A Nossa Secessão escrita por Bela Escritora


Capítulo 8
Clarisse La Rue: Recebo um lote de chifres de carneiro roubados


Notas iniciais do capítulo

HEYO PESSOAS!

Olha só quem voltou?!

Não! Eu não esqueci de vocês!

Sinto muito pelo atraso de quase um mês. Escrever esse capítulo foi quase como a batalha entre Percy e Cronos, só que Percy era um mortal e Cronos estava em sua verdadeira forma. No caso eu era o Percy e Cronos era o meu monstro do bloqueio criativo.

Resumindo: foi difícil pra caramba escrever esse capítulo. Uma batalha não tão épica que resultou nisso que vocês tem em mãos agora. Vou tentar trazer outro para vocês sexta, mas não garanto nada. O meu bloqueio criativo está enfiado debaixo da minha cama esperando eu voltar a escrever para atacar.

De qualquer forma, espero que vocês gostem.

Boa leitura a todos!

PS: CHEQUEM AS NOTAS FINAIS PARA VOCABULÁRIOS!



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4 de Julho de 1863:

— Gregos! Recuar e Reorganizar! - bradei, chutando um romano no peito e acertando o cabo da lança em seu elmo, fazendo seus olhos chacoalharem nas órbitas. Ele desabou inconsciente no chão, ao lado de seu amigo e da águia ferida, que piava por ajuda.

Olhei ao redor. Na cacofonia da batalha, apenas os poucos que estavam ao meu redor se livraram de seus oponentes e dispararam ladeira acima, obedecendo ao meu comando. A grande maioria, porém, parecia nem ter me ouvido e continuaram combatendo, tentando evitar serem subjugados pelos legionários e impedir que eles entrassem em formação. Vários lutavam contra inimigos que tremeluziam com o vento. Se eu não tivesse visto aquilo antes, em outros campos de batalha, diria que Hades estava ajudando os romanos. Mas aquelas figuras não eram fantasmas. Eram ilusões feitas de Névoa. A julgar pela sua qualidade, eu diria que Hazel Levesque estava com seu poder disperso. Não me surpreenderia se metade daquele batalhão fosse de mentira, criados apenas para fazer as nossas tropas desistirem. Eu não acreditava ser possível que eles tivessem reunido tanta gente. Não com metade das nossas tropas dando trabalho para eles por todo o sul dos Estados Unidos.

— Erre es korakas!¹ - deixei escapar. Aquilo não era bom.

Levei a mão ao cinto para pegar a minha trombeta de concha para chamar as tropas, mas percebi que não estava com ela. Havia deixado-a na tenda de Ares, que agora ardia em chamas, lançando uma coluna de fumaça negra no ar. Sem opção, disparei para o meio do campo de batalha.

A tenda de Ares não era a única que queimava. Alguém incendiara a tenda central. Provavelmente algum filho de Hermes ou de Atena para impedir que os nossos mapas caíssem nas mãos dos romanos. Ou talvez tivesse sido resultado direto da chuva de flechas em chamas que fora lançada sobre nós. De um jeito ou de outro, ela ardia em tons de laranja e verde, o que podia significar duas coisas: magia se dissolvendo ou fogo grego. Eu preferia acreditar na primeira. Se nosso pequeno estoque de fogo grego tivesse estourado, então todos ali iam queimar. Sem exceção.

Perdi a noção do tempo enquanto combatia. O lado ruim de ser filha de Ares, os outros diriam. Você se perde em meio a um campo de batalha. Esquece quem você é, onde você está, o que você tem que fazer, quanto tempo você já está ali... Tudo o que resta é você, a sua espada e o sangue de seus inimigos. Alguns nos chamam de loucos por causa disso. Eu não me importo. É mais fácil manter a sanidade desse jeito. Se você for ficar bancando os filhos de Atena e refletindo a cada passo que você dá sobre cada ação que você faz, o seu cérebro vai quebrar em mil pedacinhos, como se fosse vidro.

Ninguém completamente são vai para a guerra, e se o faz nunca volta do jeito que foi.

Estava no modo automático, girando sobre os pés, descrevendo arcos com a lança, dando estocadas entre paredes de escudos, eletrocutando alguns azarados quando me convinha. Acertei um romano com o cabo da lança, jogando-o sobre uma linha de escudos que começava a tentar se formar. Não fiquei para ver os soldados caírem como pinos de boliche. Agarrei um escudo em bom estado que estava perdido no chão e acelerei em direção a um segundo grupo que conseguira passar pelas nossas defesas e agora começava a ameaçar dar início a um ataque de duas frentes. Nem pensei. Apenas ergui o escudo e corri mais rápido. Concentrados em manter a formação defensiva, eles demoraram tempo de mais para perceber a minha aproximação.

— Ali! - gritou um deles alarmado - Dispersar formação! Dispersar forma...

— ARGH! - gritei, me jogando sobre eles com toda a força que eu tinha. Eles não foram rápido o bastante. O primeiro da fila até tentou erguer seu escudo, mas eu já estava perto de mais. Acertei-o em cheio no peito, empurrando-o com tudo para trás sobre os seus compatriotas. O último da fila conseguiu pular para longe, escapando do efeito dominó que eu criara enquanto eu saltava para o lado, quase perdendo o equilíbrio no emaranhado de pernas e lanças.

O único romano restante se aproveitou disso e se aproximou. Largou o enorme escudo retangular sobre um de seus colegas caídos, fazendo-o soltar uma exclamação de surpresa e alguns impropérios em latim, e optou pela espada. O gládio de ouro imperial brilhou, refletindo a luz da alvorada e eu dei alguns passos para o lado, forçando-o a ficar de costas para o nascer do sol. Eu não ia cair no velho truque de ser cegada por um reflexo de luz.

— Tá esperando o quê? - rosnei impaciente.

Ele não respondeu. Revirei os olhos e ataquei.

O soldado desviou a ponta da minha lança com a sua lâmina. Por uns breves instantes, o fio da sua espada tocou a base da cabeça metálica no exato momento em que a lateral de sua mão roçou a guarda de ouro de sua arma. O tempo não reduziu de velocidade, mas eu vi o exato instante em que as fagulhas vermelhas se espalharam pelo seu braço. O choque o jogou dois metros para trás, soltando fumaça. Ele não ia se levantar tão cedo.

— Trouxa. - resmunguei, afastando o cabelo do rosto.

— Clarisse! - gritou alguém.

Virei-me erguendo escudo e lança, pronta para um segundo round, mas me deparei com um garoto da minha idade de aparência hispânica e vestido com o uniforme da União. Em sua manga, a insígnia do caduceu.

— Opa! - Chris Rodriguez ergueu as mãos em sinal de rendição. Estava coberto de terra, com se tivesse passado a última hora cavando um buraco e trazia pendurada no ombro uma bolsa de mensagens inchada. Seu rosto era uma mistura de surpresa e divertimento.

Bufei.

— É só você. - resmunguei para mim mesma enquanto olhava ao redor para ter certeza de que era seguro baixar a guarda. Ele, por sua vez, ergueu uma das sobrancelhas, claramente insatisfeito com a minha fala.

Os romanos não pareciam estar prestando atenção em nós dois, próximos da orla da floresta em um dos extremos do acampamento (como raios eu tinha chegado ali mesmo?). Mesmo aqueles que eu derrubara já haviam arrumado outros oponentes contra quem eles teriam mais chances de vencer. Baixei a lança e o puxei pelo braço para dentro da floresta, onde eu esperava que ficássemos seguros de olhos e ouvidos inimigos.

— O que você quer? - perguntei séria, com os olhos pulando do rosto do filho de Hermes para a batalha que se desenrolava.

— Eu encontrei uma falha no cerco dos romanos. - ele falou - Tem um ponto da encosta oeste que é protegido por apenas dez soldados. Nós conseguiríamos rapidamente dominar esse grupo se concentrássemos nossa força nesse pedaço do perímetro.

— E quanto a reforços? - perguntei, observando um romano passar correndo a pouco mais de cinco metros de onde estávamos. Ele, porém, estava compenetrado de mais em fugir de um karpoi enfurecido que algum filho de Deméter devia ter invocado para nos notar - Não adianta nada levar todos os nossos quarenta campistas para um mesmo ponto se os romanos nos virem e chamarem o restante das suas tropas.

Chris deu um sorriso maldoso.

— Bom, eles até poderiam chamar pelos reforços. - ele falou em um tom inocente, tirando a alça do ombro - Se eles tivessem isso.

O saco emitiu um ruído seco de várias coisas ocas se chocando ao ser depositado no chão. Com um sorriso típico dos filhos de Hermes, ele indicou que eu o abrisse. Desatei o nó com cautela e afastei as bordas do tecido. Anos de convívio com os irmãos Stoll me ensinaram a sempre desconfiar dos pacotes que eles entregavam. Mesmo na guerra aqueles dois ainda tinham mania de fazer pegadinhas. Para a minha sorte, Chris não era de fazer esse tipo de coisa.

Dentro da bolsa eu me deparei com uma pilha de berrantes recurvos feitos com chifres de carneiro. Não consegui evitar um sorriso.

— Você roubou todos os berrantes dos romanos?! - exclamei surpresa, tirando um deles para observar.

— Todos não. - ele respondeu, se balançando nas pontas dos pés com as mãos atrás do corpo - Apenas do grupo que vamos atacar e dos seus vizinhos. - sua cabeça pendeu para o lado por um instante enquanto ele pensava - Mais ou menos trinta trompas se não me engano.

Observei os vários instrumentos contidos ali dentro, maravilhada.

— Isso muda tudo. - eu murmurei, pesando o chifre na mão - Com isso aqui podemos confundir as tropas de cerco deles. Fazer com que elas divirjam na direção oposta a que estamos indo. - ergui os olhos com um sorriso esperançoso no rosto - Nós temos uma chance.

— Não há de quê. - ele se curvou em uma mensura exagerada que só me fez revirar os olhos - O que fazemos agora?

Olhei brevemente para o campo de batalha, onde os romanos continuavam a ganhar terreno. Uma ideia fervilhava em meu cérebro. Um plano. Annabeth teria ficado orgulhosa.

— Você ainda tem a sua trombeta de concha? - perguntei me virando para ele. Chris assentiu - Ótimo. Preciso que você passe o comando de reunir o chalé de Ares. Faça com que os meus irmãos contenham o avanço dos romanos para o restante poder se refugiar na floresta. Instrua Quíron sobre a direção que eles devem seguir e destrua o restante dos berrantes. Espere pelo meu sinal para...

— Espera um pouco. - Chris ergueu uma mão para me interromper - Seu sinal?

Bufei irritada.

— Algum problema com isso? - grunhi.

Ele riu.

— É óbvio! - Chris respondeu, exasperado - Clarisse, você precisa estar lá liderando os gregos! Você é a general das nossas tropas!

— Eu preciso estar onde vai ter combate, Chris. - rebati - No momento em que esse berrante for soado, todos os romanos vão vir para cima de quem soprou. Quem quer que faça isso precisa ser um bom lutador para escapar com vida.

— Ou muito rápido. - ele respondeu com calma, me sondando com os olhos.

— O que você está sugerindo? - resmunguei séria.

Chris tirou a trombeta de concha de seu cinto e a colocou em minha mão, pegando o berrante de chifre para si.

— Você vai e reúne os seus irmão e faça tudo em seu poder para segurar os romanos e permitir a nossa fuga. - ele falou - Eu vou esperar a trombeta de concha e dou o sinal.

— Eu não acho que isso... - comecei.

— Tem certeza de que quer continuar discutindo? - ele apontou para a batalha que se desenrolava fora da floresta e eu soltei um grunhido de insatisfação - Vou tomar isso como um não. - ele sorriu - Sigam diretamente para oeste. Não vai ser difícil encontrá-los. Os idiotas acenderam uma fogueira, achando que não iam ser perturbados.

Dei uma risada de escárnio e ele começou a se afastar na direção oposta à que eu seguiria, mas eu o impedi, segurando seu braço.

— Acho bom você correr bem rápido, Tenente Rodriguez. - falei séria - Porque eu não vou aceitar que você não volte. Está me ouvindo?

— Eu vou ficar bem, Clarisse. - ele respondeu em um tom solene e gentil - Não se preocupe comigo.

— Nós não vamos conseguir esperar por você na encosta da montanha. - acrescentei - Se você não conseguir nos alcançar, vamos te esperar às margens do lago Tahoma. Tente não demorar mais de um dia para voltar, está bem?

— Vou estar de volta antes que você possa dizer Papadopoulos. - ele brincou e eu sorri.

— Tome cuidado. - pedi.

— Você também. - ele pegou o saco do chão e deu um sorriso sapeca - Vou dar um sumiço nisso daqui.

E com isso eu deixei que ele fosse. Observei sua silhueta esguia desaparecer na floresta antes de voltar para a batalha.

Dessa vez não deixei que combates me distraíssem. Despachei boa parte dos romanos que tentaram me interceptar em uma soneca forçada no chão. Os que não desmaiaram com pancadas na cabeça caíram praguejando, tentando se desvencilhar dos próprios escudos. Eu apenas seguia em frente. Precisava encontrar Quíron para lhe passar meu plano. Quanto mais eu demorava, maiores eram os riscos de Chris ser capturado, e eu não podia aceitar isso.

Não foi difícil encontrá-lo, na verdade. Sendo um centauro, ele era muito mais alto do que todos ao seu redor e mesmo entre as barracas eu consegui localizá-lo. O problema mesmo era chegar até ele. Na confusão, um grupo relativamente grande de romanos havia conseguido cercá-lo e agora usavam as lanças e os escudos para impedir que ele fugisse. O centauro apontava impotente o arco para a parede de escudos e lanças. Mesmo que ele encontrasse uma brecha, eu sabia que não iria atirar. Quíron tinha um fraco por heróis, fossem eles gregos ou romanos.

Um vento forte soprou pela clareira vindo de lugar nenhum. Por um instante achei que Jason estava prestes a me atacar, mas o céu estava limpo, sem nenhuma pessoa brincando de ser pássaro. Distraída tentando me proteger de uma possível ameaça, quase não percebi a ondulação da maioria das figuras que cercavam Quíron. Soltei um palavrão entre dentes.

Hazel.

Olhei ao redor, desviando de uma tentativa de ataque por trás. A filha de Plutão tinha que estar ali em algum lugar. Para controlar tantos elementos ela tinha que estar em solo, em algum lugar que ela conseguisse ver tudo. Abri a guarda do soldado romano com o meu escudo e aparei a sua espada com o cabo da minha lança, encostando a ponta em seu ombro. Mal ouvi o seu grito estrangulado de dor quando ele foi lançado dois metros para trás, caindo em cima de alguns de seus amigos.

Esquadrinhei o campo de batalha até encontrar o que estava procurando. Um garoto magricelo que literalmente dissolvia soldados romanos com o seu toque. A insígnia em seu braço apenas confirmava o que eu já sabia.

— Alabaster! - chamei, puxando-o pelo ombro. O filho de Hécate virou os seus olhos verdes com bolsas inchadas para mim em uma clara expressão de desagrado.

— O que você quer? - ele rosnou, agarrando o braço de um outro romano que passou correndo por nós e murmurando alguma coisa que eu não entendi, fazendo-o cair no chão enrodilhado e chupando o dedão.

— Me diga onde Hazel está. - respondi no mesmo tom rude.

— Por que você acha que eu sei isso? - ele resmungou, girando sua espada de ouro imperial e me olhando com desinteresse.

— Porque você é filho de Hécate e sabe mexer com a Névoa. - rebati, me inclinando em sua direção - Você pode sentir de onde toda essa porcaria está vindo.

Ele bufou, contrariado, e virou o rosto sardento para um ponto sobre o meu ombro.

— Ela está logo ali, entre as tendas de Hefesto e Apolo. - Alabaster indicou com o queixo - Boa sorte tentando se aproximar.

Sorri com maldade e o soltei.

— Eu não preciso de sorte. Agora vá ajudar Quíron antes que os verdadeiros soldados que estão ali resolvam atacá-lo.

O garoto revirou os olhos, mas obedeceu. Eu corri na direção que ele apontou. Estava a menos de cinco metros de distância quando fui atacada pelo lado. Um soldado romano meio translúcido apareceu do meio do nada pronto para me fazer em picadinho. Meus instintos de batalha reagiram antes que eu conseguisse pensar. Girei o corpo, colocando o escudo a minha frente e absorvendo a maior parte do impacto. Mas a lança dele pegou um ponto muito próximo da borda e escapou pela lateral, me atingindo no ombro. Contive um grunhido de dor enquanto olhava, estupefata, sangue começar a manchar o meu uniforme. Aparentemente, soldados de névoa podem machucar tanto quanto soldados de verdade.

Dei um grito de ódio e o empurrei para trás. A lâmina se desalojou do meu ombro, fazendo uma sensação de calor e frio se espalhar pela ferida. Dei outro empurrão com o escudo, fazendo-o derrubar a arma e, antes que ele tivesse tempo de recuperar o equilíbrio, enterrei a ponta da minha lança no estômago desprotegido do soldado. Ele soltou um grito, mas a voz não veio de sua boca. Virei-me na direção do som a tempo de ver Hazel desabar sobre os próprios joelhos, agarrando o estômago e me lançando um olhar de ódio. Eu sorri, triunfante e corri em sua direção, me esquivando dos falsos romanos que tentavam me cercar.

— Chega de joguinhos, garota! - rugi indo para cima dela. A filha de Plutão desembainhou uma espata e ficou de pé, mas todo o seu corpo tremia. Não ia demorar muito para ela desabar de novo.

— General La Rue. - ela falou com a voz fraca e ofegante, o cabelo caindo sobre os olhos e o suor empapando a testa - Acho que seria mais inteligente da sua parte se você se rendesse.

Ela apontou a dezena de soldados romanos que me cercava com escudos e lanças a postos, mas eles, tais qual o primeiro, eram quase translúcidos. Pareciam mais fantasmas do que soldados de verdade. Dei uma risada de escárnio.

— Me render pra você e seus bonequinhos de fumaça? - eu perguntei, girando a lança casualmente na mão - Acho que não. - ela contraiu o rosto em uma expressão de dor e eu chutei que mais uma das ilusões dela tinha sido morta - Na verdade, considerando a sua situação, eu acho que o melhor seria se você se rendesse.

O chão ao redor dela começou a ficar recoberto por uma camada de blocos de metal e pedras preciosas.

— Eu nunca vou me render para vocês. - ela falou cada palavra como se fosse um enorme esforço. Eu não pude deixar de sentir pena dela e raiva de seu superior. Quem deixava um soldado se exaurir àquele ponto?

— Uma pena. - murmurei erguendo o escudo - Achei que você fosse mais inteligente.

Ela veio para cima de mim, mas eu não ataquei. Em vez disso, encostei a ponta da lança em um dos pedaços de metal e observei as faíscas vermelhas serpentearem pelo chão até chegarem nela. Seu corpo tremeu e ela revirou os olhos, desabando logo em seguida. Quase imediatamente, mais da metade do contingente romano desapareceu.

— NÃO! - ouvi alguém gritar ao longe.

Quíron empinou e assustou os três soldados que haviam sobrado do que antes era uma barreira intransponível, fazendo-os correr para longe com o rabo entre as pernas. O campo de batalha pareceu mais tranquilo de repente. Parecia haver até menos águias no céu.

Não esperei outra deixa. Soprei a corneta e corri até o centauro.

— Clarisse, por que você... - Quíron começou.

— Eu tenho um plano. - interrompi e ele me olhou com uma cara estranha - Preciso que você leve todos os campistas gregos que não são filhos de Ares para a encosta oeste. Chris disse que as defesas lá estão fracas. Entre na floresta seguindo para leste, mas depois mude o curso para oeste. Siga direto e procure por uma fogueira. Não ataque até que você ouça o berrante dos romanos.

— Esperar que os romanos chamem por reforços? - ele perguntou confuso - Tem certeza de que isso é uma boa ideia, Clarisse?

— Sim, porque vai ser Chris que vai dar o sinal. - rebati impaciente, já sendo cercada pelos semideuses restantes - Do oeste. Eu e o restante dos filhos de Ares vamos ficar para trás para segurar os romanos até o momento certo. Depois nos encontraremos no lago Tahoma.

Quíron assentiu, parecendo captar a essência do plano. Fiquei satisfeita por ele não continuar fazendo perguntas.

— Filhos de Ares, comigo! - bradei

— Gregos! Comigo! - ecoou Quíron soprando sua trombeta de concha logo em seguida. Ele disparou para o meio da floresta como eu tinha lhe orientado, com vinte ou trinta campistas em seu encalço. Sorri satisfeita. Pelo menos alguma coisa naquele dia estava dando certo.

— Formação de falange! - comandei, erguendo o meu escudo, assim que vi os romanos restantes começarem a se aproximar. Nós éramos seis. Eles eram doze marchando em formação tartaruga. Abaixei o tom de voz - Dispersem-se quando eu mandar.

Encaixamos nossos escudos na típica formação dos hoplitas espartanos e esperamos. Eu fiquei na ponta direita, a única que ficava parcialmente desprotegida, mesmo com o ombro ferido. Ainda era a mais experiente dentre os meus irmãos. Os romanos continuavam avançando. A formação deles podia lhes a vantagem da proteção, mas os tornava mais lerdos. Era quase tedioso esperar por sua chegada.

Quando estávamos a um metro do alcance de suas lanças, dei o sinal:

— Agora!

Cada um foi para um lado. Alguns foram mais para longe. Outros correram para o lado ou para a parte de trás da formação, sempre evitando as lanças. Eu permaneci onde estava, observando divertida a momentânea confusão dos romanos.

— Pairs in dividerent!² — bradou uma voz vinda do centro do domo de escudos.

Imediatamente a formação se desfez. Duplas partiram de cada fileira, e se dirigiram para os semideuses isolados. Agora a luta estava um pouco mais justa. Um filho de Ares para cada dois romanos. Talvez nem tivéssemos que esperar pelo sinal de Chris afinal de contas.

Encarei meus adversários. Eles se mantinham ombro a ombro com as lanças em riste.  Os escudos retangulares eram o principal problema. Se fossem como os gregos, feitos de metal, eu poderia fazê-los se abaixarem apenas com um toque da minha lança. Mas não. Aquelas coisas eram feitas de madeira então, ao menos que eu conseguisse me livrar dos escudos antes, eu ia ter que arrumar outra estratégia para inutilizá-los.

O da direita atacou primeiro. Desviei sua lança para cima com meu hóplon e sorri. A desvantagem de usar um escudo retangular? Para atacar, você precisava por o seu braço para fora da proteção. Deixei a lâmina da minha lança roçar o braço do primeiro fazendo-o soltar a arma e voar uns dois metros para trás. O movimento fez meu ombro ferido latejar, mas eu afastei a dor com um grunhido de irritação. Restava mais um. Podia suportar um pouco mais de dor se isso significasse derrubar aquele boboca. Por sobre a borda do escudo, vi quando ele relanceou um olhar nervoso para a minha lança. Acho que ele não queria aquela coisa encostando em sua pele.

— Ora, está com medo? - gozei com um sorriso de escárnio nos lábios - Devia largar as armas e voltar correndo para a sua mamãe, então. A guerra não é lugar de gente medrosa.

O outro não respondeu, mas vi seus olhos faiscarem de ódio. Romanos levavam a critica de covardia quase tão bem quanto eu e meus irmãos.

Achando que ele estava desequilibrado emocionalmente, ataquei, mirando a lança no flanco oposto ao que ele segurava o escudo. Ele desviou o cabo da minha com a sua, fazendo com que a ponta se fincasse no chão. Antes que eu pudesse sequer pensar em puxá-la de volta, o romano bateu a base do escudo na madeira, quebrando-a.

— Seu filho de uma puta! - rosnei enfurecida - Isso foi um presente do meu pai!

O meu oponente sorriu com maldade e só então percebi que lutava com uma garota. Então ela achava aquilo engraçado, é?

Ela investiu. Eu agarrei a sua lança e a puxei com toda a força que eu tinha, arrastando a garota junto para perto de mim enquanto ignorava completamente os protestos do meu ombro. Nossos escudos colidiram com um som grave e metálico. Deixei que toda a minha ira transparecesse em meus olhos quando a encarei antes de acertar a minha testa na dela em uma cabeçada digna dos bodes montanheses. Admito que não foi uma das minhas decisões mais inteligentes. A garota usava um elmo romano e o metal cortou o meu supercílio, fazendo uma cachoeira de sangue se derramar sobre os meus olhos, mas eu não me importei no momento. Aliado com a minha cabeçada, o empurrão que eu dei com o escudo fez a jovem romana cair estatelada no chão, de onde ela descobriu que era muito mais difícil levantar com um escudo daquele tamanho. A lança dela estava em minha mão e o pânico em seus olhos mostrava que ela sabia que eu pretendia fazer uso daquela arma.

Mas então o berrante soou distante e todas as batalhas pararam. Até eu ergui os olhos para ver o que estava acontecendo - mesmo que eu já soubesse -, o que foi um erro. A garota que eu derrubara se aproveitou da minha momentânea distração e, livrando-se do escudo, me passou uma rasteira e se levantou, correndo na direção da qual o som viera.

Eu cai quase batendo a cabeça no chão enquanto tentava segurar o riso ao ver ela e o restante dos romanos que haviam ficado para trás correndo para longe. Para leste. Juro que quase estraguei o plano todo com a vontade que eu estava de gargalhar.

Tinha dado certo. Chris tinha conseguido. Agora era só torcer para que ele consiguisse fugir.

Um dos meus irmãos me ofereceu a mão para que eu me levantasse enquanto os outros já começavam a disparar atrás dos romanos fugitivos.

— Voltem aqui, seu bando de idiotas! - bradei me colocando de pé com o ombro e a testa latejando - Não vale a pena ser capturado!

— O que você quer dizer com isso?! - o irmão que me ajudara me perguntou com assombro - Todos os nossos amigos foram naquela direção!

— Fale mais baixo! - repreendi limpando o sangue dos olhos, o que não foi de muita ajuda porque mais continuava a escorrer da ferida em minha testa - Quíron saiu para leste, mas levou o grupo para oeste por dentro da floresta. Esse sinal quem soou foi Chris para levar as tropas deles para a direção oposta à que vamos usar para fugir.

— Mas e quando os romanos de vigia daquele lado nos avistarem? - perguntou uma garota, que trazia um enorme talho em sua bochecha - Eles não vão chamar reforços?

— Adoraria ver eles tentarem sem os berrantes. - resmunguei pegando a ponta quebrada da minha lança e olhando para ela com raiva - E mesmo que consigam, vão levar tempo de mais para nos alcançar agora que a grande maioria das suas forças foi desviada. - guardei o objeto em um dos bolsos do meu cinto e me virei para os meus irmãos, todos machucados e com ares exaustos, mas vivos, o que me deixava aliviada - Por enquanto, vamos dar o fora daqui antes que eles se toquem que foram feitos de trouxas.

Com sorrisos de zombaria, arrancamos energia das nossas últimas reservas e corremos para oeste, para a nossa liberdade.

————X————

O acampamento improvisado que havíamos montado na beirada do lago Tahoma em nada se parecia com aquele que tínhamos no Monte Mitchell. Não havia barracas encantadas para isolar ruídos nem pégasos pastando nas proximidades. Nenhuma fogueira fora acesa e não havia discos de bronze celestial para fazer a iluminação da enfermaria temporária. Improvisáramos como podíamos com armas e escudos amarrados nas árvores para que os poucos filhos de Apolo restantes pudessem cuidar dos feridos. E eram muitos feridos para pouco néctar e ambrosia. Não havíamos conseguido recuperar quase nada das barracas em chamas. Armas, suprimentos... Não via como conseguiríamos sobreviver sem nada disso em uma marcha de volta para Long Island. Já havia me reunido com alguns filhos de Atena para discutir o assunto e nossas opções não eram nem um pouco promissoras.

O plano de Chris funcionara perfeitamente bem. Quando eu e meus irmãos alcançamos a passagem, Quíron e o restante dos gregos já tinham passado por lá, deixando uma dezena de soldados desacordados. Eu queria ter estado lá apenas para ver a cara de espanto deles ao perceberem que estavam prestes a enfrentar um batalhão quatro vezes maior que o deles e sem a possibilidade de pedir reforços. A fraqueza dos romanos era que eles sempre procuravam a força nos números.

Agora eu estava à beira do lago, olhando para a superfície calma ondular suavemente com a brisa, distorcendo o reflexo do céu e da margem com uma bandagem em volta da testa e um curativo no ombro. Meus olhos estavam focados na montanha distante. Leváramos quase dez horas caminhando para chegar ali. Não havíamos visto nenhum sinal de Annabeth ou Percy pelo caminho. Eu realmente esperava que os dois estivessem bem longe dali àquela hora, ou toda aquela batalha teria sido em vão. Fora muita sorte que nenhum dos nossos tivesse morrido.

Mas havia outra pessoa que não dera sinal até agora e as minhas entranhas ficavam cada vez mais geladas com o passar das horas.

Chris ainda não dera as caras. Era por isso que eu estava ali no lago, olhando esperançosa para o cume de uma montanha que só agora a pouco parara de soltar fumaça. O sol estava alto, dando ao céu um tom de azul claro típico do verão. Não havia águias dessa vez no horizonte. Todas haviam partido no meio da tarde de ontem, nos forçando a ficar escondidos entre as árvores, um olho no céu e outro no caminho que seguíamos.

O som de cascos se aproximando atrás de mim me fez desviar a atenção da montanha. Quíron se prostrou ao meu lado, cansado. Ele passara a noite inteira ajudando os filhos de Apolo com os feridos e sua aparência estava tão ruim quanto a de qualquer um dos campistas ali presentes. Os cabelos castanhos pareciam mais desgrenhados do que de costume e a barba estava definitivamente desalinhada, como se alguém tivesse passado um pente puxando todos os fios para um dos lados. A farda estava manchada com o que podia ser suco de uva ou sangue e ele ainda trazia pendurado nas costas seu arco e sua aljava.

— E então? - perguntei com uma pitada de esperança na voz.

— Nenhum sinal dele. - o centauro negou com a cabeça, cruzando os braços e focando os olhos castanhos em mim - Podemos esperar mais um pouco se você quiser.

Comprimi os lábios e neguei com a cabeça.

— Não. - falei, mas minha voz parecia mais um sussurro - Ele não vai voltar. Temos que dar o fora daqui antes que os romanos resolvam procurar nas redondezas.

— Clarisse... - começou Quíron, mas eu ergui a mão para lhe interromper.

— Não. - falei, dessa vez com mais intensidade, sentindo minha garganta queimar e meu coração ficar frio - Ele se foi, Quíron. Capturado ou morto. Não importa. Não podemos ficar aqui e permitir que o sacrifício dele tenha sido em vão. Ele não ia querer isso. - fiz uma pausa para olhar para o lago. O Monte Mitchell tremulava em sua superfície, como se estivesse prestes a desaparecer - Vamos levantar acampamento e nos reunir com as nossas tropas mais próximas. De lá seguimos para Nova York ou então arrumamos outra coisa para fazer.

Quíron assentiu ficou em silêncio, apreciando a paisagem calma. Eu encarei a montanha arredondada ao longe com tristeza.

— Papadopoulos. - murmurei com amargor, sentindo uma lágrima escorrer pelo rosto. Nada mudou. Chris não pulou de dentro de um arbusto gritando surpresa e rindo da minha cara por ter me preocupado a toa. Não. Tudo continuou exatamente como estava antes.

— Você disse alguma coisa, criança? - perguntou Quíron com seu tom paternal.

Neguei com a cabeça e dei as costas ao Tahoma e ao Monte Mitchell, me afastando em direção ao acampamento com a culpa pesando em meus ombros.


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Notas finais do capítulo

Vocabulário:
¹ "Vá para os corvos!": xingamento grego que, se você colocar no google tradutor, vai aparecer como significado "É uma porcaria", embora eu ache que ele esteja sendo eufêmico.
² "Dividir em pares"

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Por hoje é só pessoal! Espero que tenham gostado! Deixem suas dúvidas, correções, sugestões e críticas nos comentários. Não tenham vergonha. Feedback é sempre bom pros autores ;)

Ah! Pra quem não sabe: Alabaster é um personagem do universo do PJO/HDO, sim. Ele aparece no conto Filho da Magia, por Haley Riordan, filho do Tio Rick, e que foi publicado junto com outros contos curtos no livro extra "O Diário do Semideus". Ele não consta na lista de personagens no Nyah!, mas ele vai aparecer mais vezes aqui na minha fic.

Enfim. É isso. Nos vemos sexta ou século que vem ;)



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