WSU's: Zenith escrita por Lucas, WSU


Capítulo 4
Capítulo IV - Não se Ilude um Cinéfilo


Notas iniciais do capítulo

Feliz só será
A alma que amar.
Estar alegre
E triste,
Perder-se a pensar,
Desejar e recear
Suspensa em penar,
Saltar de prazer,
De aflição morrer -
Feliz só será
A alma que amar.



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Mas Mia não importava-se em dormir pouco. Assim, desse jeito. Era a cópia perfeita de Zagan, assim se tornaram. Eram um só, ora conectados mentalmente, ora fisicamente, para sempre espiritualmente. Zagan dormira, não foi para isso que o concederam. Mia tinha restos de humanidade em seu corpo, cinco horas de sono para aliviar a tensão eterna é o suficiente.

Os afilhados da Rainha arrumavam a mesa. Os raios penetravam os vidros, diferenciando a luz do Sol com os três homens depressivos. Tinham a negritude do desprazer estarrecida em seus respectivos olhos.

Uma cadeira ao Sul. Duas cadeiras ao Norte.

Vlad e Petrov se alinham, um passo para trás.

A Rainha ainda lembrava do beijo matinal dado em Maxim minutos antes.

Mihai puxou a cadeira. Ela ajeitou o vestido vermelho que recebeu de presente de Benito Mussolini. Um tremendo encontro na Sicília, Ele um homem frio, ela uma mulher fria, a noite de inverno da sempre fria Palermo. Acontecimentos quentes, indescritíveis. 

— Avisou-a, Mihai? — preocupava-se a Rainha com sua hóspede.

— Sim, senhora. Avisei ambos.

Zagan não precisava de ritos humanos pós acordar. 

Mia seguia o básico. 

Se encontraram pelo único corredor que dava acesso à sala de café da manhã, em seu nome original: Welenirezwickézsz Amdoretirygonizaciena Romészsz Narokazawcziez.

Chame como preferir. 

— Bom dia, homenzinho. — disse Mia rodeada por paredes e quadros surrealistas.

— Dias são torturantes. Apenas a noite pode ser boa. — Zagan não era uma criança chata, seu defeito era querer parecer mais inteligente que todos.

Não que ele estivesse errado.

— Frase de efeito às seis da manhã de segunda-feira... Meus parabéns. — Mia respondeu. 

Responda soberba com ironia. Nunca falha.

Conforme andavam, ouviram o eco de vozes. Seguindo as ondas sonoras que planavam paralelamente seus rostos amanhecidos, chegaram à sala.

Magnífica, memorável, deslumbrante. A Rainha, é claro. Não a sala.

— Queridos! — a Rainha  alegrou-se — É ótimo que já estejam acordados! Sentem-se, por favor.

Vlad e Petrov puxaram as cadeiras.

— Me sirva, Mihai. — ordenou.

Ele serviu. Deveria servir.

Chá, tipicamente eslavo. Bordas de xícaras que embaçavam com a evaporação.

— Sirva nossos convidados agora, e suma daqui com seus irmãos. — ordenou.

Para a Rainha, chá preparado com o mesmo cuidado de um parto. 

Para Mia e Zagan, café feito as pressas e mau adoçado, o que explicara o estranhamento dos dois assim que ingeriram.

— Sentirei saudades de vocês... — a Rainha apreciou seu chá. Seus afilhados já haviam deixado a sala.

— Tenho fé que nos veremos novamente, não atravessei metade da Europa para vê-la apenas uma vez. — disse Mia.

— Essa é uma história de amor... — ensaiou a Rainha.

— E o que isso significa?

— Histórias de amor sempre terminam em perdas para alguém. — Zagan intrometeu-se.

A Rainha tranquilizou-se, sabia que estava lidando com os indivíduos corretos. A garota das dúvidas precisas, o espírito das respostas ilusivas. 

— Agradeço, Zagan. Mia, você vai encontrá-lo... Vocês, na verdade. Mas não posso confiar a certeza de nosso reencontro... 

— Por quê? — perguntou.

— Não se pode fazer promessas diante de uma separação. Seja com o cônjuge, com o amigo, com o recém-conhecido... Não se pode. — interpelava Zagan.

Mia sentia-se parte de uma teoria da conspiração. Perdida em meio as misteriosas falas da Rainha e as intrigantes frases de Zagan, o quê estaria acontecendo?

Nada.

— Mia... O que pensa sobre as revoluções sociais? — a Rainha indagou e em seguida bebeu seu chá.

— Necessárias de tempos em tempos, a não ser que queiramos ser estuprados pelo proletariado durante o resto de nossas vidas... — respondeu.

— Boa resposta. Inconsequente, mas boa...

Zagan fez sua parte, direcionar a conversa, não precisava mais falar.

— Do que importam as revoluções sociais, Rainha? — Mia perguntava desta vez.

— Elas são o suprassumo da sociedade desde sempre. Revolução Russa, Revolução Francesa, Revolução Industrial, Revolução Laranja, Revolução Espanhola... Não posso deixar de lembrar da minha amada Revolução Húngara de 56, Ivan Konev foi o segundo melhor  homem com quem me deitei... Toda revolta parte do questionamento, se ele está errado ou certo é outra história. A principal regra de uma revolução é saber pelo que estás lutando...   — profetizou. — As pessoas encaram causas sem saber o real motivo delas. 

— Eu admito que nunca consigo entender o que a senhora diz... Não consegue ser direta? — sarcasticamente disse Mia.

— Amo quando tenho pessoas para me ouvir, eu preciso disso as vezes. Como falávamos, ditas revoluções são precisas ao longo dos anos, e é isso que está acontecendo com a minha... — ficou pensativa — a minha... A minha decadente classe vampírica, nossa hierarquia é muito confusa... Confusa não! Ela é inconstante. 

— Surpreendo-me ao saber que até mesmo os vampiros se revoltam. 

— Não é uma revolta, é apenas um re-acerto... muitas coisas erradas foram feitas dentro do nosso núcleo durante o último século. — a Rainha transmitia guardar uma ira incontrolável dentro de si.

— Quer dizer então que a classe vampírica é uma grande família? — Mia riu — Da maneira que a senhora fala, me faz pensar que o Drácula copulou com o mundo inteiro. — riu de novo. 

— Não, não é assim que funciona. Não acredite nesses pseudo-contos de terror que os humanos espalham por aí. Espero que Lucy consiga... — a Rainha demonstrava falar sozinha.

— Quem é essa? — Mia intrigou-se.

— Iordache. Lucy Iordache. Uma velha conhecida, não é importante para a sua jornada... 

A Rainha decidiu. Estava na hora de Mia e Zagan partirem. O seu amado precisava ser resgatado. Resgate era a palavra errada, para resgatar precisa-se perder. Ele não estava perdido, estava foragido. 

Lobos são tão ágeis quanto o pecado. Eles não podem ser pegos. Eles decidem escapar do que presumem ser perigoso.

— Jornada essa que vocês precisam começar. — disse A Rainha.

— Agora? — retrucou Mia.

— De imediato. Adianto minha gratidão à vocês dois... Encontre ele Mia, encontre ele Zagan. É meu último desejo. Vou pedir que Mihai os acompanhe até a porta. — a Rainha se levantou. A cadeira rangiu. — Búcsú. — despediu-se encostando a mão no ombro de Mia.

De repente, sem delongas, a Rainha Erszébet Kertész I havia decidido acabar o conto de fadas que Mia pensava estar vivendo. 

''Deus, acabaram-se as filosofias sobre arte, cinema, bebidas, revoluções! O que será da minha vida sem isso?!'' Salientava Mia em sua imaginação.

''Lorde Satã, onde encontrarei mais Palinca?'' Pensava Zagan.

Então, a grande ditadora do Castelo Vajdahunyad desapareceu. Talvez para sempre. Ninguém sabe.

Mia e Zagan continuaram ali, sentados e duvidosos. O quê acontece agora?

Passando seu dedo indicador no pano azul escuro da mesa, Mia não movimentava seus olhos, as cordais vocais enalteciam o momento ao lado de Zagan. 

— O quê acontece agora? — perguntou ele.

Mia olha para ele, ergue as sobrancelhas e entorta a boca para a esquerda. Todos os movimentos acontecem devagar, numa eterna câmera lenta. 

De uma vez, como se o tempo tivesse sido acelerado, as expressões faciais acabam.

Lá está o Sol, ele demora mais a nascer no Leste Europeu, alguns raios cruzam a límpida janela e iluminam a face de Mia. 

— Acho que é agora que a história começa. — afirmou ela.

Mihai voltou junto à lentidão dos acontecimentos. As coisas se tornam mais bonitas quando desaceleradas.

Mia pegando a mão de Zagan, como sempre, Mihai dizendo ''Me acompanhem''. Ela ajuda seu companheiro a descer da cadeira, alta demasiadamente para um criança. 

Mihai começa a andar, os dois o seguem. Ao fundo se vê o vulto de Petrov. Cada passo trás à tona as lembranças que viveram durante as horas que estiveram no castelo. A experiência era válida, conheceram parte do cotidiano dos tão misteriosos vampiros húngaros. 

Inútil, porém visualmente bonito, os três piscavam na seguinte ordem: Mia, Mihai, Zagan. Mia, Mihai, Zagan.

Andares acima ouvia-se o bater de um sino. Infelizmente o castelo não seguia a teoria do Eterno-Retorno, Mihai conhecia os atalhos, mais alguns metros e fim. 

Porta de verniz. Logo à frente. Triste ter que dar adeus ao castelo, uma construção civil moldada por algum poeta drogado.

Não sairiam pela mesma que entraram, Era outra. Maior. 

Mihai abre-a, o Sol aqui é bem mais visível, não pra vê-lo por completo, mas parcialmente vale mais a pena do que apenas os raios.  

Mihai pega a mão de Mia, será a despedia.

— É um prazer iludir-se por uma cinéfila. — diz ele, beijando a mão de unhas pretas da garota.

Ela piscou antes de falar. 

Enfatizando: O Sol transformava os três em sombras.

— Um cinéfilo jamais pode ser iludido. — diz ela, separando a mão dos lábios.

Zagan queria vomitar. Não gostava de ver sua hospedeira com outros. 

Mia e Zagan tomaram a cerâmica infinita como caminho, dando passos nostálgicos pela área do castelo, acabava-se a romântica epopeia pela qual tinham se envolvido.

Mihai, pela segunda vez, observava as duas silhuetas humanas que caminhavam, inconsequentemente, terras sombrias e frias. Ficou ali, vendo a dupla imergir-se na liberdade aprisionante.

A Rainha, talvez, deu seu último aparecimento. É uma questão dependente e variante do tempo, ele pode permitir tudo, só ele pode. 

Ela surgiu por trás de Mihai e colocou as duas mãos sobre os ombros dele. O sujeito respirou fundo. Ela eternizou o momento.

Sabe de uma  coisa, Mihai? Eu acho que essa é a minha obra prima.

***

Viktor não possuía um trabalho, afinal herdou a fortuna de sua família, os Báthory. Ricos, influentes, sujeitos cujo a palavra 'pequeno' não fazia parte do vocabulário. 

Ele acordava todas as manhãs junto à sua esposa. Moravam numa casa aconchegante, nada exótico, o suficiente para esvaziar a mente, relaxar os pés, aliviar as dores. 

— Descobri que tudo perde o sentido quando se tem dinheiro... — disse ele vestindo a calça.

— Olha... Eu jamais ousaria dizer que algo fez sentido algum dia. — respondeu Nina, ainda deitada.

— Quando éramos crianças e não precisávamos nos preocupar com os compromissos da vida, tudo fazia sentido... Hoje em dia não. — retrucou. 

Existem diversos tipos e grupos de pessoas ricas. As fúteis e inteligentes, as fúteis e burras, as que são só fúteis. Há os bons ricos, filantropos e investidores de causas sociais. Existem as de meio termo, ou seja, não são idiotas, mas também não fazem nada de útil para a sociedade. 

Viktor e Nina fazem parte da classe à parte: Ricos filosóficos e ressentidos que vivem pensando acerca da existência e do sentido cósmico das coisas.

— Correr de um lado para outro na mansão de seus avós fazia sentido? — ela sentou à beira da cama — Crianças pensam que o mundo é grande e que são pequenas perante ele... É o contrário, meu amor, elas que são muito grandes nesse mundo pequeno.

'Ser grande' tornou-se um significado irrelevante ultimamente. Grande remete ao que atrapalha ou ao que é exemplo, extremista palavra. De uma ponta à outra, antônimas. 

— Não somos tanto quanto pensamos ser, o mundo também não... Eu não sei... O quê somos perante o mundo? E o quê o mundo é perante o Universo? — Viktor olhou para baixo, e para frente.

Nina se levantou, calçou as pantufas de leopardo, veio em direção à ele.

— Pense que nada tem a obrigação de ser algo... Leve a vida assim, não se importe em ser notado! Se importe no que você é, no que você tem, na sua família... No que te cerca, em seus alicerces. Meu homem, ninguém é o que quer ser, tudo é parte de um reflexo infinito. — Nina o beijou.

Extravagância não fazia parte do cotidiano. Viktor e sua esposa levavam a vida de maneira confortável o suficiente, o dinheiro jamais acabaria.

Tomavam o café da manhã na sacada da casa. Nina amamentava seu filho, Viktor admirava a profundeza no olhar dela. Lýkos também tinha sua relevância na cena, nos braços da mãe ele se engrandece. Unindo a força paterna com a proteção materna resulta-se no prodígio.

— Falei com seu primo Deszo, ontem à tarde... — disse Nina — Ele implora para que eu te convença à falar com ele...

— Sobre dinheiro, é isso que ele quer... É isso que minha família sempre foi. Não quero tratar disso, tenho poucas coisas com o que me preocupar, mas mesmo assim quero ignorá-lo. — bebeu o chá.

— Você deveria... Não que seja algo extremamente importante, mas...

— Mas o quê? — questionou ele.

— Eu não sei. — confusa — É você quem decide... Meu Deus, Viktor... Não pode saber que uma pessoa está pensando em você e simplesmente ignorá-la. 

A névoa dos eternos campo era o complemento elementar da estética local. A fórmula química vital dos humanos é: Filosofia² x Nível de Felicidade subtraído pela média de insegurança depositada nos bem materiais. O resultado é invariável, igual para todos.  

— Como se isso me obrigasse à algo, nada me leva a duvidar que o assunto não seja dinheiro... E dinheiro é o que menos me importa. Todas as manhãs ele me liga, no silêncio... Eu sempre evito, eu sei, Nina... Eu sempre evitarei.

— Tentei fazer com que ele me falasse, mas não consegui. Isso se arrasta há muito tempo... No começo não me parecia importante, mas quando alguém insiste em algo —  Nina acariciou seu filho — só pode significar uma coisa... 

— Pode significar tantas coisas... Desespero, medo, amor, saudade, ilusão, esperança... Pode significar ambição. — falou Viktor de voz grossa.

— Com exceção da persistência, todas as outras sensações humanas podem significar ambição, meu amor. — Nina sorriu e colocou a mão esquerda sob a palma direita de seu amado.

Viktor sorriu para seu filho e por um instante fechou os olhos, nada podia ser mais inconstante do que sua mente neste momento.

— Sem restrições entre os sentimentos, nenhum escapa de nossa natureza. 

***

Mia e Zagan confrontavam o frio, soldados que conheciam o inimigo. O clima gêmeo aos ares Noruegueses era uma presa inofensiva, em mínima escala causaria uma gripe. 

As góticas nuvens da manhã húngara desembelezavam o sol vagarosamente. Alguns minutos atrás os feixes glorificavam a despedida ao castelo, a crueldade do tempo causa a antonímia da realidade. 

Dois sujeitos caminhando caminhando livres dentro do destino, uns poucos carros de época passam cortando a brisa. Pequenas aberturas nos céus transmitem o resto de luz que a foice do tempo deixava.

— Considera a possibilidade de esquecer tudo o que aconteceu na última noite e sair por aí aproveitando a vida sem rumo? — Zagan intrínseco ao passado, ao presente e ao futuro. 

— Não, acho que não... Faria sentido cogitar isso antes, enquanto vínhamos pra cá. — ela disse.

— Sete bilhões, quatrocentos e sessenta e sete milhões, trezentos e quarenta e nove mil e novecentas e quinze pessoas no mundo... Você tem que encontrar uma, você vai encontrá-la? — tão intrínseco quanto provocativo.

— Nós encontraremos, afinal, foi com isso que concordamos. Eu e você. 

— Eu amo seu senso de... Persistência. — Zagan ironizou.

— Posso contar com a ajuda de suas 33 legiões? — Mia sabia como agir nessas horas.

33 Legiões. Trinte e três. É muita coisa, é a idade que Cristo morreu. É simbólico e assustador. É tanto poder a ponto de Mia saber que nunca conhecerá todos. Mas ela sabe que morrerá. Num dia desses, o dom dentro dela causará sua morte. Mia sabe, não quando, exatamente, mas sabe.

Miandrya tinha a estranha mania. Alegrar-se pela tristeza, amar o inconvencional, destruir o que era belo, subir ao alto de uma montanha e se jogar, autodestruição. Matar alguém de bom coração apenas para sentir o prazer da vilania. 

Ela não era isso. Era muito mais do que desejos momentâneos. Ela pensava estar sozinha mesmo quando estava acompanhando. Garota insuportável, tinha tudo e não dava valor, sempre quis mais do que precisava.

Convenhamos, ela era isso sim. Jamais seria uma heroína, jamais apareceria no jornal como 'a poderosa garota que salvou uma criança num terrível incêndio'. Afinal, se importariam mais com 'a garota poderosa' do que com 'a criança que foi salva'.

Neste mundo, Mia fez as escolhas certas, pelo menos por enquanto. Está acompanhada e tem um compromisso à ser concluído, o quê isso significa? Nada, absolutamente nada.

— Contra pessoas tão fracas? Mia, você sozinha destrona homens. — e, se necessário, Zagan era um motivador. 

***

Tudo começava.

Os robôs se levantavam.

Os livres viviam.

Alguém nasceu.

Alguém morreu.

Tudo terminava.

 


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