Virando do avesso escrita por calivillas


Capítulo 3
Seguindo na mesma direção




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Tudo que Júlia pensava era que precisava desaparecer, sumir dali, sem dar explicações para ninguém sobre a sua decisão. Não queria falar sobre a traição de Leandro, ter que dar seus motivos para não o perdoar, nem ouvir as ladainhas de todos que a cercavam sobre a tolice da sua resolução. Por isso, ligou para sua amiga Amélia. Elas haviam se conhecido, quando Júlia reformou o antigo sítio da família, tinha feito um bom trabalho, o lugar ficou incrível, e ela costumava alugá-lo por temporada, talvez, se tivesse com sorte, o lugar, estaria vazio agora.

— Júlia, que surpresa! Tudo bem?

— Tudo, mas preciso de um favor seu.

— Claro! Como posso ajudá-la?

— O sítio está vazio agora

— Está. Por que?

— Tenho uns amigos que precisam de umas férias, em um lugar calmo, então, pensei que você costumava alugar o lugar por temporada.

— Eu continuo alugando. O dinheiro ajuda manter o sítio. Para falar a verdade, há muito tempo que não vou até lá. E agora, está vazio.

— Então, você pode alugá-lo?

— Claro, Júlia. Para quando?

— Hoje.

— Hoje?! Mas não tem nada lá agora.

— Não importa. Serão apenas alguns dias. Como poderemos fazer?

— Se é assim tão urgente, é só pegar a chave com a caseira. Vou ligar para lá e avisar que estão indo. Normalmente, exijo um sinal, mas como são seus amigos não vai ser preciso.

— Tudo bem, Amélia, é só me dar o valor e a conta do banco para o depósito. Deve ser por uns 15 dias, talvez, um pouco mais.

— Eles saberão chegar lá?

— Eu sei o caminho e ensino a eles. Obrigada, Amélia.

— Espero que seus amigos gostem do lugar. Ah! Fale com seus amigos, que quando chegar lá para buzinar três vezes, e Maria abrirá o portão para eles. Até mais, Júlia.

Depois de fazer o depósito na conta de Amélia, Júlia enfiou um monte de roupa em uma sacola de viagem, mandou uma mensagem para a sua mãe, dizendo que estaria bem, mas precisava ficar sozinha por um tempo, sabia que para o lugar onde ia o celular não teria sinal, depois de feito isso, partiu. Já estava anoitecendo, quando saiu de casa, a viagem levaria cerca de 3 horas, mas era isso que queria fazer, ficar sozinha, repensar a sua vida.

A estrada era cheia de curvas, serpeando as montanhas, ela tentava se concentrar no caminho, mas seu pensamento insistia em ficar voltando para o passado, mais exatamente para o começo da sua relação com Leandro. Os dois haviam se conhecido adolescentes, antes da faculdade, um namoro longo. Leandro foi o primeiro cara com que Júlia namorou sério. Eles só terminaram uma vez, no começo da faculdade, por alguns meses, foi nesse período, que Júlia namorou com um outro cara e havia sido muito diferente de como era com Leandro. O cara bonito, mas não demorou muito para ela descobrir que ele era um tanto egoísta, só se preocupando consigo mesmo, foi uma decepção. Depois de algum tempo sozinha, Júlia e Leandro se reencontraram e reataram o namoro, que virou noivado e, agora, estavam prestes a se casar.

Uma ultrapassagem perigosa de um caminhão, que passou, em alta velocidade, buzinando por ela, chamou sua atenção, a trazendo de volta para o presente. O motorista do caminhão ainda olhou com raiva para ela, os homens detestavam ficar atrás da mulher, inclusive na estrada.

Depois de algum tempo, Júlia viu as placas de indicação da pequena cidade, onde o sítio de Amélia ficava. Apesar de nunca ter indo à noite, conhecia muito bem o caminho, pois já estivera naquele lugar, por várias vezes, durante a reforma da casa.

Era uma cidade pequena típica do interior rural e estava um tanto vazia, àquela hora da noite. Júlia continuou a dirigir, passou por uma praça iluminada, onde havia um número considerável de pessoas, uma música meia chiada tocava ao fundo, e quando se aproximou mais, pode identificar uma tenda bicolor azul e amarela montada, bem no meio dela, cercada por barraquinhas e alguns brinquedos, era um circo mambembe, daqueles que não se via em grandes cidades, uma placa anunciava Gran Circo Irmãos Sorian. Mais adiante, o carro fez uma curva para direita e entrou em uma estrada de terra batida, esburacada e mal iluminada por um ou outro poste, passou por um homem em uma bicicleta, pedalando rápido, seguiu em frente até parar diante do portão do sítio de Amélia, buzinou três vezes e esperou. O portão se abriu para ela entrou com o carro e uma mulher desconhecida, de meia idade, muito magra e com um ar mal-humorada, fechou-o novamente. Júlia saiu do carro e pegou sua bolsa de viagem, já estava muito escuro e um pouco frio, se ouvia apenas o estrilar dos grilos.

— Oi. Você deve ser Maria?

— Sou. Dona Amélia ligou mais cedo, esperava por mais gente.

— Não, serei só eu.

— Certo. Vou mostrar a casa para a senhora.

— Não precisa, eu já conheço o lugar.

Ela olhou para Júlia, ressabiada.

— Certo. Eu limpo e faço a comida, mas não tem nada na casa, não deu tempo de comprar.

— Tudo bem - Júlia lhe deu dinheiro para as compras, não queria se preocupar com esses detalhes, só pretendia ficar sozinha, pensar no que faria da sua vida de agora em diante.

— Está com fome? Eu posso fazer alguma coisa para a senhora comer.

— Não se preocupe, eu já comi – Júlia mentiu. – Por favor, me chame só de Julia.

A mulher assentiu com a cabeça.

Quando entrou na casa, Júlia não pode deixar de se parabenizar, orgulhosa pelo bom trabalho que fizera na reforma e decoração do lugar, a sala confortável, com o chão de cerâmica coberto com alguns tapetes artesanais coloridos, as paredes de pedra com detalhes em madeiras e os móveis de madeira de demolição, ferro e tecidos rústicos, lareira dava um detalhe especial. Foi até o quarto principal, com sua grande cama com colunas e janelas que davam para a vegetação fechada atrás da casa. Mas agora, ela só queria tomar um banho e tentar descansar um pouco.

Mesmo após uma noite, revirando-se na cama, sem conseguir pegar no sono, Júlia acordou cedo, com o sol entrando pela janela, cuja as cortinas esqueceram de fechar, pássaros cantavam lá fora, seria um despertar perfeito se não tivesse sozinha naquela cama, depois de ser traída pelo seu noivo, quase na véspera do casamento. Olhou para fora, podia ver as árvores que circundava a casa, iluminadas pelo sol, sentiu o ar fresco da manhã e o cheiro de mato.

Sobre a mesa da cozinha, encontrou uma garrafa de café e um pequeno bolo, aí percebeu como estava com fome, pois não tinha comido nada desde o almoço no dia anterior, antes de toda sua vida mudar tão de repente. Passou parte da manhã, andando de um lado para outro, sem saber o que fazer, escolheu um livro na estante, tentou ler um pouco estirada na espreguiçadeira à beira da piscina, aproveitando o sol morno, mas não conseguia se concentrar na história de amor, já que sua mente sempre voltava para Leandro e sua traição. Então resolver caminhar um pouco pelo local, fazer exercícios poderia ajudá-la clarear suas ideias.

Saiu pelo portão, na rua de terra batida, escolheu a direção que levava para longe da cidade. Começou a caminhar, com passos vigorosos, enchendo o peito de ar fresco, passando diante das casas eram esparsas, bem distantes uma da outra, quase não se via ninguém por ali. Avistou uma mulher varrendo o quintal, um velho fumando cigarro de palha sentado em um banco na porta de casa, um ou outro cachorro atrás dos portões latindo a sua passagem e alertando os moradores, um homem em uma bicicleta azul cruzou seu caminho, e logo depois uma motocicleta vermelha, passou correndo seguindo na mesma direção e levantando poeira, apesar do susto, mas Júlia não prestou muita atenção.

Ela ponderava, recordando os seus momentos felizes que passou com Leandro, na vida que planejaram juntos, contudo, a imagem do seu noivo na cama com outra mulher sempre a tomava de assalto. A lembrança daquela mulher, arfando e gemendo de prazer sobre o seu noivo, deixava-a mais confusa e irritada, lembrou-se das conversas com as amigas, sabia que havia algo errado na vida íntima deles, talvez, o problema fosse dela, pois nunca achou que o sexo fosse tão importante assim em um relacionamento, que deveria se basear na confiança e companheirismo.

Enquanto caminhava, as casas iam ficando cada vez mais raras até só haver árvores a sua volta, naquele instante, Júlia pensou em retornar, mas parou ao ouvir estranhos sons vindo de algum lugar, a voz de uma mulher gritando palavras desconexas. Sem conter sua curiosidade, ela caminhou em direção ao som, sorrateiramente, até conseguir ver que encostado atrás de uma árvore, havia um casal abraçado, levou algum tempo para perceber que eles estavam transando, ela parou. O tronco fino da árvore permitia que Júlia visse o rosto do homem sobre o ombro da mulher. Ele era belo e jovem, estava ofegante e corado pelo esforço, suas mãos agarradas ao tronco da árvore, para ajudar no impulso de cada estocada, suas calças caídas amontoadas em volta das pernas. Da mulher, só via uma parte das grandes nádegas brancas e nuas, sob o vestido levantado e os cabelos cacheados vermelhos vivos, mas ouvia muito bem os seus gritos, pedindo que ele fizesse mais forte e mais rápido. Constrangida pela intromissão, Júlia quis voltar sobre os próprios passos para dar ao casal mais privacidade. Então, o rapaz olhou diretamente para ela e deu um sorriso travesso, Júlia se assustou, fez menção de sair dali, mas ele fez com sinal com a mão para ela parar. Então, ela ficou ali, estancada, observando, o rapaz a olhando diretamente nos olhos dela, e Júlia sentindo o rosto queimar sua respiração ofegante, seus seios se contraírem, e seu ventre pesar, dolorosamente, fazendo apertar uma coxa contra a outra. O rapaz aumentou o ritmo das estocadas, a mulher gritava obscenidades, enlouquecida, enquanto gozava e, logo em seguida, ele gozou, soltando um gemido, ainda olhando nos olhos da espectadora e sorriu lascivo para ela, que se virou e saiu correndo. Julia correu até ficar sem folego, parou na frente de uma casa, para descansar um pouco, inclinada para frente as mãos sobre o joelho, tentando fazer o ar entrar nos seus pulmões em chamas.

Olhou para o jardim da casa, viu um homem se aproximou da cerca, preocupado, ao observar o estado dela, suada e com o rosto pegando fogo.

— Tudo bem com você, moça?

— Tudo! – Júlia respondeu com um fio de voz, saindo da garganta seca.

— Quer entrar um pouco? Precisa de um copo d’água?

— Não, obrigada. Estou em uma casa aqui perto. Já vou indo. Tchau.

 Saiu andando, ainda apressada, pois não queria encontrar o casal de amantes saindo do seu esconderijo, principalmente, aquele rapaz, que tinha sorrido para ela daquela maneira tão provocante, e que despertara aquela sensação forte e desconhecida.


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