Histórias do cara do balcão. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 11
A melhor comida é a de graça.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/742270/chapter/11

Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim?

Um ovo, dois ovos, três ovos assim....

Tam tam tam tam.

Por que está tocando musiquinha de Páscoa na minha cabeça? Não faço ideia, mas está e nada me impede de cantarolar. Não é como se tivesse alguém por aqui para se incomodar com minhas cantorias infantis.

Pena que a Páscoa ainda está tão longe... Não que eu tenha certeza de que dia é a Páscoa, ou de que dia é hoje na verdade. Além do mais, não 'comemoro' a Páscoa desde que a guerra começou. Acredite se quiser, mas não vendem ovos de Páscoa depois de uns 3/4 da população mundial ser dizimado, não me pergunte o porquê...

Sério, se o Big Brother fica, por que a Páscoa não pode ficar?

Pelo lado bom, se eu estiver muito a fim mesmo de um chocolate, sempre posso implorar para o Vincenzo/Venâncio/Virgílio. Afinal, ele trabalha na cafeteria, sempre tem algo pelo menos minimamente doce por lá e, se eu encher muito o saco dele, ele aceita me dar um. Ninguém resiste à minha carinha de "cãozinho que caiu da mudança".

Ok, a moça da creche resiste, mas ela é um caso à parte...

Falando nisso, tenho que me lembrar de buscar o Rick/Ryan/Rintintim com ele. Acho que eu tinha que ter buscado ontem... Bem, fique de lição para você: guarda compartilhada de tamagotchis exige, no mínimo, uma boa memória.

Ou, se você for como eu, uma pessoa que tenha muita paciência com você.

Enfim... Eu fiquei te devendo algo? Acho que não...

Ah! Meu "encontro" com a Dra. Acre! Seria maldade comentar e não dar detalhes, certo?

Muito bem, vamos lá:

"Eu cheguei ao laboratório dela não muito atrasado, o que já é um ótimo começo, se quer minha opinião.

Tá bom que ela não concordou muito comigo... Mas eu não me atrasei muito, então ela não ficou muito irritada.

Que mulher impaciente...

Aliás, acho que estou abusando da palavra 'muito' hoje, não? Vou tentar moderar, prometo.

Ela foi direto ao ponto, o que eu achei ao mesmo tempo legal e desanimador. Legal porque não teve enrolação, desanimador porque, quando tem enrolação, ela me paga uma refeição.

Sim, eu adoro comer de graça.

Enfim, ela queria saber onde estava o Agente Chihuahua. Se lembra dele, certo? Ex-agente de campo, irritadiço, treme sob pressão...? Pois é, acho que eu comentei aquela vez que o chamaram na sala do chefe, certo? Bem, não o viram mais desde então.

Não que muita gente sinta fala dele. Disseram algo sobre ele 'ter voltado ao campo para uma missão' e essa é a história que todo mundo engoliu. Todo mundo menos a Dra. Acre. Ela e o Agente podiam estar brigados, mas, segundo ela, ele não iria embora sem se despedir. Acho que ninguém faria isso durante uma guerra!

Mas por que ela me chamou, você pergunta? Logo eu? Pois é, eu também não sei.

E foi mais ou menos isso que eu respondi:

'Então o seu namorado vai embora sem te dar tchau e você... Digo, e a senhora me chama para contar teorias da conspiração de que ele sumiu de repente?'

O 'senhora' ainda dói em mim. Se tem algo que parece que meu corpo rejeita é chamar os outros de 'senhor' e 'senhora'. Sim, eu sofri um bocado para aprender a fazer isso quando era estagiário, já que, aparentemente, estagiários precisam tratar todo mundo com 'respeito'... Eu sinceramente prefiro tentar falar terassá a ficar tratando os outros por 'senhor' e 'senhora', mas eu estou abaixo até dos estagiários na cadeia alimentar, então melhor eu parar de reclamar e seguir a história.

Ela disse algo do gênero:

'Para com esse discursinho falso, tem algo errado aqui e eu sei que você sabe!'

Nessa parte eu pensei seriamente em trocar 'Dra. Acre' para 'Dra. Cobra', porque, eu juro, ela estava a um passo de sibilar pra mim! E ela me olhava do jeito que eu imagino uma cobra olhando para um rato. Desisti da ideia porque já me apeguei ao apelido 'Dra. Acre'.

'Desculpe, senhora, eu não sei de muita coisa sobre nada realmente... Se está tão preocupada, devia falar com o chefe e perguntar pra onde ele foi enviado.'

Eu ainda detesto o 'senhora', parece que deixa um gosto ruim na boca. Um gosto acre!

Ok, piadinhas horríveis a parte, vamos seguir:

'Eu juro que, se você não parar de mentir pra mim, vai se arrepender!'

Não, ela não gritou, estava mais sibilando mesmo. De alguma forma, isso foi mais intimidador do que seria se ela tivesse gritado.

'Você realmente acha que eu, de todas as pessoas no prédio, vou saber alguma coisa?'

Dispensei o 'senhora' dessa vez porque eu juro que acabaria vomitando se precisasse repetir essa palavra. Além do mais, a Dra. Acre não parecia muito disposta a me assassinar, então achei que podia arriscar ser um pouco mais 'desrespeitoso'.

'Ora, você trabalha no balcão de informações, certo? Então tem que saber alguma coisa!'

E é aí que vemos o que significa desespero: realmente buscar informação comigo! Admito que senti uma pontinha de pena dela.

'Eu trabalho no balcão de informações no quarto andar, onde ninguém nunca vai, e só me botaram lá para evitar incêndios. Além do mais, metade desse prédio me detesta, por que me contariam alguma coisa?'

Eu detesto ser a metade racional de uma conversa... Faz parecer que o mundo virou de ponta cabeça de vez. Guerra com monstros? Tranquilo. Galos travestidos? De boa. Incêndios improváveis? Ótimo. Eu ser a voz da razão? Tem algo seriamente errado aí!

Eu não acho que ela parecia muito convencida do que eu dizia, mas acreditar ou não era escolha dela. Mesmo assim, como cientista, o mínimo que ela precisava era reconhecer a lógica no que eu dizia, e isso ela fez.

Ela parecia tão preocupada com a teoria conspiratória do sumiço do namorado dela que eu acabei comprando um pedaço de bolo pra ela. Eu sei, sou um fraco sentimental, mas isso você já sabe. E chocolate resolve tudo! Ou, pelo menos, alivia bastante.

O Vereno/Vieira/Valfredo ficou meio chocado quando eu realmente comprei algo. Sabe, comprar com dinheiro em vez de ficar pedindo, fazendo cara de cachorrinho e enchendo o saco dele. Ele ficou mais chocado ainda quando eu disse que era pra Dra. Acre. Aproveitei a visita e peguei o Rino/Roy/Rex de volta, ele estava vivo, alimentado e feliz.

Espero conseguir mantê-lo assim.

A Dra. Acre reagiu bem friamente ao meu presente. Acho que ela recuperou a compostura no meio tempo que eu levei pra comprar o bolo. Vou considerar isso um bom sinal, só espero que ela não fique obcecada com essa ideia ou algo assim. Não gosto de estereótipos, mas não tenho uma boa imagem de cientistas obcecados.

Principalmente de cientistas que trabalham com armamento químico para a guerra... Eu não gostaria nem um pouquinho de vê-la brava.

Enfim, depois dessa conversa nem um pouco esclarecedora com ela e de ter meu pedaço de bolo completamente menosprezado, eu voltei para o balcão e a vida voltou ao normal. Ou ao menos tão normal quanto pode ser no meio de uma guerra contra monstros."

É, eu sei, não é o modo mais original de acabar uma história.

Mas a vida é clichê e não muito surpreendente, e tudo que eu faço é contar. Se não é original, culpe aquele ditado "a vida imita a arte"... Ou era o contrário? Seja como for, não foi uma história tão ruim.

Espero que o Agente Chihuahua realmente tenha sido mandado para uma missão e só não tenha tido tempo de se despedir da Dra. Acre... É a opção mais otimista e acho que eu ainda tenho o direito de ser ingênuo o bastante para acreditar nela.

Mas, francamente, eu não apostaria nessa possibilidade. A última pessoa que "desapareceu" depois de ser chamada para ver o chefe foi uma guria da farmácia há uns dois anos. Garanto que ela não tinha sido "transferida para outro setor", como disseram.

Eu não sou o fã número um do chefe, mas vou bancar o advogado dele dessa vez: ele fez a coisa sensata. Não vou dizer que foi a coisa certa, até porque minha moral é relativista demais para ser considerada uma boa medida, mas foi a decisão sensata.

Nessa época tinha bem menos gente me detestando nesse prédio, então consegui ouvir todas as fofocas com relativa facilidade. Muita gente aceitou a coisa da transferência sem pensar muito, mas tinha um rumor aqui e outro ali de que ela era uma espiã do 'chefe monstro' (a.k.a Anselmo), ou seja, nossa inimiga.

Pessoalmente, nunca entendi direito a lógica de o chefe monstro fazer alianças com humanos, isso não vai diretamente contra todo o princípio da guerra? Mesmo assim, o boato existia e eu achei interessante. Vai ver era só um boato... Quem sabe? Com certeza, não eu.

Ora, vamos manter o otimismo: o Agente Chihuahua pode muito bem estar lá fora numa missão, o que é bom, eu acho, e, se ele não estiver... Bem, se por acaso ele seguiu o mesmo caminho da ex-farmacêutica, sempre dá para nos consolar pensando que ele queria tanto descobrir o que havia nos andares subterrâneos, então ele descobriu.

Não que eu inveje essa possível descoberta.

Enfim...

É quase hora do lanche e eu não tenho ninguém para me convidar e pagar o meu. É nessas horas que eu quase sinto falta da Sulamita/Suelen/Safira, ela nunca reclamava de pagar minhas refeições... Ela até me convidava! Eu nem tinha que pedir!

Já te contei como foi a última vez que nos vimos?

Não? Bem... Temos tempo de sobra, se quiser ouvir:

"Era só mais um jantar normal. Eu, ela, um restaurantezinho qualquer.

Não era muito chique porque nem ela era sem noção o bastante para gastar tanto com comida. Eu nem sei como ela era sem noção o bastante para gastar tanto comigo! Eu juro que eu não me convidaria para comer pelo menos duas vezes por semana inteiramente por minha conta.

Essa frase ficou meio confusa, mas vou acreditar que você pegou a ideia. Como eu disse, não sou o melhor contador de histórias do mundo.

A comida estava boa e eu escolhi algo barato porque nem eu sou folgado o bastante para me aproveitar tanto da hospitalidade de alguém, mas a Socorro/Sidéria/Sigmara estava meio estranha. Geralmente ela tagarelava por nós dois, já que eu preferia ficar quieto e evitar falar besteira demais (vai que eu pisava na bola, a ofendia e perdia a comida grátis ocasional?), mas dessa vez ela também estava quieta.

Sim, passamos uns bons minutos num silêncio bem constrangedor até que eu não aguentei mais e perguntei logo qual era o problema.

Foi aí que ela me disse algo como:

'É que me informaram que eu vou ser transferida para outro setor...'

'Hm... E daí?' Sim, eu sou um poço de sensibilidade.

'Daí que me avisaram só com alguns dias de antecedência. Parece que precisam de pessoal urgente em outro setor, por terem perdido muita gente ou algo assim, e por isso eu tenho que ir pra lá'.

'É, que pena, mas acontece' Eu disse com a boca só um pouquinho cheia de carne. Estava bem temperada, delícia!

'É, mas... Eu vou sentir sua falta' Ela explicou com uma cara triste. Achei fofo.

'Ownt, eu também vou sentir sua falta' Eu engoli a carne um pouco mais rápido do que devia para conseguir sorrir e belisquei a bochecha dela de leve. 'Você me alimenta e conversa comigo!' Eu disse num tom mais de brincadeira.

Ela sorriu de volta, ponto pra mim! Mas foi um sorriso meio esquisito... Mesmo assim, tá valendo!

'Acho que você não entendeu...' Ela começou a falar mais devagar e articular mais, o que é o que as pessoas fazem quando eu estou agindo muito idiota e decidem me tratar como criança. 'Eu gosto de você'.

              'É, e eu' Fiz uma pausa dramática 'gosto de você.' Sorri e toquei a ponta do nariz dela com o indicador. 'Agora que resolvemos isso, vamos comer!'

Ela suspirou meio chateada meio incrédula. Será que ela não gostou da comida?

'Você ainda não entendeu!' Acho que ela estava perdendo a paciência. 'Eu gosto de você como uma mulher gosta de um homem!'

'Hm... Você quer que eu mate baratas e, sei lá, carregue suas compras? Porque, pessoalmente, eu também não sou fã de baratas... Mas posso carregar sacolas se você quiser e....'

'Para! Só para!' Ela parecia algo entre brava e decepcionada.

Sério, eu fiquei meio perdido nessa conversa. Nesse quesito, prefiro a Dra. Acre, pelo menos ela vai direto ao ponto. O que ela queria de mim afinal?

Acabamos de comer em silêncio, o que foi bem esquisito, e a Sulmira/Sêneca/Sortilégia continuou com uma cara meio... Pra baixo. Me senti mal por ela e decidi tentar melhorar o clima:

'Eu sei que ir pra um lugar novo pode deixar as pessoas à flor da pele, mas relaxa, você vai se sair muito bem. E aposto que vai conhecer um montão de gente legal por lá.' Eu sorri e dei um tapinha encorajador no ombro dela. Pelo menos eu espero que tenha sido encorajador...

Ela só sorriu e disse que estava com dor de cabeça e era melhor irmos embora. Depois dessa, ela não passou mais pelo balcão nem me procurou. Depois ela foi embora e é isso. Adeus Susete/Salete/Semíramis.

Eu até diria que talvez ela me mande uma carta, um e-mail, um cartão postal ou um sinal de fumaça, mas, depois dessa súbita indisposição dela pra falar comigo, não sei se vai rolar. Vai ver ela só enjoou de mim."

E foi assim que eu perdi minhas refeições periódicas gratuitas.

Eu sei que não é nem um pouco chocante, mas meu salário como "cara do balcão" não é lá dos melhores. Dá pra viver e eu já fico feliz por ainda ter um emprego, mas não é dos melhores, então, sim, eu adorava ter alguém que pagasse minhas "extravagâncias", como um jantar bom e até uma sobremesa de vez em quando.

Enfim, tudo bem, vou sobreviver.

E esse papo todo sobre comida me deixou com fome... Será que eu consigo pegar algo gostoso da cozinha da Chef Olga sem ser pego? Acho que vale o risco...

Bem, até mais.

Me deseje sorte!

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!