The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 25
Capítulo XXV - 05 de Abril de 1872


Notas iniciais do capítulo

Olá meu amores, tudo bem?
Espero sinceramente que todos estejam dos últimos acontecimentos. Sei que tem dezenas de leitores querendo cortar a minha cabeça e pendurar em praça pública por ainda não ter dado um terrível fim ao Allen. A estes eu digo apenas: paciência, jovens Padawans.

Venho também deixar um aviso importante: nos próximos quinze dias "The Queen's Path" ficará sem atualizações ou capítulos novos. O motivo para a minha ausência é que irei viajar e não pretendo nem mesmo levar meu notebook. Tentei muito adiantar esses capítulos para deixá-los em postagem programada, mas realmente não consegui, me desculpem por isso.

Estou realmente precisando de um descanso, tanto da escrita quanto do trabalho, então quero me afastar das responsabilidades ao máximo e só curtir muito minha estadia. De todo modo, não se trata de um hiatus propriamente dito, estou de volta ao Brasil em 14 de Fevereiro (quarta-feira de cinzas) e então voltaremos a nossa programação normal. Espero que compreendam e aguardo a todos nos comentários depois desse período de "férias".

Sem mais delongas, desejo a todos uma ótima leitura!



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O tempo nublado, aliado às janelas e cortinas fechadas, contribuíam para que o quarto fosse preenchido pela mais profunda escuridão. Ocasionalmente, os passos de alguma empregada se aproximavam e se afastavam no instante seguinte, deixando a jovem rainha abandonada sobre sua cama, degustando solitariamente de seu silêncio e sua dor.

Nos últimos, dias Beatrice praticamente não ousou deixar a privacidade de seu quarto, levantando-se da cama somente para tomar banho. A motivação para sua reclusão recaía sobre a filha do conde Avelar. Ela não se sentia inclinada a cruzar com Charlotte nos corredores, principalmente após o último encontro entre elas, ocorrido três dias atrás. Na ocasião, ela teve de escutar silenciosamente uma série de impropérios debochados, ao ponto de questionar, em meio a voz embargada pelo choro, qual era a motivação da ruiva para tentar assustá-la daquela forma, sempre que a oportunidade surgia. “Mas eu não tenho a intenção de te assustar, minha cara. O que eu quero é quebrar você por completo” foi a resposta obtida naquele momento.

Diante das circunstâncias, em que qualquer palavra inadvertidamente proferida poderia lhe ocasionar ainda mais problemas, a jovem preferia permanecer confinada em seus aposentos. Quando estava sozinha nele, havia uma falsa sensação de segurança.

Sentir uma respiração leve e ritmada sobre seu rosto fez com que Beatrice desse um salto em sua cama, suspirando aliviada ao perceber que se tratava somente de Margot, que se aproximava com a cautela de sempre. Ela tentou encostar-se novamente nos fofos travesseiros e o ato — apesar de simples — lhe custou alguns gemidos sôfregos que chamaram a atenção de sua gata. Sua pele pálida acumulava marcas vermelhas e arroxeadas, nunca tendo tempo suficiente para sarar antes que a próxima agressão fosse praticada. A temperatura aumentava gradativamente com a chegada da primavera, mas a jovem era obrigada a utilizar seus vestidos mais recatados e cobertos, de modo a ocultar os machucados, tanto os recentes e quanto os antigos.

À princípio, Beatrice espantou-se com a frequência em que era procurada por seu violento consorte. Antigamente, a presença da ruiva costumava ser sinônimo de algumas noites tranquilas para si, mas algo parecia ter mudado drasticamente. Foi a partir de um breve monólogo foi que as intenções de Allen se tornaram mais claras e até mesmo um tanto óbvias: seu atual objetivo consistia em adquirir um herdeiro com a maior brevidade possível. “É um absurdo que até então você não tenha sido capaz de conceber um filho”, ele costumava dizer com irritação. Na última noite, o monarca adicionou um comentário inédito ao seu monólogo sombrio, apontando que “agora que Sarah está casada, imagine o escândalo que seria caso ela fique grávida antes de você”.

A mera menção do assunto lhe deixava tão dividida quanto possível. Por um lado, existia a possibilidade de que a raiva intermitente de Allen se apaziguasse um pouco com a chegada de uma criança, trazendo-lhe uma centelha de esperança de dias melhores. Por outro lado, a ideia de conceber um ser tão pequeno e indefeso para sofrer nas mãos de um tirano lhe parecia muito pior do que seu próprio sofrimento. Ela tinha certeza de que a educação fornecida por seu consorte faria da criança uma pessoa tão inescrupulosa quanto ele, senão mais. De imediato, Beatrice fechou os olhos enquanto abraçava a felpuda Margot. Não adiantava nada pensar em qualquer desses aspectos. Depois de tantos anos de casamento, ela não parecia ser capaz de gerar nenhuma vida, e a realização daquilo lhe consumia por dentro, tornando-a consciente de uma verdade que todos pareciam conhecer: a dimensão de sua inutilidade dentro daquela família.



Em Newreen, a porta de uma simpática confeitaria se abriu, mas, diferentemente do que se poderia esperar, ninguém saiu de dentro dela. Um jovem casal tentava já há alguns minutos chegar até a rua, mas eram a todo instante puxados de volta pelas mãos de uma velhinha persuasiva que parecia relutante em deixá-los partir.

— São sempre as mesmas pessoas, nunca há nada de novo por aqui! — reclamou a senhora, enquanto corria até o balcão da doceria, no intuito de buscar algo para seus mais novos clientes favoritos.

— Estranho dizer isso. Sempre achei que nobres de todos os países escolhessem Newreen para construir suas casas de campo — o rapaz alto comentou casualmente enquanto degustava de um biscoito amanteigado que fora posto em sua mão segundos atrás.

— Sempre os mesmos nobres, é terrível! — ela se lamentou enquanto enchia uma caixa pequena com guloseimas de todos os tipos e cores. Vê-la trabalhar era como observar a rotina de uma abelha operária e o casal esforçava-se em abafar suas risadas. — Nada de novo, nunca nada de novo! Aqui, uma cortesia para que voltem mais vezes.

— Não há necessidade disso, minha boa senhora — respondeu a dama de tez morena e cabelo castanho. — Ficaremos felizes em pagar por tudo que consumimos.

— Bobagens! Voltem sempre que quiserem e não se esqueçam de recomendar a confeitaria aos seus amigos — respondeu a velhinha enquanto retornava do balcão para a porta com uma rapidez impressionante para sua idade. — Devem ter centenas de amigos, imagino eu! Você são um casal muito bonito e pessoas bem aparentadas sempre atraem outras pessoas bem aparentadas. Querem levar um pedaço de torta também?

O casal precisou se despedir uma dúzia de vezes até que conseguisse de fato deixar o pequeno comércio para trás. Somente quando já estavam a quinze passos de distância foi que ambos se permitiram rir de modo indiscreto, esbanjando espontaneidade.

— Que senhora mais excêntrica aquela! Acho que nunca comi tanto em toda a minha vida — Sarah exclamou com certo deleite, ainda sentindo os lábios doces depois de degustar praticamente todos os produtos da loja. — Consegue acreditar que aquela senhorinha ainda queria nos presentear com uma torta?

— Eu a aceitaria de muito bom grado, se quer saber — Edgar respondeu, enquanto fisgava um sonho da pequena caixa de maravilhas que trazia consigo. O pão era macio como uma nuvem, o recheio inundou sua boca espalhando o gosto doce por todos os lados enquanto o açúcar de confeiteiro se acumulava ao redor de sua boca. — Esse é maravilhoso também. Você quer?

— Não, estou mais do que satisfeita. — Bastou um olhar rápido na direção do Duque para perceber como ele parecia ter apenas cinco anos de idade a despeito dos trinta que já carregava sobre os ombros. — Você está todo sujo, sabia disso? Vire para cá.

Sarah sacou um lenço bordado de um dos bolsos de seu vestido e por alguns segundos ocupou-se em limpar a boca de seu consorte, retirando os resquícios de açúcar que lá se acumulavam. Passado esse momento, os dois seguiram sua caminhada sem rumo definido. Sem dúvidas, um dos melhores aspectos daquela viagem residia no fato de que praticamente ninguém sabia quem eles realmente eram. Quando não revelavam seus nomes, os habitantes da cidade os tomavam por filhos de alguma família qualquer de fidalgos, que decidiu esbanjar uma pequena fortuna numa viagem despretensiosa. O anonimato lhes garantia uma dose extra de conforto, permitindo que agissem e falassem como quisessem.

Eles passavam a maior parte de seus dias conversando amenidades, caminhando distraidamente pela cidade e os bosques que a circundavam, além de experimentarem pratos e sobremesas novas sempre que tinham oportunidade. Era perceptível o esforço de Edgar em lhe distrair a todo instante dos maus pensamentos e das lembranças tristes. No começo, tudo parecia forçado e ela se empenhava em parecer simpática, mas com o passar dos dias a amargura que vinha perseguindo-a comecou se dissipar lentamente. A jovem passava muitas horas sem nem ao menos se recordar de Elliot, e por mais que isso lhe trouxesse o sentimento de remorso posteriormente, não anulava os bons momentos aproveitados ao lado de seu consorte.

— Você já tinha visto este lago antes? — o Duque questionou, despertando-a de seus pensamentos no mesmo instante. — Acho que se trata do Lago Negro de Newreen.

Sua localização era ligeiramente distante do comércio da cidade. A margem escurecida denunciava a profundidade daquelas águas. Apesar disso, a paisagem em seu redor era absolutamente estonteante. As árvores se avultavam muito próximas umas das outras e, à direita do casal, havia um extenso e envelhecido píer que levava até praticamente o meio do lago.

— É muito bonito, realmente — Sarah comentou bastante encantada com a visão. — Espere um pouco, onde você pensa que vai?

— Eu quero ver o lago mais de perto — o jovem Avelar comentou, enquanto caminhava sobre o píer distraidamente, distanciando-se cada vez mais da jovem que insistiu em permanecer em terra firme. — Você deveria vir, a vista é muito mais bonita daqui.

— Muito obrigada pelo convite, mas eu estou bem aqui — a princesa respondeu, com relutância enquanto olhava para o píer com visível desconfiança. — Edgar, volte para cá! A madeira desse piso parece tão antiga quanto o próprio castelo de Odarin!

— Bobagem — ele retrucou, logo que chegou à outra extremidade da simplória construção. Era possível ver alguns peixes nadando de um lado para o outro. — Você acha mesmo que existe a possibilidade desse piso…

Antes que Edgar pudesse proferir a palavra “cair” de modo a finalizar sua pergunta descrente, o assoalho cedeu debaixo de seus pés e em questão de segundos seu corpo desapareceu da vista de Sarah. A menina se desesperou de imediato, gritando por seu nome enquanto enterrava os dedos aflitos nas madeixas castanhas. “E agora, o que eu faço?”, se questionou enquanto olhava para os lados de modo angustiado, sem conseguir visualizar uma única pessoa a quem pudesse pedir ajuda. Sem outras opções, ela correu sobre o envelhecido píer na esperança de que conseguisse puxar Edgar de volta para a superfície antes que mais tábuas de madeira começassem a ceder sucessivamente.

Atingindo a extremidade da construção, tudo que pôde ver eram pequenas bolhas boiando livremente do fundo até a superfície, onde finalmente estouravam silenciosamente. Sarah ajoelhou-se junto à borda, tentando se aproximar ao máximo da água para localizar seu consorte. Não havia o menor sinal do jovem Avelar em lugar algum. A princesa já podia sentir as lágrimas brotando no canto de seus olhos, quando uma mão sorrateira surgiu inesperadamente debaixo d'água, agarrando seu punho e puxando-a para dentro do lago.

Um grito agudo escapou instintivamente de sua garganta e logo o mundo ao seu redor se tornou escuro, ao mesmo tempo que molhado. O peso das vestes encharcadas se fez presente e suas pernas precisaram trabalhar duas vezes mais para levá-la de volta para a superfície. Foi indescritível a sensação de alívio ao sentir a brisa bater contra seu rosto. A água estava fria e ela tremia como nunca, mas só de saber que não iria se afogar tão facilmente já lhe deixava mais calma. O cabelo molhado lhe obstruiu a visão, impedindo-a de enxergar qualquer coisa à sua frente. No entanto, a espirituosa gargalhada de Edgar se fazia muito audível e por longos minutos o som preencheu seus ouvidos, deixando-a ainda mais irada com a brincadeira de seu consorte.

— Eu não acredito que você fez isso comigo! — ela esbravejou, enfurecida pelo frio, sentindo os ossos tilintarem debaixo das vestes pesadas. — Edgar, eu vou matar você!

Visivelmente transtornada, a menina bateu os braços na água no intuito de atingir o Duque. O ato foi responsável por fazê-lo rir, ainda mais enquanto proferia frases soltas como “sua expressão foi impagável, eu vou me lembrar para sempre” ou mesmo “sabe que nasci numa cidade litorânea, achava mesmo que eu não saberia nadar?”. Sarah não escutava nada e ocupava-se em realmente tentar afogá-lo desta vez, obviamente sem sucesso.



Um par de empregadas os aguardava na porta e os saudaram de maneira polida, assim que terminaram de subir a pequena escadaria do imóvel. O casal adentrou a casa de veraneio juntos, ambos absolutamente ensopados devido ao mergulho inesperado no Lago Negro. Edgar ingressou com cabeça erguida e sem nenhum constrangimento aparente, bem como lhe era característico, puxando os fios dourados de sua franja que lhe encobria a visão para trás ao mesmo tempo em que entregava o casaco encharcado para uma das empregadas. Sarah vinha logo atrás, de cabeça baixa e levemente envergonhada pela mais recente traquinagem. A jovem atreveu-se a olhar para o lado por um segundo e logo se arrependeu, pois dessa forma pôde perceber o sorrisinho que bordava o rosto de ambas as empregadas, fazendo-a apressar o passo.

Quando entraram no quarto, fez questão de fechar a porta e dar duas voltas na chave. Era certo que se recordaria da risadinha das empregadas por muito tempo. O momento iria de imediato para sua caixinha pessoal de situações vergonhosas. Ela tornou o rosto para encará-lo, mas o rapaz encontrava-se de costas, concentrado em desabotoar o colete azul escuro que usava por cima de uma blusa branca de linho. A jovem permitiu-se parar por um momento para admirar seu consorte, entortando levemente a cabeça para a direita enquanto o fazia, de modo que pudesse ver de relance o perfil de seu rosto.

Edgar Avelar era um homem formidável em termos físicos, e esse era um fato que ninguém jamais poderia negar. Seu porte elegante e altivo tornava-se ainda mais evidente pela transparência da blusa. Os olhos verdes e cristalinos se assemelhavam a gotas de orvalho sobre a relva. Mas nenhuma daquelas características era exatamente impressionante aos olhos da princesa. Desde que se conheceram em Hallbridge, Sarah mantinha muitas suspeitas acerca de uma característica específica do rapaz e percebeu de imediato que aquele seria o momento perfeito para sanar suas dúvidas.

Com três passos súbitos e apressados, ela encerrou a distância que os separava, principalmente quando o abraçou por trás, enterrando o rosto em suas costas. O Duque riu contidamente daquele gesto de carinho inesperado. Como meio de retribuir, ele segurou as pequenas mãozinhas que repousavam sobre seu peito. Ele portava um sorriso discreto, porém sincero. Já havia algum tempo desde que a princesa havia destrinchado o segredo oculto por trás de sua imagem espirituosa e amigável. A personalidade misteriosa e ao mesmo tempo divertida de Edgar, capaz de arrancar sucessivos suspiros apaixonados não passavam de uma máscara para algo maior e mais profundo. Ele era solitário e demasiadamente carente.

— Você estava certa, no final das contas — ele confessou em voz baixa e estranhamente grave.

— A respeito do que?

— Há algum tempo, me disse que eu deveria me casar, pois assim teria alguém para me fazer companhia. — A voz de Edgar deixava transparecer sua seriedade, denunciando o quão verdadeira era sua afirmação. — E tinha razão, é muito bom ter a sua companhia.

A confissão fez com que Sarah ficasse levemente envergonhada, enterrando ainda mais o rosto nas costas largas de seu consorte. Apesar de seu embaraço, ela se sentia estranhamente feliz. Jacques lhe dissera uma vez: “A paixão é um sentimento espontâneo e incontrolável, ainda que frágil. Enquanto isso, o amor é um elo a ser construído e, se tiver bases sólidas, pode até mesmo durar para sempre”. Naquele tempo, a frase lhe soou poética, ainda que confusa, mas hoje ela era capaz de compreender a dimensão total de seu significado. Seu romance com Elliot terminou de modo desastroso e as lembranças da espontaneidade daquele relacionamento infantil e caloroso permaneceriam para sempre em sua memória. No entanto, ela se recusava a viver de modo infeliz, assombrada pelos fantasmas de seu passado. A vida lhe sorria e Sarah se sentia tentada a sorrir de volta.

Enquanto divagava, o jovem Avelar suspirou profundamente, aproveitando aquele silêncio. A princípio, os minutos sem diálogo costumavam ser desconfortáveis, mas rapidamente se habituaram e passaram a aproveitar os momentos em que as palavras eram desnecessárias. Ele jamais admitiria em voz alta, mas sua gentileza exacerbada era um mecanismo quase ardiloso de conseguir aquilo que tanto necessitava: atenção. A solidão por vezes o dominava e ele odiava mostrar seu lado mais sombrio quando estes momentos o afligiam. O fato de estar sempre rodeado de pessoas — um saldo positivo de sua personalidade afável — nem sempre era o suficiente. A vida da nobreza era farta, mas tão superficial ao ponto de lhe parecer tudo falso. Estranhamente, a presença da princesa preenchia sua mente e o distraia daquelas questões. Mesmo sabendo que não estava apaixonado, ele estaria mentindo se dissesse que ter a companhia da jovem não acalentava seu coração solitário.

Após alguns minutos, ele resolveu virar-se e encarar aquela que o acompanharia dali em diante. Eles permaneciam silentes, quando Edgar depositou uma de suas mãos sobre a bochecha rosada de Sarah, passando a desenhar pequenos círculos com a ponta dos dedos, que logo desciam pelo pescoço, braço e antebraço, até que ele lhe tomasse a mão e levasse aos lábios. Estavam quase em estado de transe, quando a jovem resolveu quebrar o silêncio.

— Vamos sempre cuidar um do outro, não é mesmo? — ela perguntou, quase num sussurro, muito embora tivesse certeza que ele podia ouvi-la.

— Eu prometo — ele respondeu, enquanto tomava a liberdade de fisgar aqueles lábios entre os seus, num ato que se absteve de praticar desde o dia da cerimônia.

A cama estava a poucos passos de distância e em segundos o casal estava deitado sobre ela. Os beijos partilhados eram inicialmente tenros e aumentavam de intensidade gradativamente. Edgar prendia-lhe o queixo para que mantivesse a cabeça erguida, facilitando seu acesso, enquanto que Sarah o segurava pela nuca, impedindo-o de se afastar dela. Por vezes, a imagem de Elliot lhe vinha à mente e ela diminuía os movimentos diante do sentimento de culpa que ainda lhe afligia, mas tão logo se recordava da cena que havia presenciado na cidade no dia de seu casamento e ela os retomava como antes. “Eu não quero pensar no Elliot, ao menos não agora”.

— Ainda não estamos completamente secos, vamos molhar a cama inteira — ela advertiu, quando finalmente se separaram. Segurava suas largas costas com força, buscando algum apoio, enquanto ele dava alguma atenção ao seu pescoço desnudo, causando-lhe pequenos arrepios na espinha.

— Eu pareço me importar com isso? — o Duque respondeu com um sorriso obsceno, mas logo pensou em uma resposta melhor para a situação. — Na verdade, eu realmente espero que isso aconteça.

Sarah demorou alguns segundos para compreender aquela afirmação e quando a realização lhe atingiu ela não pode evitar de rir de modo envergonhado. Demoraria algum tempo para ela se acostumar com aquele tipo de insinuações, o tipo favorito de Edgar.

Do lado de fora do quarto, ambas as empregadas tinham os ouvidos colados à porta, atentas a qualquer palavra ou som proveniente do cômodo do casal. As duas cobriam a boca com as mãos no intuito de abafar suas próprias risadas. Uma delas afastou a mão e movimentou os lábios de maneira muda, como quem fala: “Você acha que eles vão sair de lá ainda hoje?”. A colega ainda mantinha a mão sobre os lábios, ainda que os olhos a denunciassem que ria como uma criança. Esta apenas balançou a cabeça em negativa.



Já acostumada a tomar conta da incansável princesa de Odarin, Evangeline impacientava-se cada vez mais sempre que seus olhos cruzavam com algum relógio. Os ponteiros pareciam demorar propositalmente o triplo do tempo para se mexerem, deixando-a entediada e, consequentemente, bastante irritada, de modo que nem mesmo suas leituras diárias pareciam distraí-la. Abruptamente, a governanta ergueu-se de sua poltrona e partiu apressadamente em direção aos aposentos reais.

— Se eu permanecer mais um minuto parada, estou certa de que irei enlouquecer — ela disse em voz alta, ainda que para si mesma, enquanto subia as escadas do Hall Principal. — Talvez Beatrice esteja precisando de alguma coisa.

Não tardou muito para que chegasse até a porta do cômodo de seus governantes. Àquela hora, Allen deveria estar afundado em papéis dentro de seu gabinete e o aroma de bolo proveniente da cozinha denunciava que mais tarde haveriam visitas, provavelmente de algum nobre em negociação comercial. No entanto, para sua infelicidade, não importava quantas vezes ela batesse na porta, a jovem rainha parecia não lhe dar ouvidos.

— Ela não vai abrir — sussurrou uma empregada que flagrou a cena enquanto transitava pelo corredor. — Há dias que não sai de dentro desse quarto.

— O que quer dizer com isto? — Evangeline questionou, de modo incrédulo. Não tinha quaisquer lembranças de Beatrice acamada, tornando aquela informação estranha aos seus ouvidos. A servente olhou para os lados, certificando-se de que não havia mais ninguém por perto.

— Além de não sair do quarto, nossa senhora não está se alimentando também — ela sussurrou ainda mais baixo desta vez. — Hoje, pela manhã, lhe trouxe uma bandeja com seu desjejum, mas quando voltei, horas depois, a comida estava intocada, exceto por uma maçã mordida. O que quer que esteja acontecendo com a rainha, não está lhe fazendo nada bem.

Tão repentinamente como surgiu, a empregada desapareceu entre os corredores, entretida em seus próprios afazeres. A governanta encarou a porta enquanto ponderava seu próximo movimento. Seria um abuso além de bastante descortês invadir o quarto da senhora daquele castelo sem qualquer autorização, mas deixá-la minguar dentro de seu próprio cômodo não parecia ser a atitude mais sensata. Por fim, ela decidiu que iria dar uma olhada rápida no interior dos aposentos, apenas para se certificar de que Beatrice estava bem.

Silenciosamente e com a maior delicadeza possível, ela empurrou a porta, que se abriu sem muito ruído. Evangeline precisou bem mais do que os cinco segundos que havia imaginado, por conta da escuridão que envolvia o ambiente. Até mesmo o ar dali parecia mais frio. Tudo aparentava estar em ordem, até que seus olhos repousaram sobre a cama, onde a rainha encontrava-se estranhamente deitada, com o corpo um tanto contorcido, numa posição que não lhe parecia nenhum pouco confortável.

Esquecendo-se instantaneamente das regras de etiqueta, a governanta invadiu o quarto com rapidez, dirigindo-se imediatamente até a cama para verificar o real estado de Beatrice. Bastou tocar-lhe o pulso (que continuava a bombear sangue, ainda que ela estivesse bastante gelada) para que a rainha se erguesse com um grito, desferindo chutes e afastando-se para o centro da cama o mais rápido que pôde.

— Acalme-se Beatrice! Sou eu, Evangeline! — ela tentou esclarecer de imediato enquanto erguia as mãos em um gesto pacífico. — Vou abrir as janelas para que você me veja melhor, está bem?

— Não! Nada de abrir as janelas! — ela exclamou, com a voz banhada em desespero, enquanto encolhia-se no topo da cama como uma criança assustada.

Evangeline não tinha palavras para descrever a cena que acabara de presenciar. Ela jamais teria adentrado no quarto se soubesse que a jovem rainha teria aquele tipo de reação. Por um instante, ela se questionou o que poderia gerar tanto pânico numa pessoa, embora já soubesse da resposta. Muitos anos atrás, ela teve o desprazer de ver sua amada Katherine passar pela mesma situação. Era como uma maldição, que se repetia de tempos em tempos com quem quer que ocupasse a posição de rainha de Odarin.

Encostada em sua pilha de travesseiros, o rosto enterrado entre os braços e as pernas unidas ao corpo em posição fetal, Beatrice chorava desesperadamente. A governanta aproximou-se com calma, passando a acariciar as costas da loira diante de si, tentando lhe fornecer algum apoio. Era inimaginável o tamanho do sofrimento que vinha suportando sozinha, sem ao menos ter alguém com quem partilhar sua dor.

— Desculpe-me, Evangeline — ela disse, entre os soluços, ainda sem erguer o rosto. — Eu achei que fosse outra pessoa.

— Não precisa se explicar, querida — a governanta mencionou com doçura. — Você vem carregando sozinha um fardo muito pesado para qualquer ser humano.

O choro tornou-se ainda mais forte naquele momento. Seu esforço em manter qualquer resquício de dignidade havia sido absolutamente em vão, pois a sua realidade já havia se tornado fato público e notório. Aquela realização fez com que Beatrice se sentisse ainda mais pequena e vulnerável do que antes. Tudo que ela gostaria naquele momento era desaparecer da face da Terra.

— Diga-me Beatrice, desde quando essas agressões começaram? — Evangeline questionou com a mesma doçura de antes, sem qualquer vestígio de seu usual tom repreensivo. Naquela situação não havia como não demonstrar compaixão diante do sofrimento palpável da senhora daquele castelo.

— Algumas semanas atrás — ela respondeu após algum tempo, quando finalmente conseguiu reunir forças para erguer o rosto. Suas bochechas estavam coradas e era visível seu esforço para falar. — Desde que viemos para Odarin, Allen parece estar sempre irritado, às vezes até mesmo furioso.

— Quer dizer que isto não aconteceu nenhuma vez durante sua estadia em Hallbridge?

— Não, nunca — Beatrice mencionou, enquanto tentava enxugar as lágrimas com a manga de suas vestes de dormir. — Ele jamais foi uma pessoa amável, mas ao menos tratava-me com um pouco mais respeito e não costumava ser tão violento.

— E o que aconteceu para que houvesse essa mudança repentina de comportamento? — a governanta inquiriu.

— Não consigo imaginar. Não é como se ele compartilhasse seus pensamentos comigo — a rainha confessou, de modo descontente. Ela confiava na mentora de Sarah, mas não se sentia nenhum pouco confortável em revelar seu deslize com Gilbert. Aquilo havia sido um erro e sua própria consciência cumpria com o papel de puni-la. Não fazia sentido ter mais uma pessoa julgando seus atos, de modo que ela ocultou este fato de sua narrativa. — Na verdade, ele deveria estar feliz, já que Charlotte optou por transformar Odarin em sua nova casa.

— O que a filha do Conde Avelar tem a ver com essa história? — Evangeline questionou enquanto erguia uma de suas sobrancelhas com desconfiança. Beatrice mordeu o lábio de modo nervoso, percebendo que havia dito além do que o necessário.

— Escute bem: jamais deve comentar isso com mais ninguém, pois não sei do que ele seria capaz de fazer se soubesse que disse isso para outras pessoas. Na noite do casamento de Sarah, logo que nos separamos, segui em direção ao meu quarto, pois estava simplesmente exausta. Por conta disso acabei entrando sem qualquer cerimônia, e então imagine meu espanto ao encontrá-lo à ter relações com Charlotte.

— Como?! Allen mantém um caso com a filha do Conde Klaus?

— Há muitos anos — a rainha respondeu, dando os ombros, já habituada àquele fato. — Creio que estivessem juntos antes mesmo de nosso casamento.

— Mas que absurdo! Beatrice, o que está me dizendo é uma acusação muito grave — advertiu Evangeline, ainda sem acreditar no que acabara de ouvir.

— Juro como é verdade. Fiquei em estado de choque, estava tão espantada e embaraçada com a cena que não fui capaz de proferir uma palavra sequer.

— E o que se passou depois disso?

— Ele notou minha presença, mas não se constrangeu nem um pouco com isso. Charlotte muito menos, gemia como uma porta velha. Ele apenas ordenou que eu me retirasse e assim o fiz. Nunca mais tocamos no assunto.

— Mal posso acreditar nisso — a mais velha comentou, ainda boquiaberta com a revelação de a filha do conde havia sido capaz de ingressar numa relação espúria daquela maneira. — Quero dizer, era de conhecimento comum que a Lady Avelar era absolutamente apaixonada por Allen, o que torna seu gosto um tanto questionável, mas chegar a esse ponto? Desonrar-se dessa maneira, ainda mais com um monarca já comprometido? Jamais imaginaria algo do gênero, e imagino que o Conde sequer sonhe com esse tipo de conduta. É absolutamente inadmissível!

— Não sei lhe dar mais detalhes sobre o caso — Beatrice deu-lhe os ombros, pois não se incomodava com aquele tipo de comportamento. Afinal de contas, era uma falha no caráter de seu marido, e não no seu. Passado aquele momento, ela segurou ambas as mãos de Evangeline entre a suas, em um gesto de súplica desesperada. — Respondi às suas perguntas, portanto agora rogo-lhe que responda às minhas. Você sempre esteve distante de Allen, é incapaz de deixar Sarah desacompanhada, ao ponto de ainda velar-lhe o sono e dormir no cômodo ao lado do dela...

— Não sei aonde pretende chegar com esses apontamentos. — A governanta tentou desconversar interrompendo-a, mas a jovem rainha não se daria por vencida facilmente.

— Evangeline, por favor. Uma vez, em meio a um sonho conturbado, Allen confessou um crime terrível, mas preciso que me confirme se tratava-se mesmo de uma confissão ou não passava de um delírio — engolindo seco, a jovem rainha reuniu forças para proferir a pergunta que martelava em sua mente há tanto tempo. — Allen foi o responsável pela morte de Lady Katherine, não é mesmo?

A governanta emudeceu. Jamais seria capaz de dizer tal coisa em voz alta. No entanto, é certo que, na vida, alguns atos são involuntários e incontroláveis. Seus profundos sentimentos pela falecida rainha lhe traíram mais uma vez e ela fora incapaz de conter uma lágrima, que escorreu silenciosa por sua face. Uma resposta verbal de sua parte já não se fazia mais necessária. Aquele gesto era a confirmação que Beatrice precisava.


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