No começo, quando fiquei doente, eu pensava que seria o milagre. Achei que iria ser a exceção ou que iriam descobrir a cura antes que minha vida tivesse fim. Pensei que seria aquele 1% que sobrevive. Eu acho que todos pensam assim. E como eu queria estar certo… Mas já estava na hora de aceitar que minha hora se aproximava.

      Pensando nisso, fui até o escritório do advogado Ben Weeks, irmão de Ned. Eu precisava fazer um testamento, mas conhecia as pessoas. Queria deixar tudo para o Ned, mas sabia que o preconceito iria fazer com que tudo ficasse perdido na burocracia. Homossexuais não eram respeitados e realizar boas ações a nosso favor? Provavelmente havia um 11° mandamento secreto que proibia esse ato hediondo! Por isso, achei que seu irmão era a melhor escolha. Sabia que ele iria lutar pelos direitos de seu irmão e quem sabe se reconciliasse com ele no processo?

        Após uma hora, Ben e eu conseguimos resolver tudo do testamento. No final, ele fez questão de me acompanhar até meu táxi.

       — Sabe, Ned sente muita falta da relação de vocês. — aproveitei para falar sobre o assunto e ele deu uma risada sem graça.

      — Nós nunca fomos muito próximos, mas Ned sempre quis que eu me interessasse mais pela vida dele.

       — E você queria?

       — Eu… eu acho que sim. Só nunca soube como. — dessa vez, eu quem dei um sorriso amarelado.

       — Só o apoie. Suas decisões, seu modo de ser. Ele acabou de ser demitido, perdeu sua principal forma de lutar. Ele está devastado e será pior ainda quando eu me for.

       Ficamos calados pelo resto do caminho. Nosso único contato ocorria quando minhas pernas fraquejavam ainda mais e ele me segurava para que eu não caísse. Advogados pelos quais passávamos nos davam olhares discretos.

       Corcunda; mancando; pálido; com manchas no corpo; dentes amarelados. Eu devia estar parecendo muito mal. E era assim que me sentia. Quando estávamos a apenas alguns metros do táxi, meu corpo falhou por completo e só não caí no chão porque Ben me segurou. Porém, dessa vez eu não consegui levantar.

       Ben me levou até o hospital e chamou seu irmão, para quem ele parecia não saber o que dizer, mas estava claro que Ned deveria vir pra dar seu adeus.

       Pouco depois, eu estava sendo tratado por Emma num quarto da clínica dela. “Tratado”. Só essa palavra me fazia rir. Eu não estava sendo tratado, não havia mais salvação para mim. Eu estava sendo preparado para a morte.

       Ned chegou com pressa. Dava para perceber que ele havia chorado. Ele me abraçou forte e me deu alguns beijos na testa. Não sentia nojo de meu aspecto, nem se preocupava em pegar a doença. Ele se importava comigo. Eu amava aquele homem.

       Tudo que queria era que ele fosse feliz. Eu queria fazê-lo feliz. Mas eu não poderia. Isso só poderia ser feito por ele. E eu sabia como.

       — Ned, ache uma outra forma de lutar.

       Era o que o fazia feliz: Defender o que acreditava. E ele estava certo em lutar pelos direitos da comunidade gay. Durante muito tempo, fomos desprezados e desrespeitados por todos. Somos seres humanos, como podem fingir não nos notar? Como podem não perceber que também somos seres humanos? O coração ordinário não pode ser domado, mas pode ser partido de incontáveis maneiras. Eu acreditava que Ned poderia trazer a mudança e contava com ele para isso. Eu o amava. Eu amava sua paixão.

        — Emma, por favor… — Eu havia feito um pedido para Emma há dias.

        — Claro. — Ela entendeu antes que eu acabasse. — Estamos aqui hoje para celebrar o casamento de Ned Weeks com Felix Turner…

         Eu a interrompi no meio da sentença porque não aguentava nem mais um segundo sem proferir aquelas palavras:

          — Eu, Felix Turner, aceito você, meu querido Ned, como meu legítimo esposo.

          Ele chorava e apertava minha mão com força, pedindo silenciosamente por mais tempo comigo. Se eu ao menos apenas pudesse dá-lo...

          — Eu, Ned Weeks, te aceito, Felix, como meu legítimo esposo.

         — Podem beijar os noivos — Emma falou.

         Nós nos beijamos e posso dizer que aquele foi o melhor beijo que já havia recebido. Porém, o último.