Destinada escrita por Benihime


Capítulo 28
Capítulo XXVI




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Estava muito frio. Estremeci e enrolei o xale ao meu redor com mais firmeza e senti os braços de Ares me envolverem por trás. Relaxei, me recostando contra seu peito.

— Pare de se preocupar, Lidy. — Ele disse baixinho, dando um beijo de leve em minha bochecha. — Vai dar tudo certo.

Virei-me para olhar em seus olhos, espantada com sua confiança.

— Como pode ter tanta certeza?

— Acha mesmo que nossa família vai se render facilmente? Todos nós vamos lutar até o fim. — Ele abriu aquele sorriso torto que acelerava meu coração — Além do mais, vou proteger você a qualquer custo.

— Claro. — Retribui ironicamente. — Depois que eu salvar seu traseiro inútil.

— Isso aí. — Ele riu — Se estivermos juntos, Cronos não terá chance. Nem ele, nem ninguém.

Suas palavras apenas me inquietaram ainda mais.

— Acha mesmo que vamos conseguir superar tantas diferenças?

— Eu sei que sim. — Ares respondeu. — Afinal, somos uma família.

— E família significa que sempre lutaremos juntos, aconteça o que acontecer.

Completei a frase familiar automaticamente. O ditado que Héstia inventara era um dos mais antigos em nossa família.

As portas se abriram. Zeus e Hera entraram juntos. Ares desenrolou o mapa e eu li a profecia.

Símbolo do ódio nascido

O infortúnio é seu melhor amigo

Quando toda a esperança perdida estiver

Serás salva por um desejo sincero

E pelo amor de uma mulher

Vi o olhar furioso que Zeus e Hera trocaram. Olhei para Ares, um olhar de indagação. Ele deu de ombros, em um sinal de que também não sabia de nada. Porém, minha intuição me dizia que nada de bom viria dali.

Cinco minutos depois

Hefesto sorriu ao me ver e eu acenei, tentando retribuir.

— Que honra, irmãzinha. — Ele brincou. — O que a traz aqui?

Hefesto era o filho mais velho, embora eu fosse a escolhida para a sucessão. Ele, porém, não se ressentia, e era o melhor irmão mais velho que alguém poderia querer. Contei a ele sobre a profecia e sobre aquele olhar estranhíssimo trocado por nossos pais.

— O que a profecia dizia, exatamente? — Meu irmão inquiriu. — Preciso que lembre das palavras exatas.

Com algum esforço de memória consegui repetir a profecia. Quando terminei, não pude deixar de notar a palidez em seu rosto.

— Qual é o problema? — Inquiri, preocupada.

— Um fantasma. — Ele respondeu. — Algo que eu julgava enterrado para sempre.

— Fantasma? — Afrodite repetiu, aparecendo atrás de nós. — Do que estão falando?

— A Coroa da Paz.

Afrodite ofegou de choque, muito obviamente surpresa em ouvir aquele nome.

— O que é a Coroa da Paz? — Perguntei, alarmada.

— Uma Coroa forjada para Hera muito tempo atrás. — Hefesto contou — Ela e Zeus brigavam o tempo todo. Uma noite, ela se cansou e veio a nós com um pedido. Queria que eu forjasse a coroa. Não pude negar. Assim que a peça ficou pronta, foi levada para Hécate. Ela e Hera tinham um plano. O resultado foi que a coroa adquiriu poder, mas também uma maldição.

— Qualquer um que a use tem direito a um desejo. Somente um, mas pode ser qualquer coisa. — Afrodite completou. — Porém, essa pessoa está fadada à tragédia. Amigos traem. Amores se rompem. Negócios dão errado. Enfim, tudo sai do lugar.

— E é possível anular a maldição?

— Sim. — Hefesto respondeu de imediato. — Existem três formas. A primeira é o suicídio. A segunda é dar a coroa a alguém importante para você. E a terceira é matar a pessoa mais próxima de seu coração.

— Por isso as poucas pessoas que conseguiram a coroa morreram. — Afrodite declarou baixinho. — Os egoístas e os desesperados ... A coroa os leva à loucura pelas consequências de seus atos.

— E é por isso, Lidy, que não podemos deixar Zeus e Hera brigarem novamente. — Hefesto disse. — Ela tem um gênio forte, não vai hesitar em usar a coroa para feri-lo. Mais uma discussão como a de hoje, e ela vai explodir.

— Vou tentar ajudar. — Garanti. — Mas não sei se há algo que eu possa fazer, caso as coisas continuem nesse ritmo.

No dia seguinte

— Zeus, pela milionésima vez: não é uma conspiração!

Até o momento Hera argumentara com calma, mas eu podia perceber que sua paciência estava por um fio.

— E como espera que eu acredite? — Zeus desafiou. — Não seria a primeira vez.

Olhei para Afrodite, que assentiu. Hora de interferir.

— Chega! — Exclamei. — Uma briga entre nós a essa altura só nos trará problemas. Devemos permanecer unidos, como diz a profecia. É nossa única chance.

— Você tem razão, minha filha. — Hera cedeu. — Esquecerei essa desavença assim que seu pai se desculpar.

— Pare com isso, Hera! — Zeus rosnou. — Não tente sair como a heroína da história, você é ainda mais culpada do que eu!

—Já chega! — Ela gritou, furiosa. — Cansei de você, seu canalha egoísta. Eu renuncio!

Minutos depois

Ares, Atena, Ártemis e eu nos reunimos.

— Temos que encontrar a coroa. — Atena foi direto ao ponto. —  Quando um deus renuncia …

— Perde a imortalidade. — Ares completou — Isso significa que, se quisermos ajudar Hera, precisamos da coroa logo.

Nós três nos acomodamos lado a lado, com Ares à nossa frente.

— Mas como? —  Perguntei.

— Eu não sei. — Atena admitiu. — Mas precisamos pensar em alguma coisa.

Surpreendendo-nos, Ares me entregou o mapa. Eu o desenrolei, mas o pergaminho estava completamente em branco.

— Provavelmente está em algum lugar que signifique algo para ela.

— Um templo, talvez? — Ártemis sugeriu.

— Não. — Respondi pensativamente. — Não me parece ... Certo. Não acho que mamãe faria algo assim.

Ares assentiu, silenciosamente indicando que me dava razão.

— Eu tenho um palpite. — Atena anunciou. — Mas você não vai gostar, Lydia. Ela pode tê-la entregue aos Hill. Hera e Angeline eram grandes amigas, talvez …

Lembrei que havia um castelo em ruínas não muito longe de onde morávamos. Peter Hill me contara que havia pertencido à família por gerações, mas foi abandonado devido a uma guerra. O lugar tinha uma história sangrenta, e sempre houveram boatos sobre ser assombrado, o que indicava forte presença sobrenatural na área. Além do mais, seria o lugar perfeito para esconder uma coroa sem que jamais fosse descoberta.

— É —  Concordei, sem demonstrar minha relutância. — Vale a pena tentar.

No castelo

Ares segurou minha mão, entrelaçando nossos dedos. Aquele mero contato me deu força e coragem.

— Tem certeza, Lydia? — Ele inquiriu. — Sabe que não precisa fazer isso.

— Absoluta. — Respondi, orgulhosa da firmeza em minha voz. — É hora de exorcizar mais um demônio.

Entramos juntos no velho castelo, ainda de mãos dadas.

— Será melhor nos separarmos. — Atena sugeriu.

— É perigoso. — Ares objetou.

— Concordo com Atena. — Anunciei. — Vou checar a torre norte. Nos encontramos aqui em uma hora. Caso alguém se meta em encrenca, enviem Espectros.

Espectros eram uma espécie de energia concentrada, capaz de assumir a forma desejada por aquele que os invocou. Era uma técnica bem conhecida no Olimpo para enviar mensagens confidenciais. Todos assentiram em concordância e nosso grupo se dividiu.

A ala norte. Meu coração batia descompassado conforme eu a percorria. Quando alcancei a torre, o ponto mais alto, tive uma surpresa, pois alguém esperava por mim. E eu reconheceria aqueles olhos cor de gelo em qualquer lugar.

Ao passar por um beco, ouvi um leve roçar atrás de mim, como tecido sussurrando sobre as pedras do calçamento. Discretamente, puxei a adaga escondida em meu vestido e virei-me. Como eu suspeitara, estava sendo seguida, e reconheci aquela figura encapuzada.

— Bela como sempre, Lydia. — Ela declarou. — Exatamente como sua mãe.

— Me deixe em paz.

Tive raiva de mim mesma pelo tremor em minha voz. A figura ergueu o capuz, revelando um rosto delicado, de pele clara e olhos da cor do gelo, emoldurado por cabelos negros e lisos.

— Não há o que temer. Eu não vou machucá-la. — A mulher sorriu maliciosamente — Por enquanto.

Tentei dar um passo para trás, mas tropecei. Seus braços se estreitaram ao meu redor, impedindo que eu caísse.

— Você ainda não está pronta. — Ela declarou, seu tom quase carinhoso. — Quando chegar a hora, nos veremos novamente. E devo adverti-la de que eu vencerei o combate. Por enquanto ...

Ela se aproximou até estar quase me beijando, seus olhos fixos nos meus. Tudo o que eu podia ver eram aqueles olhos cor de gelo que, ainda assim, queimavam. Meu coração batia acelerado e eu já teria caído se ela não estivesse me segurando. Ouvi-a sussurrar algumas palavras em uma língua desconhecida e então tudo ficou escuro.

Quando voltei a mim estava deitada nas pedras do beco, completamente sozinha. Sentei-me devagar, ainda tonta. Reparei em um bilhete perto de onde eu estava e o peguei.

Todos tem um lado negro, Lydia, e não vai adiantar tentar fugir.  Você nunca estará segura.

Depois de ler o bilhete reparei em mais um detalhe: o anel de opala que minha mãe me dera, que eu mantivera comigo desde que fugira, havia sumido.

— Você! — Exclamei.

A mulher saiu das sombras. Era alta, magra e elegante. Seus cabelos negros estavam presos para trás em um coque frouxo na nuca, ressaltando seu rosto de traços fortes e aristocráticos, onde um par de olhos da cor do gelo brilhavam. Seu vestido negro ressaltava um corpo cheio de curvas, com músculos levemente definidos. Feminina, porém forte. Elegante, régia e bela. Uma perfeita rainha da noite.

Vi a adaga em sua mão e não contive uma exclamação de pavor. Eu já vira aquela adaga uma vez, pressionada contra o pescoço de Angeline Hill.

— Isso mesmo, princesa. — A morena sorriu, parecendo apreciar cada segundo daquele jogo doentio. — Era eu naquela noite. Uma pequena vingança, por assim dizer.

Mantenha-a falando, meu instinto ordenou. Eu só não sabia o quanto aguentaria ouvir.

— Por que você os matou?

— Ninguém precisava ter morrido naquela noite, exceto você. — A desconhecida revelou. — Angeline Hill barganhou sua vida pela dela.

Sustentei seu olhar. Alguém podia morrer congelado fitando aqueles orbes azul pálido. A morena percebeu minha intenção e riu levemente, como se duvidasse que eu fosse adversária para ela.

Ataquei, mas ela desviou. Rosnando de raiva, desferi um soco no ar. Ela aparou o golpe facilmente, segurando meu punho com apenas uma das mãos.

— Acha mesmo que pode me vencer, Lydia?

— Mesmo que eu não possa, continuarei tentando.

— Orgulhosa. — Ela declarou suavemente, quase com aprovação. — Não se esqueça de que o orgulho é uma maldição, pequenina.

Tentei socá-la com a mão livre, mas ela aparou com um único movimento e me lançou contra a parede. Senti minha cabeça atingir a pedra nua e algo quente escorrer, ensopando meus cabelos.

— Ainda uma covarde, Andrea. — A voz de Gaia soou, dura e furiosa. — Enfrente alguém do seu tamanho.

— Quem, Angeline? Você?

— E por que não?

Eu mal conseguia me manter acordada. A pancada fora forte. Senti braços me envolvendo e instintivamente tentei lutar contra eles.

— Lydia, está tudo bem. — Ares sussurrou. Permiti que ele me pegasse no colo. — Feche os olhos, princesa. Apenas descanse.

Horas depois

Acordei bruscamente, com o som daquela risada cruel ainda ecoando em minha memória. Uma mão pequena pousou em meu peito, fazendo com que eu continuasse deitada.

— Ainda não. — Gaia disse. — Você precisa descansar.

— Ares. — Minha voz estava rouca. — Onde ele está?

— Não se preocupe, ele está bem. Está com Ártemis e Atena, contando a Zeus o que aconteceu. Como se sente?

— Gaia ... Ela disse a verdade sobre o que aconteceu com os Hill?

— Lydia, eu …

— Apenas me conte. — Insisti. — Eu sou forte. Posso aguentar a verdade.

— Sim. Nyx disse a verdade.

Ódio. Queimava, percorrendo minhas veias como fogo. Eu queria matar Nyx. Gaia ergueu meu rosto gentilmente, seus olhos verdes me encarando com firmeza.

— Lydia, a vingança não vai trazê-los de volta e nem fazer as lembranças desaparecerem.

— Não, não vai. Mas vai me fazer sentir melhor.

Três semanas depois

— Venham! — Atena instou. Ela e Ártemis corriam à minha frente.

Apressei o ritmo para acompanhá-las. Logo chegamos ao Lago da Ilusão e nos ajoelhamos lado a lado na margem. A água ondulou, refletindo o rosto de uma senhora. Porém, aquele rosto me era familiar ... Foi então que a reconheci.

Nós três ficamos meio desesperadas e começamos a discutir teorias. Todas prováveis, porém nenhuma que parecesse a certa. Foi quando me lembrei.

Na tela das estrelas ela esconde seu tesouro

Uma mão se esconde em busca do prêmio

Mas só o terás se tiveres o coração puro

A estrofe da velha canção que Hera ensinara a nós três foi reconhecida de imediato.

— Acham que pode ser uma pista? — Inquiri.

— Acho que sim. — Atena estava hesitante. — Parece algo que Hera faria.

Nós nos entreolhamos. Era noite, e as estrelas brilhavam.

— Um feitiço de invocação. — Percebi — É simples. Só precisamos nos concentrar.

As duas assentiram. Nós estendemos as mãos, a palma de uma tocando as costas da mão da outra. A minha mão estava por cima. Fechei os olhos, declarando o feitiço. Uma luz brilhante iluminou a escuridão, tão forte que não pude abrir os olhos. Quando finalmente consegui enxergar, a coroa repousava no meio do pequeno círculo que formávamos.

Meia hora depois

Hera fora trazida de volta ao Olimpo e descansava. Zeus mantinha sobre ela um olhar atento. Eu sabia que havia ali mais do que simplesmente desconfiança.

— Conseguiu a coroa? — Ele quis saber.

— Não, pai. A coroa foi bem escondida, embora tenhamos tentado de tudo. Agora, será que posso ficar um pouco com minha mãe?

Ele apenas assentiu e nos deixou a sós. Sentei-me na beira da cama, perto de minha mãe. Ela estendeu uma das mãos para segurar a minha.

— Você a encontrou, não é? — Inquiriu.

Sua voz mal passava de um leve sussurro. Qualquer um perceberia que não lhe restava muito tempo.

— Está escondida em um lugar seguro.

Ela abriu um sorriso satisfeito. Ver minha mãe daquele jeito estava me matando. Eu queria chorar, mas me contive. Ao invés disso, segurei sua mão com mais força. 

De repente, uma luz encheu a sala. Cada vez mais intensa, a luz espiralava ao nosso redor. Quando evanesceu, quase não acreditei no que vi. Minha mãe tinha novamente a forma da deusa que eu conhecia. Seus olhos castanho-esverdeados encontraram os meus.

— Mas o que ... ? Como ... ?

Eu estava tão atônita que mal conseguia falar.

— Eu sempre disse que você desconhecia a totalidade de seus poderes.

— Eu fiz isso?! — Inquiri, surpresa.

— Vamos manter isso somente entre nós, certo? Quero que jure que jamais contará nada a ninguém.

— Tem minha palavra, mãe.

Ela sorriu, satisfeita, e se sentou, abrindo os braços para mim. Me atirei no abraço de minha mãe sem pensar em mais nada.


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