Aquela locadora da Rua Cranbourn escrita por Trauma


Capítulo 2
Maison de Poynter




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Seu rostinho ficou vermelho e ela mordeu o Twix, fazendo careta e dando os ombros, tentando soar desinteressada, mas só conseguindo causar a impressão de que era estupidamente descoordenada. Nem o movimento com os ombros a pobre infeliz conseguiu fazer direito.

— Ele não está visivelmente interessado em mim – resmungou a baixinha.

— Você é cega?! – gritou Jones – Quero dizer... Eu sou o lerdo daqui. E eu super percebi que...

Apenas o encarei, o que fez Jones dar os ombros e resmungar palavrões. A garota sorriu novamente e esticou o bracinho pra Tom.

— Ok, vai – resmungou – Realmente não tenho muito que fazer. Vamos agora?

Assentimos, e ela saiu saltitante da locadora, fazendo a sineta soar. Harry segurou-a pelo braço, para que pudéssemos escolher filmes antes de sairmos.

— Eu quero o Exorcista.

— Filme velho – resmunguei.

— Velho e o melhor filme de terror de todos os tempos!

— Você nunca viu O Iluminado, não é, minha querida? – ironizei.

— Esse filme é ridículo.

— Não fala mal de Kubrick pro Poynter – alertou Danny, rindo alto – Ele é um desses...

— Ah, você não é um lambe-saco do cara, né?

Tentei argumentar, mas ela começou a me zoar e saiu andando com o filme que havia escolhido na mão. Todos escolhemos pelo menos um filme e saímos da locadora, trancando tudo e saindo rumo à minha casa. Quando lá chegamos, ela correu ao telefone.

— Vai ligar pra mamãe? – perguntei, irônico.

— Sim, ué – disse, naturalmente – Eu preciso avisar onde eu tô.

Ri baixinho. Ela era uma graça. Pegou o telefone e ficou enrolando o fio com o dedo, esperando que sua mãe atendesse. Trocou meia dúzia de palavras, fez uma careta bonitinha e terminou o telefonema com um “Se foda você!”, o que fez com que eu e os caras parássemos pra pensar que relação essa criatura tinha com a mãe.

— Er... O que foi que ela disse? – perguntou Harry, sem jeito.

— Ela me pediu pra não engravidar e pra escovar os dentes se for dormir aqui – respondeu, rindo à beça – Minha mãe é ótima. E aí, o que temos pra comer?

— Não é assim que funciona, garota, você não pode chegar na casa dos outros, e... Que merda cê tá fazendo aí?

Quando percebi, a garota estava sentada no meu chão, segurando Zukie – minha iguana – e brincando com ela. Como se fosse normal tirar um réptil de seu ambiente quentinho e tacá-lo numa casa podre de fria, NA EUROPA, que é um ambiente podre de frio.

— Ela é adorável!

— Ela precisa de calor!

Quando eu disse isso, Amanda pressionou o lagarto contra os peitos, o que me fez pensar que eu também precisava daquele calor todo. Ela a colocou de volta no viveiro e abriu o armário da cozinha, ficando na ponta dos pezinhos para alcançar qualquer coisa comestível.

— Mas será possível que vocês só comem porcaria? – resmungou, entediada – Não tem uma droga de uma comida razoavelmente saudável que eu possa comer pra manter meu corpinho violoncelo!

— Você é ridícula – resmunguei, abrindo a geladeira – desde quando comida saudável se guarda no armário? E você tava até agora se esbaldando com um twix!

Ela mostrou a língua e se abaixou pra pegar uma cenoura no compartimento de legumes. O que significa que ela parou na minha frente e se agachou, empinando a bunda.

Por Deus, eu me sentia como um daqueles jovens sem pelos pubianos que faziam sanduíches de pornô com aquela garota.

— Já... Já acabou aí? – perguntei, gaguejando à beça.

— Já. Podemos ir pra sala assistir seu amado Kubrick.

Sorriu cínica e deu uma dentada na cenoura. Jogou-se, espaçosa, no canto do sofá, apoiando o bracinho magro sobre o descanso. Travamos uma batalha mental para se sentar ao lado dela, e, no final, Danny o fez.

— Vamos, alguém ponha logo esta fita antes que eu vá pra casa!

— Que nada, você vai dormir aqui. Temos até uma escova de dente pra você – brincou Harry, sorrindo malicioso.

Algo no tom de voz de meu amigo bonitão me dizia que ele estava tão interessado na pequena quanto eu, o que me irritava bastante.

A vida toda nós sabemos como funcionava o convívio entre o grupo: Judd era o macho alfa. O gostosão que conseguia todas as garotas que queria, porque afinal de contas, quem não adora um careca com cara de mal, musculoso na medida certa?

Danny era o garoto engraçado que conseguia as garotas por meio de sua lerdeza e piadinhas idiotas. E em contrapartida, tínhamos Tom, que era muito inteligente. Nunca entendemos o porquê de ele andar com a gente, mas o fato era que ele tinha aquele ar de inteligente e abobado. E não conseguia muitas garotas, mas estava sempre cercado por interesseiras que queriam ajuda com trabalhos de Física.

E, claro, tem o saudoso narrador que lhes conta essa maravilhosa história de quatro amigos e uma ruiva tingida: eu. Dougie Poynter. O caçula, fofinho e engraçado. Mas não engraçado-burro. Engraçado com sacadas irônicas geniais, e fofo como um filhote de labrador. Porém o macho beta.

Se Harry estava na jogada, eu não podia estar. Porque era evidente que eu perderia.

Começamos a assistir e ela repousou a cabeça no encosto do sofá, adormecendo com menos de meia hora. Bufei, indignado.

— Eu não acredito que ela dormiu com a maior obra cinematográfica da história.

— Cala a boca – resmungou Danny – Nem tem um Oscar!

Não fiz questão de discutir, então tia Sam entrou em casa, fazendo todos se endireitarem e Dannny esconder sua garrafa de cerveja dentro do sofá.

— Boa noite, garotos! – disse mamãe, animada – E quem é a mocinha adormecida?

— É uma cliente da locadora – respondeu Tom, sorrindo e encantando minha mãe, como ele fazia com qualquer pessoa velha – Nós a trouxemos porque ela estava sozinha.

— Desse jeito, parece que a garota é um filhote vira-lata – brincou – E não está tarde pra uma mocinha de família estar numa casa sozinha com quatro marmanjos?!

— A mãe dela perguntou se ela queria dormir aqui – contei, rindo.

— Ela pode dormir no quarto da sua irmã – sugeriu mamãe, fitando seu rostinho adormecido – Vocês jantaram?

— A Amanda comeu uma cenoura – zombei.

— Amanda é uma garotinha adorável. Vou acordá-la pra perguntar do que ela quer a pizza.

Mamãe a chacoalhou delicadamente, fazendo-a ressonar e espreguiçar-se. Sorriu pra tia Sam, que a imitou.

— Bom dia, bela adormecida!

— Bom dia, senhora Poynter! – exclamou, animada – Seu filho me convidou pra assistir uns filmes, e o que ele escolheu era tão ruim que caí no sono. Espero que não se importe.

Foi então que eu percebi que minha mãe estava encantada por ela. O que significa que eu estava completamente fodido.


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