Tronos de fogo e gelo escrita por Sojobox


Capítulo 9
A noite é escura e cheia de terrores


Notas iniciais do capítulo

Capitulo de hoje é um pouco grandinho comparado aos anteriores.

Teremos um foco em Medneria, um novo personagem chamado Edrick, e pela primeira vez um povo em Davos. Boa leitura.



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A noite é escura e cheia de terrores

 

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Melia Hollard

 

Falar, ouvir, pensar, andar, sentir. Tudo estava ficando mais difícil para Melia. Cada passo que dava em direção a porta de seu quarto era uma lembrança dolorida.

 

Não importava o quanto quisesse esquecer, os sofrimentos eram mais potentes. Havia tentado de tudo, desde distrair-se com conversas ou trocando alguns vestidos.

 

Nada funcionou. Ao contrário, ao conversar com algumas das meninas nobres do reino, percebeu o quanto carecia de alguém que conversasse sobre algo que a interessasse. E abrindo seu armário e olhando para seus vestidos lembrou-se de Medneria que conseguiu, sabe-se lá como, levar dezenas de vestidos numa mala, muitos tipos de roupas, acessórios de beleza, sais de banho e afins. Além de utensílios que ela nem faz ideia do que fossem.

 

Como sinto sua falta.

 

Ela também sentia falta de seu pai, que estava sendo feito refém daquele monstro que usa uma máscara de corvo.

 

Teria que haver uma grande mudança para modificar o caminho torturante em que ela estava caminhando.

 

Dois corredores antes de chegar ao quarto, porém, estava a sala real, e uma pessoa vinha na direção oposta. A jovem olhou de relance para ele e, por instinto, pressionou sua mão esquerda com força no vestido que estava usando, antes de cumprimentá-lo.

 

— Oi, conselheiro.

 

— Olá, futura rainha.

 

A menina tentou sair de perto, mas o homem agarrou o braço dela fortemente.

 

— Devo lembrar-lhe que o corvo vê e sabe de tudo o que aconteça em seu território?

 

— Não sei o que está tentando dizer. — A princesa Hollard tentou se soltar, mas não era forte o suficiente. — Está me machucando.

 

— Eu sou quem manda aqui, não seu noivinho, nunca se esqueça disso. — Máscara de Corvo largou o braço da jovem com desprezo.

 

— Sim senhor.

 

— Suma daqui. Tenho uma reunião importante com o rei.

 

— Com sua licença.

 

— Espere um momento.

 

E agora?

 

— Podes ir visitá-la agora — o conselheiro disse surpreendentemente.

 

— Tem certeza?!

 

— Claro, eu disse que deixaria, não disse? — O mascarado abriu a porta da sala real. — Talvez consiga entender melhor a situação em que está.

 

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Máscara de Corvo

 

— Meu caro rei, como estás? — disse o conselheiro ao entrar no recinto.

 

— Ah! É você mascarado. — O jovem olhava pela janela com um olhar distante. — O que quer aqui?

 

— Nossa! Essa magoou. — Ele colocou a mão sobre o peito para enfatizar o sentimento, embora irônico.

 

— Desculpe, essa não era minha intenção — Denys falou sem perceber a ironia nas palavras do conselheiro.

 

Esse garoto é o próximo rei da região? Que ingênuo. Vai acabar sendo devorado vivo por algum animal selvagem enquanto estiver caçando quando for adulto.

 

— Meu jovem, lembras que hoje teremos a sua coroação?

 

— Sim.

 

— E estás preparado? Já sabe o que vai falar?

 

— Quando chegar a hora, eu penso em algo.

 

— Seu desapego a assuntos de tamanha importância me fascina.

 

— Não vejo nada demais em um discurso.

 

— Ah! Mas é vital. Entenderás melhor quando for mais velho.

 

— São apenas palavras, nada mais.

 

— A força que as palavras têm para atingir o coração das pessoas, pode ser, por vezes, mais dura do que a mais afiada das lanças de bronze.

 

— Hum... Sei.

 

Retiro o que pensei. Ele não vai nem chegar à fase adulta.

 

— Reconheço que você não teve treinamento para virar rei, mas terás de aprender no dia a dia do ofício.

 

— Não tenho que ter tanta pressa, você será o regente, não é?

 

— Ah! Estou muito lisonjeado com a sua aceitação do meu pedido.

 

— Quem mais poderia ser? Você era homem de confiança do meu pai. Preciso de pessoas com experiência e que possam me ajudar a crescer como rei.

 

— Se pensas assim, talvez esteja mais preparado do que imagina.

 

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Medneria

 

Medneria percebia o que estava acontecendo. Fora colocada em uma das celas afastadas da masmorra, para que mesmo que berrasse pedindo socorro, nem mesmo o guarda que estivesse na porta ouviria. Mesmo que fosse torturada ou violentada nem uma alma ouviria seus gritos de lamento, dor, impotência.

 

Apesar disso, desde que foi levada ao seu cativeiro, ninguém tocou nela, pelo contrário, estava sendo muito bem cuidada, com exceção de estar amarrada a uma cadeira por quase o tempo todo.

 

De vez em quando, um guarda chegava e perguntava se precisava ir ao banheiro ou beber algo, e serviam a ela refeições três vezes ao dia. Normalmente esse seria o tratamento dado a um nobre que não tivesse sido acusado de algo tão grave. Não era o caso de Medneria. Por mais que fosse nobre, ninguém sabia, pensavam que era uma reles serva e, ainda por cima, fora acusada de assassinar o rei.

 

O que ele quer de mim afinal?

 

Seria muito simples se ele quisesse matar a mulher. Poderia dizer mais tarde que a viu matar o rei e que o vingou.

 

Mas ele quer manter as aparências de um homem pacífico, será que é isso? Não tem algo além...

 

Ele quer me fazer sofrer até que eu peça para que me mate? Se for, vai esperar por mil vidas e jamais ouvirá isso.

 

— Medneria? Medneria! — a voz chamou a atenção da criada.

 

— Senhorita Melia! — O alto tom da surpresa era visível. — O que fazes aqui?

 

— Vim visitá–la, é claro. Saber se está bem. O que mais poderia ser?

 

— Não deverias ter vindo até aqui — a serva olhou para os lados fora da cela e continuou a falar: — Não é seguro.

 

— E que lugar é seguro? — perguntou a menina, com um tom de voz que fez Medneria imaginar diversas coisas ruins.

 

— Melia, fizeram algo com você? Alguém tocou em você? Me responda, por favor.

 

— Não se preocupe, estou bem.

 

A maneira que ela disse isso me deixou estranha, acredito que ninguém tenha tocado nela, mas talvez tenha acontecido algo pior.

 

— Deverias se preocupar mais contigo. Está desconfortável, não está? Mesmo sendo uma serva não deveriam mantê-la amarrada se já está dentro de uma cela. Vou falar com Denys.

 

— Agradeço a preocupação, mas receio que não adiantará.

 

— Medneria, posso perguntar-te algo? É o motivo de ter vindo aqui.

 

— Claro, mas o que é tão importante?

 

— Você mentiu pra mim esse tempo todo, não foi?

 

— O quê? Como assim? — a mulher tentou disfarçar, inutilmente.

 

— Você é uma nobre, não é? De uma família importante em Essos.

 

Ele contou a ela!? Mas o que ele ganha com isso?

 

— Sim, é verdade — sem saída, confirmou. — Minha família não existe mais. Por isso vim aqui para Westeros.

 

— Mas não é só isso, estou certa? Você veio porque quer se vingar do homem que fez isso.

 

— Sim, meu objetivo, ao viajar o oceano, foi esse.

 

— Então é verdade — ela ficou triste ao ouvir a história da própria serva. — Apenas nos usou, nunca se importou de verdade comigo.

 

— Não, isso não é verdade. Eu vim aqui com esse pensamento em mente e precisava de um lugar para ficar, um que eu pudesse morar, me alimentar, permanecer perto o suficiente para colher informações e poder cumprir minha missão; mas isso mudou com o tempo, eu me afeiçoei a você e sua família.

 

— Então porque não contou a verdade?

 

— Se eu contasse, todos estariam em risco, e meu esconderijo ameaçado. Não poderia me dar ao luxo disso, mesmo que tivesse que esconder meu passado da senhorita.

 

— Onde está o seu orgulho de nobre? Servir a uma garotinha mimada como eu por todo esse tempo...

 

— Nunca fui muito boa com essa história de nobreza, tinha diversas pessoas que faziam tudo para mim a qualquer hora do dia, mas me sentia mal por isso. Se eu quisesse fazer algo, não deixavam, sempre faziam por mim. Eu queria ser livre. Acabei conseguindo a liberdade que tanto desejava, mas a um preço muito alto.

 

— O que aconteceu? — perguntou curiosa a princesa.

 

— Os dragões aconteceram — Medneria respondeu sucintamente.

 

— Dragões?

 

— Sim, são como lagartos, mas maiores — quando a serva falava, sua voz tremia enquanto lembrava. —, muito maiores que Valdocaso. Além de cuspirem fogo.

 

— Maiores que Valdocaso!? Como pode existir um animal maior que um reino inteiro? Estás brincando, não é? Onde eles poderiam ficar com esse tamanho todo?

 

— No céu. Eles podem voar.

 

— Voar? Tipo passarinhos?

 

— Não os chamaria de passarinhos, mas, sim. Eles chegaram ao anoitecer e queimaram tudo e todos.

 

— Como sobreviveste?

 

— Meu irmão sacrificou sua vida para me proteger.

 

— Mas então foi um dragão que matou seu irmão, não um homem?

 

— Foi um dragão, mas trazido ao meu reino graças a um homem, aquele maldito que se esconde por trás da máscara de corvo.

 

— O nosso conselheiro.

 

— Sim. O próprio.

 

— Sinto muito, não fazia ideia. Desculpa ter feito você se lembrar de momentos tão dolorosos.

 

— Tudo bem, é algo que eu precisava falar — Medneria respirou fundo e continuou: — Escuta, Melia. Você tem que sair daqui o mais rápido possível.

 

— Ahn? O que disse?

 

— O sujeito que está na função de conselheiro do rei é alguém extremamente perigoso, ele está armando algo. Foi ele que armou para que eu fosse presa, provavelmente ele que matou o rei, ou um dos seus... e mandou matar Devan. Não sei o que ele quer aqui, mas quanto mais tempo ficares por perto, mais chances terás de se tornar um alvo para ele. Por favor, fuja daqui o quanto antes.

 

— Não adianta, ele... — A voz falhou por um instante. — Ele já me acertou.

 

Ah, não. Não, não, não.

 

— Ele está com papai... Se eu não fizer tudo do jeito que ele quer, ele pode... — A voz da menina voltou a falhar. — Não sei o que ele pode fazer. — Estava em prantos e soluçando bastante. — Me ajuda, eu preciso de ajuda, Medy.

 

Jamais vou perdoar aquele cretino. Nunca. Uma morte é pouco para ele.

 

— Melia, sairei daqui, vou criar uma distração. Será por pouco tempo. Você tem que aproveitar essa brecha e fugir.

 

— Do que está falando? Meu pai...

 

— Eu cuido dele. — Os olhos de Medneria demonstravam apelo. — Confias em mim?

 

— Claro que sim, mas para onde iria? Minha casa é muito longe.

 

— Tem uma vila pequena a sudoeste que fica a duas horas a pé daqui. Corra até lá, não pare. Quando chegar, diga que é minha filha e que precisa voltar para casa. Eles te manterão em segurança por um tempo. Não tente voltar para cá ou para sua casa. É perigoso demais.

 

— Mas, Medneria, como vai conseguir sair daqui?

 

— Pode deixar comigo, minha querida. — Um sorriso se formou no canto da boca da serva. — Sou muito mais do que apenas uma assassina, sou uma sacerdotisa vermelha.

 

— O que isso quer dizer?

 

— Quer dizer que não precisa se preocupar, minha querida.

 

Tudo que Melia ouviu de sua serva pessoal ressoava em sua mente enquanto voltava para seu quarto para se preparar para a cerimônia de coroação.

 

Será que deveria deixar tudo para trás assim? Papai e Denys. Poderia abandonar pessoas que amo assim? É muita pressão para uma criança como eu. Só queria que meu irmão estivesse aqui.

 

Enquanto a noite caía, assim como a temperatura, todos estavam presentes no salão real para celebrar o novo rei. Neste momento, em sua cela, Medneria continuava presa em sua cadeira, mas seu corpo reagia de forma diferente do que imaginado ao frio que a noite trazia. Seu corpo suava tanto como se estivesse de dia tomando sol.

 

— Senhor da luz, me ajude a andar pelo caminho que devo ir. — A frase era repetida como se fosse um mantra.

 

Não muito tempo depois, as cordas que a prendiam pegaram fogo e queimaram completamente suas amarras.

 

Após se libertar, ela só pensava em ir atrás de uma pessoa: aquele que causou tudo de ruim em sua vida.

 

Ah! Querido, você não faz ideia que a hora do seu julgamento está próxima de chegar.

 

Medneria olhou para o fogo, que a havia libertado, e levantou seus braços, fazendo com que as chamas aumentassem exponencialmente.

 

— Edrick... Edrick... — ela chamava repetidamente a pessoa sem muito sucesso.

 

Utilizar as chamas para conversar com alguém, principalmente se essa pessoa não conseguisse usar magia, era particularmente difícil, mesmo para sacerdotes vermelhos experientes. Porém, Medneria estava a alguns níveis acima da maioria dos colegas de religião.

 

Preciso falar com você. É o único que pode chegar a tempo. Me responda!

 

— Medneria? O que houve? — dizia a voz do outro lado das chamas.

 

— Graças a R’hllor! Levarás quanto tempo para chegar?

 

— Se meu cavalo não bebesse tanto em tão pouco tempo, eu já estaria aí, mas acho que consigo alcançar você em vinte minutos.

 

— Você tem dez minutos. Use bem.

 

— Ah! Não seja maldosa.

 

— Fique quieto! Tenho uma tarefa extra para você.

 

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[BC]Davos Hollard

 

 

Para quem visitou muitas vezes o Forte Pardo, Davos não conseguia entender onde exatamente estava.

 

É claro que não vinha aqui há alguns anos.

 

O quarto era fechado, tinha apenas uma cama para que pudesse descansar. Havia uma porta, mas sem janelas, com isso não dava para saber se era no alto, ou no subsolo.

 

A quem devo agradecer por meu cárcere privado? É claro que aquele cretino que se esconde debaixo de uma máscara.

 

Rei Davos Hollard era, sem dúvidas, a pessoa mais importante da região, fora os Darklyns. Se contarmos com o fato de que, nessa época exata, só temos Denys vivo, ele poderia ser considerado a terceira pessoa mais poderosa. O problema era que entre eles existia certo conselheiro/futuro regente.

 

Davos havia se tornado uma pessoa bem menos violenta do que quando estava nos campos de batalha na época da unificação. Muito dessa mudança veio, em parte, por causa de Denys I. O antigo rei dos Darklyns pulava no campo de batalha como um fera, abatendo quem quer que estivesse em seu caminho. Para Davos era uma maluquice, afinal, reis deveriam ficar planejando e ordenando os movimentos da batalha, não se arriscando na linha de frente; mas seu amigo pensava o contrário, como disse milhares de vezes:

 

— Como poderei olhar para meu povo se na hora de lutar corro para trás de muros como se não tivesse nada entre as minhas pernas?

 

E ele respondia:

 

Vivo.

 

Seu amigo replicava:

 

E que raios de vida é essa que teria se fosse um eunuco?

 

E ambos terminavam rindo e bebendo. Geralmente acompanhados de Ellenero.

 

Ah! Ellenero, por que nos traiu?

 

Talvez o sistema tão elogiado de governar do rei Denys I, de permitir que todos fizessem o que bem entendessem dentro dos seus reinos, tivesse lados negativos.

 

A sede por poder ficava mais nítida, pois quem tem muito sempre quer mais. É claro que o poderio militar dos Darklyns era muito acima dos demais, pois continham um grande arsenal de armas de bronze. Coisa que somente os Hollards também possuíam na região, embora em menor número.

 

E não era do desejo de Davos se tornar o suserano dessas terras, não mais. Queria ter uma vida sossegada, treinar seus filhos para assumir seu posto, arranjar um casamento para a filha e passar o resto dos dias cuidando da esposa até morrer de velhice.

 

Sendo assim, o domínio Darklyn estava garantido por um bom tempo. Mesmo porque ninguém se atreveria a enfrentar Denys I, seja em combate ou politicamente.

 

Mas agora que ele morreu... Que os deuses nos protejam.

 

A ideia que rebeliões se iniciariam pelo controle da região, ou para controlar o jovem rei, se espalhava. Não demoraria em que toda Westeros soubesse, e o reino sangraria.

 

Se dependesse apenas do filho seguir os passos do pai, teríamos anos pacíficos no futuro, mas com aquele homem por perto, temo pelo pior.

 

— Tenho que sair daqui.

 

Um barulho alto de lâminas de bronze se chocando era ouvido do outro lado da porta.

 

O que está acontecendo agora?

 

— Morra! — alguém disse antes de prosseguir. — Abra a porta, nós cuidamos deles.

 

— Obrigado — falou outra pessoa antes de começar a abrir a porta do cativeiro do rei.

 

O que farei? Será que querem me matar?

 

Antes que pudesse esboçar qualquer reação, a porta se abriu.

 

— Você?! — Davos estava em choque ao ver quem estava a sua frente. — O que faz aqui, Edrick?

 

— Desculpe a forma rude com que falo, mas estamos com um pouco de pressa. Preciso que me siga imediatamente, pai.

 

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Denys Darklyn

 

Após levantar de sua cadeira ao fim da cerimônia, Denys se lembrou do discurso de seu pai — segundo Messaea —, anos atrás quando foi coroado.

 

— Iludidos são aqueles que procuram na guerra a solução para os seus problemas. Embora haja certa beleza na arte da guerra, não devemos conceber, de maneira alguma, que venhamos a agir sem cautela.

 

Aos olhos de todos os demais reis no recinto, o jovem, que parecia ser uma marionete facilmente manipulável, cresceu.

 

Para os mais desatentos, a frase poderia significar só mais um garoto repetindo as palavras do pai, porém houve aqueles que perceberam o olhar decidido do novo rei, a semelhança com o recém-falecido irmão Devan e como o teor político da frase se ajustava de forma perfeita a ocasião.

 

O jovem Denys, agora Denys II, demonstrava resiliência para se adaptar a situação em que estava.

 

A região estava começando a dividir-se. Tinham aqueles que exigiam uma postura firme contra os assassinos, embora ainda nem houvesse notícias de quem matou o príncipe; outros, temendo que o jovem rei pudesse ser o próximo alvo, sugeriram-no que fortalecessem as defesas do Forte Pardo e que não saísse mais de lá; outros ainda queriam que os Darklyns declarassem guerra e ainda se puseram a disposição a ajudá-los nas batalhas que iriam se seguir.

 

Tenho que parecer forte para Melia, para todos. Esse é o meu dever como rei.

 

— Ajudar meu futuro marido — disse Melia em voz alta ao lado do noivo. — É o meu desejo mais puro e solene.

 

Denys havia notado que a voz da menina, embora estivesse mais alta do que quando falou com ela no enterro do pai dele, ainda carregava uma tristeza oculta. Seu rosto também ostentava um semblante bem menos pálido do que outrora.

 

Ao terminar de dizer essas palavras, ela dirigiu-se para Denys, para a surpresa dele, e lhe deu um beijo na bochecha.

 

— Preciso falar com você em particular — a jovem falou no ouvido do amado, quando ela foi beijá-lo.

 

— Podes falar agora — Denys respondeu da mesma forma.

 

— Não. Depois da reunião — Melia falou imediatamente antes de sair de perto do rei. — Tenho certeza que se tornará um grande rei como nenhum outro antes — dessa vez ela pronunciou em alto e bom som para todos no recinto, o que se seguiu de uma salva de palmas.

 

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Máscara de Corvo

 

Durante a cerimônia, Máscara de Corvo permaneceu quieto. Com exceção de quando teve que se pronunciar parabenizando o novo rei.

 

Além disso, no início também foi celebrada a “promoção” dele de conselheiro para regente enquanto Denys fosse menor de idade.

 

De resto, ficara apenas observando todos os movimentos do salão, desde os reis visitantes aos servos que passavam entregando bebidas e alguns aperitivos. Por mais que houvesse alguns que fossem muito sociáveis, ele sabia que não podia se deixar enganar. Estavam tentando descobrir uma maneira de manipular o jovem rei.

 

Não adianta pensarem que podem chegar aqui em Valdocaso e que vão controlar tudo e todos. Só eu consigo isso.

 

O conselheiro ficou impressionado com o discurso de Denys.

 

Talvez ele não seja tão ingênuo como pensei.

 

As palavras do menino causaram sensações distintas, embora todos tenham aplaudido.

 

Os que vinham de reinos menores, principalmente do oeste, adoraram, mesmo porque dificilmente poderiam fazer algo diferente, precisavam de dinheiro, não podiam se indispor com seu novo suserano.

 

Aqueles que eram de locais mais próximos a Baía da Água Negra, por exemplo, eram mais ricos e podiam dar-se ao luxo de algumas risadas de deboche que provavelmente foram ouvidas apenas pelo mascarado.

 

Enquanto observava o salão, Melia levantou e disse algumas palavras. Em seguida se dirigiu ao rei.

 

O que ela está aprontando? Terei de lembrá-la do quanto irá perder se me desafiar.

 

— Senhor regente — disse um mensageiro, ajoelhando ao lado de sua cadeira.

 

— O que é tão importante para me interromper num momento desses? — perguntou sem nem mesmo olhar para ele.

 

— Desculpe senhor, mas ordenaste para avisá-lo caso víssemos quaisquer atividades suspeitas.

 

O regente olhou para o mensageiro e perguntou:

 

— O que exatamente aconteceu?

 

— Avistamos um pequeno grupo que cavalgava até a fortaleza secreta.

 

Eles vieram. Como sempre atrasado, Edrick Hollard.

 

— Com licença, meu senhor — o regente chamou o rei. — Terei que sair um momento, algumas coisas chamam a minha presença.

 

— Ahn? Tudo bem — respondeu Denys.

 

Após sair do salão, Máscara de Corvo percorreu os corredores com pressa.

 

Me mostre a resposta que você conseguiu encontrar.

 

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Melia Hollard

 

Quem poderia imaginar que isso ia acontecer?

 

Quando Máscara de Corvo saiu da cerimônia, Melia imaginou se Medneria havia conseguido escapar e estava criando uma distração para que pudesse fugir.

 

Ou talvez ela tenha me abandonado. Não posso pensar assim. Medneria nunca faria isso comigo. Faria?

 

Independente do que a princesa Hollard pensava, Medneria era uma assassina famosa e uma nobre. Poderia estar enganada quanto aos sentimentos dela?

 

Denys estava absorto. Por mais que cumprimentasse e respondesse os convidados, estava completamente distraído, perdido em seu mundo próprio.

 

Melia notou isso e começou a pensar se talvez tivesse sido grossa com ele, afinal, Denys perdeu o pai e o irmão quase ao mesmo tempo e agora tinham a pressão de substituí-los e comandar toda uma região repleta de reis.

 

Por mais que ele também tenha sido grosso comigo.

 

Melia havia prometido servir fielmente aos deuses dos filhos da floresta. O mínimo que podia fazer era pedir sabedoria a eles.

 

Então foi até a parte depois dos tronos, atrás de uma cortina e se prostrou.

 

Parando para pensar, depois daquele dia no combate entre Denys e Desmond, apesar de ter dito que os serviria fielmente, não tirei nem um minuto para conversar com vocês.

 

[I]Talvez não seja a mais religiosa das pessoas, não sei bem o que dizer, mas acredito em vocês. Com certeza, salvaram meu noivo nesse dia. E sou grata. Porém, preciso mais uma vez de suas ajudas.

 

Não sei exatamente o que pedir, tenho tantas pessoas que quero bem: Denys, Medneria, papai... E uma pessoa que não suporto.

 

Não sei se é certo pedir algo do tipo, mas sabe o nosso regente? Aquele que anda por aí usando uma máscara de corvo? Quero ele morto.

 

— Melia? — sussurrou alguém atrás da princesa.

 

— Denys! — Melia levantou assustada. — Há quanto tempo estás aí?

 

— Ahn... Não muito. — O jovem rei coçou a cabeça levemente. — O que está fazendo?

 

— Bom... estava pedindo sabedoria para os deuses.

 

— Hum... Certo. — O jovem olhou para o salão e depois novamente a sua amada. — Não demore muito, vão sentir sua falta.

 

— Acho que os convidados não ligam muito para minha presença.

 

— Quem disse — ele falou com um sorriso — que eu estava me referindo a eles?

 

Por que meu rosto de repente ficou mais quente?

 

— Denys? — a princesa chamou antes que ele voltasse para seus convidados. — Você não se arrepende de ter me defendido?

 

— Mas que pergunta boba. Você é quem escolhi para ser minha, para sempre.

 

— Para sempre é muito tempo — enquanto a princesa comentava, seu coração disparava. — Podes acabar cansando de mim.

 

Denys se aproximou rapidamente de Melia, sem dar tempo para ela reagir, e deu um selinho em sua boca.

 

— Não pense mais isso, nunca mais — falou enquanto segurava a cortina. — Tenho mesmo que ir agora. Te espero.

 

— Está bem. — Melia respondeu ainda meio atordoada.

O quê foi isso que acabou de acontecer!? Ele roubou meu primeiro beijo?

 

Ela tocou suavemente os lábios com a ponta dos dedos, tentando acreditar no que acabara de ocorrer. Lembrando cada movimento que levou ao ato final.

 

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Máscara de Corvo

 

A fortaleza secreta foi construída por Denys I com o objetivo de ser um local para se proteger caso fosse necessário. Ela se localizava na parte inferior de um morro afastado de Forte Pardo. Apesar disso, nunca houve necessidade de utilizá-la.

 

Indo em direção a ela, estava o ex-conselheiro ao lado de duas dezenas de homens equipados com armas de bronze.

 

 

Ao chegar ao local, o regente de Valdocaso esperava encontrar qualquer coisa, menos o que ele viu.

 

— Então quer dizer que essa é a sua resposta? — disse o mascarado.

 

Na entrada, alguns guardas estavam caídos, inconscientes, porém vivos, e dentro da fortaleza havia um homem segurando uma espada de bronze.

 

— Depois de tanto tempo sem nos ver, você não me dá boas-vindas? — disse Edrick.

 

Ao lado dele estavam outros dois que também carregavam o mesmo tipo de arma.

 

— Continua bondoso demais. — Máscara de Corvo olhou firmemente para o invasor. — Deveria ter matado os guardas quando invadiu. Na canção dos tronos, você ganha ou você morre.

 

— Não havia necessidade — respondeu Edrick rápido. — E não gosto muito desse tipo de música que inspira a violência.

 

— Não havia necessidade? — O regente repetiu as palavras como se tentasse entender. — Não são seus inimigos?

 

— Eles apenas cumpriram ordens — respondeu o invasor. — Ordens suas.

 

O regente perguntou se estivesse numa guerra não mataria ninguém, afinal, eles estariam sendo ordenados também. Edrick respondeu que não estavam numa guerra.

 

— Estamos sempre em guerra, meu caro príncipe Hollard. Veja esse exemplo: você invadiu uma propriedade pertencente aos Darklyns, atacou diversos guardas, esqueci de algo?

 

— Libertei meu pai. Há essa hora ele deve estar chegando ao salão real, onde contará todas as atrocidades que você cometeu.

 

— Acha que me preocupo com o que um velho barrigudo dirá sobre mim. Minha influência sobre o rei é maior do que pensas. Apenas direi que ele foi o responsável por dar a ordem a Medneria de matar o rei Denys I. E quanto a você, posso acrescentar a sua lista ter libertado um de nossos prisioneiros.

 

— Eu não matei nenhum dos guardas, isso não poderia ser usado em minha defesa?

 

— Muito engraçado — disse o regente de forma sarcástica. — Peguem-nos.

 

Ao sinal, os guardas avançaram e tentavam golpear os invasores. Mas Edrick era rápido demais, esquivava e golpeava com maestria e elegância. Os outros dois também eram bons, mas nem tanto.

 

Após cerca de dois minutos o príncipe Hollard havia abatido seis guardas, sozinho. Seus dois assistentes, dois cada, embora tivessem se ferido, ambos na perna esquerda.

 

Sobraram dez guardas, sendo que dois estavam ao lado do regente dos Darklyn desde o início, enquanto os demais fizeram uma roda cercando os três invasores.

 

Esperava mais de você, Edrick.

 

— Desista, foi uma tentativa inútil desde o princípio — disse solenemente Máscara de Corvo. — Por melhor que sejas como espadachim, estás em menor número.

 

— Quem disse isso?

 

— Ora, não sabe contar... — O regente tentou avançar, mas, antes que pudesse continuar, viu duas lanças bloqueando seu caminho. — Mas o que significa isso?

 

Ambos os guardas, que estavam esse tempo todo parado ao lado dele, o impediram de seguir em frente.

 

— Guardas! — gritou aos demais homens que cercavam os invasores. — Matem esses traidores!

 

A ordem parecia ter sido em vão, pois nenhum dos guardas se moveu. Apenas ficaram encarando seu chefe.

 

— Estão surdos! Mexam-se! — continuou a ordenar.

 

Então, bruscamente, todos os guardas apontaram suas lanças de bronze para o regente.

 

— Parece que a canção acabou — disse o príncipe em voz alta. — Sabe qual é o problema de cantar músicas que ninguém conhece? Todos ficam em silêncio e não cantam junto. Mas se mesmo assim o cantor insistir com música, as pessoas se revoltam e matam o idiota.

 

— Está dizendo que vai me matar? Ora, você não tem coragem para isso.

 

— Talvez ele não tenha mesmo — disse uma voz feminina —, mas eu tenho.

 

Era Medneria, que parou em frente à entrada e ficou observando-o. Dessa vez, estava com um vestido longo, vermelho vivo.

 

— Você é meu e pagará caro por tudo que fez — falou novamente, dessa vez com uma voz firme e potente —, pois a noite é escura e cheia de terrores.


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Notas finais do capítulo

A enquete continua, mas por pouco tempo.

Vocês podem ajudar a decidir qual casa será a protagonista do próximo arco.

1- Greyiron nas Ilhas de Ferro (nada a ver com os Greyjoy);

2- Lannister no Rochedo Casterly;

3- Gaedenner na Campina;

4- Durrandon nas Terras da Tempestade;

5- Mudd nas Terras Fluviais.


E é isso. Não se esqueça de favoritar e comentar. Não precisam ser tímidos, eu não mordo. Kkk



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