WSU's: Zenith escrita por Lucas, WSU


Capítulo 3
Capítulo III - O Líder da Alcateia e os Soviéticos


Notas iniciais do capítulo

''No céu flutuavam trapos
de nuvem - quatro farrapos;
do primeiro ao terceiro - gente;
o quarto - um camelo errante.
A ele, levado pelo instinto,
no caminho junta-se um quinto.
Do seio azul do céu, pé-ante-
pé, se desgarra um elefante.
Um sexto salta - parece.
Susto: o grupo desaparece.
E em seu rasto agora se estafa
o sol - amarela girafa.''



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Ele leva uma vida normal, mas não que 'levar uma vida normal' signifique boa coisa. Entre as estreitas ruas de Cesky Krumlov forma-se o infindável e poderoso sentimento de conformismo.

O vento é um assassino cruel. Destruindo peles, fechando olhos, batendo dentes, torturando aqueles que não se prepararam.

Ele acaricia os cabelos preteados de sua mulher. Dois corpos juntados em lençóis de algodão egípcio. Após fazer todo o serviço, o leão deve se tornar o porto seguro da leoa. Após fazer todo o serviço, o homem deve se tornar o porto seguro da esposa.

— Não há nada melhor do que satisfazer quem você ama... — ele massageou o pescoço dela.

— Tem sim, Viktor... Ser satisfeito por quem mais ama. — disse a mulher, de olhos fechados.

— É um sinônimo, meu amor. — o homem sorri.

Quando a Lua Cheia se desprende das amarras que a ciência impõe Viktor deve correr para as montanhas florestadas. Um sofrimento que já dura 60 anos.

Ele passa a imagem de pertencer a corte da Rainha Elizabeth. A altura imponente, os ombros avantajados, a barba invejável, a mulher dos sonhos... Por trás de toda essa subjacência? Um rapaz do exército húngaro, ao lado do eixo destronou os soldados soviéticos que pôde. Com medo e bravura misturados desbravou trincheiras e campos com a coragem de um lobo. Literal.  

Tempos antes, havia caído no enigmático destino da vida, se tornara o popular 'Lobisomem de Székesfehérvár'. Aterrorizando sem querer, fugindo de si mesmo. Perdido em meio ao terror de seu monstro interno, encontrou nas preces e orações a Deus o controle espiritual de sua fera.

A dor de ter a pele rasgada de dentro para fora não sumiu, Deus não a finalizou. Não tão presente quanto antes, mas ainda existente.

— Tenho medo desses momentos... — assentiu ele.

— Medo? Do quê? — disse ela sobreposta sob o peito de seu amado.

— Do que eles podem se tornar... Se em dez segundos minha sanidade partir, o quê aconteceria? 

— Não acontece a vinte dias, não acontecerá agora! — Nina, sempre esperançosa.

As definições de Felicidade Plena e Felicidade Eterna não estão erradas. Existe apenas um problema na concepção das duas teorias, o substantivo empregado: Felicidade. Dentro dos adjetivos 'Plena' e 'Eterna' o conceito é magnífico, a questão é que a felicidade tem o valor que tem justamente por não perdurar-se para sempre. 

Qual o sentido da plenitude? Qual o propósito da eternidade? Fazer os melhores momentos da vida perderem suas magias. 

— Acredita em crises existenciais pós-sexo?   

— Você é a prova viva disto. — riu Nina em resposta — Não é um problema, Viktor, faz de nós um casal especial... — ouviu-se o choro — E se quiser esquecer, a luz de nossas vidas está no quarto do lado. 

Desprendeu-se dos braços de Nina e levantou envolto por uma toalha azul que cobria seu corpo da cintura pra baixo.

A mãe cuida, o pai ensina. Leis do tradicionalismo eslavo. A mulher não deve ser exatamente uma zeladora de seu filho, mas dentre as inúmeras tarefas da maternidade, cuidar é a que mais se dispõe. Dentro das famílias de lobos existe um grande exemplo de perseverança: O filhote é solto pela mãe, que o deixa distanciar-se pouco à pouco nos territórios que habitam, em algum tempo se juntam ao bando. Depois, com cerca de dois anos de idade, distanciam-se de vez em busca de seu próprio território, e dentro de si carrega apenas a sua exímia qualidade de predador junto ao senso auto-leal. 

A criança chorava, mas conforme o pai aproximava-se a intensidade diminuía. 

Ele tirou sua criatura do berço. Não havia mais choro.

— Está tudo bem, Lýkos... — confortou.

Você pode esquecer o resto. Ele fez o que um pai faz, seu filho, Lýkos, sentiu-se protegido e adormeceu noite à dentro. Ele, agora, poderia voltar aos braços de Nina.

Enquanto isso, A escuridão esperava o Sol acordar. 

***

— Dormirá aqui, Mia...  — Petrov apresentou o quarto roxeado. A cama aristocrata, o chão nobre de camurça escura, os doentios espelhos. 

— Zagan? Onde ele está? — ela sempre se preocupava com ele.

— Está por aí. Boa noite. — Petrov despediu-se sem direito à resposta. 

Ele desapareceu diante do infinito corredor. Mia ficou abobada na porta, 'O quê eis de acontecer neste lugar?' pensou.

De sua esquerda, Mihai surgiu coçando a cabeça. Eles se perceberam e encararam-se.  

O afilhado-escravo da Rainha chegou mais perto e apoiou o braço no vão da porta. Galanteador nato e talentoso, nunca fracassou com uma dama. 

— Desculpe minha ignorância mais cedo, estava irritado... — ele falou devagar.

— Não é assim que você vai me seduzir. — Mia não perdia a oportunidade.

— 'Que se fores honesta e bela, tua honestidade não deveria admitir discurso algum a tua beleza.' — Mihai respondeu imediatamente.

— Ato três, cena um, Mihai... Hamlet é minha terceira peça favorita. — Mia tão irônica quanto a reencarnação.

— Posso saber as outras duas? 

— Pequenos Burgueses formou minha visão da sociedade, ficaria em segundo... — ela fez a 'deixa'.

— Maxim Gorki, genial... E a primeira? — a janela abriu-se com ódio de furacão, o vento tão a ponto de assusta ambos.

Mihai tomou a frente e andou em direção a janela, enfrentando os ares que bagunçavam seu paletó. 

Bateu-as com raiva. Mia aproveitara e fechava a porta.

— A Ratoeira. — finalmente respondeu.

— Agatha Christie... Grande mulher. — Mihai estudou teatro, conhecia de cabo à rabo a dramaturgia mundial. 

Mia deu mais alguns passos, ele observou. 

Ela cruzou seu braço direito ao esquerdo de Mihai, como um casal.

— Não pude deixar de notar a coleção de filmes russos... — era Mia quem seduzia agora.

— Sétima arte soviética encanta todos aqui... Vlad e eu montamos. — já seduzido. Bastava Mia por suas mãos em alguém, era uma das dádivas que Goetia lhe deu.

— Brinquedos Soviéticos, Ivanovo Detstvo, Solyaris, O Fascismo de Todos os Dias, Tigre Branco, Valentina, Zvenigora... Não conheço nenhum desses... — provocativa. 

— Conheço pelos nomes e sinopses, a Rainha nunca nos deixou assistir... — Mihai olhou para Mia; Mia olhou para Mihai — Admira filmes contemporâneos? — questionou o vampiresco.

— Amo Bastardos Inglórios, Pulp Fiction, Cães de Aluguel, amo Tarantino... Beleza Americana, O Grande Ditador, , O Iluminado, Um Corpo que Cai, Crepúsculo do Deuses, Festim Diabólico... — se ele não interrompesse, Mia jamais pararia de falar.

— Temos gostos em comum, Miandrya... 

— Me esqueci de O Grande Hotel Budapeste! 

— Bem... nem tantos... — ele sarcástico disse.

— Não gosta? — Mia parecia surpresa.

— É uma afronta aos húngaros, ninguém aqui gosta.  

— Isso me deixa pasma... — também sarcástica.

— Fora isso, seus gostos são tão belos quanto seu rosto. — o seduzido seduzia.

Eram os mais humanos ali naquele castelo, não completamente mas possuíam a prudência. Conversavam como entidades místicas, cultos e inteligentes.

Andares acima, os mais anormais, a mulher de 504 anos e o demônio infanto-juvenil, dialogavam desprezadamente. Afinal, seres cuja a existência desafia o pensamento lógico científico devem se preocupar com algo?

— Como é o Inferno? - Indagou a Rainha.

Ambos enchiam a cara de Palinca, a língua enrolava. 

— Não faço ideia... Foda-se o Inferno, foda-se as divindades, foda-se tudo, Rainha... — Zagan não estava revoltado, estava em estado sincero.

— Deus? — a Rainha o entrevistava.

— Uma grande figura, é inspiração... Mas eu não gosto dele, não posso acreditar que a entidade mais poderosa do universo deixa seus filhos a mercê do sofrimento e da angústia... Sabe... Decidi apenas ajudar a Mia, eu posso ajudá-la, eu vou... Deus pode, Deus vai? — deixou a dúvida.

— Nunca se sabe... — disse a Rainha.

— Não, não vai. 

— Seria capaz de responder corretamente uma questão? Você tem quantas tentativas quiser... — ela prosseguiu.

— Eu sou capaz de tudo. — Zagan ''prepotentizou''.

— O que é a Vida? 

Silêncio.

— Zagan? — a Rainha o chamou a atenção — O que é a Vida? 

— É estar ao mundo... Junto à quem você ama. — respondeu ele.

— Errado. O que é a Vida?

— É nascer, crescer, reproduzir... morrer? — tentou de novo.

— Não. O que é a Vida?

— Raciocinar, fazer, sentir? — mais uma vez.

— Está respondendo a pergunta com outra pergunta. O que é a Vida? — ela não desistia.

— São suas lembranças... os momentos que ocorrem. — Zagan mal sabia do que estava falando.

— O que é a Vida?

— Praticar o bem, amar ao próximo... — fracasso consumado em Zagan.

— O que é a Vida?

— Eu não sei, Rainha. Não tem resposta, não tem nada. — desistiu.

A Rainha gargalhou tão alto, mas tão alto, que foi possível ouvir por todo o castelo. Além disso, escutou-se o estremecer dos galhos, o chacolhar dar folhas, o bater de asas dos corvos.

— Acertou, querido! Isso é a vida! O nada, o vazio, o nulo, o zero, a ausência, a dissimulação... A Vida é o nada, Zagan. A Morte é o tudo, a morte é a consumação de uma alma obrigada a sofrer neste mar seco que é a vivência.

— Qual o prêmio? — perguntou ele.

— Só saberá quando morrer. — e ela gargalhou novamente.

Zagan não se aguentou, gargalhou junto. Psicopaticamente assustador. 

A Rainha e Zagan estão errados?

Não.

É claro que não.

***

Finaliza-se o circo.

O Sol se prepara para mais um dia.

A Lua relaxa-se, poderá descansar.

Morcegos, durmam!

Lobos, despertem!

Repteis, corram!

Você? Viva!


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