O abismo em todos nós. escrita por Ninguém


Capítulo 11
Capitulo 11




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Preocupe-se com que os outros pensam e será sempre prisioneiro deles.” – Lao-Tzu.

 

Alexandre e Catarina estavam na lanchonete “The American” um estabelecimento criado e montado para se parecer com os cafés americanos dos anos 50. Com uma decoração rosa e amarela, telhado normal de casa e longas vitrines expondo boa parte do interior, o lugar era um requinte na cidade e muito frequentado.

Em horários que antecedem o trabalho e a escola pela manhã e os que marcam o fim dos mesmo à tarde é impossível achar uma mesa vaga, até mesmo os longos bancos de madeira acoplados no balcão de ardósia perfeitamente vernizado estavam todos ocupados por inúmeras pessoas que queriam saborear um bom sorvete, um cappuccino ou aquela breja para recarregar as energias após um dia exaustivo sendo criticado pelo chefe. O ambiente espaçoso e alegre com sofás em vez de cadeiras duras fazia do local onde estavam um cenário perfeito para aliviar a tensão após saírem da floresta.

Sentado no sofazinho de frente a Catarina, Alexandre ainda exibia um sorriso confiante enquanto desfrutava de sua coca cola em um copo de 750ml. A moça por sua vez ainda estava vermelha de vergonha e de raiva pelo que o colega havia feito. Logo após as “veias negras” aparecerem e Catarina levar um susto a ponto de ficar branca que nem papel, o rapaz desatou a rir de sua cara já retirando o celular do bolso para lhe mostrar um vídeo.

Era uma gravação do dia anterior onde ele vai ao estúdio de tatuagem e pede por um desenho feito com uma tinta invisível. Era um recurso já comum e muito popular na internet onde Alexandre decidiu fazer o mesmo apenas para pregar uma peça na garota que não saia do seu pé insistindo sobre o que houve no incêndio. O sistema do desenho era muito simples: não era permanente, como uma tatuagem de henna, e ganharia cor conforme exposto ao calor.

Assim, Alexandre marcou com Catarina na floresta, pôs uma camiseta cinza e depois outra, preta, por cima da primeira a fim de esquentar seu corpo. O truque ficaria um pouco ao acaso, já que ele não sabia exatamente o quanto de calor precisaria para fazê-la aparecer nem o momento que efetivamente seria revelada. Mas o “time” foi perfeito. Catarina ficou embasbacada por vários minutos vendo e revendo o vídeo dele fazendo o desenho que ia desde seu peito  subindo o pescoço até o lado do rosto.

Alexandre explicou que era só uma brincadeira, mas Catarina não ficou totalmente convencida e assim os dois vieram para esta famosa lanchonete no meio da tarde onde o movimento era pouco e se sentaram uma a frente do outro.

— Está adorando rir da minha cara né? – perguntou ela nervosa – não ligo. Você realmente surgiu no meio do incêndio e carregou minhas irmãs.

Alexandre tomou um gole do refrigerante.

— E para carregar duas menininhas eu tenho que ser o super-homem ou o Hulk?

— Você ainda insiste que não se lembra disso.

Alexandre suspirou balançando a cabeça na negativa.

— E não me lembro. Que eu saiba tem muita gente investigando esse negócio do incêndio e imagino que pelo menos alguém será competente o bastante para descobrir a verdade, quando acontecer, serei o primeiro na fila para saber o que houve. Mas não pense que vou perder meu tempo e energia com isso. Tenho coisas melhores pra fazer.

Catarina não estava convencida. Ela cruzou os braços frente ao busto fitando Alexandre seriamente.

— Aquilo que disse antes... sobre mim... – ela hesita travando a mandíbula – não... não estava inteiramente incorreto.

— É claro que não. – respondeu Alexandre tomando outro gole do refri.

— Como sabia?

— Não sabia.

— O quê?

O garoto volta a soltar um suspiro de desânimo.

— Ultimamente ando lendo muitos livros de filosofia e psicologia. O fenômeno da autossugestão é incrível se você souber o mínimo de detalhes sobre alguém. Somos colegas de classe desde o ano passado, eu a observava com interesse romântico ou só tesão mesmo, daí só fui juntando as peças. Não é difícil.

Catarina franziu o cenho.

— “Só tesão mesmo”? Nossa... você realmente é igual a todos os outros homens, pensa só com a cabeça de baixo.

— E você se mostra uma idiota e ingênua por ficar surpresa com isso. Escute bem rainha da escola, aqui vai um conhecimento prático sobre homens: ao menos que a mulher se prove especial ao sujeito... ela é só um corpinho que queremos meter, quando conseguimos, nos voltamos para outro por que gostamos de variedade.

Agora a moça se ofendeu de verdade. Afinal seu pai havia sido pego num escanda-lo ao estar num motel com duas prostitutas.

— Seu porco!

Alexandre deu de ombros.

— Não se engane. Não estou dizendo que não exista homens fiéis a uma só mulher, só que vocês não tem o necessário para que nos façam ignorar o desejo por variedade.

— O que isso quer dizer? Quer que uma só mulher tenha mais de uma vagina para o homem ir revezando é? Humpf! Vocês me dão nojo mesmo.

Alexandre novamente balança a cabeça na negativa arfando em desânimo.

— Ai, ai, ai... quanta imaturidade. Não Catarina, preste atenção: quando um homem encontra um amigo de verdade, há lealdade, cumplicidade e companheirismo. Esses fatores elevam a moral e nos fazem nos sentir bem para enfrentar a merda do mundo e os imbecis nele, por isso amigos são raros. Uma mulher, na maioria dos casos, é uma amante, alguém responsável e que cuida do homem... mas não é amiga dele, por mais que queira acreditar nisso.

Ele bebe outro gole do refrigerante e continua:

— E é onde mora o erro. O homem tem o tesão e a mulher tem a necessidade de companhia masculina, com o homem ela se sente querida, amada, especial. – ele bufa – um monte de besteira ilusória que gera uma montanha de expectativa. E o homem com o tempo se cansa disso. Enche o saco. Ele quer uma amiga e uma amante na mesma mulher e não uma mãe, uma dona ou um treco delicado pra cuidar. Se a mulher encontrar o caminho para se tornar “brother”  do seu homem, meus parabéns. Não haverá infidelidade. No máximo ele vai apelar para pornografia e para própria mão em um momento ou outro, mas jamais trairá a confiança dela por que perder a amante não significa nada, ele encontra um oceano delas, até mesmo pode pagar se a situação tiver ruim, mas daí perder uma amiga? Uma companheira?

Alexandre assovia enaltecendo o erro que seria isso.

— Vocês não entendem, ignoram, acham mais fácil e simples dizer que todo homem não presta, que só “pensa com a cabeça de baixo”. Geralmente quem não sabe é quem mais fala, Catarina. – ele dá de ombros – o que não exclui nem justifica ato de traição, é claro, porém a infidelidade nasce da falta de respeito.

— O que quer dizer?

— A base sólida de todo sistema da sociedade: Respeito. Um homem que não respeita sua mulher, será indelicado com ela, a trairá, não a levará a sério. E vice-versa é obvio. Um governante que não tem respeito pelo povo será corrupto, um filho que não tem respeito pelo pai será grosso e mal educado. Um empregado que não tem respeito por seu empregador fará um serviço medíocre, no caso inverso, o empregador não dará a mínima para seu contratado. E por aí vai.

Alexandre apoia os braços sobre a mesa.

— Ultimamente eu ando pensando em coisas absurdas e esta é uma delas. No mundo em que vivemos há uma linha tênue entre respeito, egoísmo e hipocrisia. Olhe pra você – o garoto relaxa as costas no encosto do sofá – despreza a infidelidade devido a um trauma que ocorreu em sua família, pegou a imagem de seu pai e generalizou os homens como um todo quando muitas vezes esquece que a mulher também é infiel.

— Não tanto quanto os homens. – rebateu Catarina.

— Aposto que se eu te perguntar onde está a estatística devidamente registrada sobre essa afirmação você não saberá me dizer, correto?

Alexandre sorriu ao ver a hesitação de Catarina.

— Apegada em sua birra, aposto que nem mais fala direito com seu pai. Perdida em sua desilusão sobre a realidade, vira sua atenção para o irreal ou o que quer acreditar como tal.

O rapaz volta a suspirar e se levanta.

— Não serei sua válvula de escape para o mundo irreal que almeja – ele retira uma cédula de cinquenta e deixa sobre a mesa para pagar a conta – esqueça que salvei você e suas irmãs, se eu for o culpado pelo incêndio então me denunciei desde que tenha provas. Até lá, não me importune mais com suas desconfianças. Você já me irritou com sua petulância infantil, abra os olhos para como o mundo é e não como acha que deve ser.

Alexandre segue para a saída deixando uma Catarina completamente derrotada com um orgulho ferido. Ninguém falava assim com ela, nem mesmo sua mãe. Seus colegas de classe a veneram e suas amigas mais próximas a respeitam. Ela é diferente, tem a cabeça no lugar ao contrário da grande maioria da sua idade, suas opiniões são centradas e embasadas em fatos... ela não é uma tola como acabou de ser tratada por ninguém menos do que o garoto mais cabeça vazia e desprezado do colégio.

Segurando as lágrimas de ódio a moça pulou do sofazinho e correu para fora alcançando Alexandre antes que ele atravessasse a rua.

— Espere!

O neto de Gertrudes para e se vira.

— Até pouco tempo atrás você era só um idiota que queria chamar atenção fazendo asneiras do pior tipo e agora age como se fosse o arauto da verdade? Dono da razão? Quem pensa que é? O que te faz diferente de mim nesse momento?

O jovem respira fundo e responde:

— Eu parei de me importar.

— Hã?

— Parei de me importar com que os outros pensam de mim. Parei de me importar em querer “fazer parte do grupo”. Mas principalmente parei de me importar com perguntas comuns em minha cabeça do tipo: “minha vida está valendo a pena?” “Eu sou feliz?” “o que estou fazendo da minha vida?” “onde está a prova da minha existência?” “Tenho amigos leais e verdadeiros?” “Tenho alguém pra chamar de meu e que fique feliz só pela minha presença?

Alexandre cruza os braços olhando para cima.

— Eu também acho estranho não me importar mais com essas coisas. – ele a fita com um olhar sereno – mas é incrível. Não sou mais influenciado pelo peso do passado nem pela ansiedade do futuro; só o hoje me importa e no hoje farei o que quero fazer... acho que isso é liberdade de certo modo.

Alexandre sorri.

— E quanto a você? Pode dizer o mesmo?


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Notas finais do capítulo

As opiniões do personagem são meramente um ponto de vista. Não existe verdade absoluta.



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