Virando do avesso escrita por calivillas


Capítulo 4
Aqueles pensamentos indomáveis




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Durante o dia todo, Júlia não conseguia tirar aquela cena do casal, junto as árvores, ficou pensando no rapaz com seus olhos castanhos e quentes, encarando-a de uma maneira que ninguém havia feito antes, com todo aquele desejo, como se fosse ela que estivesse nos braços deles.

Mesmo sem querer, começou a imaginar o corpo dele contra o dela e movimentos ritmados dos seus quadris contra os seus, os braços dele a envolvendo. Como deveria ser o seu toque e o seu cheiro e o gosto da sua boca? Como seria trocar de lugar com a mulher de cabelos vermelhos, fazer algo assim tão audaz a céu aberto, em plena luz do dia, sem nenhum pudor?

Sacudiu a cabeça, para apagar aqueles pensamentos indomáveis, estava assustada consigo mesma, pois, jamais tivera esses tipos de fantasias, nunca foi tomada pela tentação. No entanto, apesar de não querer pensar mais sobre aquele assunto, passou o resto da tarde, inquieta, para se distrair tentou ler, ver TV, mas sua cabeça sempre voltava para aquela cena que presenciara pela manhã, para o olhar provocante do rapaz, tomando o lugar das suas dúvidas em relação a Leandro e a sua traição. Felizmente, considerava que seria muito difícil, encontrar-se com aquele homem outra vez e se isso acontecesse, apenas fingiria que não o conhecia.

Já entardecia, quando Júlia escutou batidas na porta de frente, ao abrir, encontrando Maria toda arrumada, pronta para sair.

— Júlia, o jantar já está pronto, deixei na cozinha. Eu e Pedro vamos sair – Maria comunicou.

Ela morava com o marido, que cuidada do jardim, em uma casa nos fundos do terreno do sítio.

— Tudo bem, Maria.

— Vamos no circo! – Maria falou entusiasmada pela novidade rara, em um lugar como aquele.

— Que bom, Maria!

— Não vamos chegar tarde.

— Não tem problema. Divirtam-se. Boa noite.

Júlia voltou para seu livro, já estava na mesma página há quase meia hora e nem sabia do que se tratava, não conseguia se concentrar na leitura.

Um circo! Pensou que não ia a um, desde que era muito pequena, talvez, pudesse se distrair um pouco assistindo o espetáculo, ajudaria a passar o tempo. Assim, antes que desistisse vencida pela preguiça, pegou seu casaco, a bolsa e a chaves do carro e saiu de casa.

A praça, onde o circo estava armado, não era muito distante do sítio, não demorou muito a chegar, estacionou o carro bem frente. Já de longe pode ver o movimento das pessoas que achegavam ao local, percebia os sorrisos nos rostos e a empolgação pela novidade. As luzes coloridas e a música chiada das caixas de som enchiam o ar.

Em volta da grande tenda, barraquinhas vendiam comida e a sorte em jogos, havia cheiro de pipoca e molho de tomate no ar, despertando uma lembrança nostálgica da sua infância, por isso, comprou um cachorro-quente. Comendo, caminhou lentamente entre as barraquinhas, distraindo-se com as pessoas e o ambiente colorido e animado ao seu redor. Parou para observar um menino tentando a sorte no jogo de argolas, depois seguiu até na frente de uma pequena tenda, onde uma placa anunciava a cigana Magda, que prometia ver o futuro das cartas de Tarô, aquilo chamou a sua atenção. Curiosa, mesmo achando que aquilo seria um trambique, tipo de engana-bobos, estava tão cheia de dúvidas que, quem sabe, uma completa estranha poderia dar um palpite que pudesse ajudá-la, sem conhecer sua verdadeira história, pelo menos, poderia ser divertido. Tomou coragem, suspirou fundo, levantou a lona para abrir o caminho e entrou na tenda, com cautela.

O interior da tenda era  mal iluminado por diáfanas luzes vermelhas, o ar esfumaçado e com forte cheiro de incenso barato, e uma desafinada música oriental tentavam dar um falso ar místico ao lugar e, bem no centro, havia uma pequena mesa coberta com uma toalha vermelha brilhante e sentada atrás dela, uma mulher de rosto redondo e muito alvo, com forte maquiagem em volta dos olhos e a boca com um batom muito vermelho, vestida como cigana, com roupas coloridas, lenço na cabeça, que deixava escapar alguns cachos ruivos do seu cabelo, grandes brincos de argolas e muitos colares e pulseiras.

— Entre, minha linda! – a mulher a convidou, ao ver sua hesitação. – Sente-se para que a cigana Magda veja o seu futuro – Indicou a cadeira livre à sua frente.

— Quanto custa?

— Vinte a consulta.

Júlia abriu a bolsa e entregou o dinheiro a mulher, sem pechinchar.

— Qual é o seu nome, minha bela? – A mulher tinha um forte sotaque carregado nos erres, que parecia do leste europeu, no entanto, Júlia teve a sensação que já ouvira aquela voz de algum lugar.

— Júlia.

A mulher embaralhou cartas de Tarô, gastas e ensebadas, colocou sobre a mesa e a ordenou cortasse em três montes, com a mão esquerda, ela obedeceu. A cigana pegou um dos montes de cartas e começou a desvirar carta por carta.

— Vejo que você não é daqui! – Isso era bem fácil de se notar, era só olhar para ela. - Você está fugindo! Por causa de um problema de amor – Júlia queria manter seu olhar impassível. - Um homem a magoou muito, feriu o seu coração. Não foi?

— Foi. – Aquilo era muito lugar comum.

— Ele a traiu! E, agora, você não sabe se o perdoa ou não?

— Sim.

— Você não sabe o que fazer, se o perdoa ou não – a cigana a encarou. - Estou vendo aqui! - Ela apontou, com a unha comprida e vermelha, a carta virada em cima da mesa. - Esta carta é a dos amantes e aqui a da lua. Você descobrirá alguns sentimentos dentro de você, que vem sendo sufocados por muito tempo. Está vendo esta é carta do diabo.

— Isso é ruim? – Júlia perguntou, um tanto assustada com a figura desenhada.

— Não. Ao contrário do que parece, no seu caso, essa carta demonstra que você precisa trazer à tona, deixar aflorar toda a paixão que existe dentro de você e que está sendo sufocada. Só assim... - Ela virou a última carta –, você poderá encontrar o sol e brilhar e ser realmente feliz.

Júlia ficou olhando para mulher, esperando algo mais.

— Boa noite, minha bela. O espetáculo já vai começar – a mulher concluiu, juntando as cartas e se levantando.

Sem escolha, ainda, sem entender aquilo tudo e achando uma tremenda bobagem, Júlia se levantou e saiu da tenda, foi até a bilheteria e comprou o ingresso para o espetáculo. E antes de entrar na tenda, ela comprou um grande saco de pipoca doce, sentou-se em uma das cadeiras de plástico barato, sentindo-se animada como uma criança.

Era um espetáculo circense típico, singelo e simples, com palhaços, mágico, acrobatas e malabaristas, engolidores de fogo e atiradores de facas. Foi divertido, como voltar para a infância, quando o palhaço veio brincar com ela. Até o grande final, quando apresentador vestido de casaco vermelho, anunciou, mostrando em um canto do picadeiro, o globo da morte, que consistia em uma enorme bola vazada de metal, onde dois motociclistas pilotavam em alta velocidade, desafiando a lei da gravidade. Os valentes motociclistas eram os irmãos Ricardo e Rodolfo. Para assistir melhor, a apresentação, a plateia se deslocou para junto do globo e Júlia conseguiu um lugar bem perto. Os dois homens já se encontraram dentro do globo, aceleraram as motos, o barulho ensurdecedor dos motores e a fumaça dos escapamentos tomaram o ar e começaram o show, que era o ponto alto do espetáculo. Eles rodopiavam dentro do globo subindo pelas paredes, em alta velocidade, em manobras arriscadas. No final, Júlia, empolgada, aplaudiu com fervor, impressionada com a perícias dos motociclistas, que conseguiam manobrar com precisão em um espaço tão pequeno e em uma velocidade tão grande. E no momento que eles retiram os capacetes, para surpresa dela, reconheceu o rapaz que viu com a mulher, entre as árvores naquela manhã.


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