Ardência escrita por Moonpierre
Notas iniciais do capítulo
Simplesmente algo rápido que escrevi com o meu primeiro personagem trans :)
Deixem seus comentários, quero saber o que acharam!
You’re raising suicidals with your predetemined titles
Like, “A mess, distressed, I am unimpressed, you’re excess
A dress is all you’ll ever be”
Gender roles impose control & deceive progressive time
Welcome to the land of the broken mindsLittle Game — Benny
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Bermudas, e cuecas. Ele sempre usava essas roupas, e sua mãe sempre implicava com essa questão:
—Vista algo mais delicado! Bermudas ficam feias em você. Por quê você não usa um vestido, igual a todas as outras garotas?
Você não acha que é engraçado como nossos pais nos dizem como devemos viver?
Ele foi para escola aquele dia. Cochichavam nos corredores:
—Essa garota é esquisita...
—Ela é sapatão.
Os estereótipos de gênero impõem controle e enganam o tempo progressivo.
Professores errando seus pronomes na sala de aula, falando o nome da pessoa da qual ele nunca foi, e nunca será.
Foi um grande constrangimento quando seus colegas olharam, com aquela cara desconfiada, no fatídico primeiro dia de aula. O constrangimento ainda está presente, mesmo tendo sido ontem.
As camisetas gigantes o faziam suar, e os espelhos do banheiro eram seus maiores inimigos.
O bullying e as ameaças, a falta de amigos. Tudo isso acrescentava no desgosto e ódio pela escola.
Um dia, um garoto segurou o pescoço dele, e apertou, envolvendo a carne e o sufocando. Ninguém viu isso. Tudo aconteceu por causa de uma garota. Ele nem sequer sabia que ela era comprometida!
Recebeu um cuspe no rosto, e um soco no olho aquele dia.
—Não diga uma palavra — ele avisou, com um tom de voz ameaçador — ou da próxima vez será pior.
Quando voltou para casa, esperou dar meia noite e pegou uma faca na cozinha. Começou a cortar a pele, com lágrimas transbordando.
—Eu odeio esse corpo — ele sussurrava para não acordar a mãe, enquanto pensava "um vestido é tudo o que você sempre será".
O único desejo dele era estar com os remédios para dormir agora. Uma overdose era só o que ele precisava. Tudo o que queria naquele momento.
Sangue escorria pelas coxas, a dor física lhe dava um certo consolo, um certo controle a respeito de seu corpo.
—Eu odeio esse corpo —ele enterra a faca mais profundamente.
Nada parece acalmá-lo, porque ele chegou a um patamar elevado de auto-ódio.
A sociedade está criando suicidas com seus títulos pré-determinados.
Sua mãe está dormindo, e seu pai está no trabalho. A perna lateja, o corte foi profundo dessa vez. Nos braços dele há algumas marcas de arranhão, ele mesmo fez em outros momentos assim - propositalmente.
O desejo de fuga, e de álcool bate na garganta dele.
"Eu só queria ser atropelado por um caminhão ao sair da escola" - ele conclui.
A morte sempre pareceu uma amiga para ele, muitas vezes é a única coisa que esse garoto quer.
No meio de sua mente passa as ofensas: "sapatão", "viado", "aberração", "problemática"... passam os pronomes: "ela é esquisita", e depois, o nome, aquele nome horrivelmente feminino que o machuca a cada dia que passa: Sophia.
Porra, por quê? Por quê? Ele se levanta mancando e derruba a cadeira da escrivaninha, soca a parede, e a fúria vem na mesma intensidade da dor.
Ele já tentou conversar sobre esse tema com a mãe, e tudo que ela diz é:
—Não diga, não diga —antes que ele possa abordar o assunto.
Ela não quer saber nada que a choque, nada muito "anormal". Ela deve desconfiar de algo, porque diz:
—Você é anormal! Por que você não gosta de maquiagem como todas as garotas? — com um tom de voz carregado de raiva e estranhamento.
Ela nem sequer reconhece o filho que possui.
A pressão por se conformar está alta. "Sofra em silêncio" é o que a sociedade lhe diz, "você tem que ser normal", "todo mundo é normal".
E ele não aguenta mais isso.
As lágrimas escorrem por sua bochecha, e ele vê isso pelo reflexo no espelho - aquele maldito reflexo que não o reflete direito.
O soco no espelho cortou sua mão.
Ardência.
O espelho quebrado o reflete melhor.
Ninguém levantou, ninguém veio ver se ele estava bem.
Os pais chamam esses surtos de "meras crises da adolescência". Nada demais.
Ninguém enxerga o que não quer ver.
Onde está o remédio para dormir?
Ele não o encontra mais.
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