Destinada escrita por Benihime


Capítulo 8
Capítulo VI




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Ares

— Está bem. — Eu disse enfim, após alguns segundos de silêncio. — Faça.

— O que?! — Atena surpreendeu-se. — Ares, tem que ser eu. Vocês dois ... Se odeiam. São inimigos. Sempre foram.

Hécate riu com gosto ao ouvir aquelas palavras. Pela primeira vez, a Deusa da Sabedoria estava completamente equivocada.

— Não é verdade, Atena — A Deusa da Magia corrigiu. — Ares não odeia Lydia. Nunca a odiou. E, bem no fundo, ela sente algo a mais por ele também, mesmo que não queira admitir.

Atena não respondeu, mas parecia surpresa. Já eu simplesmente ri.

— Tomara que você esteja certa, Hécate. — Falei.

Os olhos quase negros dela brilharam de prazer, como se pudessem ver algo que eu não via.

— Eu estou, Ares. — Hécate garantiu — Espere e verá. Agora venha, vamos completar a fórmula. Estenda sua mão.

Obedeci. Hécate fez surgir um grande cálice e uma adaga, com a qual fez um corte na palma de minha mão. Algumas gotas douradas caíram no fundo do cálice.

— É o bastante — Ela declarou, passando as pontas dos dedos sobre o corte, que se curou imediatamente.

— Algo mais que eu possa fazer?

Ela me olhou, espantada com a pergunta, mas logo seus olhos faiscaram com compreensão.

— Se quiser mesmo ajudar, pode amassar as pétalas da flor para mim. 

Ela me entregou uma tigela e a adaga que usara anteriormente. Comecei a trabalhar sem protestar, amassando as pétalas. Algo pastoso começou a se formar. Depois de um longo tempo em silêncio, Hécate soltou uma pequena exclamação de triunfo.

— Está pronto. — Anunciou — Terminou com a flor?

— Acho que sim.

— Ótimo. Então agora misturamos tudo.

Ela misturou a pasta com o líquido translúcido de outra tigela, formando um líquido azul bem escuro.

— É isso?

— Sim. — Ela pareceu achar graça. — Eu lhe disse que era uma poção simples. A parte complicada será fazê-la beber.

— Como faremos isso?

— Preciso que a segure para mim. — Disse — Vou usar um feitiço e devolver-lhe a consciência por alguns segundos.

— Uau. Não sabia que isso era possível.

Os cantos de seus lábios se ergueram e ela piscou para mim, uma piscadela amigável, quase conspiratória.

— Magia, meu caro. Tudo é possível. Agora me ajude.

Com cuidado, deixei Lydia sentada, seu corpo apoiado no meu, sua cabeça deitada em meu ombro. Ela sempre foi tão enérgica que fiquei surpreso ao constatar o quanto era leve.

Hécate disse algumas palavras e os olhos de minha morena se abriram, ainda enevoados, sem expressão, como se ela não estivesse realmente vendo o que acontecia ao seu redor.

— Está tudo bem, Lydia. — Hécate garantiu gentilmente — Apenas beba isto. Beba tudo.

Lids obedeceu sem nem tentar resistir, e seus olhos se fecharam novamente quase de imediato. Ela caiu pesadamente contra mim, que a coloquei de volta na cama.

— Ela vai ficar bem? — Perguntei.

— Agora vai. — Foi a resposta — Mas é melhor ficar de olho nela, por precaução.

— Farei isso.

Hécate sorriu.

— E não desista, Ares. Um dia ela vai perceber que você é o homem certo.

— Acho que, para isso, só um milagre. — Brinquei. — Ou talvez você tenha algum feitiço contra teimosia também?

Ela riu suavemente em resposta e desapareceu no ar, deixando-me a sós com Lydia.

Era estranho o sentimento que eu tinha por aquela mulher maluca, algo no limite do ódio, porém com um instinto de proteção que superava qualquer orgulho, qualquer raiva, qualquer rancor, por maior que fosse.

Horas depois

Lydia

Os trovões soam enquanto abro lentamente a porta do quarto. A primeira coisa que sinto é o cheiro. Forte, agridoce, nauseante. Sangue.

A luz está apagada, mas os clarões dos relâmpagos me permitem ver a substância escura que mancha as paredes. Desvio os olhos apenas para ver a figura encapuzada junto à janela, segurando minha mãe numa espécie grotesca de abraço por trás.

Outro relâmpago brilha, refletindo na lâmina. Lâmina que a figura usa para cortar o pescoço de minha mãe.

Dou um passo para trás, tencionando me aproveitar do fato de que, quem quer que estivesse sob o manto, ainda não me vira, quando a figura ergue a cabeça. O tempo parece parar. Vejo seu capuz escorregar um pouco para trás, e a luz dos relâmpagos reflete em seu sorriso. É cruel, maligno.

Por um breve segundo vejo seus olhos. São do azul mais fantástico que já vi, quase brancos, de uma cor que lembra o gelo.

Acordei ofegante e mais uma memória surgiu em minha mente. A primeira coisa que vi assim que voltei à consciência foram os olhos verde-esmeralda de Ares me olhando com preocupação.

— O que você está fazendo aqui?

Minha voz estava arrastada pelo cansaço, e com certeza não expressava nem metade da raiva que eu normalmente estaria sentindo. Naquela noite eu não conseguia sentir raiva dele. Não conseguia sentir nada além do cansaço.

  — Eu … — Ele hesitou, e parecia estar procurando as palavras certas. —  Precisava ter certeza de que você estava bem.

— Estou bem. Não precisa se preocupar.

— É muito fácil para você dizer isso.

Eu estendi uma das mãos para seu braço, puxando-o para perto de mim. Mesmo sabendo que mal consegui imprimir qualquer força no gesto, Ares se deixou levar. Num segundo ele estava deitado ao meu lado, e eu enterrei meu rosto na curva de seu pescoço. Ele simplesmente me abraçou, acariciando meu cabelo com delicadeza surpreendente para um homem tão bruto.

Depois de alguns segundos, ergui o rosto para olhá-lo. No escuro, seus olhos verdes pareciam quase iridescentes.

— Por quanto tempo eu apaguei?

— Pouco menos de um dia. Não se preocupe, você não perdeu nada.

— E … Você ficou aqui o tempo todo?

— Sim. — Foi sua resposta. — Alguém tinha que fazer isso. Mas não esquente a cabeça pensando nisso agora. Ninguém precisa saber.

Eu não podia acreditar. Ter baixado a guarda daquele jeito, e justamente com Ares. Minha mente imediatamente começou a listar todas as possíveis provocações, os meios que ele usaria para me infernizar.

— Lydia. — O Deus da Guerra chamou. — Lids, o que foi?

— Vá em frente. — Instei rispidamente. — Ria. Diga “eu te avisei”. Pode bancar o superior. Eu sei que você quer.

— Ah, por favor! — Ele protestou. — Pensei que me conhecesse um pouco melhor do que isso, irmãzinha.

— Não sei. — Rebati. — Até que ponto podemos, realmente, conhecer alguém?

— Não me venha com essa bobagem agora. — Ares praticamente rosnou. — Você foi envenenada, é óbvio que alguém precisava ficar aqui cuidando de você.

— Envenenada? — O Deus da Guerra assentiu em resposta. — E você me ajudou. Por que?

Ele me olhou nos olhos por um longo segundo, então deu um suspiro derrotado. Houve um longo momento de silêncio, durante o qual pude sentir meu coração bater mais forte. Minha intuição me dizia que Ares tinha algo realmente importante a dizer.

— A verdade é que … Eu a ajudei porque estou apaixonado por você.

Não consegui evitar ficar boquiaberta. Aquela era a última coisa que eu esperava ouvir. Algo naqueles olhos verdes, porém, trouxe uma memória de volta. Pude praticamente sentir o cheiro de pinho e folhas mortas no cortante ar gelado de uma tarde de outono.

— Anda, Lydia. — Ares chama, correndo na minha frente como sempre. Ele sempre foi o mais rápido. — Sua molenga.

Consigo alcançá-lo com um salto e rolamos juntos pelo chão coberto de folhas de outono. Ares cai por cima de mim, espalmando as mãos uma de cada lado de minha cabeça, prendendo meu corpo com o seu.

— Quem pegou quem no final, huh? — Ele provoca, cheio de si.

Eu rio, perfeitamente à vontade. Rápida, pego um punhado de folhas secas e as jogo em sua cara. Ele faz uma careta, o que me faz rir ainda mais.

 — Acho que o jogo virou a meu favor.

— Eu acho que não. — Ele diz, suas mãos agora agarrando as minhas, seus joelhos prendendo minhas pernas. Estou imobilizada, mas não importo. A sensação é estranhamente boa. — Você é quem está presa, maninha.

Nós nos encaramos, e só nesse momento percebo o quanto ele mudou. Ares não é mais um menininho. No lugar daquele moleque desajeitado com quem eu costumava brincar há não muito tempo atrás, agora vejo um belo rapaz. Rapaz este que me olha com intensidade e quase aprovação, como se estivesse pensando o mesmo que eu.

— Lids ...

Não consigo falar, apenas soltar um murmúrio baixinho em resposta. 

— Eu gosto mesmo de você. — Ele se inclina e beija minha bochecha, gesto que faz meu coração disparar loucamente. Procuro me convencer de que foi apenas por ser inesperado, mas sei que isso não é verdade.. — Você sabe disso, não sabe?

— Eu sei. — Minha voz sai ligeiramente alterada, um arfar quase imperceptível. Sei que ele nota meu coração acelerado. — Também gosto de você.

Ares se aproxima um pouco mais e fecho os olhos, esperando sentir aquele toque em meus lábios. Sinto sua respiração contra minha pele, indicando o quando estamos próximos, e entreabro os lábios, esperando ...

— Aí estão vocês. — Afrodite exclama, animada como sempre. — Zeus está procurando você, Lydia.

Ares se levanta sem dizer nada e estende uma das mãos para me ajudar. Aceito e caminho ao lado dele em silêncio. Não consigo parar de pensar no que poderia ter acontecido se Afrodite não tivesse nos encontrado.

Eu nem conseguia falar, de tão surpresa que estava. A memória daquele beijo interrompido entre as folhas de outono se misturava com as lembranças de todas as nossas brigas e acusações, formando um cenário confuso de desejo, ternura e animosidade.

— Isso … Isso é alguma brincadeira sua? — Meu tom era defensivo novamente. — Porque, se for, não tem graça.

— Não é brincadeira, princesa. Não dessa vez.

— Então prove.

Seus olhos adquiriram uma expressão diferente ao ouvir meu desafio, a mesma intensidade daquele dia de outono tantos anos atrás. Ele não hesitou mais do que um segundo, segurando meu rosto com uma das mãos, seus dedos se enrolando entre meus cabelos, e em seguida me beijando. 

Aquilo não foi nada sequer próximo de todos os outros beijos que ele me roubara ao longo dos anos, nem de qualquer outro que eu tivesse experimentado. Aquele beijo foi sincero, quente, suave … Eu soube imediatamente que ele dissera a verdade. O beijo, porém, trouxe outra memória de volta.

— Você, Lydia, é a mulher mais linda que já vi.

Corada, desvio os olhos do olhar intenso de Damaso. Ele, porém, ergue meu queixo com um dedo.

— Não precisa ter vergonha, tesouro. — Diz gentilmente — Assuma quem é e ande de cabeça erguida ao meu lado.

—  Damaso, o que ... ?

 — Seja minha companheira, Lydia. Por favor, diga que sim.

Seu olhar é tão intenso, tão apaixonado, que me impede até de pensar.

—  Sim —  Me ouço dizer — Sim, Damaso.

Ele sorri e seus braços envolvem minha cintura, puxando-me para si e reclamando meus lábios em um beijo. Seu beijo é carinhoso e intenso. Eu poderia beijá-lo para sempre.

Contive as lágrimas causadas pela lembrança. Não precisei dizer nada, pois Ares se afastou antes que eu sequer pedisse. Ele me encarou, preocupado e desapontado, mas simplesmente balancei a cabeça. Ares não fez mais perguntas, simplesmente me abraçou e acabei caindo no sono nos braços do Deus da Guerra.

Quando acordei no dia seguinte, estava sozinha. O outro lado da minha cama enorme estava arrumado, sinal de que ninguém estivera ali. 

Toquei meus lábios, relembrando o beijo, a confissão, a maneira como ele me fizera sentir segura … Fora apenas um sonho, então. Balancei a cabeça, tentando me livrar da linha de pensamentos que me dominava.

— Não.  — Eu disse para mim mesma. — Não seja burra, Lydia.

Eu sabia muito bem que era burrice querer qualquer coisa com Ares. Ele era um cafajeste, provavelmente só estava interessado em mim pelo desafio. No momento em que eu cedesse estaria perdida.

É, garota, mantenha isso em mente, pensei.

  Eu precisava desesperadamente me lembrar disso, ou corria o risco de esquecer a cautela e me apaixonar por ele.


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