O Caminho da Andorinha escrita por BadWolf


Capítulo 8
A Herbalista




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A égua Pandora andava a ritmo apressado pela estrada que cortava a floresta de Lathlake. A escuridão daquela noite era apenas reduzida pelo luar. Uma bela lua cheia despontava no céu, notou Ciri, enquanto detinha as rédeas e levava a jovem garçonete Dora até Turiel, a herbalista. Ferida, a moça permanecia a segurar o pano contra sua pele, tentando conter o sangramento de sua ferida.

—Vire para a esquerda. – ela orientava Ciri.

—Será que Turiel irá mesmo nos receber? Já está tão tarde...

—Ela tem um bom coração. Recebe a todos os aldeões, não importa o horário.

Após passar por um imponente carvalho, Ciri pôde ver, já não muito distante dali, uma pequena e simplória choupana praticamente embrenhada na floresta. A ausência de luz naquela casa fez a jovem ter certeza de que a herbalista, como a maioria dos cidadãos temerianos de bem, estava dormindo àquela hora.

—Não se preocupe. Basta bater na porta e ela nos atenderá. – garantiu a jovem, como se adivinhasse os receios de Ciri.

Descendo de Pandora, Ciri acompanhou Dora até a entrada da casa. Uma tocha ali perto possibilitou a Ciri ver um pequeno e rico jardim de ervas, coloridas e de todas as funcionalidades. Não era surpreendente que fosse um jardim tão bem cuidado assim, afinal aquelas ervas consistiam no ganha-pão da elfa.

Após Dora bater a porta pela segunda vez, dessa vez de um modo mais vigoroso e urgente, a porta acabou por se abrir um pouco, revelando pela fresta uma jovem de boa aparência e longos cabelos castanhos claros, que não deveria ter mais do que quinze anos. Sua aparência despertou familiaridade em Ciri. Como se ela já a conhecesse antes.

—Quem são vocês? – perguntou a jovem, num tom neutro. Ao ouvir sua voz. Ciri logo reconheceu a jovem como sendo Anya, a menina que encontrara com o ferreiro Adal, amolando uma espada. Foi estranho vê-la de cabelos soltos. A bruxa também percebeu que seu tom de voz poderia se tornar agressivo em um piscar de olhos. Seu braço também estava encurvado para dentro da casa. Ciri sabia o que aquilo significava. Ela estava com uma arma, possivelmente uma faca ou adaga. Apesar da pouca idade, Ciri sentia que aquela jovem estava realmente pronta para rasgar o pescoço de alguém, se necessário.

—Anya. – começou Dora, com cansaço. – Estou ferida. Será que Turiel poderia cuidar do meu ferimento?

—Dora! – exclamou a menina, assustada, escancarando a porta. – Por que não disse antes? Entre! Turiel irá cuidar de você!

Ciri acompanhou Dora até o interior da casa. Assim que voltou seu olhar para a jovem Anya, a Bruxa percebeu que seus instintos estavam corretos. A jovem realmente estava com uma adaga na mão, guardando-a com discrição atrás de um vaso. A lareira já estava apagada, mas a menina reacendeu-a com proeza, preenchendo o ambiente com o calor e a claridade do fogo.

Estando a lareira já acesa e alimentada, a menina correu para o interior da casa, decerto para despertar Turiel.

—Eu não sabia que Anya morava com Turiel. – comentou Ciri, após unir os pontos.

—Sim, isso já tem alguns anos. Dizem que o pai de Anya morreu e que, desde então, ela ficou inteiramente sob os cuidados de Turiel. Ela cuida de Anya como uma filha.

—Entendi. – disse Ciri. Mal ditas suas palavras, Anya retornou à sala acompanhada de Turiel, vestindo um xale escuro sobre uma camisola branca e com seus cabelos longos e negros levemente despenteados.

—O que houve desta vez, Dora? – perguntou a elfa, pacientemente sentando-se ao lado de Dora. – Mais algum cliente desastrado derrubou uma garrafa de vinho e você é quem acabou ferida?

Como ela sabia da garrafa de vinho?

—Sim, Turiel. Uma confusão na estalagem. O típico de sempre. – disse a jovem, estendendo seu braço ferido.

—Pensei que o fim da Guerra com Nilfgaard daria um pouco de sossego a Lathlake. Com certeza me enganei redondamente. Homens não precisam de bons motivos para perder a cabeça. Basta um copo cheio de destilado e nada mais.

Enquanto a elfa começava a analisar o ferimento de Dora, Ciri sentia que a jovem Anya não tirava os olhos dela. Mais precisamente, de suas espadas nas costas.

—Sua ferida é profunda, Dora. Terá de levar alguns pontos e fazer um bom curativo. Você fez muito bem em tentar conter o sangramento e procurar a minha ajuda.

—Peço desculpas se incomodei você, Turiel. – disse a jovem, sem jeito.

—Incomodou nada, Dora. Estou acostumada a receber pessoas em qualquer horário. Agora, preciso que fique quieta. Isso irá arder um pouco.

A elfa aplicou a ferida de Dora um líquido incolor que havia dentro de um frasco, decerto era algo para desinfetar o ferimento, imaginou Ciri. Dora sentiu algumas lágrimas salpicarem seu rosto, mas a ex-sacerdotisa sabia que a dor era necessária. Sempre que era tratada por Turiel, seus ferimentos jamais infeccionavam.

Notando mais uma vez o olhar de Anya sobre si, Ciri decidiu questioná-la a respeito.

—Quer dar uma olhada nas minhas espadas? – ela perguntou, do mesmo modo que se perguntava a uma menina de oito anos de idade, curiosa diante de algo bonito. Percebeu que a jovem foi surpreendida por seu oferecimento, pois logo tornou-se boquiaberta.

—Eu...

Sem esperar a resposta de Anya, Ciri retirou a fivela que conectava suas duas espadas às costas. Anya parecia notavelmente embasbacada, com o quão bem trabalhado eram as bainhas das espadas, em um couro que a jovem jamais viu em sua vida e que ela imaginava ter sido o couro de algum monstro que acabou morto por aquelas espadas.

—Que belas espadas. Será que eu posso...?

—Só tome cuidado para não se ferir.

Depois que viu a jovem desembainhar a espada com destreza, Ciri percebeu que foi tolice de sua parte alertá-la. A menina tinha um notável conhecimento, segurando a espada do modo correto, bem diferente do que muitas meninas de sua idade segurariam, se lhe fosse dada a mesma oportunidade.

—Ela é leve. Mais leve do que a minha. – disse a jovem, fazendo um habilidoso arquear com o metal. – Mas porque precisa de duas espadas?

—Eu sou uma Bruxa. Eu preciso de duas espadas.

—Ah sim. “Prata para monstros, aço para humanos”.

Ciri riu secamente. – Não é bem por este motivo que eu tenho duas espadas, mas é o que diz a sabedoria popular. Quem sou eu para muda-la?

—Quando eu era bem criança, Ro... Er, meu pai contava histórias de um Bruxo chamado Geralt. Cheguei a dar o nome de um cavalo de Geralt por causa disso.

—Geralt?! – impressionou-se Ciri com a coincidência. – Então, o seu pai conheceu o Geralt? Que incrível coincidência! Sabia que eu também conheço o Geralt?

Ao fazer tal comentário, Ciri notou que o semblante de Anya se escureceu, como se ela tivesse tocado em uma ferida profunda. A menina ficou sem palavras. Coube à Turiel cortar aquela conversa, que embora simples, acabou por adquirir um rumo inexplicavelmente estranho.

—Anya, poderia buscar as ervas de heréboro que deixei secando nos fundos?

A jovem assentiu, saindo dali apressadamente. Seu semblante pareceu tomado de alivio por isso, estranhou Ciri. Quando prestes a comentar sobre isso, a jovem de cabelos cinzentos foi interrompida por Turiel, que deixou escapar um pesado suspiro.

—Não se preocupe com Anya, minha jovem. Recebemos a notícia de que o pai dela faleceu há alguns anos e mesmo assim ela sente falta dele. Eu já conversei com ela sobre isso, mas ela simplesmente não acredita em sua morte. Acha que ele irá aparecer a qualquer momento aqui, coloca-la um cavalo e leva-la de volta para casa. É tudo muito difícil para ela digerir. Por isso, não me leve a mal, mas evite aprofundar a conversa quando o pai dela for mencionado.

—É que... Esse Bruxo, Geralt... Ele é um grande amigo meu. Só fiquei impressionada em saber que o pai dela contou histórias sobre ele. Mas isso é exagero meu. Geralt deve conhecer metade do Continente e muitos conhecem suas histórias através das canções de Dandelion. E por outro lado, você está certa. Também perdi entes queridos e acho que faço uma boa ideia do que ela está passando.

Ciri percebeu que o braço de Dora já estava devidamente enfaixado. Anya retornou, com o semblante mais estoico, trazendo as folhas de heréboro em um pote. Seus olhos pareciam fixos em Turiel, claramente evitando os de Ciri.

—Coloque-as em um bule, ferva por uns vinte minutos e depois passe no local do ferimento. Irá auxiliar na cicatrização. – orientou Turiel

—Obrigada, Turiel. Por favor, aceite meu pagamento desta vez.

—Nem pensar, Dora. Você me ajudou tanto quando perdi Berdulon... Não posso aceitar.

—Aceite essas moedas, Turiel. Sei que não é muito, mas... Por favor, aceite-as.

A elfa assentiu, por fim. – Está bem.

Embora reticente, a elfa pegou as moedas das mãos de Dora. Ciri observou o gesto com pesar. Aqueles eram tempos difíceis, para todos. Tão difíceis que mal cabiam gestos de generosidade ao próximo. A Guerra acabou, a Teméria havia sido restaurada, mas os camponeses ainda sofriam nas mãos dos impetuosos barões, que apesar de possuírem um Rei – Nilfgaardiano e bastante contestado – permaneciam a tratar suas províncias do modo como queriam.

§§§§§§§§§§

O céu ainda estava negro, com o sol longe de nascer, quando Ciri abriu as janelas de seu quarto, na estalagem. Apesar de ser alta madrugada, o estômago da jovem Bruxa parecia suplicar por um café da manhã reforçado. Afinal, ela não havia jantado por causa das atribulações da noite passada.

Como de costume, Ciri escolheu o lugar mais reservado da estalagem para fazer sua refeição. Foi atendida por Dora, a quem havia ajudado na noite passada, o que causou surpresa a Ciri. Por que ela voltou a trabalhar, já tão cedo? Ela não dorme?!

—Bom dia, Ciri. – disse a jovem, extremamente simpática.

—Bom dia, Dora. Parece que seu braço está bem melhor.

—Eu o sinto um pouco dolorido, mas Turiel disse que era assim mesmo. Mas estou seguindo as recomendações dela. Tenho certeza de que ele curará rápido, como das outras vezes.

—Outras vezes? – perguntou Ciri, surpresa por saber que Dora já havia se machucado seriamente na estalagem. A jovem servente deu de ombros.

—Quem acha que o trabalho de servir mesas em uma estalagem é algo tranquilo não sabe de nada. Confusões sempre acontecem e acabam respingando em mim. Um caco de vidro de uma garrafa arremessada ali, um empurrão durante uma briga aqui... Não é a primeira vez que eu me acidento.

Ciri não parecia conformada.

—Alguém deveria disciplinar esses homens. Eles não deveriam ser tão grosseiros.

A jovem Dora riu. – Eu já estou acostumada com toda essa grosseria, não se preocupe. Trabalho aqui já faz alguns anos e me acostumei com a falta de modo dos fregueses. Mas creio que as coisas até melhoraram um pouco. Os ânimos estavam mais exaltados quando os Cavaleiros Negros estavam aqui, como invasores e guerreando contra a Teméria. Mas agora que a Teméria está restaurada, aqueles sujeitos finalmente foram embora e temos a nossa própria guarda. Pode não parecer muito porque somos subordinados a Nilfgaard, mas até vejo como uma melhoria, pois ninguém por aqui gostava de tê-los por perto.

—E quem gosta? – questionou Ciri, arrancando um sorriso de Dora.

—Tem razão. O que deseja para o café?

—Receio que não poderei toma-lo hoje. Tenho um assunto urgente para tratar com o Magistrado Godfrey.

Dora parecia insatisfeita.

—Me deixe separar algumas frutas para você, então. Se tiver fome, é só comê-las.

§§§§§§§§§

—Vejo que já arranjaram um caixão.

Ciri fez o comentário ao Magistrado, que estava do lado de fora de sua própria casa, observando o carpinteiro transportar o caixão de madeira para dentro de sua casa.

—Sim. Pedi urgência e paguei umas moedas a mais para Stanley agilizar o serviço. Os Cavaleiros Negros sempre podem aparecer a qualquer momento e não quero ter de responder a perguntas complicadas. Mas afinal, por que está aqui? Por motivos óbvios, não teremos velório.

—Não, não vim por causa do velório. É que acabo de ter uma idéia de usar a morte de Lucius como um artifício para acabar com a aparição. – retrucou Ciri. O Magistrado pareceu surpreso. Alisou o queixo tomado por seu cavanhaque, pensativo.

—Uma boa estratégia, me parece. Enfim, não teremos ninguém no enterro. Eu e o carpinteiro iríamos carregar o corpo para o cemitério daqui a pouco e...

—Não. – pediu Ciri. – É muito arriscado. O cadáver de Lucius pode atrair imediatamente a aparição. Carreguem depois que o sol nascer.

—Como?! – aturdiu-se o Magistrado. – Não dá! Combinei com o carpinteiro que ele iria me entregar um caixão antes do nascer do sol, e que nós carregaríamos o caixão até o cemitério agora mesmo, antes que todos despertassem. Se os moradores perceberem um caixão saindo de minha casa, farão perguntas...

—Eu não posso enfrentar a aparição tendo que me preocupar com o senhor e o carpinteiro. Não dá.

O Magistrado deixou escapar um forte suspiro.

—Vamos fazer o seguinte, então. Eu e Stanley iremos levar o caixão agora, até a entrada do cemitério. Creio que a senhorita tem forças o bastante para arrasta-lo por alguns metros, não?

—Tenho. – rolou Ciri os olhos.

—Então. Arraste-o para dentro do cemitério e espere pela assombração por lá. Eu e Stanley já estaremos longe o bastante para não atrapalhar o seu... Combate. Espero que sua espada esteja afiada.

—Ela sempre está afiada. – disse Ciri, com segurança.


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