Histórias do cara do balcão. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 17
Presinhas de Prata.




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As coisas ficaram chatas.

Não que elas já não fossem chatas antes, mas acho que piorou recentemente.

Pelo lado bom, as coisas no prédio já estão mais ou menos estáveis de novo.

Quer dizer, o povo ainda anda por aí como baratas tontas de vez em quando, mas isso até que é normal. E agora pelo menos já temos uma "chefe" definida.

Eu não sei por que eu digo "temos" quando o meu "trabalho", particularmente, não é afetado pela troca de chefes. Afinal, não é como se ela pudesse me dar uma ordem diferente de "fique atrás do balcão".

Mas, para o resto do povo, acho que isso foi bem importante.

Aliás, nem precisaram levar as "eleições" até o fim. Só a pesquisa de opiniões e o resultado parcial foram suficientes.

Motivo? Branca de Neve estava com uma vantagem considerável.

Não que eu não goste da Cachinhos Dourados... Mas, vamos ser sinceros, ninguém confia muito em receber ordens de uma guria de uns 19 anos. Principalmente no meio de uma guerra que já dura uns 5. Fez as contas? Ela tinha uns 14 quando começou a guerra.

Mas não foi só essa a razão de a Branca de Neve ganhar sem eleições. Quando esses resultados saíram, a Cachinhos ficou tão indignada que fez uma cena nem um pouquinho agradável em pleno pátio... Como algumas pessoas diriam, ela "armou um barraco", se bem que eu nunca entendi bem a expressão...

Aliás, barracos são diferentes de barracas?

Sim, eu sei que eles não se juntam para fazer barraquinhos... Assim como as chinelas e os chinelos.

Enfim, eu não estava lá para presenciar a cena, mas, pelas fofocas que juntei, parece que, depois que divulgaram as "prévias", a Cachinhos Dourados começou a gritar com a Branca de Neve e dizer que todo mundo que ia votar nela era idiota ou algo assim. Acho que ela usou bem mais palavrões que isso, mas para que repetir, né?

A Branca de Neve se aproveitou da "explosão" para dizer que a Cachinhos não tinha "condições psicológicas" de estar no poder ou qualquer coisa assim, já que ela lida tão mal com a pressão e é tão infantil... Obviamente, a Branca foi apoiada, Cachinhos agora é "inelegível" até completar uns 25 anos pelo menos.

Pessoalmente, gostei bastante do rumo dessas tais "eleições". Não me entenda mal, eu gosto da Cachinhos Dourados tanto quanto eu gosto de qualquer um, mas não sei se gostaria dela comandando essa guerra. Quando fui "tutor" dela, pelo menos, ela tinha um temperamento bem... Forte. Se não conseguisse tudo feito do jeito dela, gritava e esperneava e manipulava até conseguir. Aparentemente... Isso não mudou muito. Tirando isso, ela é um amor de pessoa.

A única birra que eu tinha com ela era sobre o terassá. Eu achava divertido praticamente me engasgar voluntariamente para tentar pronunciar essa loucura, já ela meio que esnobava essa língua. Sei lá, vai ver é porque ela tinha uns 14 quando a guerra começou, mas ela vê tudo ligado aos monstros como "inferior" ou "uma ameça" ou ambos, acho que é mais ou menos como os nazistas viam os judeus na Segunda Guerra, mas com o pequeno diferencial da impossibilidade (por enquanto) de criar campos de concentração para monstros.

Sorte deles, eu acho.

Ou nossa, dependendo do ponto de vista.

Ah, e aproveitando que eu não estou falando nada com nada mesmo, sabia que os monstros tem uma lenda meio que equivalente a Cachinhos Dourados?

As versões variam dependendo da região, mas é basicamente a mesma história. Eles chamam de "Presinhas de Prata" em tradução literal (se quiser uma aproximação da pronúncia em terassá, tente colocar umas cinco pedras de gelo no liquidificador e bater. Depois faça um remix desse som e o toque na casa de uma vizinha chata com filhos trigêmeos barulhentos que não param de gritar. É algo parecido com isso. Ou simplesmente tente engolir o gelo picado e imitar o barulho que o liquidificador fez enquanto o gelo ainda está na sua garganta, mas vai ficar com um sotaque meio sulista e um pouco caipira). Enfim, Presinhas de Prata era uma monstrinha linda (nos padrões monstruosos, não nos seus) com belas presinhas cintilantes que pareciam faquinhas de prata. Um dia, ela decidiu desobedecer as mães (a família tradicional monstro tem mais de uma) e sair de debaixo da cama em pleno dia.

Para a sorte dela, as pessoas da casa tinham saído, então ela estava sozinha. Como qualquer criança de qualquer espécie, ela decidiu aprontar assim que se viu sozinha. Primeiro, ela viu a mesa da cozinha e, sorrindo, decidiu roer os pés da mesa (travessura de criança...). Ela achou o primeiro pé muito duro, então só roeu um pouquinho, já o segundo tinha um gosto ruim demais, então ela foi pro terceiro, que era perfeito, e roeu tanto que a mesa quebrou antes que ela pudesse roer o quarto.

Falando em quarto, depois disso ela foi explorar os quartos. Ela mastigou um pouquinho a cama de casal do casal (essa frase é meio esquisita, não?), mas ficou com medo de acordar os monstros que ficavam debaixo da cama alheia (que dariam uma bronca nela, porque monstros que ficam debaixo de camas de adultos são os mais rígidos e sem senso de humor), então não roeu muito. Depois ela foi para o quarto do menino, que era onde ela morava, e mastigou um pouco as cobertas dele, mas ficou com medo de acordar as mães e levar uma bronca (também), então saiu. Aí ela foi para o quarto do bebê e roeu o berço, porque não tem monstros debaixo de berços, então ninguém daria uma bronca nela.

Depois de roer bastante o berço e afiar bastante os dentinhos de prata dela, ela decidiu fazer a ação mais impensada: provar comida humana. Como qualquer criancinha tola, ela não tinha noção do que podia ou não pôr na boca. Primeiro, ela provou uma banana, mas achou ruim e cuspiu. Depois, ela provou bife de fígado que estava na panela, mas achou pior ainda e não comeu também. Por fim, ela vasculhou os confins da despensa e achou gelatina em pó, provou e achou uma delícia, "e a danadinha comeu tudo" (é como está no livro. A palavra "danadinha" em terassá é muito legal, aliás). O problema é que ela não tinha a noção de que gelatina em pó mancha os dentes...

As mães, o meio pai, o outro meio pai, o tio de segundo grau e o semi-meio primo dela, que moravam debaixo da cama com ela, perceberam e deram uma bronca nela. Então, como típico castigo monstro de disciplina quando os filhos realmente extrapolam os limites, ela foi expulsa para o armário e teve que morar lá até completar a maioridade monstro.

Monstros da cama tem uma relação meio esquisita com os monstros do armário... É algo meio "amor e ódio".

E essa é a história monstruosa para ensinar os filhos a não sair de debaixo da cama durante o dia e nem deixar rastros óbvios. Aliás, na história, a família volta e culpa o cachorro.

Particularmente, achei um dos melhores finais de história infantil. Ri muito.

A Cachinhos Dourados, obviamente, desprezou completamente essa história...

Eu já devia ter aprendido a não falar sobre terassá e cultura monstro em geral com ela...

Aliás, eu acho essa expressão meio estranha. Histórias em inglês são inglesas, histórias em alemão são alemãs, histórias em português são portuguesas ou brasileiras, histórias em terassá são... Terassá. Não existe um equivalente. Pelo menos não um que eu conheça, mas eu não sou exatamente o melhor tradutor do mundo...

Mas, ei, eu estava falando das eleições, certo?

Pois é, o prédio está sob nova direção: bem vinda, Branca de Neve!

Como vai ser o "governo" dela? Bem, eu acho que vai ser chato e comum, porque é isso que eu penso dela. Fala sério, currículo medíocre, personalidade de mediadora, interesses comuns, ambições fracas... Não parece alguém que fará coisas interessantes.

Bem, melhor uma chefe chata que uma instável, não?

E eu estou meio sem ideias hoje, então você que me desculpe, mas vou apelar para histórias da Cachinhos Dourados:

"Eu era tutor, óbvio, porque esse foi o único momento que eu, um mero mortal, consegui interagir com 'a filha caçula do chefe'. Na época eu tinha uns 20 anos e ela, uns 15. Mais ou menos. Você sabe que eu sou muito ruim com datas e idades e, francamente, depois do décimo segundo emprego, eu meio que parei de contar o tempo em 'meses' e passei a contar em 'demissões'.

É um bom modo de lembrar porque, mesmo que eu não tenha certeza de qual era o dia, mês ou idade dos envolvidos, eu sempre tenho certeza de qual era meu emprego na época. Por outro lado, é um jeito bem irregular de contar, já que eu durei em alguns uma semana e, em outros um mês ou mais...

Mas, ei, de volta à história!

Então, nos conhecemos do pior modo possível (pra mim). Ela foi uma das minhas primeiras alunas e, já na primeira 'aula', fez perguntas que eu não sabia nem como tentar responder e meio que me humilhou com as coisas que ela sabia. Ela me deu a aula! E ela era tão boa que devia ser tutora no meu lugar...

Acho que eu fui mais um acessório que um agente ativo no 'processo de aprendizagem'. Eu ficava do lado dela 'supervisionando' enquanto ela lia os livros e fazia os exercícios. Foi assim que eu revisei/aprendi o básico de biologia, física, matemática... Mas poucas humanas, ela era mais de exatas.
Eu digo que aprendi o básico porque, por mais que ela fosse fera, não tinha uma gota de paciência para me ensinar depois da quinta repetição... Então eu só aprendi o que conseguir pegar depois de ela repetir quatro vezes. Em resumo, se seu assunto não for Leis de Newton, polígonos regulares e equações simples, Leis de Mendel ou Darwinismo e Lamarckismo, nem me chame porque eu não sei.

Aliás, tenho minhas dúvidas se ainda sei esses!

Leis de Newton é bonitinho porque é só empurrar, puxar e levantar bloquinhos. O resto da física é do mal. Acho que eu não lembro nem de metade das fórmulas de polígonos regulares, mas as bases da genética estão na minha memória! Pelo menos isso, né?

Acho que a coisa que eu mais acho ruim nessa guerra é que ela tornou o inglês inútil. Quer dizer, os Estados Unidos e a Europa ainda estão por aí, mas a população deles foi tão massacrada quanto a do resto da humanidade, então não, eles não são mais grandes potências nem nada que vale a pena.

Tantos anos tendo o inglês enfiado goela abaixo por ser uma 'língua obrigatória' para quê? Isso mesmo! Para nada! For nothing! Pointless!

Se bem que foi bem legal aprender inglês, então nem vou reclamar muito. Mas que foi sacanagem ser forçado a aprender uma língua que depois se tornou tão boa quanto o javanês ou o polaco, isso foi.

Mas, ei, eu estava te contando uma história, não?

Pois é... Depois que nos conhecemos e que a Cachinhos Dourados aprendeu que eu era o tutor mais inútil que já existiu, começamos a falar menos sobre assuntos acadêmicos e mais sobre a vida em geral.

Ela sempre aproveitava cada brecha possível para se exibir com a inteligência dela e o imenso conhecimento de fatos inúteis.

Aliás, foi aí que eu descobri uma serventia que o inglês ainda tinha! Consolar meu ego! Por quê? Porque, depois da guerra, o inglês ficou de lado, e a Cachinhos tinha 14 anos quando a guerra começou... Ou seja, ela sabia frases simples no presente simples e o verbo 'to be', eu podia manter uma conversa inteira.

Sim, eu usei uma língua inutilizada para me sentir superior a uma garota de 15 anos, problemas? Eu perderia em todo o resto!

Se bem que ela nem deu muita bola... Ela nunca ligou muito para idiomas, eu acho. As palavras dela foram mais ou menos 'você pode ganhar uma guerra com química, física e biologia, mas não com linguagens'. Se eu me preocupei por uma pirralha de 15 anos estar focada em vencer uma guerra do modo mais sangrento possível? Imagina...

Sorte que a Dra Acre não trabalhava aqui nessa época. Essas duas juntas seriam classificadas como perigo para a humanidade! E, sem dúvidas, a Dra Acre seria uma tutora bem melhor que eu. Ela a ensinaria sobre armas químicas e bombas de gás, eu a ensinei a roubar tortas da cozinha da Chef Olga e fazer uma bomba de ovo podre.

Aliás, a garota não era grande fã de torta... Não dá! A gente simplesmente não combinava! Por outro lado, ela curtia muito os pudins que a Chef Olga fazia em ocasiões especiais... Mas roubá-los era quase uma missão de elite. Vai ver é por isso que ela gostava, a pequena viciada em adrenalina...

Quando eu fui demitido como tutor, paramos de nos ver e, bem, quando nos vimos de novo, foi para as eleições! Vai ver eu não sou muito bom em manter contato... E ela também nunca me procurou. Também, eu era um tutor tão inútil que ficaria surpreso se ela me procurasse depois!

Enfim, não acho que essa foi uma história tão boa, então vou contar a vez que eu primeiro deixei o assunto 'terassá' escapar com ela:

Ela estava falando um monte de coisas científicas que eu não entendia. Para mim, era tudo 'blá blá blá blá blah blá blahblah blá blah blá".

Mesmo eu não entendendo uma palavra, meu ego se sentiu mal e exigiu que eu tomasse uma posição de defesa da nossa honra.

Francamente, me surpreende o tempo que meu ego levou para aprender que não temos honra alguma!

Então eu interrompi o blá-blah-blá científico com a frase épica:

'Tá, isso é tudo muito legal, mas... Você sabe terassá?'

Eu adoraria dizer que não fiz essa pergunta desse modo tão tosco, mas foi o que aconteceu... Eu realmente não sei defender meu ego.

'Terassá? Que (censura) é essa?' Sim, eu vou censurar os palavrões, porque eu não sou obrigado a repetir o vocabulário chulo de uma adolescente.

Não que eu seja muito mais que um adolescente... Mas meu vocabulário não se resume a palavras de cunho sexual usadas em contextos aleatórios para dar ênfase a sentimentos!

'É a língua dos monstros, ué. Vai dizer que a geniazinha nunca ouviu falar?' Sim, eu a chamava de 'Geniazinha'.

'Monstros, hunf' Eu juro que o desprezo nessa palavra era palpável! 'Então aquelas bestas são espertas o bastante pra falar a (censura) de uma língua? Grande (censura).' Sim, ela era bem boca suja para 'a filha do chefe'. Não sei se ela falava assim na frente do pai.

'Ah, até que é um idioma interessante... Por exemplo, sabia que eles-'

'Como é que você sabe um assunto tão idiota quanto esse e não consegue nem me ajudar a entender física moderna e relatividade? Você realmente devia rever suas prioridades' Ela me cortou de um jeito bem frio, mas não me surpreendeu realmente.

Depois dessa, parei de falar sobre terassá com ela. Eu não disse que esse assunto afastava as pessoas?

E olhe só: eu entrei na 'briga' para defender meu ego e acabei apanhando ainda mais! Ô garotinha de 15 anos que sabia impôr moral...

Enfim, acho que é isso".

É, eu sei, não é a mais emocionante das histórias, mas é o que eu tenho.
Talvez eu peça para a Chef Olga fazer um pudim, daqueles pequenos, e leve para a Cachinhos Dourados. Ela deve ter ficado chateada pelas "eleições".

Eu sei, eu sei, "pedir?", também acho estranho. Mas, como eu disse, a Chef Olga só faz pudim em ocasiões especiais, então, a não ser que eu queira esperar a próxima comemoração de "batalha vencida" ou qualquer coisa assim, tenho que pedir em vez de roubar. Ela provavelmente vai dizer "não", depois eu vou insistir e ela vai dizer "não sei não... São tantos ingredientes e tanto trabalho", aí eu vou me oferecer para limpar a cozinha e ela vai dizer "você vai quebrar tudo", então eu vou perguntar "o que eu posso fazer então?" e vou acabar com uma enorme lista de tarefas que não tem nada a ver com cozinha.

Aliás, dá pra conseguir uma fornada de biscoitos com gotas de chocolate por uma massagem nos pés. E os pés dela nem são tão desagradáveis... Acho que vale a pena.

Também já tentei ganhar uma lasanha só pra mim em troca dos meus 'serviços de cabeleireiro', mas, bem... Digamos que, como cabeleireiro, eu sou um excelente massagista! Foi a primeira e última vez que ela me deixou chegar perto dos cabelos dela...

Enfim, acho melhor eu ir. Mas obrigado pela visita!

Eu sei que as histórias hoje não foram das melhores, mas vou tentar rondar as fofocas e boatos por aí e ver se arrumo algo mais legal na próxima.

Nos vemos lá então?

Espero que sim.

Bye!


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