Bubbly escrita por Ryoka chan


Capítulo 4
Desculpas




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Acordado pela claridade que vinha da janela, Keith levantou-se do sofá cambaleante, dirigindo-se ao banheiro. O cômodo era pequeno, porém havia o necessário para um humano comum viver. Próxima a entrada estava a pia, de porcelana branca, pela qual ele lavou o rosto. De fronte a ela, um pequeno espelho prendia-se à parede de ladrilhos roxos. Keith viu as olheiras marrons pelo seu reflexo, as quais indicavam sua noite mal dormida.

Lavou-se e vestiu as roupas em seu corpo. Quase saiu de casa, mas se esqueceu das chaves. Procurou-a em todos os cantos, contudo, a bendita parecia esconder-se dele. Após cinco minutos, achou-a em cima da televisão. Não fazia ideia por que a deixara lá. Sua cabeça estava funcionando mal.

Destrancou o apartamento e pôs seus pés fora dele. Tudo ocorria bem até que ouvisse a voz de uma certa pessoa.

— Oi, Keith! — Ouviu. Os olhos de Keith arregalam alguns segundos antes de se recompor.

— Oi, Lance. — Seus lábios curvaram-se numa linha fina.

— Indo encontrar Pidge e Hunk?

— Sim, e tomar um café, talvez com ele, consigo acordar. — Suspirou.

— Haha, quem diria que você teria problemas com isso.

— Na verdade não, só ontem... — Keith respondeu. Um silêncio desconfortável ficou entre eles enquanto pegavam o elevador. Lance limpou a garganta e foi o primeiro a continuar a conversa.

— Bem, sua cara não está uma das melhores, panda.

— Panda? — Arqueou a sobrancelha.

— É, círculos escuros ao redor dos olhos...

— Não faz o menor sentido... Talvez vampiro faria mais. — Desceu do elevador e cruzou os braços, encarando o vizinho.

— Faz todo o sentido! — Lance demonstrou com os dedos no rosto.

— Não faz, Lance!

— Se você diz. — Resmungou Lance. Keith expressou confusão, como se o amigo fosse louco. — Mas por que vampiro, cara?

— Hum, Shiro via vários filmes antigos, principalmente Drácula, então, não sei, era um pouco divertido...

— Shiro?

— Shirogane, meu irmão.

— Takashi Shirogane! Pidge falou-me muito dele, é como fosse uma lenda da medicina!

— Ele é. — Sorriu ao pensar no irmão.

— Você parece gostar muito dele. — Lance adivinhou, um tom macio em sua voz.

— Claro, ele fez muito por mim.

— É... Você tinha falado de filmes antigos? Você gosta?

— Alguns, acostumei, pois Shiro era um fanático por eles. Por que pergunta? Vai pedir minha ajuda para escolher um? — Sorriu em brincadeira e subiu uma sobrancelha.

— Eu?! Só estava puxando assunto! Isso se chama educação, Keith! — Agora foi a vez dele de cruzar os braços e afundar-se neles.

— Você sabe o que é educação? Essa é nova. — Bufou, mas um sorriso transparecia em seus lábios. Antigamente, mais precisamente semanas, talvez meses atrás, acharia a atitude de Lance irritante, assim como sua voz. Atualmente, o agudo desagradável de suas exclamações se tornou suportável, ou até mesmo divertido. Lance era mais fácil de entender agora. Keith poderia considerar que ele não era tão ruim quanto imaginava.

— Alguém me ajude a aguentar essa pessoa emburrada aqui, é difícil, não aguento, preciso de forças. — Lance simulou uma prece, cruzando as mãos.

— Eu que deveria estar fazendo isso.

— Olhe só para ele, só tem essa expressão, é zangado o tempo todo, seria alguém capaz de suportá-lo? — Deu várias tapinhas no ombro de Keith. Inspirou fundo e soltou. — Também não tem nenhum senso de moda! Ele tem um ‘’mullet’’! Todo mundo sabe que isso é suicídio social! — Bagunçou o penteado do amigo, descobrindo que era mais suave do que pensava.

— Ficou melhor! — Lance riu, as mãos estavam na barriga, que doíam de tanto rir.

— Ei! — Keith retrucou, arruinando os fios perfeitamente alinhados de Lance, rindo posteriormente. No entanto, mal teve tempo para cantar a vitória, porque Lance avançava para completar sua vingança.

Afastaram-se e perceberam a grande zona em suas cabeças. Era um tico engraçado. Tudo bem, talvez muito engraçado. O cabelo de Lance estava apontando para todas as direções, podia ser considerado uma tentativa falha de penteado ‘’punk’’. Keith riu ruidosamente e Lance o acompanhou.

Apenas pararam no momento que se deram conta que estavam na calçada e as pessoas os encaravam. Lance parou abruptamente, uma sombra carmesim colorindo-o do rosto até o pescoço.

— Vamos indo, Hunk e Pidge devem estar preocupados. — Lance disse e começou a andar rápido. Keith assentiu e seguiu-o.

— Finalmente, os desaparecidos chegaram juntos! — Hunk comemorou.

— Só foram alguns minutos, Hunk.

— Pareceu muito, Pidge. E... — Hunk observou o estado dos amigos. — Por que o cabelo de vocês está parecendo o pelo do Chewbacca sem uma escovação?

— A culpa é toda de Keith.

— Não, a culpa é toda de Lance. — Sorriu.

— É... Que bom que são amigos agora. — Pidge supôs. — Tenho uma boa notícia! Recebi nota máxima no meu projeto! — Ajeitou os óculos.

— Sério?! Sobre o que?! — Perguntou Lance, entusiasmado.

— É sobre os foguetes, que em sua maior parte, são formados de estruturas descartáveis. Bom, tem a Boca DeLaval, na menor área de seção transversal, que direciona os gases de combustão, em alta temperatura, eles atingem velocidade supersônica, sabe? Isso é impressionante, se não fosse desse jeito o processo não daria certo, seria uma catástrofe. Por isso cada parte é importante, tem que existir o reservatório do propelente, para que as substâncias sólidas ou líquidas... — Enquanto Pidge discursava, Keith pedia, silenciosamente, uma explicação daquilo que Pidge falava para Lance, que também estava confuso.

— Português, por favor. — Lance pediu. Pidge grunhiu em resposta.

— Então... como eu dizia, essas estruturas são importantes, portanto, tentei arranjar soluções para reutilizá-las, ainda não consegui uma que funcionasse cem por cento, mas, felizmente o professor gostou do meu projeto.

— Para comemorar, estávamos pensando em ir um restaurante! — Continuou Hunk. — Allura iria também.

— Que dia? — Indagou Keith.

— Depois de amanhã, sábado à noite.

— Fechado. — Lance falou.

— Está bom para você, Keith? — Hunk perguntou.

— Sim, não é como se eu tivesse muita coisa para fazer.

— Que bom, mal posso esperar! — Hunk se animou.

— Só vale lembrar que não devemos deixar Hunk escolher o restaurante. — Pidge recordou.

— Aquele dia... — Lance enrugou o nariz, lembrando da memória ruim.

— Aquele dia?

— O dia que ele nos levou num restaurante tailandês, Keith. — Pidge explicou.

— Era uma experiência ele disse. — Murmurou Lance, de cabeça baixa, a expressão sombria.

— Uma má experiência. Os pratos eram extra apimentados, lógico, que sabíamos que continham pimenta, porém não pensávamos que seria uma morte tão terrível. — Pidge explicou, os óculos brilhando.

— Ah, gente, não sabia que vocês eram fracos com pimenta! — Hunk lamentou.

— Nós somos pessoas normais. — Esclareceu Lance.

— É, vou manter isso em mente. — Keith se certificou. — Desculpe, Hunk.

— Tudo bem, Keith. — Sorriu apologeticamente.

O assunto não tardou a ser mudado, logo, Lance se divertia fazendo piadas, que arrancam risinhos discretos de Keith. Pidge e Hunk sempre falavam de alguma novidade científica difícil de entender, como bons ‘’nerds’’ que eles são. Passavam o início do dia dessa maneira, dialogando sobre assuntos simples, mas que todos apreciavam. Era uma surpresa, Keith, o qual ficava preso no seu próprio mundo, conseguiu ser embalado pelas conversas de seus amigos. Sendo sincero, a companhia deles que era mais importante. Por causa disso, toda vez que caminhava pelo parque, depois que saía do café, se sentia mais leve, da mesma forma que a brisa.

***

Já fazia dez minutos que Keith esperava na frente do apartamento de Lance. Os dois haviam combinado de irem juntos para o restaurante, no entanto, até agora, Lance não dava um sinal de vida. Keith grunhiu, sem paciência e bateu na porta de Lance.

— Lance?! Está aí?!

— Oi?! Espere um pouco! — Respondeu. Keith respirou fundo e cruzou os braços. Não demorou muito e a porta abriu. Lance apareceu um pouco diferente do habitual. Vestia uma camisa social, branca, de mangas curtas, estampada de bolinhas na cor vermelha e, ao invés do jeans-claro que costumava usar, a calça era escura desta vez.

— Finalmente!

— Você fala como se eu tivesse demorado muito tempo.

— Mais de dez minutos.

— Calma, — Lance disse lentamente — não é um compromisso sério.

— Então por que demorou tanto?

— Tenho que estar com boa aparência, vai que conheço alguém interessante. — Ajeitou uma mecha de cabelo na orelha. — Você veste a mesma roupa de sempre, pelo menos, hoje, teve o bom senso de usar alguma coisa diferente. Tem alguém que te interessa? — Sorriu maliciosamente.

— Eu nem sei porque peguei esse cachecol, só deu vontade, não sou você. — Afirmou. Keith não mentiria, isso era verdade. Ele só viu a velha peça vermelha no seu guarda-roupa e sentiu vontade de usá-la. Provavelmente porque combinava com seu conjunto preto.

— Tudo bem, tudo bem, Keith Eu Não Estou Interessado Em Ninguém Pois Sou Socialmente Estranho. — Brincou.

— Que tipo de sobrenomes são esses? — Perguntou, ofendido.

— Combinam com você. — Lance respondeu e Keith revirou os olhos.

Lance parecia bem animado neste dia. Contou sobre sua amizade com Pidge e Hunk, as situações inusitadas que presenciara com eles, que ele nasceu em Cuba, que era editor e se formara em física. Tudo isso deu uma nova dimensão do que era Lance para Keith.

Lance amava seus amigos a ponto de aproveitar brechas para falar deles. Ele era menos egoísta do que as pessoas pensavam, e Keith descobriu esse fato com poucas conversas. Um gosto amargo desceu pela garganta de Keith, pois se lembrou da primeira vez que se falaram. Lance agiria daquela forma sem motivos? Keith fizera alguma coisa errada? Dúvidas como essas encheram sua mente. Ele pediria por respostas, mas não agora, porque já chegaram ao seu destino.

A entrada do restaurante era simples, as portas de vidro automáticas deixavam o interior transparente para quem via de fora. Internamente, as paredes eram vermelhas, com exceção de um canto, reservado para apresentações, revestido de papel de parede, que imitava madeira. Logo que entraram, viram Hunk junto a Pidge e Allura, acenando para eles.

— Chegaram atrasados. — Allura levantou uma sobrancelha.

— Eu chegaria aqui bem antes se não fosse por Lance.

— Ah, não, por favor, sem brigas sobre quem é culpado. Hoje não. — Implorou Pidge.

— Keith que começou! — Lance apontou para Keith.

— Então, Pidge, tenho certeza que você fez um ótimo trabalho. — Allura interrompeu sabiamente.

— Sim, não acredito que você está crescendo, isso me deixa tão emocional. — Admitiu Hunk, que limpava o canto dos olhos.

— Agradeço o apoio, de verdade. — Pidge sorriu.

 A noite seguiu e a fome não podia esperar. Pidge pediu penne à carbonara; Hunk, parmegiana; e Allura, rolinhos de espinafre. Keith e Lance pediram o tradicional hambúrguer com fritas, que foi o estopim para uma nova discussão.

Keith despejara o conteúdo de um potinho de porcelana em suas batatas-fritas. Era catchup. Lance, ao seu lado, ficou horrorizado, sua boca abriu e congelou por um momento, contudo, segundos foram necessários para sair do transe e perguntar o motivo de seu amigo fazer tamanha barbaridade.

— O que está fazendo?! — Lance exclamou, estupefato.

— É... Colocando o catchup? — Keith respondeu, sem entender.

— Não, o que está fazendo é contaminar o delicioso sabor da batata! Todo mundo sabe que o catchup só vai na ponta da batata!

— Ainda bem que Shiro diz para mim que eu não sou todo mundo.

— Keith! — Choramingou. — Não faça isso comigo, não lambuze a batata.

— Está muito bom, quer uma? — Keith mastigou com gosto e sorriu para Lance.

— Não, obrigado. Jamais irei me submeter a esse desgosto. Minha mãe me criou muito bem para ter um bom gosto para comidas. – Lance fechou a cara numa carranca. Ele continuou reclamando, até que Keith enfiou uma batata encharcada do molho na boca dele e o fez parar. O-o que... — Gaguejou surpreso com ação.

— Então, o que achou? — Keith indagou. Lance franzia o cenho e mastigava rapidamente.

— Horrível. — Lance se esforçava para manter a todo custo a expressão de nojo, todavia, era perceptível que as sobrancelhas tremiam quando tentava franzi-las, assim como o sorriso que havia tomando forma.

— Se você diz. — Keith sorriu, claramente não convencido.

— Eles estão bem? — Allura cochichou para Pidge e Hunk.

— Ah, vindo de Lance e Keith esse tipo de situação é comum. — Esclareceu Hunk, curvando a boca levemente.

— Queria saber quando eles vão parar. — Pidge colocou uma mão na testa e suspirou.

— Difícil saber, eles esqueceram completamente da gente. — Disse Hunk.

— Bom, melhor deixá-los. — Allura sugeriu. — Conte-me mais sobre a faculdade, Pidge.

Os olhos castanho-mel de Pidge brilharam com a fala da amiga.

***

Keith e Lance se despediram de seus amigos e seguiram o caminho para suas moradias. A noite fora longa, Keith já sentia sua bateria social descarregando, mas isso não significava que não se divertira, muito pelo contrário. Seus maxilares ainda doíam de tanto rir, se bobeasse, riria mais só de lembrar que Lance e Hunk quase convenceram os funcionários de que hoje era o aniversário de Pidge só para ganharem um bolo de graça. Pidge, claro, não gostou da ideia e tentou convencer o garçom de que era apenas uma brincadeira.

Não funcionou de início, o pobre rapaz ficara confuso, pois os três amigos apresentavam explicações contrárias. Naquele momento, Keith não conseguiu segurar as gargalhadas que ameaçavam sair de suas cordas vocais. Enfim, no final, a situação constrangedora foi resolvida por Allura e suas incríveis habilidades diplomáticas. Todos se desculparam, culpados, pelo ocorrido. Keith sentia pena do funcionário, mas uma parte de si ameaçava a rir.

Neste instante, ele e Lance andavam sem dizer uma palavra. O silêncio estava confortável até que as dúvidas anteriores, as quais Keith guardava em sua mente vieram à tona.

Necessitava saber por que Lance havia agido de maneira estúpida com ele, como se Keith fosse culpado de algo e isso fosse verdade. Ou, poderia ser que estivera num dia ruim, na melhor das opções.

E mais uma vez, Keith deu ouvido às suas emoções.

— Lance, eu tenho uma pergunta. — Disse quase num sussurro.

— Sim?

— Aquele dia... Você acha mesmo que tenho uma aura emo? — Keith amaldiçoou-se. Ele e sua bendita boca. Por que era tão ruim com palavras? Arrependeu-se amargamente da sua impulsividade.

— O que? Ah! — A princípio, Lance não aparentou entender, mas no segundo que o fez, tocou o ombro e desviou o olhar.

— Você não é muito bom com pessoas, não é? — Parecia mais uma pergunta para Keith, do que uma afirmação. Lance sorriu fracamente.

— Bem...

— Tudo bem. Eu só... — Lance suspirou. — Provavelmente estava frustrado. Veja só, eu me dou bem com todos que frequentam o café, as senhoritas, Coran, os caras, inclusive as vovozinhas! Mas então, você simplesmente me ignorou!

— O que?

— Não se faça de desentendido! Sério, tentei falar com você umas cinco vezes e tudo que ganhei em troca foi silêncio!

— O-o que quando? — Keith sentiu-se perdido.

— Bem, por onde começo. — Fingiu pensar.

Keith olhou para baixo. Ele era consciente de que não era a pessoa mais perceptiva do mundo. Com certeza, estava imerso em seus pensamentos quando Lance fora falar com ele.

— Desculpe-me. — Keith suspirou audivelmente, parecia o certo a se fazer. Passou a mão entre o cabelo e esperou que Lance dissesse algo.

Lance ficou em silêncio, enquanto esfregava a lateral do pescoço.

— Olha, cara, parece que quem deve se desculpar sou eu. Desculpe-me. — Lance colocou uma mão no ombro de Keith, o qual abriu um leve sorriso.

— Bom, já viu os novos filmes que lançaram na Netflix? — Lance mudou de assunto.

— Não tenho isso. — Keith deu de ombros. Lance olhou para o amigo com se tivesse visto um fantasma.

— Keith, Keith, Keith, não sabia que fazia piadas. — Riu de nervoso.

— Eu não faço.

— Keith, como vive na Terra e não tem Netflix?! Ah, não, sabe pelo menos o que é?

— Acho que tem filmes ou algo assim... — Keith olhou para o nada.

— Keith, amanhã, meu apartamento. — Ele entrelaçou as próprias mãos e colocou perto da boca.

— Por quê?

— Netflix, Keith!

— Eu não ligo!

— Tem documentários, conspirações...

— Fechado.

Lance sorriu largamente e envolveu os seus braços em torno de Keith, continuando a caminhada.

Mais tarde, Keith foi recebido por uma melodia dançante, algo que reconheceu como pop dos anos noventa. A voz de Lance quando cantava era tão macia e suave como se recordava, doce e agradável de ouvir, independente do estilo de música. Acomodado no sofá, Keith não duvidava que teria uma boa noite de sono.


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