O Caminho da Andorinha escrita por BadWolf


Capítulo 7
Confiança Quebrada


Notas iniciais do capítulo

E voltamos mais uma vez a Iorveth e Saskia,
Vejamos a repercussão da morte do menino na vida desse casal de rebeldes.

Boa leitura!



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Teméria, 1279.

(Um mês atrás)

 

Elaine blath, Feainewedd

Dearme aen a'caelme tedd

Eigean evelienn deireadh

Que'n esse, va en esseath

Feainewedd, elaine blath

 

—Voe'rle! – pediu Iorveth ao elfo com um alaúde, para que parasse. Aturdido com a atitude inesperada de seu comandante diante de seu pequeno momento de lazer e descanso, o elfo obedeceu, cessando sua cantoria e deixando o alaúde de lado.

Desde que esteve preso com Elendil e Argalad, naquela nojenta cadeia temeriana, Iorveth jamais pôde apreciar uma bela canção entoada por um bardo. Na verdade, desde então Iorveth nunca mais olhou para um bardo com os mesmos olhos. Qualquer homem com alaúde lhe remetia aquele elfo idiota e persistente, que ficava cantando e tagarelando o tempo todo. Era inacreditável que o lendário Gwynbleidd tivesse um bardo como melhor amigo e companheiro de boa parte de suas aventuras. Talvez fosse isso que tornasse Geralt de Rívia tão resistente a monstros. Ele já tinha o bastante que aturar.

—Estávamos apenas apreciando uma boa música, comandante. – disse um deles, tentando se explicar.

—É mesmo? E será que os Filhos da Teméria também não apreciarão? Toda essa cantoria dá para ouvir a metros de distância daqui e precisamos ser discretos.

—Por que não toca com sua flauta, então? Acho que será discreta o bastante.

—Daria no mesmo e, além disso, eu a deixei em casa. – disse Iorveth, levantando-se e indo para longe da fogueira. “Ele está terrivelmente azedo hoje”, o elfo pôde ouvir de um dos Scoia’tael. “Hoje? Ele está assim há dias, na verdade...”, ouviu outro retrucar.

Iorveth deitou-se em sua esteira e se aconchegou com um cobertor. Ele tinha lá suas razões. Saskia não quis partir com ele, ocupada demais em enterrar o corpo do menino. Quando retornou, uma semana depois, percebeu que ela estava curiosa sobre seu progresso. Curiosa até demais. Por fim, Saskia o acompanhou. Participou de algumas incursões de reconhecimento, como ele esperava que ela fizesse. Mas nas últimas semanas, Saskia estava agindo... Diferente.

Para começar, passou a ir sozinha e sem o consentimento prévio de Iorveth. Não tardou para que o elfo temesse que seu comportamento rebelde colocasse em risco sua liderança, mas ao menos os elfos ainda mantinham o respeito conquistado em seus anos como líder de Scoia’tael, ignorando – ou tentando ignorar – a estranha atitude da guerreira de Aedirn. Mas Iorveth não era tão tolo a ponto de fingir que não sabia que seus subordinados começavam a fazer suas conjecturas.

Para não dizer que coisas estranhas estavam acontecendo nas últimas semanas. Boa parte dos acampamentos dos Filhos da Teméria localizados eram encontrados já em escombros, ou melhor, cinzas. Alguns dos Scoia’tael especulavam, dizendo que eram ataques de Nilfgaardianos. Mas a ausência de cortes de espada e principalmente flechas era percebida por Iorveth. Todos os mortos foram queimados, e apenas queimados.

Mas foi a incursão de dois dias atrás que mexeu com os nervos de Iorveth.

“Eu já disse!”, gritava um rebelde, chamuscado de fogo. “Não faço a mínima ideia de que projeto é este! Aaargh!”

Um dos elfos se levantou, insatisfeito, e caminhou para perto de Iorveth.

“Quebramos todos os dedos das mãos deste dh’oine e ele insiste em dizer que não sabe de nada. Há grandes evidências que sugerem que ele era o líder desta unidade de rebeldes. Devo prosseguir para os dedos dos pés? Ou posso pedir a Canell para que traga mel?”

“Deixe-o comigo. Junte-se aos outros e procure por mais rebeldes fugitivos na mata.”, ordenou Iorveth, sendo prontamente atendida pelo Scoia’tael, que em instantes o deixou sozinho com o rebelde ferido.

“Por favor... Piedade... E-E-u não sei de nada... Nunca ouvi falar de nenhum projeto dos anões, eu juro pelos deuses!”

Pondo-se de cócoras para perto do sujeito, Iorveth bufou. Dh’oines e sua ladainha de misericórdia. Nunca mudam.

“Quem os atacou?”, perguntou Iorveth diretamente. O homem parecia hesitante.

“Um dragão. E-E-E-E-u juro que não estou mentindo!”

“Mas eu acredito em você.”

Sem pensar duas vezes, Iorveth cravou no peito do rebelde ferido sua adaga. O dh’oine estremeceu, arregalou os olhos de dor, mas logo abraçou a morte e fechou seus olhos. Satisfeito com a resposta que recebera, Iorveth se levantou. Agora, tudo fazia sentido. Saskia estava agindo, e sem ele. E para piorar, em sua forma draconiana.

—Que estupidez, Saskia... Que estupidez...

Desobediência, insubordinação e... Mentiras. Ou omissão, no mínimo. Ele só não entendia porquê Saskia estava fazendo isso. E nem poderia entender, com a jovem guerreira tendo partido para Mahakam há alguns dias – ou assim ela contou.

—Voltaremos amanhã, antes do amanhecer para Mahakam. Tirem o resto dessa noite para descansar, pois não pretendo parar no meio do caminho. – decretou Iorveth, para pasmos dos Scoia’tael. Apesar da decisão repentina e surpreendente, nenhum deles o questionou.

 

 

§§§§§§§§

 

 

O sol já estava alto, mas Saskia não se importava. Dormira a manhã toda, e agora, dormiria o dia inteiro. Já era possível ouvir de sua janela a sempre pungente Mahakam despertada e completamente ativa. Comerciantes bradando seus produtos, alguns músicos tocando e um casal discutindo, enquanto anões caminhavam até as minas. Mas não havia força no mundo capaz de retirar Saskia daquela cama.

Passara os últimos dias atacando acampamentos dos Filhos da Teméria, indiscriminadamente. Tentava, ao máximo, não deixar sobreviventes. Via aqueles homens nojentos arder, gritar de dor, queimar e pedir socorro aos seus deuses naquele momento de grande aflição e dor. Mas nenhum deus dh’oine poderia salvá-lo de sua ira, pensava Saskia. Mataram e torturaram um menino indefeso, que tinha uma vida inteira pela frente e nada tinha a ver com aquela maldita guerra que eles travavam, tão pouco com as intrigas que seu pai havia se metido.

“Não posso pensar nisto”, pensava Saskia, tentando afundar sua cabeça no travesseiro mais uma vez. O sono estava prestes a leva-la novamente quando a guerreira ouviu a pesada porta de carvalho se abrir. Só duas pessoas naquela casa tinham a chave: ela e Iorveth. Será que ele já havia retornado.

Mesmo em camisola, Saskia caminhou até a sala, onde deparou-se com Iorveth. Bastante sujo de lama e com o corpo coberto de poeira da estrada, deixando um rastro de pegada de lama por onde passava. No canto, o elfo deixou seu equipamento. Parecia cansado, mas também furioso. Seu semblante era calmo e dava para enganar facilmente a qualquer um, menos Saskia. Ela já sabia reconhecer e interpretar suas emoções, mesmo as mais bem-ocultadas por ele.

—Pensei que levaria mais uma semana na floresta.

—Eu também pensei, mas acabei surpreendido por um fato novo.

—Fato novo? – estranhou Saskia.

—Parece que um Dragão adquiriu certa implicância com os Filhos da Teméria.

—Iorveth...

O elfo a interrompeu com um gesto, silenciando Saskia.

—Nosso objetivo ali era bem claro, Saskia. Conseguir informações que nos levassem ao projeto e, finalmente retirá-lo das mãos dos Filhos da Teméria. E acampamentos e corpos queimados era a última coisa que precisávamos para conseguirmos atingir o nosso objetivo. Portanto, eu te pergunto: por que fez isto?

—Foi uma retaliação. De minha parte.

Iorveth sacudiu a cabeça.

—Recuso-me a acreditar que tenha agido de modo tão...

—Leviano? – tentou completar Saskia

—Estúpido. – retrucou Iorveth, deixando escapar suas emoções. – Graças a você, perdi tempo e recursos. A cada acampamento que encontrávamos, éramos recepcionados não por guerreiros prontos a nos atacar e se defender, mas por corpos carbonizados e sem qualquer marca de conflito. Por sorte, meus homens sequer imaginaram que um dragão estava atacando, preferindo aceitar a ideia de que Nilfgaard estava por trás daqueles ataques. Eu jamais a tomei como alguém tola a este ponto, Saskia, mas honestamente, suas atitudes estão me fazendo rever meus próprios conceitos a seu respeito.

—Que atitudes? – questionou Saskia, de braços cruzados. – Eu não estive te ajudando com esta incursão?

—Nem sempre. Às vezes, você se ausentava e sequer me avisava para onde estava indo. Não preciso te explicar o dano que isso causa na imagem de qualquer comandante, preciso? Insubordinação, e vinda da própria mulher...

—O fato de morarmos juntos não me torna sua propriedade, Iorveth.

—Não tente inverter nada ao seu favor, pois você sabe que eu não penso assim de você. Saskia, você agiu pelas minhas costas, atrapalhou o meu trabalho com essa sua... Passionalidade!

—Passionalidade?! – questionou Saskia, indignada.

—Sim, passionalidade. Vocês, dh’oines, são assim. Agem por impulso, movidos de modo desenfreado pelos sentimentos, desde os mais tenros aos mais animalescos possíveis, abrindo mão da própria racionalidade. Pensei que você fosse diferente, Saskia. Você sempre foi racional, metódica, assim como eu. Mas a julgar por suas atitudes nos últimos tempos, vejo que estive enganado. É como disse um anão, “apenas a convivência de um casamento revela o que a pessoa verdadeiramente é”. E a sua não tardou muito a aparecer...

—Iorveth, pare com isto. Eu só fiz o que achava ser correto.

—Correto?! – indignou-se Iorveth – Sem dúvida, você agiu tão tolamente assim porque está movida por um ímpeto de vingança que está mexendo com sua sanidade!

—E se eu estiver? – indagou Saskia, em um tom de desafio e erguendo sua voz. – Não pode me reprovar por isto. Muitos elfos, assim como Elendil, se juntaram aos Scoia’tael movidos por vingança e você não os recriminou por isso.

—Estes elfos – explicou Iorveth – juntaram-se à causa dos Scoia’tael porque perderam um ente querido. Já você, Saskia, não perdeu ninguém. Aquele dh’oine não era absolutamente nada seu.

—Isso não me impediu de... Amá-lo. – disse Saskia, quase em um sussurro.

—AMÁ-LO?! – indignou-se Iorveth, não mais escondendo seu estarrecimento. – Tem idéia do absurdo que está dizendo? Saskia, você mal conhecia essa criança...

—Não se trata de há quanto tempo ou como eu a conheci, Iorveth. Eu não consigo controlar os meus sentimentos ou limitá-los por tais razões.

—Realmente, eu não te reconheço mais... – disse Iorveth, num tom desgostoso.

—Tem razão, Iorveth. Eu também não me reconheço mais. Eu mudei, admito. Mas para melhor. Mas você não me compreende. Ou melhor, não quer compreender coisa alguma, porque não aceita o fato de que me apeguei a um “dh’oine”. Talvez, se fosse um elfo, ou quem sabe um Aen Seidhe puro, você tivesse olhado para Carl de modo diferente.

—Está me cobrando, é isto?

—Você o desprezava e não fazia qualquer questão de esconder isto!

—O que isso importa? – deu de ombros Iorveth, também alterado. – Ele era só um dh’oine. Uma criaturinha pequena, aparentemente indefesa e muito bonitinha nos primeiros anos de vida, mas que quando adulto, seria capaz de gerar mais uns seis dh’oine iguais a ele, matar e aniquilar o meu povo! E agora, você está atrapalhando a nossa causa por causa de um dh’oine a menos no mundo...

Aquele foi um tapa inesperado. Iorveth jamais imaginou que Saskia pudesse erguer a mão uma só vez contra ele, salvo em seus treinos com espada. Mas outra vez, Saskia o mostrou que estava errado. Não foi um tapa forte, e talvez nem fosse esta a intenção de Saskia, mas foi o bastante para que a mulher demonstrasse sua revolta quanto àquelas palavras frias e duras. Estático, com seu olho arregalado e ainda sentindo seu lado da face sem cicatriz quente e ardido pela agressão, Iorveth observava uma trêmula Saskia em choque. Ele queria responde-la, queria retruca-la, mas não sabia como. Diante da falta de opções, optou pelo silêncio.

Saskia observou suas mãos. Trêmulas. Voltou seus olhos para Iorveth. Jamais o viu tão pálido, apesar de sua bochecha estar bastante vermelha pelo tapa. Ele não esperava pela agressão. Assim como ela.

Ela suspirou, tentando se acalmar. Mas parecia ser algo impossível.

—Carl não era apenas mais um dh’oine. Ele era importante para mim. Você deve estar duvidando disso, porque acha que eu o conhecia muito pouco e que não há qualquer maneira de criar um laço de afeto em tão pouco tempo. Mas não foi isso o que aconteceu. Desde o momento em que pus os olhos em Carl, eu me simpatizei com ele. Eu... Eu queria protege-lo, ajuda-lo. Jamais pensei que uma criança pudesse mexer tanto comigo. Ele despertou sentimentos em mim que...

—Pare... – balbuciou Iorveth, num tom beirando à súplica. – Pare com isto. Eu não quero ouvir.

Saskia tomou-se de dúvida.

—Ouvir o quê?!

—Você sabe muito bem o quê. – retrucou Iorveth, com o semblante entristecido. – Eu já entendi tudo agora. Não precisa me explicar que...

—Iorveth... – balbuciou Saskia.

—O que você deseja, Saskia, infelizmente eu não sou capaz de te dar. Pensei que isso estivesse claro no momento em que me aceitou. Nunca falamos sobre isso diretamente, porque imaginei que isso estivesse claro o bastante, a julgar pela minha idade e minha raça, mas... Eu sou estéril.

Saskia sentiu um pouco de humilhação no tom entristecido de Iorveth. Não deveria ser fácil para ele admitir isto, ainda mais em voz alta.

—Não sou capaz de engravidá-la. Posso não ser o mais instruído dos homens, mas sei que você está no auge de sua fertilidade. Deveria ter imaginado que esses pensamentos surgiriam, que a ideia de ter um filho começaria a ser sedutora a você, mas eu preferi negar isto a mim mesmo. Preferi me convencer de que você não precisava de uma criança em sua vida, que nós não precisávamos de uma criança. Mas vejo que me enganei.

—Iorveth, me escute...

Foi o próprio elfo quem pôs um fim à conversa, dando as costas à Saskia e saindo de casa, deixando Saskia completamente sozinha, enquanto palavras não ditas vagavam na mente da guerreira. Mas não havia quem quisesse ouvi-las. Iorveth fechou-se para elas, agindo do mesmo modo irredutível e teimoso que a guerreira o conhecera. Se ele ao menos pudesse entender que sua esterilidade não era um problema à ela, que o casal poderia encontrar uma criança para cuidar e educar como se fosse deles... Mas talvez o orgulho de Iorveth não o permitisse cuidar de uma criança que não carregasse seu sangue, ou melhor dizendo, sua tão preciosa linhagem Aen Seidhe, que com grande tristeza estava decretada a se encerrar com sua morte.

Saskia sentiu um ímpeto de ir atrás dele, mas se conteve. Ele precisava de tempo para absorver sua revelação. Precisava deixa-lo sozinho. Por alguns dias.


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Notas finais do capítulo

OMG! Pára tudo!

Os dois se separaram!!!

Eu realmente sinto muito por isso, mas a história precisa avançar - e convenhamos, Iorveth errou feio.
Vamos torcer para que esse casalzinho rebelde com causa se acerte. #cruzandoosdedos

Próximo cap: Ciri cruza seu caminho mais uma vez com Turiel e Anya - sabe, AQUELA Anya...
Quem leu a fanfic anterior vai sentir o feeling desse encontro rs

Até o próximo cap!!!!



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