A Aurora de Castelobruxo - A Harry Potter Story escrita por ThaylonP


Capítulo 26
Medidas Desesperadas




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Havia dias que Dourado não poderia comparecer ao púlpito para seus discursos antecipando as refeições, e Aurora aguardava ansiosamente até o momento onde sua saúde melhoraria o bastante para que retornasse. A situação que a impedia continuava a mesma, entretanto, a mulher era forçada a dizer as palavras na frente de todos. Esperava que a diretora voltasse, mas não para aquilo, não daquele jeito.

— Estamos lidando com uma situação crítica – continuou, abrindo os braços. – Não imaginávamos que um membro tão importante do nosso corpo docente poderia estar em conchavo com nossos inimigos. 

Matheus amarrou o rosto, assustado. Virou-se para a amiga, buscando respostas às suas perguntas, mas ela não pôde concedê-las. O assunto estava reservado.

— Portanto, priorizando a integridade de vocês acima de qualquer outra coisa, decidimos tomar ações preventivas, a fim de evitar qualquer evento infortuno – concluiu, antes de fazer o anúncio definitivo. 

A mulher esquivava-se em suas palavras, para que não gerasse alarde algum enquanto dizia o que precisava. Em contrapartida, os alunos pareciam perdidos, soltos numa situação que não lhes cabia e para a qual não poderiam agir. A falta das vozes bagunçadas era ensurdecedora. Do outro lado, ouvindo tudo atrás da diretora, os professores também cultivavam expressões aterradoras. Além do silêncio que compartilhavam com o restante do refeitório, alguns fitavam as mesas com olhos mortos, perdidos em seus próprios pesares, afundados na própria consciência aturdida. Ruína encarava principalmente o plano logo abaixo do púlpito, dando falta de uma figura que não estava ali. Aurora imaginou-se com as mesmas capacidades de Miranda, podendo ler a mente da professora. Contudo, só podia deduzir, pegando as pistas que o olhar não cansava em dar. Aparentava que a mulher enxergava o passado, quando um mesmo discurso como aquele de agora, foi seguido de aplausos ao homem que condenara todos àquele futuro. 

Isso esmagou a barriga de Aurora. Ficou indisposta, pediu licença aos amigos, deixou a mesa. 

Em qualquer outra situação, a bruxa seria repreendida por atrapalhar um anúncio, porém, aquele não era um momento como outro qualquer. Nunca haveria um momento como aquele. E talvez, houvesse algo de bom nisso. Detrás de sua cabeça, enquanto cruzava Anhangá sem ser seguida por nenhum par de olhos, muito atentos à frente, ouviu Dourado contar a medida, para depois explicar os porquês sem encontrar nenhuma voz de protesto. 

Aurora seguiu pela passagem, atravessou as duas estátuas de armaduras medievais. Avançou por entre uma coluna, observou a escada, a cascata de fluxo interrompido, chegou até a borda. Sentou-se, sentindo a pedra dourada apertá-la num abraço frio e olhou à frente, encarando o pátio de sua nova residência. 

O sol atingiu o pino, alto no céu de brigadeiro. Viu uma imensidão azul fluir sozinha, quase sem nenhuma interrupção branca. Mesmo aquele horário de quentura não aqueceu-a, as pernas mantiveram-se sacudindo ao vento, balançando da beirada.

Atrás de si, depois de um longo período encarando a copa das árvores ao fundo, ouviu barulhos que indicavam os alunos começando a fazer a refeição. Pratos acertavam as mesas, garfos arranhavam pratos, taças se enchiam, mas quase não havia conversa. Um muxoxo começou a se formar aos poucos, ainda que muito fraco. 

Com o ruído, não discerniu o que veio a seguir, quando alguns passos marcaram a passagem de pedra até ela. Nino sentou-se primeiro, bem do lado da garota, sem olhá-la nos olhos, tentando ver o que ela via. Matheus acomodou-se distante da borda, no flanco de Aurora, num suspiro fundo que foi mais demorado do que esperava ouvir. Inara fez o mesmo, no lado esquerdo, cruzando as pernas sem dizer uma palavra junto do movimento. Aquilo seria uma atitude normal dela, contudo, agora soava como um ponto para sua reação. Ninguém conseguiu dizer nada.

Até que, depois de um pigarro, um dos garotos aliviou o desconforto. 

— Então... a gente vai pra casa – confirmou Nino, como se explicasse a si mesmo. 

— Muito pra casa – corrigiu Matheus. – Digo... sem poder sair muito, protegido pelo Ministério, com um bruxo das trevas a solta por aí – as informações montavam uma nas outras, inacreditáveis. – Olha, de tudo que esperava no meu primeiro ano, isso me surpreendeu de verdade!

Aurora prendeu um risinho. O jeito com que dizia tudo como se fosse tão leve quanto ele pensava que era, lhe dava inveja.

— Nem me fala – Nino pôs a mão na cabeça, a boca de queixo caído. – Achei que o ápice do meu ano era ter te resgatado na floresta – apontou para Aurora.

— E eu achei que meu auge seria voar na vassoura – comentou Matheus, fazendo uma pose. – Sério, é como se eu tivesse carteira de motorista. 

— Você voa bem – disse Nino, brincando de diminui-lo.

— Ah, como assim? Tá brincando? Eu fiquei realmente muito bom depois que... 

O menino se perdeu, sem querer dizer o nome da Letícia. Ainda não sabia como tudo estava entre elas. 

— Tá tudo bem – Aurora comentou num sorriso. – Letícia te ajudou muito, e agora ele voa muito bem, Nino – virou-se para o amigo, que não refreou-se em sorrir junto dela. 

Matheus abriu uma bocarra de felicidade. Pelo jeito com que os olhos estavam comprimidos pelas bochechas, parecia que queria abraçar todos ali e levá-los juntos para a casa. Aurora sentiu um aperto. 

— Sem contar – começou o rapaz, ajeitando a mecha solta que escapava do gel. – que a gente fez um monte de besteira. Minha ficha tá cheia, só por causa de vocês! – admitiu, numa consideração. – Foi bem legal – decretou, num bufar satisfeito.

Aurora notou que estava menos feliz a cada memória que chegava. Toda aquela lembrança saudosista criava um efeito oposto, onde parecia que nada mais poderia ser daquele jeito, nunca. Os rapazes notaram isso, diminuindo suas próprias intensidades para se encaixar na dela. Nino, por sua vez, parecia compartilhar de um mesmo sentimento, mas num âmbito diferente. 

— É... acho que foi bom enquanto durou – afirmou, agora de rosto fechado. – Esperava ver todo mundo, todos os anos, mas vou ter que encarar a fuça dos meus pais dentro de casa agora. E ainda – o timbre foi sumindo, até se tornar um sopro de ar quase sem som algum. – sem a Celeste.

— Ainda não a achou? – Aurora se compadeceu. 

— Não – ele respondeu. – não sei mais o que fazer. Já chamei ela, procurei em tudo quanto é lugar e nada.

A frustração era quase sólida. O queixo de Nino estava tocando seu peito, de tão inclinada que estava a cabeça. Matheus deu-lhe um soquinho de apoio no ombro, mas outra pessoa do grupo lhe ofereceu um acalento. A voz soou nova, já que ficara sem falar desde que chegara. 

— Você vai achar – firmou Inara, inclinando-se para olhá-lo nos olhos. – Serpentes são ariscas, você sabe, mas não costumam fugir depois que encontram um ninho. Vai ficar tudo bem, Nino. 

Aurora não lembrava-se de Inara ter chamado-o pelo nome alguma vez antes. Pelo inesperado ou talvez por outro motivo que a menina desconhecia, as palavras surtiram efeito, e o menino permitiu um aceno positivo que confirmava hipótese. 

Nino agradeceu, e assim que o fez, Aurora soube que havia algo a fazer que não os envolvia. Fitou a garota, buscando uma compreensão, perguntando sem dizer uma palavra se aquele era o momento que a própria pedira para adiar. Inara fez que sim, e então, a menina sussurrou:

— Meninos, vocês... podem nos dar licença um momento? – apontou à amiga, confirmando que era particular. 

Nino arregalou os olhos, aceitando assim que foi pedido. Matheus foi mais expressivo, dizendo:

— Ah, claro, eu vim aqui para chamar vocês pra comer mesmo. Vem Nino, vamos lá, o pernil de despedida deve ser tão bom quanto o de chegada né? – disse, despedindo-se com um aceno, se afastando para consolar o amigo cabisbaixo.

O silêncio dançou entre as duas, criando uma cerimônia que ambas participaram. Estavam próximas, mas naquele vazio, pareceram distantes; afastadas por uma vastidão de palavras não ditas. Nenhuma sabia como cortejar um começo, e ficavam ali, de lados opostos, girando em círculos, sem nem se perguntarem quem tomaria o primeiro passo. Aurora sabia que tinha de ser ela, afinal convidara-a para conversar, entretanto, só dentro da situação que viu o quanto era difícil. Teria de começar, de algum jeito, e não sabia como. 

— Bom, você sabe o que estou aqui pra dizer né? – perguntou, retórica, esperando que pudesse se livrar daquela responsabilidade.

— Sei – Inara confirmou. – Mas quero que você diga, mesmo assim. 

Aurora se viu encurralada, mais uma vez. Podia fazer mais um movimento na canção de silêncio, rodopiar uma firula, desviar num passo de ajuste. Mas não fez isso. 

— É – o peito subiu e desceu, indicando uma rendição –, eu acho que preciso também. 

Houve mais um momento de pausa, tomado apenas para contemplar os segundos que antecipavam a injeção de coragem. 

— Eu sinto muito, Inara – disse, de cara. O fardo sumiu de uma vez, e assim que sentiu-se mais leve, soube que precisava continuar. – Eu... eu passei todo esse tempo aqui, ouvindo muito de todo mundo. Nas aulas, nos discursos, nas conversas. Ouvi o que podia e o que não podia fazer, ouvi o que dava e o que não dava, ouvi como e como não, e ouvi o quê e o que não – suspirou outra vez. – Acho que... no final, depois de tudo que ouvi, escolhi no que queria acreditar. O que era bom pra o que eu já pensava. E tudo deu no que deu. Eu errei com você. Estava errada, e peço desculpas.

Aurora nunca imaginou que palavras teriam tanto peso, mas assim que a língua pareceu se esforçar para dizer aquelas, soube que cuspia toneladas para fora. A voz ecoou como se dita num quarto sem móveis, e a resposta não veio de imediato. A frase se repetiu, tornou-se simplória demais a medida que ouvia uma outra vez. O silêncio continuava do outro lado, e isso podia dizer que Inara também notava a simplicidade de tudo. A menina pensou em refazê-la, dizer um monte a mais para que tudo ficasse mais evidente, para que não houvesse ponta nenhuma solta. 

— Você não tava de todo errada – respondeu a amiga.

A bruxa viu que as pontas estavam entrelaçadas, contudo, não entendia como nem porque. 

— O quê? – conseguiu rebater.

— A parte da inveja – retrucou Inara, finalmente voltando seu olhar para a amiga. O vermelho de sua pintura parecia pacífico. – Acho que você podia estar certa, sim. Eu nunca tinha visto desse jeito, com essas palavras – admitiu, jogando a cabeça de um lado para o outro. – Só achava que, depois de tudo, seria mais justo se o cajado viesse pra mim. Entendi que isso seria como uma... 

— Recompensa? – Aurora completou. 

— É – confirmou Inara. 

A bruxa se viu pensando de onde viera a certeza para completar a frase. Identificou, mas não expôs, sendo solícita sobre as duas compartilharem aquela semelhança no meio de toda a diferença.

— Eu entendo isso – disse.

Inara expandiu os lábios, e mesmo sem dentes, Aurora reconheceu um sorriso. As duas estavam apoiadas nos braços, com as palmas fazendo tração para manterem-nas suspensas. A menina moveu a mão castanha, pôs sobre a branca da amiga. O calor que lhe faltava do sol do meio-dia chegou. Aurora sorriu de volta, perdendo-se naquele instante, querendo que se estendesse o quanto pudesse. Contudo, sentiu o motim de seu próprio corpo quando a felicidade morreu nos lábios e se estendeu para uma leve rejeição daquele carinho. Ainda havia mais. 

— Mesmo que eu não tivesse de todo errada, eu também não estava de todo certa – justificou.

Inara entendeu a origem daquela frase, e ao engoli-la, devolveu o que acreditava. 

— É verdade – confirmou, vendo a amiga torcer as feições por completo. Então, continuou: – Mas fez o que precisava quando foi preciso, não é?

O pensamento que a questão levantou durou pouco, pois a resposta estava pronta, formigando na ponta da língua antes mesmo que a menina decidisse perguntar. 

— Não fiz sempre – retrucou.

— Mas fez quando importava – a amiga soava didática, como se ditasse o abecedário. – Não fez?

Dessa vez, o pensamento demorou alguns minutos. Enquanto um novo silêncio se fazia entre elas, a mente de Aurora fervilhou uma porção de ideias. Contudo, agora sem nada a escutar além dos ruídos do refeitório, ouviram-no aumentar, passando de uma comunhão de sons baixos para um disparo agudo de uma confusão. Sobrepondo as outras vozes, um timbre afinado ameaçava uma porção de coisas, enquanto outro, mais grave, tentava contê-lo. Reconhecendo os dois, Aurora levantou num salto. 

Inara veio atrás, as duas parando assim que viram a cena. Próximos à terceira mesa, por baixo das bandeiras amarelas, surgia um tumulto. De um dos lados, Luka Braz, de cajado erguido, apontando a cabeça de dragão para frente. Logo na mira, dois rapazes. Um deles, com os cabelos arrepiados, apontava coisas enquanto segurava uma serpente rosada entre os braços. Junto dele, um outro de cabelos cacheados gritando de volta ao membro de Guaraci. As duas bruxas passaram de observadoras a participantes: apressaram-se até lá, deslizando no chão quando não conseguiram frear a velocidade. Aurora quis falar primeiro, mas a voz se perdeu no meio da gritaria. As outras mesas participavam do caos; Jaci apontando a bagunça rente a mesa de sua casa e Anhangá berrando suporte ao membro de sua equipe, no outro extremo. No meio de tudo, a menina quase aproximou-se demais da cobra, e assim que notou seu medo, também notou o óbvio; ela estava ali.

— Nino, voc... onde ela tava!?

O garoto não respondeu, preocupado em devolver um insulto. Celeste não parava de sibilar, tremendo a língua próxima do ouvido de Nino. Matheus fez que ia se aproximar, porém os professores ao fundo agiram primeiro. Sendo uma responsabilidade de todas as equipes, os respectivos inspetores se aproximaram, com o adicional da professora Stradivarius, marchando firme até lá. As outras mesas se calaram, esperando a sentença que viria dali, mas Luka ainda tinha algo a dizer.

— Eu vou explodir esse bicho – anunciou, apontando o dedo. – Ele tava na minha bolsa!

— Ninguém explodirá nada – Aquino disse, tocando no cajado, esperando que Luka o abaixasse. O garoto deu um repelão no braço antes de obedecer. 

Miranda foi a próxima a alcançar a confusão, seguida de Ruína. As duas mantiveram-se caladas, mas a terceira professora avançou em direção ao filho. 

— Nino! – berrou, e houve alguns risinhos das mesas ao vê-lo enquadrado. – Controle sua mascote, pelos céus! 

— Mãe – o menino não se importou em usar o cargo dela. – Ele quer explodi-la, a senhora ouviu? 

— Esta serpente vem causando muitos problemas – disse. No ombro, a gralha pareceu reafirmar a fala de sua dona. – Não deveríamos tê-la te dado. É muito imatura, e o dono mais ainda – virou-se para Miranda. – Temos que nos livrar dela.

— Ela não fez nada! – defendeu o garoto, apertando o bicho contra o peito.

— Então, o que estava fazendo fora de seus cuidados? – argumentou a mulher, apontando de volta para Luka, refugiado junto de Aquino. – Na bolsa de outro estudante? E se por acaso algum for mordido? 

— Ela não é venenosa! – tentou o rapaz.

— Como se esse fosse o problema – devolveu. – Ela claramente está agressiva, descontrolada. Francamente, Nino. Me dê, daremos um fim a ela – pediu, estendendo a mão.

Houve mais um grasno do pássaro. A mãe estava furiosa, mas o filho, de cabelos frisados como Aurora nunca vira, cultivava ainda mais daquela raiva. Nunca lhe tirariam Celeste, ainda mais agora que havia a reencontrado. Como esperado, respondeu:

— Não – o tom foi um rosnado.

Nas mesas, o pessoal se agitou, falando em sussurros ao admirar a confusão. 

— O quê disse, mocinho? – a mulher respondeu, incrédula.

Do jeito que a voz saiu, foi como se Morgana ouvisse o filho xingar todas as gerações de sua família. 

— Eu disse que não – sustentou, e assim que a mulher deu mais um passo para apanhar a cobra, Nino completou: – E se você chegar perto, o único fim que teremos aqui é o dessa gralha asquerosa. 

Os outros alunos chisparam, Morgana enrubesceu, Miranda arregalou os olhos. Foi uma sequência de eventos onde era impossível parar de olhar; qualquer novo movimento mudaria tudo. Desde que a confusão começara, entretanto, a serpente não parava de sussurrar coisas no ouvido de seu dono. E depois de desafiá-la, o menino deixou a atenção vasculhar as palavras e, de uma hora para outra, como se ouvisse algo importante na outra língua, Nino levantou o olhar. A mãe ainda estava acuada, encarando o filho com uma surpresa latente. O garoto atravessou-a numa curta colisão, visando alcançar Miranda.

— Tenho uma denúncia a fazer. Eu sei o que aconteceu para Celeste estar na bolsa dele – apontou na direção de Luka. – Você pode me ouvir um momento?

Miranda olhou-o, pensando em negar, porém, algo que viu além do que outros ali poderiam fez-a concordar. 

— Claro, me sigam por favor. Os dois – indicou o rapaz de Guaraci. O professor veio junto dele. – Os outros – dirigiu-se ao salão –, estão dispensados, de volta aos dormitórios. 

— Vem meninas, por aqui – Nino também pediu.

Sua passada começou, em direção a sala da diretoria. A diretora Dourado, como passara a ser rotineiro, retirara-se antes do término do almoço, deixando a função para a segunda mulher em comando. O grupo seguiu, acompanhando-a até antessala, onde todos os menores ficaram, com exceção de Nino, que adentrou a passagem de onças usando Celeste como colar. 

Assim que instaurou-se um silêncio na espera, Matheus foi o mais rápido para escutar a conversa que se passava atrás da porta. Contudo, não foi necessário, pois o som pareceu vazar pela passagem, alto o bastante para que os três escutassem do lado de fora. 

— Magia? – perguntou o amigo, e Aurora confirmou, mesmo sem saber. 

Aprumaram os ouvidos, esperando a discussão começar.

— Sim, qual é sua denúncia, sr. Stradivarius? – perguntou Miranda, num timbre de certeza sobre as próximas palavras. 

— Eu fui atacado no Dia dos Mortos, por ele – apontou Nino.

— Isso é um absurd... – começou Luka. 

— Eu tenho como provar – o garoto continuou.

Aurora encarou os amigos, buscando entender antes que tudo fosse revelado. Estavam tão confusos quanto ela.

— Como? – perguntou Aquino, avançando para proteger o membro de sua casa.

— Celeste – respondeu. – Ela viu e ouviu tudo. Está tudo nas memórias dela, professora. Você pode ver, não pode?

— Céus, agora estamos fantasiando sobre cobras que revelam segredos – respondeu o professor, indignado.

Miranda parou por um momento, entendendo como seguir a partir dali.

— Façamos o seguinte, então. Que ela nos mostre o que houve, em sua perspectiva. Já que ambos terão versões diferentes da própria história, faremos diferente. Em vez de ouvi-los, sabendo o que se passa na superfície de suas mentes, afundarei em cada uma, em busca da mesma narrativa. 

Os dois de Guaraci fizeram um alvoroço. Começaram a falar juntos, defendendo que era uma péssima ideia. Por último, quando Luka se calou, abriu-se um espaço para o professor afirmar:

— Esse não é um procedimento que Dourado aprovar... 

— Este é o meu procedimento – retorquiu Miranda, impaciente. – E será executado, a menos que hajam objeções.

Mesmo que diante de uma possibilidade, os dois recuaram. 

— Não há necessidade – Aquino respondeu.

Houve uma interrupção breve, onde Nino provavelmente entregara Celeste à professora.

— Verei o que tem a me mostrar – começou, o timbre mais etéreo. – Hm... vejo aqui que o senhor estava discutindo com um dos gêmeos de Guaraci, e perguntando-o por que ele foi imbecil em usar o seu feitiço para atacar Aurora Magalhães, quando podia usar qualquer outro.

Ao ouvir seu nome, a garota surpreendeu-se. Levou os olhos direto para o punho ferido, pensando que mal se lembrara dele até ser citado. 

— "Eu só disse pra machucar ela, agora podem vir atrás de mim", é o que o senhor está dizendo, sr. Braz – continuou ela. – E depois, o senhor vê o que acredito ser o próprio Antonino, nesta visão ofídica é difícil discernir, porém, dá pra deduzir, já que o senhor vem na direção desta mascote, enfurecido – Aurora notou um quê de satisfação, que também estava compartilhando. – O senhor pergunta o que é que ele está fazendo ali espiando, depois o rende com alguns pontapés, e conjura um Feitiço de Esquecimento. 

— É por isso que eu não lembrava de nada! – rebateu Nino, sobrepondo a história com um grito. 

— Vejo também que Celeste escapa e o segue, em direção ao seu dormitório. E vejo aqui também que em uma de suas conversas, o senhor reitera as ameaças que disse não ter feito a minha aluna e meu aluno de Jaci – a mulher mastigou aquela frase, a voz pesou. – Também há diversas regras descumpridas em relação a política que temos sobre não namorar nas localidades da escola. Devo citar o nome envolvido, sr. Braz?

— Não será necessário – cuspiu ele. 

— Bom, vejo tudo isso em uma virada de noite – comentou, preparando um caso. – É bom ver que o senhor estava preocupado com os alunos sumidos, inclusive os que faziam parte de sua casa.

— É um absurdo como pode confiar numa cobra para fazerem tal julgamento – avançou Aquino, pondo-se no meio. – E além do mais, todo esse relato transgride uma dezena de regras da escola. Mascotes soltos à noite, invasão de privacidade. 

— De fato – Miranda concordou, mas não levou isso a frente, como se o ponto apontado não valesse de nada – Agora, o senhor tem a chance de provar seu ponto, meu caro. Permite que eu entre, sr. Braz? Prometo que serei muito cuidadosa com cada fibra que cruzar meu caminho – a mulher cantava a frase, enquanto carregava um subtexto soturno. 

— V-v-você – o garoto começou, perdendo a postura. Depois de um suspiro, recuperou-a de uma vez. – Isso é uma ameaça?

— Nunca – rebateu Miranda. – Seria um crime, além de também ser extremamente indelicado, da minha parte. 

— Não pode me obrigar – retrucou Luka. – Não farei isso, fere meus direitos como cidadão do mundo bruxo. 

— Muito bem – considerou ela, livrando-se de um pigarro. – Então, se me permite, tomarei a única base que tenho: as memórias que consultei desta serpente. E bom, pelo que transgride aqui, não me resta outra alternativa a não ser afastar o senhor dessa instituição.

Houve uma pausa de incredulidade. 

— Todos estão sendo afastados – Aquino pontuou. – É a isso que se refere? 

— Não, esta é uma decisão permanente – reafirmou ela.

Aurora deixou o queixo cair. Matheus manteve um sorriso junto de uma boca aberta. Até mesmo Inara ficou surpresa. 

— O quê? Vai me expulsar? – bradou o garoto, profundamente ofendido. – Não pode!

— Você tem pontos o bastante para isso – confirmou ela. – Todas as suas infrações passam do limite aceito por essa escola, e é claro, a qualidade de cada uma passa de qualquer outro limite que possamos usar para considerar.

— Miranda, veja bem – Aquino interveio, preparando um discurso. 

 – Não vai fazer isso – o menino grunhiu. Parecia conter a irritação dentro da boca. – Não pode. Meus pais entrarão com um processo no exato momento que eu deixar aquela porta.  

— Estou certa que sim. E estou vendo bem, sr. Aquino, e ouvindo também, obrigada por se interessar – a mulher fez um movimento, a mesa ruidou madeira. Talvez tivesse ficado de pé num solavanco. – Mas acredito que os senhores não, então vou repetir, para que fique bem claro. Luka Braz, terceiro ano de Guaraci, está expulso desse colégio – quando houve uma pausa tensa, Miranda seguiu. – Creio que te contei dos privilégios que tinha, e confirmei que assim que pudesse usá-los, eu não pestanejaria em nenhum deles. Pois bem, estou usando um dos meus agora.

— Mas isso é uma injustiça sem cabimento – defletiu o estudante. 

— Exatamente – confirmou a professora.

As onças fizeram um movimento para concederem passagem, e foi então que o som ecoado na antessala deixou de ser reproduzido. O trio saltou para os assentos de espera o mais rápido que podiam, disfarçando. O garoto expulso passou trovejando porta afora, buscando chutar tudo em seu caminho. A figura seguinte foi Aquino, deixando a sala sem perder a pompa, apesar de ter perdido a guerra. Por último, fechando a passagem com Miranda lá dentro, Nino saiu, tão impressionado quanto orgulhoso. Celeste se enroscava num dos braços do rapaz, pendendo a cabeça, sibilando algo a ele. Parecia uma comemoração.

— Nino, o Luka Braz foi expulso por sua causa! – Matheus vibrou, muito empolgado. – Eu nem acredito.

— Nem eu – Aurora comentou.

— Nem eu – Inara repetiu.

Nino ainda não conseguia falar, mas a reação era nítida. O peito estava inflado, e a boca levantada lhe concedia um ar de um herói admirando uma conquista, alegre pelo dever cumprido. 

— Como você tá se sentindo? – perguntou Aurora, querendo saber a opinião dele sobre si próprio.

— Sinto que estou prestes a levantar voo! – disse o garoto.

Um choque elétrico irradiou dele, golpeando-os com uma descarga de energia. De repente, todos entendiam a sensação. De fato, assim como podiam derrubar vilões, restaurar amizades e desfazer conflitos, podiam levantar voo. Ali e agora.  

 


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