1000 anos pós-Armagedom escrita por Cersei Lenista


Capítulo 2
Deuses Sem Faces




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SAMIR

 

 

Pode-se dizer que acordar às cinco horas da manhã era extremamente ruim para qualquer homem, mulher ou criança da Mesopotâmia. A cama de solteiro de Samir sempre amanhecia com o lençol solto, o travesseiro caído no chão e a colcha enrolada a sua cabeça. Ele nunca conseguiu compreender o quanto se movia enquanto estava dormindo.
O dia não seria interessante e ele sabia disso assim que abriu suas pálpebras, mas havia faltado aulas demais na universidade e não estava realmente querendo reprovar em uma próxima matéria.
Ele acendeu a luz, entrou no chuveiro frio, se enxugou e vestiu uma calça jeans. Não secava o cabelo e muito menos o penteava, então foi para a cozinha e colocou uma xícara na cafeteira, enquanto gotas de café a enchiam, ele pegou um pão da dispensa e um pouco de atum gelado, fez um sanduíche frio e o comeu enquanto bebericava a xícara aos poucos.
Arrumou suas coisas na mochila velha e foi escovar os dentes.
A irmã estava trabalhando já e a mãe dormia, ele passou no quarto dela e a deu um beijo na testa antes de sair.
Os veículos do Novo Mundo eram sofisticados, voavam, não gastavam gasolina e reutilizavam sua própria energia elétrica, pouco se assemelhavam aos automóveis de seus ancestrais. Ele foi para o ponto de ônibus e uma grande nave cheia de passageiros para lá, ele entra, mostra sua digital e se senta numa poltrona azul perto de uma janela.
Do lado de fora, se via naves-carros voando, painéis com propagandas eram projetados no ar, divulgando produtos de limpeza e lojas de móveis. O céu da nova Mesopotâmia era de um roxo claro naquele instante do dia, embora parecesse tão real, a temperatura e céu de cada cidade não era natural, era tudo artificialmente criado pelo governo​.
Os arranha-céus já brilhavam, sempre ligados como uma máquina de energia infinita, a irmã de Samir trabalhava como secretária em um deles.
Uma senhora de turbante à direita do ônibus-nave olhava fixamente para ele, Samir resolveu encarar a mesma e então ela desviou o olhar.
O veículo parou na Universidade Mesopotâmica, gigantesca, com pátios e jardins enormes, lembrava uma espécie de palácio que com certeza se assemelharia aos da verdadeira antiga Mesopotâmia.
Samir era alto, moreno, com sombrancelhas grossas e um olhar desatento, poderia ser bonito se não fosse tão sem expressão aos olhos da sociedade.
Algumas garotas (e alguns garotos) já olharam para ele na adolescência e até mesmo na universidade, mas não possuía interesse por nenhuma dessas pessoas. Ou por qualquer pessoa.
Ele foi para sua sala e lá ficou esperando a primeira aula, muita gente conversava lá e isso o irritava.
O professor da área sociológica chegou, deu uma aula de 1h e passou um seminário sobre doutrinas políticas do Velho Mundo.
Alguns dos seus colegas de classe se sentiam sem propósito por ter de estudar o pensar de um mundo já morto, Samir pouco se importava com isso.
As outras aulas passaram desapercebidas e às 15h ele foi embora dali, pegou o mesmo ônibus-nave e dessa vez, foi em pé.
Um homem jovem, moreno, com os olhos mel e sem barba o olhava de longe, ele o ignorou por um bom tempo, mas houve um momento em que se irritou com aquilo e o encarou de volta assim como fez com a senhora de turbante.
O rapaz continuou o encarando, ele, desistindo, desviou o olhar.
O ponto dele havia chegado.
"Finalmente", pensou Samir.
O estranho saltou, o ônibus esperou um instante antes de prosseguir, o homem ficou em pé na calçada e encarou Samir do lado de fora.
Samir perdeu a paciência e simplesmente mostrou o dedo do meio antes do automóvel se deslocar.
"Por que encarar pessoas no ônibus quando você pode simplesmente olhar para o nada e assim não incomodar ninguém, seu pedacinho de merda?", Samir pensou, embora nunca fosse dizer algo assim para alguém.
Chegando em casa, deixou a mochila no chão do quarto, tirou as roupas e foi tomar um banho, se sentia sujo sempre que saía de casa.
No banheiro, ele se tocou antes de se lavar, não pensava em ninguém quando fazia esse tipo de coisa, não pensava em nada na verdade, o fazia por fazer e relaxar um pouco depois de se sentir cansado. Gozou no vaso, deu descarga e entrou no chuveiro novamente para se lavar do suor e limpar o membro.
Depois de acabar, saiu para fora, amarrado numa toalha, botou um moletom e uma calça felpuda.
Foi para a sala e a mãe estava lá, deitada e assistindo uma novela sobre uma moça do campo que vai para Constantinopla trabalhar como atriz.
Se deitou junto com ela e ficou alisando seu cabelo.
— O que você fez hoje? - ele perguntou.
— Acordei e você? - ela respondeu resumidamente, embora realmente fosse a única coisa que ela havia feito.
— Acordei.
"Você precisa me ouvir, Adrienne, eu te amo", disse o par romântico da tal atriz antes de a beijar.
"Tudo é tão estúpido", pensou Samir, mas se absteve de falar aquilo pois era algo que a mãe se sentia bem assistindo.
— Quando Sara volta? - ele perguntou.
— Daqui a meia hora - a mãe respondeu.
Sara provavelmente estava terminando o almoço com seu chefe, embora ela não contasse, ele sabia que ela saía com ele e sabia também os motivos: ela queria subir na empresa.
Não a julgava por isso.
Sara era jovem, bonita e inteligente, empresários de meia idade como seu chefe Ali mostravam bastante interesse em moças assim.
Depois de meia hora, ela chegou mesmo e os três ficaram sentados no sofá, a mãe dormia e os dois não falavam nada.
Ela quebra o silêncio e diz:
— A partir do mês que vem, irei ganhar um adicional no salário e acho que talvez podíamos pagar uma viagem para eu, você e mamãe, ela sempre quis ir para Machu Picchu.
"Agora que ela está morrendo, os desejos dela são finalmente atendidos, isso é triste", pensou Samir, mas respondeu:
— Eu ganho um pouco dando aulas de vez em quando, tenho uma poupança, depois nós podemos comparar e fazer um orçamento, quem sabe.
— Ok. - ela se limitou a responder.
Depois foi para seu quarto dividido com a mãe resolver algumas pendências do trabalho.
O resto do dia correu rápido, jantaram um frango apimentado com uma garrafa de suco de limão.
A mãe chorou no meio do jantar, Sara abraçou ela, a acalentou e a levou para a cama.
Depois de alguns minutos voltou e disse para ele que ela já havia dormido e que também iria dormir, deu um beijo em seu rosto e foi para o quarto também.
Samir lavou os pratos, apagou as luzes e também foi para o seu.
Era meia-noite.
Ele ligou o notebook, mexeu em algumas configurações e abriu uma página.
"DEUSES SEM FACES" estava digitado no topo dela, ele rapidamente começou a escrever alguma coisa e anexou lá um vídeo e 3 fotos.
Respirou por um minuto e apertou em enviar.
Desligou o aparelho e foi dormir.
No outro dia, o Jornal da Mesopotâmia entrou em plantão às 13h.
"Foi divulgada a prisão do senador Mohammed Youssef por tráfico humano, tendo um vídeo vazado na internet do mesmo dando ordens à um motorista para levar 20 mulheres cativas num caminhão-nave da Mesopotâmia para Tóquio com objetivo de as vender como escravas sexuais para bilionários da metrópole, além do vídeo foram divulgadas fotos do político dando dinheiro para o motorista e recebendo dinheiro de um homem suspeito de Tokyo há dois dias atrás, tentamos contatar o senador mas este preferiu não comentar nada com a mídia além de agredir um de nossos repórteres quando foi filmado e fotografado sendo preso. Aqui quem fala é Kalil Ibraim, encerramos por hoje, uma boa tarde para você, Mesopotâmia".

 


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Notas finais do capítulo

Comentem, quero muito saber a sua opinião sobre essa minha obrinha em formação.