Carpe diem: Viva Intensamente escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 9
Capítulo 8




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Quem criou barracas de acampamento não pensou em pessoas como eu que só conseguiu amarrar seu próprio cadarço com nove anos. Olho aquelas barras de ferro e lona no chão, como montar? Sem contar que o manual de instrução, não ensina como montar a barraca.

— Precisa de ajuda? - pergunta Eva aparecendo do meu lado.

— Não - respondo com um sorriso despreocupado pegando uma das barras — Eu sempre analiso tudo antes de montar.

— Tudo bem - diz Eva olhando para o céu — Só não demore muito, pois vai começar a chover.

— Em meia hora eu termino - garanto.

Ela sacode os ombros fingindo não se importar. Barraca, eu irei vencer você.

Depois de duas horas e alguns pingos de chuva, tcharan: minha barraca está pronta e o melhor, sobrou algumas barras. Como sempre os fabricantes sempre colocando peças a mais para assustar seus consumidores. Ela parece menor do que estava no manual, mas todo mundo sabe que é só uma imagem ilustrativa e que a realidade é sempre frustrante.

— Odin... — chama Eva se aproximando com uma careta — O que raios é isso ai?

—Minha barraca - respondo orgulhoso.

—Por que sobraram barras?

— Porque elas não são necessárias.

— Odin... — começa Eva revirando os olhos.

—Relaxa Eva. A minha barraca é a mais segura de todas.

—Okay... Qualquer coisa... — diz Eva dando com os ombros

— Não irei precisar. — interrompo Eva. Sério, eu sou adulto o suficiente para lidar com as minhas escolhas. Sei o que eu estou fazendo... Ou pelo menos é o que eu acho.

— Certo, boa noite - diz Eva beijando meu rosto. Dá uma tapa em minhas costas e continua — Durma bem, pois amanhã seguiremos na trilha bem cedo.

— Pode deixar - digo vermelho. Ela nunca tinha me dado um beijo antes. Odin, foco, Odin.

Entro em minha barraca, ajeito meu colchonete e me deito. Até que enfim poderei dormir em paz... Mesmo com esses trovões... Ou com esse pingo caindo em minha testa... Ou esse outro pingo no meu peito... Pingos... Pingões... Minha barraca está fraquejando... Não deixe a chuva te vencer barraca... Não... MERDA!

Minha barraca despenca sobre mim. Com muito custo, finalmente consigo sair e sou tomado pela chuva forte que caía. Não sei como aqueles atores conseguem grava cenas de chuva e achar maravilhoso, os pingos parecem beliscões e a água é gelada. Corro em direção à barraca da Eva. Não sei como faz para chamar as pessoas que dormem em barracas, não tem capainha e nem porta. Respira Odin, respira. Aproximo da lona e mexo levemente.

— Eva... - sussurro.

Silêncio e chuva.

— Eva... — chamo um pouco mais alto e balanço a barraca um pouco mais forte.

— Eva!- grito sacudindo mais forte a barraca dela.

— EI! - grita Eva, abrindo sua barraca — Tá maluco?

— Desc... Descu... Desculpa - digo tremendo de frio — Minha... Barraca... Foi... Abatida.

—Você quer dizer que a sua monstrenga foi montada errada e agora você ficou sem barraca? - questiona Eva, erguendo a sobrancelha.

— Okay, não precisa jogar na cara - digo tentando aquecer meus braços. Então faço minha melhor cara de cachorro abandonado e peço — Posso dormir aí?

— hummm... Deixa-me ver... Não- responde Eva me encarando, não ela não irá resistir, minha cara de cachorro abandonado ganharia um Oscar fácil. Ela respira fundo e revira os olhos — Okay, mas se roncar vai dormir na lama.

— Tudo bem - respondo praticamente empurrando a Eva pra dentro da barraca.

Uau, a barraca dela é perfeita, tudo bem arrumadinho. Ela mexe em suas coisas e logo em seguida me entrega uma camiseta e short. Como ela tem essas coisas?

— Troque, não quero que molhe minha barraca. Amanhã você terá de recolher os restos mortais da sua monstrenga e dar um jeito nela.

— Obrigado - digo procurando um canto para trocar de roupa. — Onde posso trocar de roupa?

—Não sei se você notou, mas isso é uma barraca pra no máximo quatro pessoas, acha mesmo que tem um banheiro pra você trocar de roupa? - pergunta Eva. — Sem contar que já vi seu corpo antes, não se preocupe, não irei agarrar você.

Troco de roupa com receio, vai saber se ela não vai mesmo me agarrar, afinal ela está olhando eu me trocar... Intensamente... Estranhamente... Indefinidamente... Ela pega um lençol e coloca no meio da barraca.

— Daqui pra lá é seu e Daqui pra cá é meu. Não se atreva a fazer nenhuma gracinha - avisa Eva apontando o dedo pra mim.

— Não mesmo. Eu só quero dormir. - digo deitando.

—— Boa noite, Odin - diz Eva desligando sua lanterna e deitando.

— Boa noite, Eva - respondo deitando para o outro lado.

O sono veio rápido, assim como meus pesadelos. Mais uma vez sala branca, pessoas falando... Vejo a Carla, mas ela não parece me notar... o que eu acho bem normal... Meus pais... Pessoas passam por mim... Escuto barulhos vindo de algum lugar. Tento me mexer... Não consigo me mexer... Droga, paralisia do sono... Sinto sufocar... Pessoas correndo... Um homem vem até minha direção com uma... Faca? Tento fugir, mas sinto meu corpo preso... Merda... Tento pedir ajuda, mas não tenho voz... Socorro... Preciso acordar... Ele está se aproximando... Seu olhar é apreensivo... Ele não quer fazer isso... socorro... Levanta a faca... socorro... Corta minha garganta... É o fim... É o fim...

— Odin! - grita Eva me sacudindo. Ela está aterrorizada.

Levanto rapidamente olhando pra ela e então a abraço.

— Você está bem? - pergunta, preocupada — Você estava gritando socorro. O que foi?

— Nada... Só um pesadelo. - respondo.

— Quer conversar sobre isso? - pergunta Eva.

— Não. – respondo.  Não quero relembrar aquilo... Ou o que ainda tenho em minha mente — Eu estou bem.

Ficamos abraçados... Seu abraço é reconfortante... Ela não faz esforço em me afastar, talvez esteja com pena... seus cabelos tem um cheiro bom...sua respiração é calma, parece ate que nem está respirando...

— Bom dia! - cumprimenta Bob abrindo a barraca. Eu e Eva nos afastamos rapidamente, mas ele percebeu e ficou sem jeito-Ahhh... Olá. Desculpe é que está na hora de ir.

— Certo - digo me levantando — Eu tenho de arrumar minhas coisas.

— Okay – diz Eva quase como um sussurro. Antes de eu sair, sinto sua mão tocar a minha, o que me faz virar assustado — Se precisar conversar sobre isso, promete que irá me procurar?

— Não se preocupe Eva. Eu realmente estou bem – minto colocando um sorriso falso nos lábios.

Ela balança a cabeça, não parece ter se convencido com o que eu disse, mas no momento eu realmente não quero falar sobre isso, ou melhor, sobre nada a meu respeito.

 

***

Andamos mais de uma hora e meia pela trilha sem qualquer sinal de água e única coisa em que consigo pensar é que a praia tem de valer muito a pena pra todo esforço que estou fazendo. Então passamos a descer pela trilha que foi se estreitando... Sério, eu realmente preciso de água, olho para Eva que caminha triunfante, como se nada e nem ninguém pudesse atingi-la. Os cabelos dela estão presos em rabo de cavalo, caindo harmoniosos pelas suas costas quase perto da sua blusa regata brancas com leves marcas de suor que denunciam o calor infernal que faz hoje, ela se ajusta perfeitamente no corpo de Eva. As passadas firmes dela parecem que vão destruir o chão sob os seus pés. E seus olhos castanhos mais vívidos que eu já vi como se prestassem atenção a tudo... E nem preciso falar dos lábios sempre esboçando um enorme sorriso... Ela passa a mão de leve em seu rosto... Ela se vira em minha direção e parece que meu estômago vai virar, como seu aquele gesto me desse à chance de existir. Ela sorri e eu me derreto... Eva sorriu pra mim...

— Estão escutando isso? - pergunta Eva a todos nós. Eu me esforço para escutar, mas não escuto nada além de pássaros, barulhos de galhos sendo quebrados. Os demais sorriem uns para os outros felizes mostrando estar escutando o mesmo que Eva. Ela olha pra minha cara como se eu fosse retardado e então explica — Estamos perto do Rio Areado.

Nota mental: Assim que sair dessa fase estranha da minha vida, consultar um otorrinolaringologista.

Eu só fui escutar o som de água corrente quando já nos deparamos com o Rio do Areado e suas longas quedas d'água. Eu fico olhando pra ver se encontro a ponte que nos levará para o outro lado, mas não há ponte.

— Eva- chamo me aproximando enquanto ela enche seu cantil em uma queda d'água. — Não sei se você percebeu, mas não tem ponte, como iremos atravessar? É uma pena o nosso passeio terminar assim...

— Odin, não precisamos de ponte, iremos atravessar pela água. – informa Eva sorrindo. — Tire o tênis e o coloque em sua mochila.

Olho para o rio cristalino, não parece tão fundo assim, mas tiro meu tênis e ajeito a mochila.

— Ergam as mochilas no topo da cabeça e muito cuidado ao atravessarem, pois as pedras são muito escorregadias. E não se iludam, esse rio é mais fundo do que aparenta - avisa Eva na nossa frente.

Okay... Mais uma coisa para contar aos netos. Ergo a mochila e entro devagar... Água gelaaaaada! Vamos lá, Odin, já está na hora de definir se você é um homem ou um rato. A água toca em meu osso... Tudo bem, no meu tornozelo, mas a dor é como se fosse no osso... E conforme fomos entrando, a água ia tocando mais e mais, na canela, joelhos e coxa. E realmente as pedras do fundo são escorregadias, por diversas vezes eu quase afundei com mochila e tudo, provando que eu sou mais um rato que homem.

Quando finalmente atravessamos, achei que mais nada poderia acontecer... Mas como eu sou um cara de "sorte", logo recebi companhia. Não veio todos de uma vez, um veio e picou minha testa, o outro meu pescoço, um minha nuca, três meu braço direito, seis meu braço esquerdo. Quando dei por mim começou o ataque dos "borrachudos" sem dó nem piedade.

— Odin - chama Bob se aproximando, Ele me entrega seu repelente caseiro, aquele que tem todos os cheiros desagradáveis do mundo. — Passe antes que você vire o alvo principal deles.

Passo com vontade e meu corpo arde como se eu tivesse tacado álcool. Cadê a parte divertida de se fazer a trilha? Droga de filmes americanos, do jeito que tenho sorte, daqui a pouco vai aparecer um cara com uma serra elétrica atrás de mim. Minha pele se enche de grandes caroços, mostrando que eu estava mais fodido que antes. E como se não bastasse, coceira. Coço com vontade, passo a unha, o galho, me encosto-me às árvores...

A trilha vai ficando mais difícil, então percebo que saímos da trilha principal. Eu já começo acreditar que é algum tipo de punição por eu ter dormido na barraca da Eva. Se for, eu aprendi a lição e dormirei ao relento, mas, por favor, chega de andar. Paro umas quinhentas vezes para beber água naquele deserto cheio de árvore e outras quinhentas para dar "água" para as plantas. Caminho mais rápido para andar ao lado de Eva que não parece se importar. Tenho que dizer a ela o quanto estou odiando tudo aquilo, que nada vale a pena tanto sacrifício, nada mesmo... Então a Eva para e se vira sorrindo, ela estende a mão em minha direção, então a seguro e paro ao seu lado.

— Veja Odin - chama Eva apontando em direção ao mirante — Para todo sacrifício uma recompensa.

Então eu olho e noto que estamos no mirante da Praia do Bonete ao longe toda a praia e a Vila. Confesso a vocês, naquele momento eu senti que todo o sacrifício valeu a pena, aquela cena parecia um quadro de tão perfeita e única.

— Chegamos - digo apertando a mão de Eva que fica vermelha na hora.

— Chegamos - afirma Eva sorrindo em minha direção.


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