A Aurora de Castelobruxo - A Harry Potter Story escrita por ThaylonP


Capítulo 27
Alvorada




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Castelobruxo esvaziou-se a medida que as semanas passavam. As despedidas começaram na segunda semana de Novembro, e se estenderam até o princípio de Dezembro.

Os primeiros a deixar a escola foram os estudantes de origem mexicana, acompanhados pelo professor Rueda. Separados em caravanas, seguiam pelo caminho de volta da cachoeira, escalando a água dentro dos botes até terem espaço o bastante para aportarem. Depois, voavam dali com suas vassouras, escoltados por uma equipes de funcionários das Organizações Mágicas Unidas das Américas. Aurora despediu-se das colegas que pertenciam ao país, o que incluía sua monitora, Maria. As duas se apertaram num abraço, enquanto a mais velha comentava o quanto seria melhor se estudasse em Ilvermorny, e que faria, não fosse o preconceito dos alunos americanos para com o país vizinho. Então, concluiu ela, era melhor esperar essa escola reabrir.

Aurora observou as despedidas da sua janela, e assim que Maria despediu-se, seguiu olhando Anhangá reunida para dar adeus. Antes que a primeira leva partisse, a monitora alcançou o seu parceiro de monitoria, concedendo uma surpresa aos alunos que estavam na clareira. Ela beijou-o demoradamente, para a surpresa de Kevin, que deixou os óculos caírem do rosto quando os lábios o tocaram. Ambos deixaram a carícia, agitados, recompondo-se enquanto alguns companheiros os saudavam com vivas. Ela ainda o ajudou a ajeitar os óculos no rosto. Depois do que haviam passado o ano inteiro, aquele era um adeus digno.

Nas semanas seguintes, os pertencentes a países da América Central foram os próximos; um grupo de sextanistas haitianos, alguns porto-riquenhos de Guaraci, jamaicanos representados em Anhangá e um monte de outros da Costa Rica, Panamá e Nicarágua. Houve muita confraternização nessa partida, embora em suma, o evento fosse triste.

Próximo do começo de mês, a janela da torre também mostrou aqueles que partiram para América do Sul. Os brasileiros seriam os últimos; a longitude de cada estado determinaria quem iria primeiro. Alunos bolivianos, peruanos, chilenos e venezuelanos pareciam aflitos em deixar as locações. Alguns até cerimoniaram um adeus ensaiado, que não funcionou como deveria, mas que serviu para emocionar o grupo.

A garota sentia que uma parte de si estava sendo puxada a cada nova partida. A cada voo escoltado, a cada nova subida na cachoeira. Tentava manter-se estável até que chegasse o momento de despedir-se dos amigos, porém, quando esse dia chegou, no primeiro de Dezembro, achou que iria se despedaçar.

A tarde começara a cair, alaranjada como nunca vira antes.

— Os do sul já foram, agora é a nossa vez – explicou Nino. – Sudeste né?

O menino mal havia terminado de falar, e Aurora apertou-o o quanto podia. Ele não entendeu.

— Não vai com a gente? Pensei que você morasse em São Paulo.

A menina continuou apertando o rapaz, sem responder sua pergunta. Nem podia fazê-lo, ao mesmo tempo que sentia que não precisava. O menino acabou devolvendo o gesto, tempo o suficiente para o aperto ficar doloroso.

Antonino fez uma reverência, voltando ao tom cavalheiresco, e assim que o fez, balbuciou algo a dizer.

— Aurora, eu preciso te falar isso antes d...

— Não, não precisa – rebateu a garota, com um sorriso torto. – Está bom como está. Como amigos.

O garoto devolveu uma expressão diferente do que ela esperava; uma mistura complexa de sensações. Contudo, depois dessa reação, tornou a sorrir, acenando uma positividade com a cabeça. Uma lufada de vento desceu a encosta, fazendo-os vibrar de frio.

Inara estava ao lado, mal sentindo a temperatura. Respirava pesado sobre as despedidas, porém não sentia-as como Aurora, que tentava estendê-las para não perder tempo com qualquer outra coisa. Entretanto, ainda faltava uma pessoa, sem contar a amiga que só partiria nos próximos dias.

Saindo da formação, Matheus veio correndo, ajeitando a jaqueta bomber nos braços, confundindo-se um pouco. Aurora aproximou-se, segurando a roupa para que a tarefa ficasse mais fácil. O menino agradeceu, pôs os braços nos espaços corretos, apertando-a em seu conforto antes de se virar. O garoto entregou uma felicidade abobada. Ela não aguentou, partindo para os braços do rapaz, apertando o corpo mais confortável das despedidas até então. Os cabelos cheiravam a grama. Aurora percebeu que estava de olhos fechados, e assim que soltou-o, abriu novamente. Ao longe, havia uma garota; roupas leves, verdes e azuis, cabelos esvoaçados cobertos por um topete, sem nenhuma proteção desnecessária para o clima.

— Ela mora perto? – perguntou.

— Bom, não é tão perto, não. Mas diz que mora no litoral – Matheus ergueu o beiço inferior, fazendo um sinal de que era algo chique. – Perto da praia assim, sabe?

— Sei – Aurora rebateu, com um sorrisinho de quem sabe mais do que deve.

Acenou à garota ao fundo, antes que o amigo se virasse. A menina devolveu a gentileza, simpática.

— Não vai demorar tanto, vai? – perguntou Matheus. – Quer dizer, Dourado e os demais vão achar ele, não vão?

— Vão sim – afirmou, sem ter certeza.

— Tá bom, então, te vejo logo. Ah – sobressaltou-se, como quem lembra alguma coisa importante. – Eu vou escrever, tá bom? Prometo! Ou venho de vassoura mesmo, qualquer coisa assim – disse, divertindo-se sozinho.

— Sabe que não pode né? – rebateu Aurora, arqueando as sobrancelhas.

— Eu sei – riu, o nariz fungou no processo. – Só queria parecer que ia cumprir mesmo.

— Mas eu sei que você vai – falou, curvando o lábio para cima. – Você sabe cumprir promessas.

O menino corou, saltou para mais um abraço curto que estendeu-se mais do que o necessário, deu meia volta nos calcanhares e saiu em direção à caravana da vez.

A amiga se aproximou, e com uma mão no ombro, aconselhou a Aurora que era melhor subir à torre em vez de continuar olhando com saudade. A bruxa concordou, subindo os degraus pensando em quantas vezes fizera o mesmo exercício, em vezes mais ou menos empolgadas.

As duas passaram da Sala Comunal direto para os dormitórios, apenas para se surpreenderem com a quietude do ambiente. As camas estavam arrumadas, os baús recolhidos, as escrivaninhas limpas. Sobravam uma ou duas ainda separadas, incluindo a de Aurora e Inara. A amiga avançou primeiro, sabendo que teria de arrumar tudo antes de partir no dia seguinte.

Aurora estava pronta para lançar-se no beliche, quando ouviu o estalar de garras na pedra da torre. A amiga notou primeiro, e em seguida, as duas viram o tom azul das asas salpicado de amarelo nas bordas. O coração da garota saltou para a garganta assim que viu Blu, de bico ocupado por uma carta.

A sua resposta.

Aproximou-se do bicho, acariciando sua cabeça, dizendo que havia feito um bom trabalho. Quando o animal depositou a encomenda na mão da menina, os olhos ficaram surpresos mais uma vez, pois eram duas cartas em vez de uma.

O primeiro envelope indicava o que esperava: o código postal, o endereço, o remetente. O segundo, não. Aurora respirou fundo, rasgou o papel com cuidado para não danificar o conteúdo e começou a ler.

Ei, Aurora.

Relutei bastante ao pensar se deveria escrever essa carta, mas se você está lendo, acredito que tive coragem o bastante para passar da fase de debate e partir para a ação.

A maior parte da minha luta interna enquanto escrevia, era decidir se isso era algo que você deveria saber por esse meio, em vez de ouvir direto da minha boca. Por uma série de motivos que teremos tempo para explicar (apesar de não termos tido ao trocar diversas correspondências discutindo isso), entramos em um acordo ao achar que se você passasse muito tempo sem saber, até que pudéssemos reencontrá-la, seria uma injustiça contigo. E você bem sabe que prometi que não cometeria mais injustiças.

Seu pai e eu estamos nos divorciando.

Saiba que essa decisão vem há anos. Estávamos com grandes conflitos, sobre tempo ou a falta dele, sobre trabalho ou a falta dele, sobre amor e... a falta dele. A gota d'água foi quando tomei uma decisão que o desagradou, ou ao menos, é o que ele me diz.

Querida, peço que entenda que estamos resolvendo isso como adultos, solucionando o que pudermos para continuarmos sendo os melhores pais que podemos para você. O amor que sentimos não mudará, e espero que não mude o que sente por nós.

Conversaremos melhor nas férias.

Com todo o meu carinho, 
Pai n° 1.

A leitura terminou com uma vertigem. Não fossem os reflexos de Inara, a garota teria despencado no chão. A amiga perguntou o que havia acontecido, porém Aurora só queria reunir forças para ler a segunda carta. Ajeitou a postura, afirmando que estava bem, e embora ainda sentisse as têmporas latejando, prosseguiu:

Oi, meu amor.

A este ponto, a carta de seu pai já deve ter lhe alcançado, então só preciso reforçar o meu lado.

Talvez ele tenha dito que a gota d'água foi uma decisão, mas isso vinha de uma série de decisões que preferia que nós, como casal, não tivéssemos tomado. Um monte de coisa que não convém a você, afinal não temos que dar mais coisa para encher sua cabeça.

Só preciso que entenda que não tem a ver contigo. Você foi a coisa mais especial que já passou pelas nossas vidas, e suas desculpas foram aceitas sem que aquela situação entrasse nessa equação.

Explicaremos tudo quando pudermos, sem falta.

À minha Aurora, 
Pai n°2.

Ao terminar, sentando-se na cama de baixo do beliche, sem conter as lágrimas que escorriam pelo seu rosto, entendeu que preferia não ter tido resposta alguma. Inara encarava-a, buscando compreender o que acontecera para ajudar, sabendo, entretanto, que não poderia. Aurora sentia-se isolada, apagada de tudo que pensara ter algum significado; perdida dentro de si mesma, ao mesmo tempo que perdida de todo o resto.

As lágrimas não pararam quando a noite veio, e se estenderam o quanto era possível. A amiga, sem poder ajudá-la, manteve-se ali, sentada ao seu lado, ouvindo-a chorar. Se era o que tinha possibilidade de fazer, faria, sem abandoná-la mesmo querendo ir dormir. A um certo ponto, Aurora achou inútil chorar sozinha, e acabou se deitando nas pernas da menina ao seu lado, tentando achar a última parada da trilha de pedágios que estava passando. Cada nova gota indicava um novo degrau na escada que apagava, atrás de si, a possibilidade de subir de volta; descia, infinitamente, fazendo-a acreditar que havia chegado ao fim, para em seguida, ser surpreendida com mais um lance.

As horas passavam, as cartas foram relidas, os lampiões mantiveram-se acesos. Até que, quando a cama passou a ser insuficiente, Aurora obrigou-se a lê-las de pé, encarando o breu da paisagem do lado de fora. Em qualquer outro caso, haveria um certo pavor ao observar a imensidão preta, repleta de deformações de galhos que formavam sombras estranhas, entretanto, agora, parecia um bom lugar para um passeio. Um excelente ambiente onde podia se perder para não ser encontrada.

— Não tem nada lá – a amiga disse, aproximando-se da janela. –, mas tem algo aqui. Pode falar comigo.

Aurora apertou as cartas na mão. Era a única coisa que não havia tentado ainda.

— Eu – a boca estava seca depois de tanto choro – só... não...

A amiga esperou. Não era uma frase complexa, Aurora só tinha dificuldade de falar qualquer coisa.

— Só não entendo – revelou.

— O quê?

— Isso – apontou para o nada.

Inara precisava de mais, porém não insistiria. Na dificuldade de formular qualquer coisa, Aurora bufou o restante.

— Isso tudo. O que é isso tudo? – a garota fez uma pausa, cultivando os sentimentos mistos dentro de si. Queria gritar de raiva, chorar de tristeza, surtar de medo. – Isso – apontou as cartas. – E isso – moveu os braços, abrangente, referindo-se ao colégio. – Aquilo – dessa vez, mirou a escrivaninha, o Orabutã apoiado em cima. – Parece que tudo... é só um monte de coisa que não entendo.

— Mas não é. Certo? – a menina se aprumou na janela junto da amiga. – Digo, você sabe o porquê dessas coisas, não sabe? 

— Algumas sim – Aurora pôs as cartas para baixo, insinuando que ia amassá-las. Não fez isso. – Outras, nem tanto – o olhar permaneceu na floresta. 

As estrelas aparentavam uma beleza que Aurora estava com dificuldade para ver. Mesmo o amontoado de constelações soava pequeno perto do que pensava. 

— O quê não entende sobre Orabutã? – Inara perguntou, fitando o céu junto dela.

— Tudo gira em torno dele, no final – respondeu, mantendo fixo o olhar perdido. – Mas não sei muito sobre. Na verdade, parece que a cada vez que acho que sei, tem mais um monte de coisa que não faço ideia. Eu... – a menina prendeu, mas viu que não havia nada a perder. – vi algo assim que ele cresceu. Uma visão, como a visão-vínculo que temos quando o cajado nos seleciona. Estava numa mata, e Anhangá estava lá. 

— Anhangá? – Inara se surpreendeu. – E o que estava fazendo?

Aurora bufou uma insatisfação, pensando o quanto não entendera de tudo. 

— Morrendo, eu acho – começou. – E tocando a árvore, como se passasse algo para ela. Talvez seja por isso que a estátua ajoelhou.

A amiga acenou uma certeza com a cabeça, compreendendo a história, ainda que alheia ao significado de tudo. Entretanto, ajustou-se na borda da janela, tomando posição ao lado dela.

— Não vejo o que falta entender, parece que você sabe bem – comentou.

— Não, Inara, não sei. Não sei um monte de coisas. Não sei porque tive duas visões dessa, não sei porque ele cresceu justo naquele momento. Por que ali? Por que naquela hora?

Inara abafou uma risada, de leve, caçoando a ingenuidade do que ouvia. Depois que Aurora pareceu estranhar a reação, as feições mudaram para inconformidade. A garota não acreditava no que ouvia.

— Aurora, como você não pode saber? – começou ela, voltando a vista às copas apagadas pelo céu. – Ele cresceu quando seu poder cresceu. Quando você escolheu sacrificá-lo para salvar outras pessoas.

A garota sentiu as palavras gritarem, como se a amiga apontasse uma mancha óbvia numa parede branca. Ainda assim, mesmo que soubesse do que se tratava, as lacunas permaneciam. Não sobre o cajado em si, mas sobre tudo o que lhe envolvia. 

As lacunas sobre si mesma.

— Ainda não sei porque tem que ser comigo – continuou a fala de antes. – Tudo isso, de repente.

— Isso é importante? – rebateu a menina indígena.

Aurora pensou um bocado. Havia uma resposta certa, porém Aurora forçava-se a devolver com o que costumava acreditar. Entretanto, notou o quanto a fala não lhe cabia mais, assim que a disse:

— Tinha que ser – a voz saiu no meio de um ofego.

— Mas não é – respondeu a garota. – Vimos que não é. Não importa.

Nenhuma das duas tinha noção do horário, porém, uma claridade começava a brotar no fundo do horizonte; o princípio de um novo dia.  

— Você é especial, Aurora – a amiga continuou a falar. – Mas não do jeito que pensa. 

Uma fagulha acompanhava o restante do clarão alaranjado que começava a subir. As estrelas eram vagarosamente consumidas por aquela energia, apagando a noite pedaço por pedaço. As copas surgiam, aparecendo após um grande período afundadas na escuridão. 

— Não me sinto nada especial – cochichou Aurora, vendo uma névoa de frio escapar de sua boca. 

— Bom, talvez você esteja vendo errado – sorriu a garota. 

Inara apontou à clareira, rente ao cordão que separava as árvores colossais da demarcação de Castelobruxo. Ali, aproximando-se devagar, acompanhados de um brilho verde fluorescente, estava uma manada de Ninfusgos. Vinham de todos os lados, alguns com suas formas animalescas cobertas de gramíneas, outras como pontos de luz espalhados até onde sua vista alcançava. Sentiu um toque nas costas, e mesmo sabendo que era da amiga se afastando porque o dia começara, o corpo reagiu além. Algo dentro de si rugiu uma certeza, uma confirmação de que tudo que precisava estar no lugar, estava. Uma confirmação de que, dali para frente, veria como deveria ver. 

Aurora aproveitou o momento para fechar os olhos, buscando fumegar-se da essência do raiar. Sob o parapeito da janela da torre, foi tocada pela luz de uma nova manhã. A pele ardeu de leve, transbordando a energia do sol. Quando abriu, fitou o horizonte outra vez. 

Então, viu a alvorada. 

 


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