A cor do coração escrita por Jack White


Capítulo 2
Translúcido




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Uma de minhas características preferidas do Ned era sua vontade de lutar. Ele nunca desistia, defendia sua opinião usando tudo o que estivesse à sua disposição. Algumas pessoas o achavam extremo, um pouco agressivo. Eu, no entanto, via isso como garra, era bastante charmoso na verdade.

    Ontem, após contar sobre minha saúde, pensei ter visto a derrota estampada em seu rosto, como se ele tivesse desistido de mim. Entretanto, ao olhar para trás agora, sei que estava enganado. Ele me olhara com amor bruto. Ele sempre lutava pelo que queria até obtê-lo e, naquele instante, ele me queria.

    Um dia depois e eu já estava na sala da Dra. Emma Brookner, amiga de Ned e uma das maiores parceiras dele para combater o errôneo preconceito sobre o mais novo câncer. Ela já analisara diversos casos e era minha maior chance de ser curado.

   Eu tinha muito a meu favor. Eu ia sobreviver. Ia lutar assim como Ned lutava por mim. Nada iria me abalar.

     — Sempre tive sorte. — disse para a Dra. Brookner   — Ainda tenho. Consegui tudo o que queria: um emprego no Times, Ned… Agora, conseguirei mais uma vez, vou vencer esta doença.

     — Ótimo. É assim que você precisa pensar.

       — Eu infectei o Ned? — perguntei, de repente. Ela me olhou no fundo dos olhos antes de responder.

       — Não há como saber.

       — Nós… Eu e o Ned… Podemos nos beijar?

       — Felix, seu corpo está vulnerável. Neste momento, é recomendado que não haja qualquer contato humano além do extremamente necessário.

    Depois dessa consulta, encontrar-me com Emma se tornou algo normal, praticamente cotidiano. Após algum tempo, eu já havia feito mais quimioterapia e procedimentos experimentais que qualquer outra pessoa que conhecia. Eu sentia uma pequena pontada no estômago causada pela fadiga que me consumia. Minha mente já havia trabalhado demais, eu já não processava com exatidão as informações. Estava cansado. Tão cansado...

    Olhando no espelho, era notável que a doença também tinha provocado consequências físicas: Emagreci. Meu semblante não estava o mesmo. Meu rosto estava fino e eu havia perdido quase todos os músculos que tinha e a balança era a prova disso.

      Para piorar, meu corpo começou a me desapontar. Era horrível a sensação de perder o único controle que ainda me restava. Comecei a ir ao banheiro frequentemente e precisava da ajuda de Ned para me limpar. Minhas pernas e braços fraquejavam constantemente. Eu já não me locomovia direito. Mas para onde eu iria? Tinha pedido dispensa temporária do trabalho, morava com Ned. Eu só saia para receber tratamentos médicos e, mesmo assim, odiava sair.

       Sempre recebia o olhar acusativo de reprovação e desgosto das pessoas. O câncer gay veio como um sinaleiro para separar os homossexuais dos héteros. Nunca tive coragem de me assumir porque sabia que seria alvo de preconceitos e, se eu o tivesse feito, nunca teria chegado à posição de repórter do The New York Times. Vi tudo sendo jogado fora ao ser atacado pelo vírus. Tentei esconder os sinais de quem era, mas eles só ficavam mais fortes.

Não olhem para mim. Eu pensava. Esse não sou eu. Mas era. Fugi de quem sempre fui, sem notar que eu não era o problema. Eu sabia que estava errado, mas não conseguia evitar. Minha vida toda mudara depois do câncer.

      Um dia, me levantei e fui comer algo na cozinha, mas minhas pernas fraquejaram e caí no meio do caminho. Eu não tinha forças para levantar e para quê eu o faria? Para cair de novo?

      Eu odiava aquilo, me sentir fraco.

      Odiava ficar exposto.

      Odiava me sentir impotente.

      Odiava tudo que aquela doença havia feito comigo.

      Ódio era tudo o que me restava.

    Mas tudo o que eu fazia era chorar.

      Após algumas horas, Ned chegou com umas compras e correu ao meu auxílio logo que me viu lamentando no chão.

      — Felix!! O que houve? Você está bem? — ele tentou me levantar. Em resposta, bati em sua mão e gritei.

      — Não me toca! Eu estou cansado disso! Por que você não me abandona de uma vez? Eu sou apenas um desgraçado azarado e fraco, que não consegue fazer nada sozinho. Eu não quero mais isso! Já pensou que você pode ser infectado? — Tive uma pequena pausa antes de recomeçar e ir mais fundo, falar o que eu estivera pensando por tanto tempo, mas não tive a coragem de falar. — Ou, então, foi você quem me infectou! Já pensou nisso? É sua culpa que eu esteja aqui! É tudo sua culpa!

      Eu sentia minha face vermelha e quente, algo que talvez não percebesse se minhas lágrimas constantes não arrefecessem meu rosto. Houve uma longa pausa silenciosa antes que Ned devolvesse os gritos que fizeram minha garganta reclamar.

     — Você não quer mais? Não quer mais lutar, não quer mais sobreviver? Então, tudo bem! — ele pegou o que estava dentro da sacola e começou a jogar em mim. — Jogue fora as verduras! Quem precisa delas, não é? Diga adeus ao pão integral! Não precisamos mais de leite, não é!

     Eu punha meus braços na frente do corpo para me proteger e tentava falar, mas não sabia o que dizer.

      — Jogue tudo isso fora, Felix! Me jogue fora! Mas você sabe que todos nós só estamos tentando te manter vivo!

       Eu chorava. Me arrependi amargamente de minha explosão de raiva. Ned se aproximou e me abraçou enquanto o quarto era coberto pelos meus soluços de desespero. O que seria de mim?


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