Carpe diem: Viva Intensamente escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 7
capítulo 6




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Betina, Lucicraldo e Bob se abraçam girando e gritando de pura adrenalina. Na verdade eu também estou com ela correndo pelo meu corpo. Olho para o paraquedas aberto no chão, para confirmar que eu realmente havia feito aquilo. Olho para direção em que Eva está conversando animada com o meu instrutor. Com direito a risadas, toque nos cabelos castanhos dela, toque no braço dele, conversa ao pé do ouvido...

— O que acha, Odin? - pergunta Bob tocando em meu ombro.

— Que eles não combinam - respondo olhando para Eva e o meu instrutor.

— Do que você está falando, Brow? - pergunta Bob sem entender.

— Do que você está falando, cara? - pergunto de volta percebendo que o Bob não perguntou da Eva.

— Estou falando de o nosso grupo fazer outra atividade radical dessas! - grita Bob, alucinado.

— Isso, podemos fazer rapel, escalada, andar de balão, surfar, acampar, visitar museus, ahhhh... tantas coisas! – comenta Betina, animada.

— Sempre quis fazer rapel - revela Lucicraldo olhando para a namorada.

— Velho, andar de balão - diz Bob.

— Pessoal... - digo com meu dedo levantado. Eu não sei como nós tínhamos virado um grupo, mas eu não estou participando de uma excursão de escola. Estou apenas andando com uma maluca que está se engraçando com um cara.

— Podemos fazer um cronograma - sugere Betina.

— Pessoal... - mais uma vez tentando chamar a atenção deles.

— Poderíamos começar com o balão, por favor? - pede Bob. Eu me tornei invisível!

— Me deixa anotar - pede Betina, mexendo em sua mochila. Ela tira um papel e uma caneta e começa a escrever as ideias sugeridas — Surfe, balão, acampar, rapel...

— Pessoal!- grito chacoalhando os meus braços loucamente. Os três me encaram assustados então eu continuo dizendo — Acho nada disso vai rolar... Tipo eu e a Eva estamos andando sozinhos... Nada contra vocês, eu gostei muito de sair e tal, vocês são bem divertidos, mas aposto que vocês têm de trabalhar, estudar... O Bob tem de... Tem de ser o Bob. E vamos viver a vida por sete dias ... Seis na verdade e pode atrapalhar vocês. Então agradeço muito por vocês estarem cogitando outras saídas, mas acho que ficaremos só nessa mesmo...

— Não vejo o porquê deles não irem com a gente – comenta Eva atrás de mim, me dando um susto que me faz gritar igual uma... Pessoa normal — A não ser que não queiram?

— Eu quero - responde Betina, sorridente — Além do mais, acho que não faz muita diferença eu ir ou não a escola.

—Eu nem trabalho - diz Lucicraldo, empolgado — Diversão aí vamos nós!

— Bora se divertir!- grita Bob indo em direção ao carro.

Olho para Eva sem acreditar que ela tinha convidado todos eles para andar conosco. Já é difícil andar só com uma louca, agora estou andando com mais três. Eu sinto em cada parte do meu corpo que isso não ia acabar bem. Eu seguro o braço de Eva e a encaro, é meio difícil fazer o tipo sério com aqueles olhos castanhos me encarando tão calmos, mas preciso ser forte. Respiro fundo e então pergunto, gentilmente:

— Você tá louca? Por que os chamou para andar com a gente?

—Bom... Achei que tivesse dito que gostou de sair com eles, então não há nada que impeça de andar com eles durante essa semana - explica Eva com seu sorriso perfeito. Ela tira seus cabelos dos lábios e continua falando enquanto olha Bob dar estrelinhas — Além disso, precisamos de um lugar para ficar, a não ser que você queira voltar para casa... Eu não me importo de conhecer sua família.

— Por que não a sua casa? - pergunto mais como um revide do que como uma forma de conhecer a casa dela. Se bem que a segunda opção é bem mais atrativa.

— Simples: não tenho uma casa- responde Eva erguendo os braços. Ela caminha em direção ao pessoal esticando os braços. É incrível como o por do- sol combina com ela... Eva se vira e o vento faz com que seus cabelos toquem seu rosto, a fazendo sorrir — Anda logo, Odin.

Sorrio e caminho tranquilamente em direção a eles que estão cantando alguma música muito aleatória. Então percebo que eu nunca tive um dia assim, com pessoas assim. Não tenho amigos... E o Júlio nunca foi meu amigo. Ele andava comigo, pois eu sustentava as nossas saídas, eu o deixava mais bonito e eu era o idiota da roda, concluo por fim. Então corro até eles, caminhando enquanto admiro o sol se por no horizonte no tom dos olhos de Eva.

***

O cheiro de salsicha frita com cebola invade minhas narinas, apesar da casa de Bob ter cozinheira para isso, o pessoal decidiu entrar na cozinha e fazer a comida. Eu, como sou péssimo nisso, decidi ficar com a parte de arrumar a mesa. Não demorou muito e Eva veio com a salsicha frita em uma tigela, Betina com a maionese e os caras com as bebidas. Sentamos a mesa, prontos para matar o que está nos matando, então Eva ergueu a mão e disse:

— Antes, vamos abençoar a comida.

Okay... De tudo o que poderia sair da boca da Eva, aquilo foi o mais inesperado. Eu a encaro achando que é alguma brincadeira, mas ela cruza as mãos e abaixa a cabeça, enquanto ordena:

— Odin, você fará a oração.

— Sério? - pergunto enquanto olho todos fazendo o mesmo gesto que Eva. Então eu respiro fundo e tento me lembrar de alguma reza que meus pais tenham feito em casa. Nada... Só me lembro da reza feita em filmes... Fecho meus olhos e lembro a oração do meu filme favorito - Okay, vamos lá...

SENHOR obrigado por essa reunião de amigos.

SENHOR, agradecemos pelas escolhas que fizemos porque foram elas que nos fizeram ser quem somos.

Não deixe a gente esquecer os entes queridos que perdemos.

Obrigado pelo anjinho, pelo novo membro da família.

Obrigado por ter trazido a Letty de volta pra casa e acima de tudo, obrigado pelos carros velozes.

Amém...

— Amém... - respondem Betina, Lucicraldo e Bob, sem entender a oração.

Eva me olha com um sorriso nos lábios, ela sabe muito bem de onde veio àquela oração. Eu sirvo meu prato, fingindo que está tudo certo, enquanto eles ficam se encarando sem entender.

— Vamos comer - diz Eva, servindo também.

O jantar seguiu bem tranquilo, conversamos sobre muita coisa. Acabei descobrindo que Bob mora sozinho, seus pais morreram há muito tempo, deixando tudo para seu único filho. Betina está terminando o ensino médio, pretende fazer Letras. Lucicraldo largou a faculdade de física e decidiu viver livre, vulgo hippie. Por incrível que pareça, ele não namora a Betina. São apenas amigos, mas o jeito como eles se olham , leva a crer que falta pouco para o amor prevalecer. Olha eu falando de amor. Contei a minha história, não toda a minha história, apenas a parte do meu quase casamento, deixando todos bem comovidos. Então chegou a vez de Eva contar algo sobre a sua vida, ela sorri e pergunta:

—Qual é a melhor maneira de magoar alguém com palavras?

Todos nós a encaramos sem entender o propósito daquela pergunta. No fundo eu já esperava que ela fosse mudar de assunto. Então eu viro e respondo:

— Evitando falar da sua vida pessoal é uma boa maneira.

— Errado - retruca Eva sorrindo, como se eu não a tivesse alfinetado — Batendo-lhe com um dicionário.

Eva ri como se aquela fosse a melhor piada do mundo. A gente fica encarando aquela louca quase rolando de tanto rir. Depois de ela limpar suas lágrimas, ela se vira e diz:

— O que foi? Eu gosto de piadas ruins. Vai me dizer que vocês nunca riram de uma piada tão ruim, mas tão ruim que ela ficou boa? - ela olha para Bob e pede quase mandando — Bob, conte uma piada ruim... Qualquer uma.

— Okay... - responde Bob, tímido — O que é que dá a vaca depois de um terremoto? Ninguém arrisca... Então lá vai: Milk-shake.

— Velho, essa é ruim - diz Lucicraldo, sorrindo — Mas eu tenho uma pior.

— Nada é pior do que a da vaca - contesta Bob, cruzando os braços.

— Ah é? Então lá vai. Preparem-se - avisa Lucicraldo tentando ser misterioso — Por que o bebe de proveta não pode e não poderá ser comediante?

— Nem imagino - responde Betina, curiosa. — Por que ele não poderá ser comediante?

— Porque ele não foi gozado! - responde Lucicraldo, empolgado.

—Essa foi péssima, em tantos níveis - diz Betina, batendo nos ombros de Luci — Mas a minha é pior: Qual é a melhor maneira de caçar coelhos?... Tchan, tchan... Imitando o grito de uma cenoura.

— Nossa... Ai que dor - diz Bob, segurando o estômago. — Mas a do Lucicraldo é pior.

—Tenho de concordar que a do Luci é triste - concorda Eva.

—Ahhh... Mas ainda falta a do Odin - diz Betina olhando para mim.

— Valeu gente, mas eu não conto piada - digo , saindo de fininho.

—Como assim? - pergunta os quatro ao mesmo tempo, incrédulos.

— Não contando... Eu não sei contar...

— Não sei se você reparou, mas ninguém aqui é um comediante- explica Betina, sorrindo — Aposto que você tem uma piada bem ruim...

—Conta aí, Brow - incentiva Bob.

— Có có có, ele é frango- zomba Lucicraldo rindo.

—Conta, Odin - pede Eva, docemente. Acho que é a primeira vez que ela me pede ao invés de mandar.

— Okay, mas é muito ruim... - garanto a eles - Como se fala topless em chinês? - todos continuam me encarando com curiosidade. Então sorrio para Lucicraldo e grito— TRUCO! A resposta é Xem- chu- tian.

Todos se olham com uma cara de quem comeu e não gostou.  Talvez a minha piada não fosse tão ruim, mas ela chegou bem perto da contada pelo Lucicraldo.

— A do Lucicraldo é pior - diz Bob, tímido.

— Desculpa, mas eu voto na do Luci – apoia Betina. Eu já esperava por isso dela...

Eva me olha sem graça... Então calmamente, comenta:

— A do Lucicraldo é realmente horrível.

— UHUUUUUUUU! Eu ganhei! - grita Lucicraldo, animado.

Eu acho que foi marmelada, mas fazer o que...

 

***

Como eu perdi para o Lucicraldo fiquei responsável por lavar a louça, mas a Eva se prontificou a me ajudar, guardando a louça. O que me surpreende um pouco o fato dela estar tão amigável comigo. Então aqui estamos, eu lavando e ela guardando...

— Sabe, estamos parecendo um daqueles casais dos anos sessenta que os filmes mostram - digo olhando para careta que a Eva faz ao escutar isso.

— A diferença - começa Eva apontando o prato em minha direção. Ela vai até o armário de madeira e o guarda, dizendo — É que não estamos em um filme, não vivemos nos anos sessenta. E mais, não somos um casal.

—Tudo bem - concordo rindo — Por que você tem de ser assim?

— Assim como? - pergunta Eva com sua sobrancelha erguida. Ela se aproxima como se estivesse me interrogando em uma delegacia.

— Tão meiga e tão megera - respondo sem medo de morrer. 

—Porque sou assim - explica Eva de maneira óbvia. Ela para ao meu lado e me dá um leve empurrão enquanto pega o outro prato das minhas mãos.

— Posso fazer uma pergunta? - pergunto, com receio.

— Claro né, Odin. Quando você não faz uma pergunta - resmunga Eva.

— Por que você evita falar da sua vida? - pergunto sério. — Todas as vezes que surge o assunto, você se esquiva...

— Porque eu acho que não preciso ficar falando da minha vida o tempo todo como vocês. - responde Eva encolhendo os ombros como se aquela resposta fosse óbvia — Sei lá, sem contar que vocês nunca me perguntaram sobre a minha vida diretamente.

— Como é sua vida? - pergunto rápido a deixando com os lábios entre- abertos. Ela estreita os olhos me encarando. Encolho meus ombros e digo — Isso é uma pergunta direta.

—Bom, se você quer saber se tenho uma família - responde Eva secando o prato com certa pressa — Sim, eu tenho um pai, uma mãe...

—Irmãos?

—Não. Sou filha única.

—Sem essa! - exclamo incrédulo — Você não tem cara de ser filha única.

— Ué, desde quando precisa ter cara para ser filho único? - retruca Eva  sorrindo. Ela aponta o pano de prato para mim e continua — Você é filho único também.

— Sim, eu sou. Mas você parece ser o tipo de pessoa que é a caçula de três irmãos que sacaneavam tanto com você que decidiu aprender a revidar. Além de ser esquecida por seus pais, o que a faz buscar ser sempre a melhor em tudo.

— Quem dera. Sou sozinha, alone, honja, allein, solo, Hitori de - diz Eva mostrando conhecer outras línguas além do português. Ela fica pensativa — Meus pais sempre me deram atenção.

— Então você é do tipo mimada e sem limites - concluo sorrindo.

— Não sei um mimado não sabe que é mimado até alguém dizer que é - retruca Eva, mostrando a língua.

— Então você era sufocada por seus pais até que você chegou à maioridade e decidiu tocar o balde daquela vida difícil que tinha de ser a princesa da casa. Então passou a viver errante atrás de si mesmo.

— Na verdade eu gostava da minha vida antes - responde Eva pensativa — Eu realmente gostava, era perfeita...

— Então por que agora você vive assim? Errante? Sem rumo ou lugar fixo? - pergunto ansioso. Preciso aproveitar aquela oportunidade e desvendar o mistério Eva. — Você é um verdadeiro Enigma...

Seus olhos castanhos me encaram, tristes como nunca tinha visto antes. Parece que a qualquer momento, uma lágrima escorreria pelo rosto de Eva e tocaria seus lábios que agora estão sendo mordidos. Ela os solta devagar, dando lugar a um sorriso fraco.

— Você pergunta demais, Odin- sussurra Eva, batendo levemente em meu peito. Ela sorri e olha para a pia vazia — Bom, acho que terminamos por aqui... Eu vou dormir... Boa noite.

Ela se afasta me olhando e então se vira indo em direção à porta, parece desnorteada, talvez seu passado seja doloroso demais para ela recordar. Respiro e vou atrás dela. Seguro seu braço e a puxo, forçando com que Eva se vire em minha direção. Eu estava certo, uma lágrima escorria em seu belo rosto. A abraço e ela aperta o rosto em meu peito, molhando aos poucos. Eu começo a mexer meu corpo lentamente, seguindo a música dos anos sessenta que só toca em minha cabeça. Ela aperta minhas costas e segue os meus passos. Dançamos, sem precisar que palavras sejam ditas para aquele momento. Eu a entendo melhor do que ninguém: Existem dores que não há palavras que conseguem expressá-las e nem o tempo consegue apagar...


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