Carpe diem: Viva Intensamente escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 8
Capítulo 7




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/742188/chapter/8

Teto branco... É isso que eu vejo quando abro meus olhos... Não consigo me mexer... Escuto vozes vindo de algum lugar...

— É de risco, mas acreditamos que o pior já passou... - diz uma voz feminina

Luzes passam, como se eu estivesse andando sem estar andando... Depois uma luz muito forte surge em meu rosto... Um barulho ao longe.

Tiraran... Tiraran... Tiraran...

Tiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

— Odin... Odin... - chama uma voz distante.

— Perdemos os sinais dele - grita uma mulher, desesperada.

— Vamos lá Campeão, o pior já passou... Agora só depende de você - diz uma voz masculina ao lado da minha orelha... Sinto um forte solavanco em meu peito.

Tiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

— Odin! - chama Lucicraldo me chacoalhando em cima da cama — Vamos cara, tá na hora de ajeitar as coisas.

— Só mais cinco minutos - digo babando no travesseiro. Aquela foi a melhor noite que tive de sono desde que comecei a andar com a Eva. Preciso aproveitar todo o conforto que a cama de Bob me proporciona.

—Cara, a gente tem de ir. - avisa Lucicraldo me chacoalhando mais forte.

— Ir para onde? - pergunto me virando — Cara, a gente nem sabe o que vamos fazer hoje.

— Na verdade... A Eva já organizou tudo - explica Lucicraldo saindo da minha cama. Ele pega uma folha e joga no meu rosto — Eu se fosse você não perdia muito tempo.

Levanto da cama com a maior preguiça que já senti em toda a minha vida. Desço as escadas seguindo o som das vozes que vem da sala de Bob. Entro e me deparo com os quatro conversando animados.

— Para onde estamos indo? - pergunto mostrando a lista para Eva — Eu não tenho nada disso aí.

— Não se preocupe, eu falei com o Bob a respeito e ele vai emprestar essas coisas para você - garante Eva, sorrindo. Bem diferente daquela mulher que eu abracei na cozinha na noite anterior.

— Okay... Mas para onde estamos indo? - reforço minha pergunta.

— Bom, como a Betina tinha feito uma lista de coisas para fazer... Decidi juntar algumas delas e fazer de uma só vez. Estamos indo para Ilhabela, na verdade para o sul da ilha, Praia do Bonete. Conhece?

— Nunca ouvi falar dessa praia - confesso. Se bem que eu nunca fui muito chegado em ir para o litoral do estado, então nunca saberia a respeito dessa praia.

— Ela é uma das dez praias isoladas mais belas do mundo - explica Betina como sempre bem informada. Então noto que eles estavam com um mapa na mesa de centro, analisando. Ela aponta para o mapa enquanto continua explicando — Sua orla é ladeada de árvores chapéu-de-sol, não havendo construções em toda sua orla, apenas um vilarejo de pau-a-pique, onde vive uma comunidade caiçara de cerca de 100 famílias, que sobrevivem basicamente da pesca e do artesanato. É preciso seguir uma trilha de 15 quilômetros de extensão partindo da Ponta de Sepituba. É uma caminhada que leva cerca de quatro horas, com paradas nas cachoeiras pelo caminho, como a cachoeira da Laje e a do Areado. No fim da caminhada é possível avistar a baía do Bonete e as praias de Enchovas e Indaiúba. Também pode ser acessada de barco.

— Mas nós iremos pela trilha - interrompe Eva — E vamos levar uns três dias para chegar à praia, já que todos concordaram em acampar durante a trilha e aproveitar ao máximo esse passeio.

— Mas eu não concordei - digo para Eva.

— Sim, mas você é minoria - explica Eva— Bob tem uma casa em Ilhabela, onde iremos abastecer e também pegar as pranchas para surfar. Lá tem uma das melhores ondas. Então vamos pegar as nossas coisas e ir. Temos um longo caminho pela frente.

Os outros saem animados para arrumar as suas coisas, ficando somente eu e Eva na sala. Ainda não conversamos sobre a noite anterior e nem sei se devo tocar no assunto. Aproximo devagar dela que está analisando o mapa minuciosamente. Toco em seu braço, chamando sua atenção, seus olhos castanhos me encaram curiosos.

— Você está bem? - pergunto observando seu rosto. Ela está com a expressão tranquila.

— Estou ótima - responde sorrindo— Por que a pergunta?

— Bom, ontem você... - começo a lembrar quando seus dedos tocam meus lábios me silenciando.

— Estou ótima - garante Eva me encarando de maneira intensa. Ela sorri — Temos de ir, se não chegaremos muito tarde a Ilhabela.

— Eva - chamo enquanto observo ela se afastar.

Não sei se ela não escutou ou fingiu, pois ela continuou andando para o quarto que está dividindo com Betina.

***

Depois de quatro horas de viagem finalmente chegamos a Ilhabela. Betina, Lucicraldo foram na caminhonete de Bob,enquanto eu e Eva fomos no Mustang. Bob emprestou algumas roupas para mim e Lucicraldo, aliás, o guarda roupa dele é repleto de roupas e tênis voltados para aventura. Pego várias camisetas, pretas e brancas, bermudas e calças. Nada que me cubra muito e eu fique morrendo de calor. Minha sorte é que o meu número é o mesmo que o dele.

— Eu pratico essa trilha há anos - explica Bob quando questionado por mim e Luci. Ele vai até o banheiro e pega vários potes e jogando em sua cama — O que me lembra de que vocês devem levar isso: óleo de citronela. A praia é dominada pelos borrachudos e não há repelente que resolva. Anti-histamínico e pomada para aliviar a coceira. Assim não vamos passar dias tão desconfortáveis.

— Okay... Você não está me ajudando muito a querer ir - digo sendo sincero. Na verdade eu não entendo o motivo pelo qual as pessoas fazem esse tipo de passeio. Mato... Mosquitos... Borrachudos... Calor... Chuva... ficar molhado de suor... Essas são as coisas das quais corri durante anos.

— Ânimo, Odin- incentiva Bob ao ver minha cara — Tenho certeza que esses serão os melhores dias da sua vida.

Descemos para a cozinha, onde as meninas separaram várias comidas enlatadas e lanches rápidos. Cada um levou uma parte dos alimentos nas mochilas, deixando o peso pior do que já estava. O que me lembra de elogiar as pessoas que realizam esse tipo de aventura, como vocês aguenta esse peso em suas costas? Parabéns pela força de vontade. Apesar de sentir que não vou suportar o peso em minhas costas, finjo ser forte já que os outros também levam a mesma coisa que eu, além de Bob e Eva estarem carregando pranchas de surfe.

Entramos no carro, sendo que Bob e Eva vão à frente já que conhecem a região. Eva dirige a caminhonete pela estrada principal sentido Sul e estaciona o carro em frente a um restaurante chamado Nova Iorque que fica no final dessa estrada. Observo que todos fazem a mesma coisa que a gente. Descemos as nossas coisas e paramos em frente à placa escrita "Ponta de Sepituba". Eva prende os cabelos e começa a dar as orientações:

— Bom, vou passar algumas instruções a respeito da trilha: O caminho têm pequenos empecilhos naturais como subidas íngremes. Cuidado com as pedras escorregadias. Temos 3 km para chegar até o início da trilha, caso alguém se canse , avise. Pretendo que a gente pare na Cachoeira da Laje. Se a gente não ficar muito cansado podemos prosseguir, se não dormiremos por lá e amanhã seguimos na trilha. A ideia do passeio é aproveitar, então iremos com toda calma. Então, Carpe Diem. - finaliza Eva estendendo a mão no meio da gente.

Betina sorri e coloca sua mão em cima da mão de Eva. Lucicraldo coloca logo em seguida, praticamente junto com Bob. Confesso que estou relutante. E se eu não gostar? E se der uma merda muito grande? Será que eu sou o único adulto responsável do grupo? Eu sei que parece coisa de velho, mas a gente poderia ter ficado em casa curtindo um ar... Olho para Eva que sorri me dando o pouco da coragem que me falta. Coloco a minha mão em cima da de Bob. Eles começam a sacudir as mãos e então o grito sai de nossas gargantas, por instinto:

— CARPE DIEM!

 

***

Costas... Eu tenho absoluta certeza que elas já se perderam no meio do caminho. Sinto meu corpo arder inteiro, estou suado, cansado e quero minha mãe... Quando olho para frente Betina, Luci e Eva conversam animados como se aqui fosse só uma caminhada até a esquina. Devo ter andado pelo menos uns 100 km. Eva olha para trás e nota que estou quase um moribundo e volta, parando em minha frente. Noto que amarrou a camisa branca de forma que seu umbigo fica a mostra bem como a metade de sua barriga.

— Vamos Odin, já falta pouco para a cachoeira da Laje - incentiva Eva empolgada.

— Não dá - respondo quase sentando em uma das pedras da trilha. — A gente já andou uns... 100 km...

— Não mesmo - diz Eva sorrindo. — Não chegamos nem perto disso.

— Tá, não consigo pensar com esse sol, tá legal - resmungo — Foram uns 50...?

— Não.

— 20 km. Minhas pernas dizem 20 km.

— Não, sedentário. Caminhamos só 2 km- revela Eva — Falta só mais um para você descansar.

—Não dá... Eu estou desidratado- digo desesperado.

— Desidratado? Odin, não tem nem uma hora que estamos caminhando... -  informa Eva, incrédula — Cadê sua garrafa de água?

— Tá aqui - entrego meu cantil vazio.

— Você secou o seu cantil? Odin! - repreende Eva, brava. Ela abre o dela e coloca metade de sua água para mim — Economize, só vamos abastecer na cachoeira.

Enquanto caminhamos fico pensando no que a cachoeira deve ter para compensar eu caminhar tanto. Após cinco minutos, concluo que a cachoeira deve ser grande o suficiente para resfriar todo o meu corpo. Dez minutos depois e ela já precisa ter vários guarda sóis e garçons servindo coquetéis à vontade. Quinze minutos depois, ela tem que ter tobogã. Trinta minutos depois, tem de ser no mínimo um parque aquático.

— Chegamos - avisa Eva me despertando de meus pensamentos.

Aquela cachoeira é o local mais belo em que eu já estive. Ela tem vários poços de águas limpídas e um tobogã natural.

— Melhor que um parque aquático - diz Eva tirando sua roupa do meu lado. Ela sorri e corre em direção à cachoeira pulando.

  Eu a observo entrar na água enquanto tento encontrar uma lógica para o que ela disse... É como se ela tivesse lido meu pensamento...

— Vamos velho - chama Luci passando por mim correndo junto com a Betina.

Tiro devagar minhas roupas e as dobro em cima da minha mochila. Passo protetor solar, repelente, coloco minha camiseta, tiro minha camiseta, ajeito minha bermuda, faço alongamento, verifico o bíceps, o tríceps...

— Cara, você vai entrar na cachoeira? - pergunta Bob parado atrás de mim. — Ou vai ficar se exibindo para a Sara?

—EU? Eu não estou me exibindo para a Eva!- respondo desesperado. É verdade eu não estava me exibindo para ela... É super normal um cara ficar verificando seu corpo... Sério eu não estava.

— Okay, brother- diz Bob sorrindo enquanto segura em meu ombro — Se bem que você não faz o tipo dela, então...

— Como você pode saber se eu faço o tipo dela?- pergunto curioso.

— Eu conheço a Sara há anos... Então... Você sabe o que eu quero dizer, não é?- indaga Bob piscando.

— Então vocês dois já... Envolveram-se? - pergunto, abismado. Bob e Eva... Quem diria...

— Cara, você é muito lerdo. Significa que eu já conheci os caras com quem ela já saiu - responde Bob — E nenhum deles era... assim- finaliza apontando para o meu corpo franzino. 

— Obrigado pela parte que me toca- digo me encolhendo - Já que conhece tão bem a Eva, que tal me contar o que a fez ser assim? Ou ficar assim?

— Cara, por que você se preocupa tanto em saber do passado dela? - questiona Bob — O que ela viveu não importa, o importante é o agora. Você está tão preocupado com o passado dela que está perdendo o presente com ela.

— Você está certo - respondo, sem graça. Que diferença me faz saber o passado dela, tipo, quem se importa se ela já foi presa, se ela é uma psicopata, um serial killer, uma traficante?  De qualquer forma eu não poderia mudar nada, ou talvez sim...

— Quer saber uma coisa do passado dela?- pergunta Bob sem esperar uma resposta— Os caras com quem ela saía, durava um dia. Então amigo, ela deve gostar de você... Por algum motivo, ela gosta de você.

Bob bate em meu ombro e corre para a água. Eu ainda fico um tempo observando todos brincando na água. As palavras de Bob ecoam em minha cabeça... Eva gosta de mim... Será?

***

Ali estou encarando meus dois maiores medos... Altura e a possibilidade de me ferrar em um tobogã natural. Para quem chegou até aqui e não reparou, sou o tipo de pessoa que sempre se dá mal em qualquer atividade e tenho certeza de que aqui não será diferente. Respiro fundo e observo o quanto às pedras estão escorregadias... E tem pouca água lá embaixo... Vamos lá, Marcelo, me dê o seu melhor. Já posso sentir meu corpo escorregando por aquela pedra que nem é tão lisa... Com certeza ficarei todo ralado... sem contar a água gelada. E se eu tiver cãibra lá embaixo? Devia ter comido uma banana antes...

— Odin, você vai descer ou não? - grita Eva.

— Então... - digo tentando  arranjar uma boa desculpa. Passo a mão pelo meu peito e me lembro daquela tatuagem bendita. Acho que foi o único momento no qual fiquei feliz de ter o rosto da Eva no meu peito — Pois é... Sabe o que é... Eu não posso... Lembrei que fiz a tatuagem e tem certas restrições...

—O que foi que você falou? - pergunta Eva que parece não ter me escutado.

— Acho que ele amarelou- comenta Betina.

— Pó - pó -pó - imita Bob.

— Ainda bem que apostei que ele não ia descer. - comenta Luci, alegre. 

— VOCÊS FIZERAM UMA APOSTA?- berro mostrando que escutei- Não acredito... 

— Não se preocupe... Nem todo mundo acha que você não vai saltar - explica Bob.

— Quem aí acha que eu não vou saltar? - pergunto irritado. Aos poucos as mãos traidoras de Luci, Bob e da Betina, poxa Betina esperava mais de você, se ergueram. Então noto que a de Eva está abaixada. Ela foi à única que confiou em mim e agora não posso dar para trás... E não vou — Ah é... Então Eva, você é a ganhadora.

  Eu me afasto e preparo para descer, quero fazer uma descida triunfal para jogar água e coragem na cara daqueles três... Corro em direção do tobogã e me lanço... Noto pela expressão de Eva que algo ia dar errado então quando olho para o chão, meu pé encontra com uma pedra...

Já viram aquele salto da Dayane dos Santos que até colocaram o nome dela? Então... Se eu fosse uma ginasta, sem dúvida a Dayane ficaria com inveja do Salto "Marcelo". Na verdade se eu fosse uma ginasta não teria acontecido isso...

Depois de eu ter conseguido girar no ar, meu rosto desce ralando pelo tobogã , assim como todo o meu corpo, provando que a pedra não é lisa e que a combinação ralar e tacar água não é a melhor em um momento como esse. Para completar, caio de cabeça dentro de um dos poços de água lá embaixo.

— Odin! - gritam os quatro correndo em minha direção. 

***

— Ai! - grito de dor enquanto Eva passa uma toalha no meu rosto.

— Odin, para de drama que nem tá doendo. - repreende Eva passando a toalha com todo cuidado. É fácil para ela falar, já que não foi ela quem desceu um tobogã com a cara.

— Está sim - resmungo.

— Quem mandou querer fazer esfoliação facial - zomba Lucicraldo.

— Cala boca, Luci - digo irritado. - Ai.

— Pronto, acabei - diz Eva encarando meu rosto.

— Obrigado - digo encarando a Eva. — E por acreditar em mim.

— Eu não acreditei em você, só achei que não era uma aposta justa- confessa Eva se levantando — Então, não fica se achando, tá legal?

—Tudo bem - respondo me levantando — Posso te fazer uma pergunta?

— Já está fazendo, né Odin- resmunga Eva.

— O que você acha de caras... Do meu tipo? - pergunto envergonhado.

— Do tipo que descem um tobogã com o rosto? Eu acho que eles têm sérios problemas. - responde Eva rindo.

— Não... Caras como eu que tentam se matar por alguém que ama...

— Acho que são idiotas... Mas ainda sim nobres... Idiotas e nobres - responde Eva ajeitando o cabelo — E sinceramente, amor nenhum merece um sacrifício tão alto como a morte.

— Então por que estava tentando se matar naquele dia? - pergunto aproveitando a oportunidade.

— Eu não estava tentando me matar... Estava tentando salvar você. - responde Eva, séria. Ela se aproxima de mim e toca no meu rosto. — Espero que não tente fazer isso novamente.

— Não se preocupe... Uma ralada no rosto já é um grande aprendizado.

—Eu estava falando da outra coisa - explica Eva com um leve sorriso.

—Pode deixar, vou dar mais valor à minha vida - digo sorrindo.

— Que bom, saiba que sempre haverá alguém para amar você. – comenta Eva se afastando — Vamos, Odin. Temos de montar as barracas antes que escureça.

O MEU DEUS! Eva gosta de mim! E agora?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Carpe diem: Viva Intensamente" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.