A Nossa Secessão escrita por Bela Escritora


Capítulo 7
Annabeth Chase: A culpa é das fogueiras!


Notas iniciais do capítulo

HEY-YO, pessoas!

Como vão vocês? Aproveitando o feriadão? Eu estou estudando, mas consegui arrumar tempo para trazer para vocês mais um capítulo!

YAY!

Sim. É isso mesmo que vocês leram no título. Estamos de volta com o lado grego da história.

Espero que gostem. Boa leitura a todos!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/739115/chapter/7

4 de Julho de 1863:

Quando tudo está dando certo, saiba que algo vai dar errado. É assim que a vida dos semideuses funciona, não importa o quanto você tente mudar isso. Se isso parece irritante para um filho de Ares, imagine o quanto não é para uma filha de Atena. Não, nossa mania de fazer planos não nos salvava das garras do destino. As Moiras são bem cruéis nesse aspecto...

Depois que consegui convencer Percy a ficar no acampamento eu passei para o próximo passo da minha ideia maluca: Convencer Quíron e Clarisse de que ela era a única saída para manter o filho de Poseidon do nosso lado. Para isso eu precisava reunir os meus melhores argumentos. Não para o centauro, mas para a filha de Ares. Ela com toda a certeza se oporia a mim a qualquer custo, como forma de revidar o “sequestro” de sua preciosa carruagem voadora. Esse comportamento infantil dela me dava nos nervos, mas não havia nada que eu pudesse fazer quanto a isso. Infelizmente para mim isso significava passar boa parte do que me restava de noite acordada pensando em como explicar a situação para ela sem ser empalada em sua lança elétrica.

Pela manhã eu não estava tão disposta para ter uma discussão daquele porte quanto eu gostaria. Na verdade a minha vontade era me enrolar nos cobertores e passar o resto do dia escondida em minha cama, mas o restante dos meus colegas de tenda não me permitiram esse privilégio. Com eles acordados eu não vi outra opção se não me levantar e começar a me arrumar. Como general, eu precisava dar o exemplo. E isso significava levantar de manhã exausta e ajudar a organizar o acampamento.

Era em momentos como esses que eu amaldiçoava Quíron por ter me escolhido para esse cargo.

Não demorei muito para me arrumar. Até porque, não tinha muito o que arrumar. Vesti a casaca militar, prendi o chapéu no cinto e ajeitei o cabelo em um rabo de cavalo. Fiz a cama, lavei o rosto e peguei a minha faca escondida sob o travesseiro. Olhar para a lâmina de bronze celestial fez um sentimento de ansiedade apertar o meu estômago. Será que Luke tinha conseguido chegar ao Acampamento? Será que ele já tinha dado alguma notícia?

Apertei o cabo de couro e embainhei a arma. Luke estava bem. Ele sabia se cuidar. Droga, ele tinha cuidado de mim por meses. Eu não precisava me preocupar com ele. Mas não conseguia não fazê-lo. Luke era como um membro da minha própria família, um irmão mais velho que eu admirava. E eu o enviara naquela missão. Se algo acontecesse com ele... Não podia permitir que o que acontecera com Thalia se repetisse...

Isso! Pense em Thalia! Traga a tona todas as suas memórias tristes! Respirei fundo. E era por isso que eu odiava dormir pouco. Meu cérebro parecia não me obedecer quando eu não descansava direito e me arrastava para lugares que eu não queria ir, o que não era algo muito bom quando você tinha que bolar estratégias para um batalhão inteiro. Relanceei um último olhar para o meu reflexo exausto em um pedaço de espelho pendurado em um dos pilares da tenda e contive um suspiro. Não tinha tempo para ficar me lamentando. Ergui a cabeça e, com passos firmes, deixei o calor agradável do interior do pavilhão.

Do lado de fora, o acampamento começava a acordar. Campistas em seus uniformes de soldados da União se espreguiçavam ao saírem das tendas e acendiam algumas fogueiras pequenas para esquentar café e pão. Todos pareciam dispostos a permanecerem mais uma boa meia hora dormindo, mas em uma guerra como a que estávamos o dia começava quando o sol raiava. Não havia a opção de ficar até mais tarde na cama a não ser que você estivesse na enfermaria.

Passei rápido por entre as tendas, recebendo alguns poucos cumprimentos no meio do caminho. A grande maioria estava focada de mais em seu sono e em seu café para perceber a minha passagem. Eu não me importei. Ao contrário dos romanos, nós não nos importávamos tanto com a hierarquia militar. Ainda éramos um bando de adolescentes que se conheciam de um acampamento de verão em Long Island.

Não demorou muito para que eu chegasse à tenda central. Ela fazia as vezes de Casa Grande naquele acampamento improvisado. Reuniões, conselhos de guerra, preparação de missões... Tudo que era importante acontecia ali dentro. Claro que, nas raras vezes que Quíron resolvia aparecer, ela também servia como sua barraca pessoal. Por conta disso, eu esperava encontrar ele lá dentro. Mas o lugar estava vazio.

Olhei ao redor, confusa. Ótimo! Tinha conseguido perder um centauro! Com a sorte que eu tinha, isso era bem provável. Deixei escapar um bufo de irritação e olhei ao redor, em busca de alguma pista que me indicasse que Quíron tinha ido embora na calada da noite e voltado para o Acampamento Meio-Sangue, mas não havia nenhum bilhete me informando de qualquer coisa. Isso significava que ele provavelmente ainda estava no Monte Mitchell. Ele não iria embora sem ao menos me avisar. Pelo menos era isso que eu repetia para mim mesma enquanto deixava a tenda para procurá-lo.

Apesar de ser verão, o local em que estávamos era gélido a qualquer hora do dia graças a altitude. Eu e Clarisse concordávamos que aquele era um ponto estratégico importante, que nos permitiria observar o avanço de tropas inimigas a uma distância muito grande, mesmo que o chão ao nosso redor estivesse coberto de floresta. Era melhor do que estar no meio da floresta, onde até um bebê mortal conseguiria montar uma emboscada. Porém aquilo tinha um preço. O frio era um deles. A exposição era o outro. Tínhamos escolhido uma clareira na encosta, em um ponto relativamente alto. De lá, conseguíamos ver bem o horizonte e o vale abaixo sem muitos obstáculos no meio do caminho, mas isso também significava que as águias dos romanos também conseguiam nos ver com a mesma facilidade. Por isso mesmo havíamos erguido barreiras mágicas de Névoa ao redor do acampamento, mas ainda assim, todo cuidado era pouco. Clarisse chegava a ser até um pouco neurótica de mais com as regras, mais neurótica do que eu, e isso me assustava.

No final eu estava certa quanto à Quíron. Depois de uma boa meia hora caminhando sem rumo por entre tendas coloridas, finalmente encontrei um filho de Hefesto que soube me informar os paradeiros do centauro, e eu rapidamente me encaminhei para o local que ele me indicara.

Quíron estava com Clarisse na orla da floresta, acompanhando os treinamentos matutinos de arco e flecha. Eu desejei que os filhos de Apolo e os outros campistas arqueiros parassem de treinar em tocos e placas de madeira. O som seco das setas atingindo o alvo ecoava por todo o vale, fazendo um ótimo trabalho em denunciar a nossa posição. Eu já havia falado sobre isso com o seu representante, mas eles haviam alegado que não podiam usar lona e palha, pois os curandeiros precisavam delas para fazer curativos e alimentar os pégasos. Eu fora forçada a me conformar com o barulho, porque não podia simplesmente acabar com o treino. A única coisa que eu podia fazer era torcer para que a barreira de Névoa também ocultasse ruídos.

— Lee, erga mais esse cotovelo ou sua flecha vai sair torta! - bradou Quíron com os braços cruzados em toda a sua pose de centauro treinador de milhares de anos.

Clarisse parecia genuinamente entediada enquanto assistia os filhos de Apolo armarem o arco e atirarem em uníssono a um comando. As setas atingiram várias placas de madeira colocadas a cinquenta metros deles em um único TUMP seco que se espalhou pela clareira em um eco característico.

— Quíron. Clarisse. - chamei, no que era também um cumprimento da minha parte - Preciso falar com vocês.

— Bom dia para você também. - a outra resmungou, se virando para me olhar. Apesar de tentar disfarçar, ela estava exausta. Seus olhos inchados e olheiras profundas deixavam isso bem evidente.

— Algum problema, Annabeth? - Quíron perguntou em seu típico tom paternal.

Isso vai depender de vocês, pensei, nem um pouco animada com a ideia de revelar o meu acordo com Percy.

— Podemos conversar em um lugar mais particular? - pedi - O assunto é um pouco delicado.

Os dois se entreolharam brevemente, provavelmente tentando prever o que eu tinha para lhes contar. Por fim, o centauro assentiu tranquilamente e seguiu em direção à tenda central. Clarisse foi logo atrás. Não sem antes dar um grunhido de raiva e contrariedade. Em suas costas, sua lança elétrica de bronze celestial brilhava, mortífera e eu me arrepiei só de pensar em ter que enfrentá-la com aquela coisa por perto. Mas não deixei a minha expressão vacilar. Eu era uma filha de Atena. Precisava me mostrar forte diante de todos os obstáculos. Não podia falhar nisso.

Deixei que a filha de Ares fosse à frente e lancei um olhar rápido para o treinamento dos arqueiros, completamente absortos em praticar conformações de combate e diferentes sequências de tiros. Eles nem haviam notado que Quíron parara de gritar dicas e correções para eles. Ou, se notaram, tinham me visto por perto e entendido que o seu treinador se retirava para resolver assuntos mais sérios. Com um suspiro reprimido, segui atrás da dupla, usando todo o tempo da caminhada para me preparar psicologicamente para o que viria a seguir.

—————X—————

— Sobre o que você queria conversar, querida? - perguntou Quíron assim que passei pela entrada da tenda, deixando a lona encantada se fechar atrás de mim, nos isolando do mundo externo.

— Sobre Percy. - comecei com calma. Resolvi que seria melhor se eu explicasse toda a situação que antecedeu o acordo. Talvez assim, Clarisse compreendesse que eu tinha feito a melhor escolha possível, dada a minha posição, mas eu duvidava muito.

Contei para eles tudo o que aconteceu na noite anterior. Percy tentando fugir, sua obstinação em não abandonar a mãe e o trato que havíamos acordado. Assim que mencionei os termos que tinha usado para convencer o filho de Poseidon a ficar com a gente, a filha de Ares fechou a cara e partiu para cima de mim. Não recuei, apesar de já estar me preparando para assinar meu atestado de óbito. Para a minha sorte, Quíron resolveu interceder a meu favor, segurando Clarisse pelo ombro e puxando-a levemente para trás, afastando-a de mim de forma delicada.

— Me larga! - ela bradou enfurecida e se virou para mim - Como você ousa fazer um acordo desses sem consultar a mim ou Quíron?!

— Eu não tive escolha, Clarisse. - respondi - Era isso ou assistir ao garoto fugir.

— Chamasse os guardas! - ela rebateu, se libertando das mãos do centauro, mas ficando no mesmo lugar.

— Isso só ia estimulá-lo a tentar de novo depois. Sem falar que ele podia tentar resistir. - um calafrio percorreu a minha espinha só de pensar em Percy usando os poderes dele ali no meio do acampamento - Temos que tomar cuidado enquanto lidamos com ele, ou vamos acabar fazendo com que ele mude de lado por escolha própria.

— Isso é um absurdo! - Clarisse parecia prestes a pular no meu pescoço - Nós salvamos a vida daquele imbecil. Ele não tem o direito de nos trair!

Quíron colocou uma mão em seu ombro de forma conciliadora.

— Annabeth está certa nesse aspecto, querida. - ele falou com calma e a filha de Ares cruzou os braços, claramente contrariada - Percy é filho de Poseidon. O mar não gosta de ser controlado. - ele me lançou um olhar de dúvida - Ainda assim, não concordo com o último termo do acordo. Não estamos em condições de dividir nossas forças para garantir que Percy esteja protegido.

— Concordo que foi impensado. - admiti, mordendo a parte interna do canto da boca - Mas não precisamos deslocar nossas forças. Podemos dar a Percy um treinamento básico e ensiná-lo a usar as mensagens de Íris. Assim ele não ia precisar do nosso cuidado cem por cento do tempo.

Quíron pareceu ponderar a minha ideia, mas seu rosto ainda demonstrava dúvida quanto à eficiência. Clarisse parecia querer pedir aos deuses que seus olhos se transformassem em lançadores de dardos venenosos.

— Nada disso importa se o garoto tiver se usado desse ardil para ganhar tempo e fugir depois que você tivesse baixado a guarda. - a garota resmungou.

Foi como se eu tivesse levado uma bofetada na cara. Percy não faria isso. Faria?

— Eu não acho que...

— Annabeth, você já viu Percy hoje? - perguntou Quíron, sua voz carregada de preocupação.

Deixei escapar um palavrão em grego antigo e disparei para o lado de fora da tenda. Eu sentia como se tivesse engolido uma pedra. Como pudera ser tão estúpida?! Será que eu realmente achava que podia comprá-lo com um acordo como aquele? Eu vira sua expressão! Ele não confiava que eu conseguiria manter minha palavra! Por que raios de Zeus eu tinha confiado nele?!

Corri pela grama batida em direção à barraca dos mensageiros. Algumas cabeças se viraram para me olhar preocupados, muitos já pegando em armas e olhando para os céus, em busca dos inimigos, mas como eu não dei nenhuma ordem, os campistas permaneceram em seus lugares, com olhares apreensivos.

Percy estava sentado no chão ao lado da entrada da tenda. Tinha a aparência de alguém que não tinha dormido bem e segurava entre os pés um balde com água fresca. Seus olhos estavam fixos no conteúdo e de seu ombro pendia o berrante de chifre de Minotauro. Senti meus músculos relaxarem, apesar do meu coração ainda estar disparado por conta da corrida. O garoto deve ter se sentido observado, porque ergueu a cabeça e se virou para me encarar. Sua expressão me assustou. Ele parecia prestes a vomitar as próprias tripas.

Preocupada, eu me aproximei.

— Percy? Está tudo bem?  - perguntei, me colocando diante dele. Com a minha visão periférica, captei Quíron e Clarisse se aproximando pelo mesmo caminho que eu fizera.

Ele assentiu, sem muita convicção, voltando a encarar a água. Seu reflexo tremulou na superfície, fazendo seu rosto parecer ainda pior.

— Os filhos de Hermes aprontaram alguma coisa com você? - insisti, já lançando um olhar irritado para a entrada da tenda. Conseguia ouvir as risadas deles lá dentro e me perguntei se tinham dado alguma comida envenenada para o recém chegado, como uma forma de batizá-lo.

— Não tem nada a ver com os mensageiros. - ele resmungou em resposta. Sua voz estava fraca e trêmula.

— O que há com ele? - perguntou Clarisse, claramente insatisfeita com o fato de sua teoria da conspiração ter sido refutada - Não vai me dizer que ele ficou doente.

Percy lhe lançou um olhar irritado. Pela sua expressão, os dois já tinham se conhecido e não iam muito com a cara um do outro.

— Eu estou aqui, ok? - o garoto murmurou - Não precisa falar de mim em terceira pessoa.

A filha de Ares abriu a boca para argumentar, mas foi Quíron que falou a seguir.

— O que aconteceu, Percy? - sua voz estava carregada de preocupação paternal, apesar de eu perceber que ele lutava para manter o tom neutro.

O filho de Poseidon passou as mãos pelos cabelos desgrenhados, afastando-os do rosto.

— Eu... - ele deu um sorriso sem graça - Não foi nada importante. Não se preocupem.

— Percy, você não parece nada bem. - insisti - O que quer que tenha acontecido, você pode falar pra gente. Te garanto que coisas mais estranhas já aconteceram antes.

Clarisse grunhiu em concordância. O garoto mordeu o lábio inferior, pouco convencido, e desviou os olhos para a grama. Como se aquilo lhe lembrasse de algo, ele tremeu levemente e esfregou o rosto com as mãos.

— Eu tive um pesadelo, nada de mais. - ele falou por fim com um tom duro, como se repreendesse a si mesmo.

Uma mão gelada apertou o meu coração e eu novamente tive a sensação de que tinha comido pedras no café da manhã. Quíron reagiu de forma nervosa à informação, batendo com o casco dianteiro esquerdo no chão e Clarisse fez uma careta, como se alguém tivesse forçado um sapo em sua garganta e agora ele estivesse entalado lá.

— Que tipo de pesadelo? - minha voz saiu rouca.

Ele ergueu os olhos para mim e não precisou responder. A mensagem era muito clara. Do tipo que deixa você acordado o resto da noite.

— Foi só um sonho. - ele resmungou, desviando o olhar.

— Percy, sonhos são a forma que os deuses se comunicam conosco. - Quíron falava com o seu tom professoral costumeiro, mas eu consegui captar o nervosismo em sua voz - Eles são mensagens, às vezes até visões do presente, passado ou futuro.

A cor fugiu do rosto do filho de Poseidon.

— Você quer dizer que eles podem se tornar realidade? - ele perguntou em um tom assustado. Seu medo era quase palpável.

— Se já não tiverem acontecido, então sim. - o centauro respondeu com cautela.

A pele de Percy pareceu ganhar um tom doentio de verde, como se tentasse ficar da cor de seus olhos.

— O que foi que você viu, garoto?! - rugiu Clarisse, alarmada.

Ele abriu a boca como um peixe fora d’água tentando respirar, mas nenhuma palavra saiu. Seus olhos se moviam, ansiosos, de um lado para o outro. Ele parecia estar revivendo o que vira durante a noite, como se tentasse encontrar algo que provasse que aquilo não era uma visão.

— Percy! - chamei com urgência.

Ele tornou a erguer os olhos para mim e naqueles dois lagos verdes eu vi pânico.

— Precisamos sair daqui. - ele falou em um meio fio de voz - Alguém entregou a posição de vocês para os romanos. Eles estão vindo para cá!

Senti como se as Moiras estivessem tecendo as minhas tripas. Não. Aquilo não podia ser verdade.

— Quem?! - rugiu Clarisse. Seu rosto parecia não conseguir se decidir entre o vermelho da raiva e o branco do pânico.

— Eu não sei... Eu...

Antes que ele pudesse terminar a frase, alguém soou um grito de alerta.

— Águias romanas no horizonte!

O chão pareceu se partir sob os meus pés. Aquilo não podia estar acontecendo. Quem seria tolo o bastante para nos trair para os romanos?! Ergui o olhar para o horizonte e o que eu vi quase me fez ter vontade de sair correndo gritando e me esconder no buraco mais próximo. Centenas de águias e pégasos voavam em nossa direção, formando batalhões bem definidos. Com certeza estavam em maior número do que nós. Estimei uma desvantagem de cinco para um, mas podia estar errada. Quanto mais eles se aproximavam, mas numerosos eles pareciam ser.

Clarisse fechou a cara. Sua expressão era mais assustadora do que o rosto da medusa entalhado no escudo de Thalia. Honestamente, eu preferia enfrentar um drakon com apenas os meus punhos do que Clarisse quando ela estava com raiva.

— Malditas fogueiras. - ouvi ela grunhir - Eles nos acharam por causa das malditas fogueiras.

Eu não tinha certeza se ela tinha ouvido o que Percy dissera, que alguém havia traído o Acampamento, mas suspeitei que ela, tal como eu, não queria acreditar nessa versão. Era doloroso de mais.

Os nossos soldados estavam em frenesi. Correndo desesperados por entre as tendas, pegando equipamentos e vestindo armaduras por cima do uniforme da União de forma apressada. A expressão em seus rostos era de derrota. Ninguém estava disposto a lutar aquela batalha.

— Ah não... - Percy murmurou olhando para o céu - Não, não, não, não, não, não, não! - a cada não, ele se afastava um passo para trás, como se pudesse fugir da horda de romanos que se aproximava cada vez mais. Quíron colocou uma mão em seu ombro para impedir que ele saísse correndo, ou talvez para tentar acalmá-lo - Vocês precisam sair daqui! - ele parecia desesperado - Eles vão massacrar vocês! Cada um de vocês!

Aquilo pareceu me arrancar do meu transe. Eu me virei para encará-lo com um olhar tão determinado que ele deu outro passo atrás. Agarrei o berrante na lateral de seu corpo e, com todo o ar que consegui puxar para os meus pulmões, soei o alerta.

Se o acampamento já estava caótico antes, depois que o som se espalhou como uma mortalha pela montanha e desceu pelo vale, a situação só piorou. Semideuses dispararam para fora das suas tendas com expressões duras no rosto e tive que empurrar Percy para fora do caminho para não sermos atropelados pelos filhos de Hermes. Arqueiros vieram da região em que estavam treinando, as flechas já encaixadas nas cordas, se posicionaram na encosta e miraram, apenas esperando o comando para atacar. Filhos de Ares correram por entre as barracas, disparando ordens para os grupos dos quais eram responsáveis e armados até os dentes. Curandeiros filhos de Apolo começaram o processo de evacuação dos feridos. Muitos destes protestavam, dizendo que estavam em condições de lutarem. Os médicos apenas lhes lançavam olhares duros e os guiavam para longe do que logo se tornaria um campo de batalha.

— Isso não estava nos meus planos para hoje! - Clarisse bradou, arrancando a lança elétrica das costas.

Virei-me para Percy. Não conseguia mais ficar olhando para os romanos se aproximando. O sentimento de impotência que isso me dava era paralisante de mais. Eu precisava fazer alguma coisa. O garoto parecia aterrorizado. Seus olhos estavam tão arregalados que eu tive medo que eles saltassem sozinhos das órbitas.

— O que você viu exatamente? - falei com dureza.

Ele piscou e me olhou como se não entendesse o que eu estava falado.

— Eu... Eles... Eles vão destruir isso aqui. - ele conseguiu falar - A força deles é muito mais numerosa do que a de vocês. Mas esse não é o principal problema. Eles têm alguém que... Alguém que consegue... Manipular a realidade. Ela vai dispersar suas tropas. Eu lembro de fogo... Muito fogo. Eles vão incendiar todo o acampamento. Não vai sobrar nada. Os que ficarem vão morrer. Os que fugirem vão ser capturados. Eles cercaram a montanha.

— Resumindo, - interrompeu Clarisse. Seu rosto era uma mascara de ódio - Não temos saída.

Ela tinha razão. Não tínhamos pégasos para todos para fazermos uma evacuação. Se o que ele dizia era verdade, Hazel Levesque estaria com eles. Mesmo que tentássemos fugir, ela nos prenderia em um labirinto de Névoa, nos imobilizando com distrações que nem estavam ali. Estávamos derrotados antes mesmo de começar a lutar.

— A quanto tempo você sabe desse ataque? - sibilou a filha de Ares em um tom perigoso.

Percy abriu a boca para responder, mas eu o interrompi.

— Isso não é importante. - falei. Estava claro que o filho de Poseidon sabia daquela informação desde madrugada. Se ele tivesse nos procurado antes, poderíamos ter escapado. Mas eu não podia culpá-lo por isso. O garoto era novo naquela história de semideus. Ele não entendia como as coisas funcionavam no nosso mundo. Mesmo assim, eu não conseguia evitar uma pontada de raiva - Precisamos organizar nossas defesas para resistirmos o máximo de tempo possível. Comprar tempo para que alguém leve Percy para fora daqui. Ele ainda é nossa prioridade. Não podemos permitir que os romanos coloquem as mãos nele ou nunca vamos conseguir ganhar essa guerra.

— Você vai levá-lo. - decidiu Quíron em um tom frio.

— O quê?! - perguntei, abismada - Quíron, eu preciso ficar! Essas são as minhas tropas, os meus amigos que estão lutando! Não posso simplesmente abandoná-los!

— Ah, mas você vai, Espertinha! - Clarisse me fuzilou com os olhos - Não podemos nos dar ao luxo de sermos capturadas juntas. Isso acabaria com a guerra de uma vez. Você vai levar o filho de Poseidon até o Acampamento Meio Sangue e vai reorganizar as nossas tropas. Vai garantir que o que aconteceu aqui hoje nunca volte a se repetir. E vai descobrir quem é esse maldito traidor que entregou os nossos traseiros para os romanos.

Trinquei os dentes. Ela estava certa. Se nós duas fossemos capturadas, a guerra acabava. Os romanos iam nos forçar a assinar um acordo de rendição e todas as nossas perdas, todos os nossos sacrifícios teriam sido em vão. Sentia vontade de me encolher no chão e chorar. De gritar para os céus, dizendo que não era justo. Mas não podia fazer isso. Tinha que me manter forte.

— Por que eu tenho que acompanhá-lo? - perguntei em um tom irritado. - Até você tem que admitir que eu sou melhor do que você em estratégias, Clarisse.

A filha de Ares sorriu de forma selvagem. Ou ela concordava comigo e achava divertido o fato de eu estar usando esse argumento, ou ela estava planejando o jeito mais doloroso de me matar mais tarde caso nós duas sobrevivêssemos àquele desastre.

— Meu pai nunca mais me ajudaria em mais nada se eu fugisse dessa batalha. - ela resmungou cruzando os braços - Além do mais, nenhuma estratégia pode nos salvar agora, espertinha. - a general se virou para Percy com olhos cuspindo fogo - E você, seu inútil... Se ela morrer, você morre também.

O filho de Poseidon engoliu em seco. Depois ergueu os olhos para o céu e seu rosto ficou pálido.

— Cuidado!

Ele se jogou sobre mim, me empurrando para o chão. Onde eu estava em pé segundos antes, uma flecha incendiária caiu e explodiu. Senti o calor abrasador em minha pele e por um momento tive a impressão que meu uniforme estava em chamas.

— Vão! - bradou Quíron, empinando e tirando o arco das costas.

Clarisse rugiu e atravessou a lança na asa de uma águia que deu um vôo rasante sobre a tenda de Hermes. O animal soltou um pio de dor e emborcou para o lado em pleno ar, caindo sobre a asa ferida e derrubando os dois soldados que trazia nas costas. Os semideuses romanos mal tiveram tempo de se levantar antes de serem atacados pela fúria da filha de Ares.

A batalha se espalhou por todo o acampamento. Flechas voavam em todas as direções, atingindo alvos e incendiando tendas. Soldados romanos pareciam chover sobre nossas cabeças, caindo na grama pesadamente. O clangor de espadas se espalhou pelo vale, junto com gritos de guerra e de dor. A cacofonia típica de campo de batalha logo encheu meus ouvidos. Vi Quíron atirar contra as águias, seu rosto duro como pedra. Eu sabia o quanto ele odiava ser arrastado para combates, mas principalmente, sabia o quanto ele desaprovava aquela guerra.

Registrei tudo isso nos microssegundos que eu levei para me desvencilhar de Percy e ficar de pé. Ninguém pareceu reparar em nós. Talvez os filhos de Hékate estivessem nos protegendo a pedido de Quíron, nos dando cobertura para a nossa fuga. Fosse o que fosse, não ia durar muito tempo. Não com Hazel Levesque ali. Captei um lampejo dela, montada em seu cavalo de batalha, Arion, enquanto perseguia alguns dos nossos mensageiros com a espata em punho.

Por mais que eu quisesse ficar e ajudar, sabia que não podia. Contra a minha vontade, agarrei a manga de Percy e o puxei para cima. Ele ficou de pé meio desajeitado. Talvez tivesse se machucado na explosão ou ao me derrubar, mas não tínhamos tempo para aquilo agora. Puxando-o pelo braço, corremos juntos para a orla da floresta, deixando para trás os meus amigos com a promessa de morte pairando sobre suas cabeças.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E por hoje é só, pessoas!

Deixem suas dúvidas, sugestões, críticas e correções nos comentários e eu prometo que tento respondê-los o mais rápido possível.

O próximo capítulo pode demorar um pouquinho mais do que uma semana para ser publicado porque:

1) Tenho 3 provas semana que vem e ainda não terminei de escrever o capítulo;

2) Estou empacada em como escrever essa parte sob o ponto de vista da personagem que eu quero que narre (boa sorte tentando descobrir quem ;) ).

Enfim: Se tudo der certo, teremos um capítulo novinho em folha e fresquinho na sexta-feira que vem. Se tudo der errado, vou tentar não demorar mais de um mês para publicar, como aconteceu muitas vezes na minha outra fanfic (Coliseu).

Então é isso, pessoal! Nos vemos, provavelmente ainda nesse século.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Nossa Secessão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.