cara", foi mais um "eu fui sequestrado voluntariamente para servir de juiz para as roupas da Chef Olga, que ia sair num encontro e me fez avaliar uns vinte mil visuais diferentes".

Tá, vinte mil é demais, foi só o número de visuais possíveis combinando cinco vestidos, três pares de sapato, quatro blazeres (que, para quem, assim como eu, não sabe, é um nome chique para um casaco), três calças sociais, cinco camisas com muitos nomes enjoados que eu não decorei, e um chapéu (mas não o de Chef!). Sim, dá pra formar muitos visuais diferentes combinando tudo isso.

Acho que levei quarenta e cinco minutos só para "ajudar" a decidir se era melhor ir de vestido ou de "terninho". Com "ajudar", entenda que ela debatia sozinha e eu ficava lá observando e balançando a cabeça. Eu sei que concordei em fazer isso por livre e espontâneo suborno (estava valendo um pudim!), mas eu me senti sequestrado! Pelo lado bom, o "modelito" dela até que ficou bem legal, espero que o encontro tenha sido bom, senão todo o meu sequestro foi por nada!

Mas voltando ao pudim, a Cachinhos ficou meio confusa no começo. Foi algo como:

"Oi, te trouxe pudim"

"Tá, mas quem é você?"

Não, não a culpo por não se lembrar de mim. Afinal, meu período de tutor foi bem curto e passamos uns quatro anos ou mais sem nos ver, acho até normal. A parte mais "chata" foi quando eu expliquei e ela disse um "ah, é você..." com um tom meio de decepção, meio de irritação. Eu sei que não fui um bom professor nem nada do tipo, mas ela bem que podia fingir se importar só um pouquinho com a minha presença, não?

De qualquer forma, aprecio a sinceridade. Pelo menos ela não dá um sorriso falso e finge que gosta de mim, até porque isso me confunde muito! E eu dei o pudim pra ela de "consolação" e ouvi enquanto ela xingava o mundo inteiro por ter perdido as eleições sem nem chegar a concorrer. Como uma garota de dezenove anos que fala um palavrão por frase e tem o olhar de um cão pronto para atacar pode ser tão fofinha quando está falando sobre como todo mundo é idiota e devia morrer? Eu não sei, só sei que ela é. Talvez seja porque ela ainda tem "rosto de criança" ou qualquer coisa assim, mas ela é fofa. Só não diga a ela que eu disse isso, tá? Sabe, eu gosto da minha capacidade de respirar e quero mantê-la.

E, já que o assunto "política" veio à tona, vamos falar um pouco da Branca de Neve? Eu sei que o assunto é clichê, mas é o que eu tenho.

Bem, lembra que eu disse que o "governo" dela seria uma chatice sem inovação e completamente tradicional? Pois é, eu errei feio, me enganei completamente, queimei a língua (figurativamente) ou qualquer outra expressão que você queira usar. Ela é bem mais "inovadora" do que eu imaginei (o que não é exatamente grande coisa, porque eu imaginei que ela seria 0% inovadora, então ultrapassar essa expectativa é bem fácil) , para começar, as primeiras ações dela não tiveram nada a ver com a guerra.
Isso aí, nada, nadinha, totalmente desconectado. Eu jurava que ela só continuaria o trabalho do pai dela de "Guerra! Guerra! Guerra!", mas a primeira coisa que ela fez foi falar da importância de reformar e expandir a cidade. É, isso aí, reformas básicas, nada sobre soldados ou missões. Achei sensato da parte dela.

Um monte de gente estranhou essa ser a primeira medida dela, acho que, como eu, ninguém tinha muita fé nela... Não que eu tenha muita fé nela agora, mas já a acho mais interessante que a Branca de Neve das histórias, talvez no fim ela seja uma Chapeuzinho Vermelho e vá por um caminho diferente daquele que o pai dela queria?

Enfim, a cidade: aquele lugar estava precisando mesmo de umas reformas! Como eu disse (ou eu acho que disse, pelo menos), a cidade fica perto do prédio e foi feita basicamente como uma aglomeração do que sobrou da população depois do massacre. O problema? O massacre foi há uns cinco anos! E, acredite se quiser, humanos não são tão diferentes de coelhos, faça chuva ou faça sol, em paz ou em guerra, o povo tem filhos! Então, sim, a população aumentou consideravelmente e a cidade não tinha infraestrutura suficiente para aguentar esse aumento.

Ela propôs uma melhora nas redes de esgoto, no sistema de distribuição de água e uma expansão da cidade como um todo, além de abrir uma escola por lá e, aproveitando a "onda", um hospital decente. Sim! Aquele lugar vai deixar de parecer uma vila e virar algo que pode se chamar verdadeiramente de "cidade"!

Não sei por que eu estou tão empolgado, nem moro lá... Mas acho que você entendeu meu ponto de vista, isso é muito legal!

Enfim, eu te prometi ficar de olho nas fofocas para ter uma história decente dessa vez, lembra? Pois bem, cumpri o melhor que pude, mas as pessoas também não ajudam! Um boato aqui, uma fofoca ali, umas informações cruzadas e tudo o que consegui são histórias meia-boca. Mas acho que isso é melhor que nada...

Vamos lá:

"O primeiro boato confiável que eu consegui foi que o fazendeiro de uma das fazendas do leste está com relações complicadas com o prédio, o que é bem ruim porque as fazendas do leste são as maiores, ou seja, as que mais produzem. E, por mais que os comandantes tentem te fazer pensar o contrário, a guerra não elimina a necessidade de comer! Pois é, quem diria? Soldados também são gente! E faltar comida não seria muito interessante para ninguém...

O motivo desse atrito? É bem idiota, mas eu vou contar mesmo assim: a Branca de Neve (caso você não saiba ainda) é mulher. E, por mais estúpido que seja, o fazendeiro do leste é muito tradicional e acredita que mulheres servem para cozinhar ou algo assim, então se recusa a trabalhar com uma. Sorte que ainda temos as fazendas do sul! São pequenas, mas pelo menos o povo lá é sensato!

Enfim, espero que a Branca de Neve consiga negociar com esse cara e restabelecer as relações ou algo assim. Sabe, eu gosto de comer e coisas assim... E perder uma fazenda grande seria bem problemático! (Eu não quero ser obrigado a comer a comida da lanchonete por falta de opção!) Ainda mais com a população crescendo! Além do mais, se ela conseguir convencer esse cara, ela vai ganhar o respeito de um monte de gente por aqui.

Sorte que eu nunca precisei trabalhar com esse cara... O Senhor EPC era meio difícil, mas não era tão antiquado assim! E eu duvido que alguém me deixaria chegar perto de uma fazenda importante... Vai que a plantação entra em combustão espontânea ou algo assim? É possível (eu acho)! Improvável, mas deve ser possível.

Outra informação confiável que eu tenho (não é nem boato! É informação mesmo! Consegui de primeira mão!) é que a Dra Acre foi rebaixada. Como eu sei disso? Ela me contou. E me contou com muita raiva, se quer saber. Mas não raiva de mim, o que é muito bom porque, se ela estivesse com raiva de mim, eu nem estaria aqui, estaria escondido numa toca em algum ponto entre o sul e o sudeste da cidade.

Depois de instituir as 'reformas de base', o próximo ato da Branca de Neve foi fazer uma 'limpeza' nos andares superiores, os que tem o povo 'topo da cadeia alimentar'. Alguns foram demitidos, alguns foram promovidos, alguns ficaram como estavam e alguns, como a Dra Acre, foram rebaixados. Eu não sei bem qual foi o critério dela, se teve entrevista de novo, se ela pediu ajuda ao RH... Só sei que aconteceu.

A Dra Acre trabalhava nos laboratórios do décimo primeiro andar e era a responsável pelas pesquisas no campo do armamento bélico (Isso aí! Era chefe!), agora ela está nos laboratórios do décimo andar e está na equipe de farmacêuticos (remédios e pesquisas sobre saúde...). Se ela queria matar alguém por isso? Acredito que sim. Eu só descobri porque fui procurá-la no décimo primeiro andar e me disseram que ela trabalhava no décimo agora. O resto ela me contou num daqueles desabafos misturados com acessos de raiva e ameaças de morte à humanidade em geral.

Ela e a Cachinhos Dourados realmente combinam. Vamos torcer para que nunca, jamais, em hipótese alguma, formem uma dupla!

Vamos ver... O que mais eu tenho de interessante a contar...

As fofocas nesse prédio já foram melhores... Estão tão fracas ultimamente.

Ou vai ver o povo aprendeu, finalmente, a manter a boca fechada, mas disso eu duvido!

Ah, a antiga recepcionista (uma das bem antigas mesmo, já que trocaram umas cinco ou seis vezes desde que ela foi afastada), aquela que foi para a ala psiquiátrica por ter uns probleminhas nervosos, lembra? Enfim, ela está melhor (ou pelo menos bem o bastante para voltar à ativa) e foi mandada para ajudar numa das fazendas do sul. Por quê? Não faço ideia. Vai ver foi uma daquelas ideias do tipo "o ar do campo vai te fazer bem"... A pessoa que está na recepção agora é bem gente boa, espero que dure.

Recepcionista é uma profissão tão rotativa nesse prédio... Ninguém aguenta o trabalho por muito tempo! Mas acho que eu não posso falar de ninguém, afinal, eu fui demitido em menos de uma semana!

Sorte minha, eu acho... Recepção não vale a pena por aqui! Acho que o 'recorde' foi a mulher que durou um ano e oito meses antes de desistir e ser afastada.

Mas não era uma época ruim, pelo menos eu via gente! Às vezes é tão solitário ficar no quarto andar... Era mais suportável quando a Sélia/Sinandra/Solângela passava por aqui, mas nunca mais tive notícias dela. Espero que ela esteja se divertindo seja lá onde ela esteja agora.

O resto das fofocas é tão sem graça que nem vale a pena comentar... Adolescentes apaixonados, adultérios, A que gosta de B que gosta de C, o faxineiro que foi pego cochilando em horário de trabalho, o colarinho branco que passa as noites fazendo coisas socialmente não aceitas... Só fofoca chata. As pessoas bem que podiam falar de coisas mais legais! Afinal, se é pra ser fuxiqueiro, que fuxique algo que vale a pena!"

E é isso que eu tenho...

Eu sei, decepcionante. Esse prédio já foi mais legal.

Enfim, deixa pra lá, eu tenho que ir mesmo.

Tenho algo para fazer hoje! Viva! Espero que seja legal!

Infelizmente, não sei se vai ter boca-livre...

E dessa vez nem tenho que me arrumar muito para me disfarçar! Eu não tenho que ir de terno! Aliás, acho que ir de terno seria uma grande burrice, seria o completo oposto de ser discreto/me disfarçar. Ou seja, roupas confortáveis! Êêê!

Para onde eu vou? Uma conferência.

Assim, tecnicamente, eu não devia ir... Mas ninguém vai me proibir! E não dizer não é quase a mesma coisa que dizer sim.

Para que a conferência? Bem, essa é a terceira proposta da Branca de Neve. Além das reformas de base e limpeza geral entre os colarinhos brancos, ela marcou uma conferência com o Anselmo para tentar acordar um tratado de paz ou qualquer coisa assim.

Não acordar no sentido de "deixar de dormir", acordar no sentido de "fazer um acordo".

Eu já te falei do Anselmo, não? O chefe monstro com um nome complicado demais?

Ta aí, eu provavelmente devia ter te falado disso primeiro. Seria muito mais interessante que a situação nas fazendas ou na recepção! A ideia só não tinha surgido antes... Fazer o quê?

Mas agora eu preciso mesmo ir, então, foi mal, mas fica pra próxima.

Será que vai ser uma conferência divertida?


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